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Os limites da cognição dos embargos do devedor no âmbito da execução atípica do processo do trabalho

Os limites da cognição dos embargos do devedor no âmbito da execução atípica do processo do trabalho

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O texto analisa os meios de tutela de devedor em relação às execuções atípicas do processo do trabalho (execução dos créditos previdenciários e dos títulos extrajudiciais de competência da Justiça do Trabalho).

1.Considerações iniciais.

A execução continua a ser um capítulo inóspito no âmbito da processualística moderna. Por muito tempo relegada a um plano secundário, a tutela executiva, modernamente, representa a concretização de um jurisdição efetiva. O direito processual ortodoxo, de índole nitidamente liberal, concebia a tutela executiva como a fatia menos nobre da atividade judicante e sempre vislumbrou com grande reserva a intromissão no patrimônio e na vida privada do devedor. Daí porque, mesmo na bem sedimentada dogmática do direito processual civil, ainda persistem dúvidas e desencontros quanto à tessitura dos principais institutos norteadores da atividade jurisdicional executiva.

Ora, se esses problemas são enfrentados pelo direito processual civil, com muito mais virulência afloram no âmbito do direito processual do trabalho, onde nos ressentimos de uma construção dogmática mais consistente.

Dessa alegação podemos chegar à conclusão de que a análise da tutela executiva no âmbito do processo laboral é tarefa duplamente árdua, sendo ainda agravada pelo exacerbado laconismo legislativo da Consolidação das Leis do Trabalho sobre a matéria [01].

No presente trabalho, a despeito das dificuldades acima elencadas, pretendemos enfrentar tema que, embora pouco abordado pelos doutrinadores, apresenta interesses práticos e doutrinários extremamente relevantes. De fato, sem qualquer pretensão de erigir novas categorias jurídicas, objetivamos analisar os meios de tutela de devedor em relação àquilo que poderíamos chamar de execuções atípicas no processo trabalho, ou seja, a execução dos créditos previdenciários e dos títulos extrajudiciais preconizados pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876.

O termo execução atípica não é utilizado pela doutrina e não se enquadra em nenhuma categoria executória cível ou trabalhista. Também não é nossa intenção a criação de uma categoria própria, até porque as dimensões deste trabalho não são suficientes. No entanto, como as modalidades de tutela executivas acima descrita não se enquadram com perfeição nas categorias processuais ortodoxos, outro caminho não há que a categorização de atípica.

Como são atípicas na sua construção, as execuções acima enumeradas também apresentam atipicidade no que concerne aos meios de tutela que poderá o devedor manejar. Daí porque, nosso objetivo é sistematizar as formas de o devedor se defender diante do manejo das tutelas executivas atípicas.


2. A evolução do direito processual do trabalho brasileiro: da gênese vanguardista à acomodação surrealista.

É sabido que, nos dias atuais, temos um processo do trabalho ineficaz do ponto de vista de regulamentação legal e incapaz de atender às necessidades de uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Nem sempre foi assim. Na década de 1940, o processo do trabalho se apresentava vanguardista, rompendo com as barreiras de um processo civil extremamente formal, pautado pela dificuldade do acesso do cidadão e do efetivo formalismo na prática dos atos jurisdicionais. O processo formatado pela CLT, na primeira metade do século XX, trouxe inovações, como o acesso do cidadão ao judiciário sem a presença do advogado (art. 791), o pagamento das custas processuais no final do processo (art. 798), a oralidade como marca indelével da prática dos atos processuais (arts. 840, § 2º; 847; entre outros) e a eliminação das formalidades do recurso mediante a extirpação do termo de recurso [02] (art. 899). Além dessas características inovadoras, a Consolidação estabelecia algo que na época representava uma ruptura com as diretrizes ideológicas do processo até então vigente, ou seja, a possibilidade de execução da sentença por iniciativa do Juiz (art. 878).

Essa postura revolucionária e inovadora da década de 1940, no entanto, não se reproduziu ao longo do século XX. Pelo contrário, o direito processual do trabalho se retraiu e, desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, nós não tivemos nenhuma alteração mais contundente nos institutos básicos do processo do trabalho brasileiro. Coincidentemente, no mesmo momento histórico em que o processo do trabalho atinge seu mais alto grau de letargia, o processo civil começa a evoluir.

