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Breves dilações jurisprudenciais sobre a responsabilidade civil do Estado

objetiva ou subjetiva?

Breves dilações jurisprudenciais sobre a responsabilidade civil do Estado: objetiva ou subjetiva?

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CASO 1 – CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS POR SUPOSTA AGRESSÃO POLICIAL, NO MONTANTE DE R$ 20.000,00

(AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 573.939 - RR [2014/0220348-6])

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. AGRESSÃO POLICIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ENTE PÚBLICO. DANOS MORAIS. REVISÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. O MAGISTRADO FICA HABILITADO A VALORAR, LIVREMENTE, AS PROVAS TRAZIDAS À DEMANDA. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA COM RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

Cuida-se de Ação Ordinária em que o autor busca indenização por danos morais por ter sido encaminhado à delegacia de polícia e lá mantido para prestar esclarecimentos, sob a acusação de tentativa de estupro, que, na realidade, não teria ocorrido. O Juízo de Primeiro Grau condenou o Estado de Roraima ao pagamento de indenização no valor de R$ 20.000,00. O Tribunal a quo, por sua vez, negou provimento ao Recurso de Apelação, mantendo a sentença integralmente.

No que tange à responsabilidade civil, para condenar o Estado de Roraima na quantia indicada, assim dispôs o eminente magistrado:

“A respeito da responsabilidade civil da Administração, adotou-se no Brasil, a teoria do risco administrativo, a qual a atribui ao Estado, de forma objetiva, a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Sobre o assunto, leciona o ilustre jurista SERGIO CAVALIERI FILHO:

A Constituição de 1988 disciplinou a responsabilidade civil do Estado no § 6o. do seu art. 37, que tem a seguinte redação: As pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

O exame desse dispositivo revela, em primeiro lugar, que o Estado só responde objetivamente pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. A expressão seus agentes, nessa qualidade, está a evidenciar que a Constituição adotou expressamente a teoria do risco administrativo como fundamento da responsabilidade da Administração Pública, e não a teoria do risco integral, porquanto condicionou a responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente da sua atividade administrativa, isto é, aos casos em que houver relação de causa e efeito entre a atuação do agente público e o dano. Sem essa relação de causalidade, como já ficou assentado, não há como e nem por que responsabilizá-lo objetivamente (Programa de Responsabilidade Civil, Atlas, São Paulo, 2012, p. 260/261).

9. No que tange a alegada ausência de comprovação de dolo ou culpa, o Tribunal de origem consignou:

O dano moral caracteriza-se por ser uma lesão à dignidade da pessoa humana, ou seja, é um dano extrapatrimonial que atinge os direitos da personalidade, conforme dito alhures.

(...)

In caso, o dano causado atingiu a dignidade da pessoa humana do recorrido, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito e que supera todos os demais direitos humanos (fls. 133/134).

10. Como se observa, o acolhimento da alegação deduzida no Apelo Nobre de que deve ser excluída a responsabilidade do ente estatal no caso em análise, tendo em vista a não comprovação de dolo ou culpa na conduta do agente estatal, demandaria a incursão no acervo fático-probatório da causa, o que encontra óbice na Súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.

11. Quanto a redução do valor da condenação, o Tribunal de Origem assim se manifestou:

Assim, a indenização deve consistir, ao mesmo tempo, em elemento compensador e pedagógico, de forma a impedir a reiteração da ação ou omissão danosa, considerada a situação econômica do ofensor e a situação pessoal do ofendido, circunstâncias que são avaliadas em cada caso.

Desse modo, estou convicto que o valor fixado pela magistrada de 1o. grau deve ser mantido, considerando a gravidade da ofensa e a repercussão do dano, haja vista o constrangimento sofrido pelo apelado, que foi humilhado não somente perante sua família, mas perante a sociedade já que teve sua imagem associada à de um criminoso através de mídia televisiva (134/135).

12. Sobre a questão, é pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que, em sede de Recurso Especial, a revisão do quantum indenizatório apenas é possível quando o valor arbitrado nas instâncias originárias for irrisório ou exorbitante. No caso dos autos, o valor arbitrado em R$ 20.000,00 não se mostra exorbitante a ponto de excepcionar a aplicação da Súmula 7/STJ.”

O julgado alhures traz à tona interessante debate sobre a responsabilidade civil do Estado, em específico no caso de agressão policial, quando imputa a alguém a condição de criminoso, arbitrariamente, agravada pela circunstância de os veículos jornalísticos locais terem propagado falsa informação para toda a comunidade, que ensejou a execração social do proponente da ação indenizatória.

A despeito de não ter acesso aos documentos cotejados no processo, é de entendimento razoável que, em casos da mesma estirpe, o Estado tem o dever de indenizar o ofendido em quantia não inferior à indicada na sentença em análise, obviamente, devendo-se levar em consideração pretensos fatores que possam vir a agravar o suposto dano sofrido. No caso em bedelha, vê-se, pelo inteiro teor do julgado, que as consequências da arbitrariedade policialesca engendraram quadrante extremamente ofensivo à dignidade do autor da ação, haja visto que sua imagem foi veiculada em canais locais/nacionais, estigmatizando-o diante da sua comunidade.

CASO 2 – ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL, OCASIONADO POR BURACO NA VIA – INDENIZAÇÃO EM DANOS MORAIS DE R$ 100.000,00

(REsp 1.356.978/SC, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 17.09.2013).

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. BURACO NA PISTA. MORTE DO MOTORISTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. OMISSÃO. OCORRÊNCIA DE CULPA. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. PROPORCIONALIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. SÚMULA 54/STJ. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 284/STF.