O Código de Processo Civil de 1973 teve o condão de sistematizar um direito processual mais moderno e eficiente em relação ao Código de 1939 [03]. No entanto, foram as alterações promovidas a partir de 1994 que conseguiram imprimir uma feição totalmente nova ao direito processual civil, principalmente com a generalização da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, nos termos do Código de Processo Civil, art. 273. Essa modificação estrutural das normas de processo civil culminou com a edição da Lei Nº 10.444, de 07 de maio de 2002, que, alterando os arts. 461 e 461-A do CPC, consagrou a desnecessidade de um processo executivo autônomo para as sentenças que contemplam obrigações de fazer, não-fazer e de entregar coisa. Recentemente, com a promulgação da Lei Nº 11.132, de 22 de dezembro de 2005, eliminou-se o procedimento executivo autônomo também para a execução de quantia certa constante de título executivo judicial.

Vê-se, pois, que o processo civil, hoje em dia, principalmente no que concerne à execução, apresenta uma regulação bem mais sintonizada com a necessidade de uma prestação jurisdicional rápida e efetiva do que o processo do trabalho. No entanto, tendo em vista o particularismo da processualística laboral, nós não podemos simplesmente absolver todas essas alterações havidas no processo civil e aplicá-las ao processo do trabalho. É indispensável uma construção dogmática diferenciada, posto que a ideologia que nutre o processo civil não é a mesma que alimenta o processo do trabalho.

Nesse sentido, o operador do direito processual do trabalho coloca-se em uma encruzilhada. Temos uma nítida ampliação quantitativa e qualitativa das demandas trabalhistas, todavia as nossas construções dogmáticas não estão aptas para gerenciar esses novos institutos. Ou seja, não acompanhamos o direito processual civil em seu processo evolutivo, no entanto, estamos diante da obrigação de oferecer resultados rápidos e efetivos para os jurisdicionados diante das novas necessidades sociais.

Esse problema não é recente, todavia veio a ser agravado, no âmbito da tutela executiva, com a introdução das espécies executórias aos quais ouso denominar de execuções atípicas. Como já afirmei anteriormente, essas chamadas execuções atípicas foram inseridas através da inclusão das execuções previdenciárias decorrentes de decisões trabalhistas e da inserção de títulos executivos extrajudiciais de índole trabalhista. A primeira modalidade executória surgiu no mundo jurídico, a partir da Emenda Constitucional Nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que incluiu o parágrafo terceiro no art. 114 da Constituição Federal [04]. A segunda modalidade de execução atípica teve seu nascedouro com a edição da Lei Nº 9.958, de 12 de janeiro de 2002, que, alterando o art. 876 da Consolidação das Leis do Trabalho inseriu, dois títulos extrajudiciais no âmbito da competência da Justiça do Trabalho.

Essas mudanças foram extremamente contundentes, pois não significaram apenas a transferência de um instituto do direito comum ao processo do trabalho, mas sim a criação de novos institutos específicos para o processo do trabalho. Observe-se que essas modalidades executórias são específicas do direito processual do trabalho, daí decorrendo a importância da correta delimitação de seus aspectos conceituais.

Não se pode deixar de mencionar que a edição da Emenda Constitucional Nº 45, de 08 de dezembro de 2004, ampliou de forma significativa as ações submetidas à apreciação da Justiça do Trabalho, o que repercute diretamente na ampliação da tutela executiva. No entanto, o alargamento da competência não criou nenhuma modalidade executória exclusiva para o direito processual do trabalho, e sim possibilitou a aplicação de institutos já existentes em outros ramos do direito [05]. Nesse caso, o trabalho, não menos árduo, do intérprete será o de adequar um instituto processual já existente aos marcos ideológicos do processo do trabalho.


3. Da imprestabilidade da dualidade tradicional de títulos judiciais e extrajudiciais em face das execuções atípicas no direito processual do trabalho.

Já estabelecemos a premissa básica do estudo como sendo a análise de dois grupos de execuções autônomas que denominamos de atípicas. No entanto, se essas execuções denominadas de atípicas são autônomas, no sentido de que corporificam um procedimento próprio e independente da tutela executiva, é indispensável que se estabeleça a sua natureza jurídica.

O direito processual tradicional construiu ideologicamente a execução, partindo da premissa básica de que a atividade executiva pressupõe a existência de um título. A noção de título como viga mestra da tutela executiva é ilustrada pelo brocardo nulla executio sine titulo e revela-se como uma tentativa de conferir segurança no âmbito das relações jurídicas. Como bem assevera o mestre Cândido Rangel Dinamarco: "...a exigência de título executivo, sem o qual não se admite a execução, é conseqüência do reconhecimento de que a esfera jurídica do indivíduo não deve ser invadida, senão quando existir uma situação de tão elevado grau de probabilidade de existência de um preceito jurídico material descumprido, ou de tamanha preponderância de outro interesse sobre o seu, que o risco de um sacrifício injusto seja, para a sociedade, largamente compensado pelos benefícios trazidos na maioria dos casos." [06]

A existência do título é, portanto, a própria autorização para o desencadeamento do procedimento executivo autônomo. Nesse caso, não há de se perquirir sobre a espécie da ação executiva a ser manejada, posto que todas as espécies executórias pressupõem a existência do título. É o título é que autoriza a intromissão na liberdade individual ou no patrimônio do devedor, tendo em vista o objetivo básico da satisfação da pretensão executiva. Daí a postura incisiva da doutrina em exigir a presença do título como elemento indispensável para a concretização da tutela executiva.

É fato que o direito processual contemporâneo, abandonando os rigores liberais do processo tradicional, adota uma postura de verdadeira relativização do princípio do título. Essa salutar tendência da processualística, no entanto, não afasta a premissa básica, construída no sentido de que a atividade executiva autônoma, em regra, pressupõe a existência de um título.

O direito processual brasileiro, utilizando a imprescindibilidade do título para a construção da tutela executiva autônoma, levou em consideração uma classificação básica dos títulos em judiciais e extrajudiciais. Essa classificação nunca teve por objetivo seccionar os procedimentos executórios, mas apenas delimitar o teor e a amplitude dos meios de tutela do devedor em face da execução. Partiu-se da premissa de que os títulos executivos extrajudiciais, como produzidos pela atividade negocial das partes, poderiam ser dotados de uma maior amplitude dos meios de tutela do devedor, admitindo-se um elastecimento da atividade cognitiva exercida pelo Juiz. Nesse sentido, os títulos executivos judiciais, já que produzidos pelo próprio judiciário, através de procedimento cognitivo autônomo, devem ter sensivelmente limitado o acesso aos meios de tutela, em favor da própria segurança e perpetuidade das decisões judiciais.

Foi nesse contexto de aparente objetividade que o direito processual civil delimitou, de forma sistêmica, o conteúdo dos embargos do devedor nas duas hipóteses de execução, conforme se vê do Código de Processo Civil, arts. 741 [07], 744 e 745. A sistematização da matéria partiu da premissa de que a dualidade dos títulos executivos, construída sob o fundamento da forma de produção dos referidos documentos, fosse suficiente para determinar a amplitude dos meios de tutela do devedor.

A recente promulgação da Lei Nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, não alterou os efeitos da dualidade dos títulos executivos em face dos meios de tutela do devedor e ainda tornou mais clara a referida separação. Ora, em se tratando de execução de títulos judiciais, a defesa do devedor se procede no âmbito da própria relação processual cognitiva, por intermédio da impugnação ao cumprimento da sentença, nos precisos termos do vigente at. 475-L do Código de Processo Civil. Esse meio de defesa direto do devedor encontra-se, portanto, limitado às hipóteses expressamente relacionados nos incisos I a VI do referido dispositivo legal.

A complexidade das relações jurídicas atuais, aliada à própria ampliação dos títulos executivos previstos em nossa legislação, torna necessária a reavaliação dessa dualidade de classificação, principalmente como elemento delimitador da amplitude dos meios de tutela do devedor. De fato, há diversas situações previstas em que, muito embora o título não tenha sido submetido ao crivo do poder judiciário, por sua própria natureza, ou mesmo por determinação legal, há um enquadramento compulsório na categoria dos títulos executivos judiciais e, conseqüentemente, uma limitação dos meios de tutela do devedor.