1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem analisa adequada e suficientemente a controvérsia objeto do recurso especial. 2. Na hipótese dos autos, restaram assentados no acórdão os pressupostos da responsabilidade subjetiva, inclusive a conduta culposa, traduzida na negligência do Poder Público na conservação das rodovias federais. O acolhimento da tese do recorrente, de existir culpa exclusiva da vítima, demandaria a incursão no conjunto fático-probatório dos autos, providência obstada pela Súmula 7/STJ. 3. Manutenção do valor fixado nas instâncias ordinárias por dano moral (R$ 100.000,00 - cem mil reais), por não se revelar nem irrisório, nem exorbitante. 4. Tratando-se de reparação por danos morais, nas hipóteses em que a responsabilidade é extracontratual, os juros são devidos desde o evento danoso, na forma da Súmula 54/STJ. 5. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é possível a cumulação de pensão previdenciária com outra de natureza indenizatória. 6. Apresentadas alegações genéricas no que respeita à fixação dos honorários advocatícios, aplica-se no ponto a Súmula 284/STF. 7. Recurso especial conhecido em parte e não provido

Ainda na mesma perspectiva, sobre a responsabilidade civil do Estado, o presente julgado traz divergência quanto à aferição da culpa, muito embora tenha cominado indenização no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em desfavor do Ente Federativo.  

No primeiro julgado, verificou-se a aplicação da responsabilidade objetiva, que prescinde da verificação da culpa ou dolo do agente causador do dano, de modo que é necessário apenas a visualização do nexo causal entre o dano sofrido pela suposta vítima e a conduta do agente. Nesse sentido, muito embora ambos os casos tratem de danos decorrentes do Poder Público, no caso do acidente de trânsito ora em comento, o julgador entendeu por necessário a visualização dos pressupostos da responsabilidade subjetiva.

Embora não seja o objetivo do presente trabalho se aprofundar nas espécies de responsabilidade civil do Estado, importa trazer à baila a presente discussão, merecendo destaque, ainda, o excerto adiante do relatório da Ministra  ELIANA CALMON no julgado em vergaste:

“A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de ser subjetiva a responsabilidade civil do Estado nas hipóteses de omissão, devendo ser demonstrada a presença concomitante do dano, da negligência administrativa e do nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público.

Confira-se, a propósito:

ADMINISTRATIVO.  PROCESSUAL  CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. SUBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.

2. A responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos.

3. Hipótese em que, conforme se extrai do acórdão recorrido, ficou demonstrado a existência de nexo causal entre a conduta do Estado e o dano, o que  caracteriza o ato ilícito, devendo o autor ser indenizado pelos danos suportados. Rever tal posicionamento requer, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ por esbarrar no óbice da Súmula 7/STJ.

Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 302.747/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 25/04/2013)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. INSS. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM DEBEATUR. REDUÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.

1. Hipótese em que o Tribunal a quo, soberano no exame da prova, julgou que são ilegais os descontos nos proventos de aposentadoria da autora, porquanto inexistente o acordo de empréstimo consignado, e que a autarquia previdenciária agiu com desídia ao averbar contrato falso.

2. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, caracterizada a responsabilidade subjetiva do Estado, mediante a conjugação concomitante de três elementos - dano, negligência administrativa e nexo de causalidade entre o evento danoso e o comportamento ilícito do Poder Público -, é inafastável o direito do autor à indenização ou reparação civil dos prejuízos suportados.

3. O valor dos danos morais, fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), não se mostra exorbitante ou irrisório. Portanto, modificar o quantum debeatur implicaria, in casu, reexame da matéria fático-probatória, obstado pela Súmula 7/STJ.

4. Recurso Especial não provido.

(REsp 1228224/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 10/05/2011)

Na hipótese dos autos, a Corte de origem, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu terem restado demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, como se vê do seguinte trecho do aresto recorrido, verbis:

"Ora, no caso em apreço, restou comprovado, sim, por meio dos documentos carreados aos autos, o nexo de causalidade entre a omissão da autarquia (má conservação da rodovia em que ocorreu o sinistro/buraco) e os danos causados aos requerentes, pois, como fartamente demonstrado ao longo da instrução, havia, na pista de rolamento da BR, no local do acidente, um buraco na pista.

Assim, resta comprovado o nexo de causalidade entre o fato e o dano, que ocasionou a morte do motorista, importando, por via oblíqua, na responsabilidade civil da Administração.

Registre-se que é de conhecimento público e notório a situação precária de certos trechos da BR-010 e o descaso do (s) Ente (s) responsáveis pelo zelo e bom estado das rodovias, desproporcionando satisfatórias condições de segurança aos usuários. Outrossim, no caso, a negligência total no cumprimento do dever de conservação das rodovias impõe risco desnecessário à vida e causa dano à esfera patrimonial e moral do cidadão, o que torna possível a condenação do DNIT à reparação civil pleiteada.

(...)

Provados os elementos da culpa administrativa, não há como o DNIT furtar-se de seu dever de indenizar, razão pela qual passo a analisar e quantificar os danos advindos do evento lesivo."(fls. 422)

Vê-se, portanto, que, para o arbitramento da indenização, foram analisados a presença do nexo de causalidade entre a omissão da autarquia e os danos perpetrados em desfavor dos requerentes.

Quanto à análise do valor dos danos morais cominados, entendeu a julgadora que a quantia arbitrada de R$ 100.000,00 não ultrapassa o equilíbrio, haja vista os danos experimentados pelos requerentes, familiares do falecido, por decorrência do descaso do Poder Público em efetivar a manutenção adequada das vias federais.


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