Um exemplo dessa situação são as chamadas sentenças arbitrais. Com efeito, as sentenças arbitrais são relacionadas como títulos executivos judiciais (Código de Processo Civil, art. 475-N, IV), muito embora não dependam de qualquer tipo de homologação judicial [08]. Nesse sentido, a dualidade preconizada tradicionalmente é descaracterizada, posto que se confere status de título judicial a um negócio jurídico entabulado exclusivamente no âmbito da órbita privada dos litigantes.

Outra situação de ruptura do sistema dual de classificação dos títulos executivo está presente no Código de Processo Civil, art. 475-N, III, quando o legislado classifica como título executivo judicial a sentença homologatória de transação ou de acordo, "...ainda que inclua matéria não posta em juízo.". Ora, nessa situação o objeto da transação judicial que não consta da postulação inicial do autor sequer se tornou litigioso, tendo em vista que não integrou a res in iudicium deducta. Mesmo assim, essa matéria integrará o título judicial e sofrerá as mesmas limitações cognitivas atribuídas ao exercício dos meios de tutela do devedor, muito embora, nesse particular, a atividade jurisdicional tenha se limitado a certificar a manifestação volitiva dos litigantes.

Essa flagrante relativização da dualidade entre títulos judiciais e extrajudiciais, com a finalidade de delimitar o conteúdo da "defesa" do devedor, levou a doutrina a considerar a existência de títulos híbridos, dotados de características das duas modalidades. Nesse sentido, assevera Teori Albino Zavascki: "...o exame sistemático do Código impõe seja adicionada, á classificação nele expressa, uma terceira espécie de títulos. São os títulos mistos, aqueles em que a norma jurídica individualizada tem seus elementos integrativos representados por documentação em parte de origem extrajudicial e em parte já com certificado judicial... Não é meramente acadêmica a preocupação com esta terceira espécie de título, dadas as importantes conseqüências que tem em relação ao âmbito cognitivo da ação de embargos. Com efeito, fundada a execução em título executivo misto, a matéria suscitável de invocação nos embargos será ampla (CPC, art. 745) relativamente aos elementos da norma jurídica individualizada ainda não submetidos ao crivo jurisdicional; e será restrita (CPC, art. 741) em relação ao demais, já certificados judicialmente. [09]

Restou claro, por conseguinte, que a dualidade tradicional entre títulos executivos judiciais e extrajudiciais, embora possa satisfazer a maior parte das situações preconizadas na processualística, não é absoluta e comporta uma série de rupturas. Essa desagregação do sistema dual permite, como vimos anteriormente, o surgimento de uma categoria híbrida de títulos, capaz de agregar as características e os limites típicos de cada uma das formas tradicionais de títulos executivos.

Ora, se a classificação não é suficiente para exaurir os títulos tradicionais do direito processual civil, certamente não terá esse efeito em relação àquelas execuções denominadas, neste trabalho, de atípicas. A simples aplicação dos conceitos de títulos judiciais e extrajudiciais às modalidades executórias preconizadas pela Constituição Federal, art. 114, VIII e Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876 não é possível. Os elementos particulares dessas execuções atípicas, como veremos adiante impedem a assimilação integral dos conceitos e limites fornecidos pela vetusta classificação entre títulos judiciais e extrajudiciais.

Em verdade, a atipicidade dessas execuções tem uma influência direta na implementação das tutelas de que se pode valer o devedor. O interprete, portanto, deverá observar as variações conceituais e adequá-las em relação aos limites de defesa de que poderá dispor o devedor, evitando assim, o prejuízo ao devido processo legal, ou, em outro extremo, a própria efetividade do processo executivo.


4. Os limites cognitivos dos embargos do devedor na execução previdenciária na Justiça do Trabalho.

4.1 A difícil delimitação conceitual da execução previdenciária na Justiça do Trabalho.

Não é tarefa fácil estabelecer as diretrizes conceituais da execução previdenciária [10]. A doutrina não encontrou uma diretriz majoritária que pudesse explicar a autonomia de um procedimento de execução fiscal, impulsionado de ofício e originado de uma sentença trabalhista. Na verdade trata-se de instituto sem precedentes dentro de nossa processualística, principalmente quando enfrentamos o problema do título executivo.

Para alguns doutrinadores, a atipicidade da execução previdenciária na Justiça do Trabalho faz com que seja relegada a um plano secundário a discussão acerca da existência de título executivo, tendo em vista o caráter nitidamente acessório dessa execução [11]. Não vejo, no entanto, como desprezar essa discussão em sede de direito processual do trabalho. Os problemas cruciais da execução previdenciária não podem ser resolvidos apenas pela concepção de que essa modalidade executória tem uma "geração espontânea", sem qualquer vínculo formal com a sentença de cognição originária, mas apenas marcada pela acessoriedade.

De fato os efeitos processuais da execução previdenciária no patrimônio do devedor devem ter origem de um título executivo, mesmo que fora dos padrões ortodoxos de classificação.

Por tal razão, outra parcela considerável da doutrina, embora identificando o título executivo gerador dos efeitos da tutela executiva previdenciária, incorpora-o no âmbito do próprio título judicial geral, como um verdadeiro efeito anexo ou secundário da sentença [12].Concebe-se, portanto, a execução previdenciária como apenas uma simples decorrência da sentença trabalhista, inexistindo qualquer tipo de autonomia do evento desencadeador dessa modalidade executória.

Não há dúvidas de que se trata de uma construção engenhosa destinada a explicar um instituto sem precedentes no âmbito do direito processual. Acredito, no entanto, que essa concepção não é suficiente para delimitar a natureza jurídica da execução previdenciária, nem tampouco para oferecer elementos concretos para caracterizar os meios de tutela do devedor.

O enquadramento da cobrança do crédito previdenciário decorrente da sentença trabalhista não pode ser resumido a um simples efeito anexo ou secundário do decisum, tal como ocorre com a chamada hipoteca judiciária, preconizada pelo Código de Processo Civil, art. 466. Nessas situações os efeitos estão ligados diretamente ao teor do provimento jurisdicional e, embora autônomos, apresentam caráter nitidamente acessório, não dispondo de existência própria. Há, por conseguinte, um verdadeiro nascimento espontâneo da obrigação, sem que exista a necessidade de pronunciamento jurisdicional expresso, ou mesmo de provocação das partes [13].

Observe-se que, nesse caso, a obrigação acessória que nasce da sentença é de caráter nitidamente constitutivo, não gerando qualquer obrigação de fazer, não fazer, dar ou pagar para o réu. Como se trata de efeito imediato e automático, suas conseqüências independem da concordância, ou mesmo ciência da parte adversa. Vejamos o caso da hipoteca judiciária. Como efeito acessório da sentença, sua concretização dependerá, exclusivamente, de iniciativa do autor da ação, nos termos do Código de Processo Civil, art. 466 e Lei Nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 167, I-2 e seu efeito será de assegurar o direito de seqüela em relação ao patrimônio do devedor e prevenir eventual fraude à execução.

O efeito secundário não integra o núcleo da sentença, mas apenas estabelece condições externas para que o comando sentencial possa atingir o seu objetivo [14]. O caráter acessório dos efeitos anexos, portanto, faz com que sua existência dependa da validade e continuidade da própria sentença, sendo que a eventual reforma do julgado ou mesmo a transação realizada pelos litigantes faz com que os efeitos anexos desapareçam, independentemente de qualquer pronunciamento jurisdicional prévio [15].

Esse caráter de acessório, ao nosso ver, não é suficiente para explicar o nascimento da obrigação previdenciária emanada de decisão trabalhista, sem que venha a lhe atribuir um caráter amplamente autônomo. O nascedouro da execução trabalhista é, sem qualquer dúvida, a sentença trabalhista. No entanto, o seu efeito executório não nasce do título executivo judicial típico, mas é produto de outra manifestação estatal que atribui força executória ao pronunciamento jurisdicional.

Ora, a força executiva do título não nasce de seu caráter estritamente formal [16]. Logo, a sentença trabalhista ao condenar o empregador no crédito trabalhista ou ao declarar a existência do contrato de trabalho, faz nascer um crédito previdenciário autônomo em relação à obrigação da ação geradora da sentença. O único vínculo entre a decisão trabalhista e a formação do crédito previdenciário decorre dos limites fáticos e temporais trazidos pelo pronunciamento jurisdicional laboral. Toda a construção do crédito previdenciário é conduzida de maneira autônoma, não se concebendo qualquer resquício de acessoriedade nessa construção.

O caráter autônomo do crédito trabalhista, portanto, pode ser demonstrado com o fato de que a eventual conciliação havida entre o credor e o devedor trabalhista não tem o condão de afetar o crédito previdenciário. Caso o crédito previdenciário fosse apenas um efeito anexo da sentença trabalhista, certamente a conciliação havida entre os litigantes teria o condão de alterar a natureza do crédito de natureza previdenciária. Não é isso que acontece. A conciliação havida entre os litigantes da ação trabalhista não atinge o crédito previdenciário já constituído, até porque temos a caracterização de obrigação nitidamente autônoma.

Nesse sentido, a sentença trabalhista gera dois títulos executivos distintos. O primeiro, representando os créditos de natureza estritamente trabalhista, enquadra-se com perfeição no conceito tradicional de título judicial, posto que nasceu da atividade do poder judiciário, tendo os integrantes da relação executiva participado diretamente da relação jurídica originadora. O problema maior reside em tipificar o segundo título executivo, já que representa uma relação executiva que não se confunde com a relação processual que resultou na sentença trabalhista.

Não tenho dúvida de que a execução previdenciária é lastreada por um título executivo e que esse título é materialmente representado pela sentença trabalhista. No entanto, o grande desafio é proceder à classificação desse título executivo dentro da insípida categorização dual trazida por nosso direito processual, conforme já dissemos anteriormente.

A atipicidade da formação do título em questão nos remete à classificação trazida por Teoria Zavascki, que realça a possibilidade de existência de uma terceira modalidade de título, resultado da formação mediante atuação jurisdicional e negocial das partes. No entanto, esses pronunciamentos jurisdicionais de caráter híbrido também estão presentes (e até de maneira mais corriqueira) em relação ao direito processual civil, com bem assevera Teori Zavascki, verbis: "São também títulos que ensejam execução forçada as sentenças que têm como ‘efeito anexo’ o de tornar certa a obrigação de ressarcir danos. É o caso das sentenças que extinguem a execução provisória, das quais decorre , automaticamente, independentemente de condenação, a responsabilidade do exeqüente pelos prejuízos sofridos pelo executado, nos termos do art. 588, I do CPC. Da mesma forma nas situações previstas no art. 811 do CPC, nasce a executividade independentemente de condenação, de provimentos jurisdicionais que produzem a ineficácia das medidas cautelares e das quais decorre, como conseqüência natural da ordem jurídica, a responsabilidade objetiva do requerente pelos prejuízos causados ao requerido. Outro exemplo significativo de sentença que dispensa condenação para ter força executiva é a que julga procedente a ação de resilição de contrato de promessa de compra e venda. Segundo a jurisprudência do STF, reafirmada pelo STJ, em casos tais, a sentença é título para a ação de execução visando a entrega da coisa independentemente de ter havido pedido explícito ou condenação específica a respeito, pois a obrigação de restituir o bem é efeito necessário e natural da resolução do compromisso." [17]

Restou claro, portanto, na transcrição acima elencada, que o direito processual civil admite situações em que surgem da sentença efeitos obrigacionais diversos daqueles buscados na postulação inicial. Nesse caso, os efeitos obrigacionais vão se corporificar em um verdadeiro título executivo que, no entanto, será representado formalmente pela mesma sentença que resolveu a ação primitiva.

A casuística do processo civil encaixa-se com perfeição na delimitação da natureza jurídica da execução previdenciária, posto que a sentença trabalhista além de seus efeitos condenatórios e declaratórios pretendidos pelo autor, também faz aflorar no mundo jurídico a exigibilidade do crédito previdenciário. Nesse caso, é a própria sentença prolatada no âmbito da ação trabalhista representativa do título executivo da execução previdenciária.

Acrescente-se que, no caso da execução previdenciária, essa autonomia do título ainda se revela com mais pujança. É que a relação executiva engendrada apresenta uma parte totalmente estranha à relação processual primitiva, no caso, a União Federal, representada pela Previdência Social. Sendo assim, não vemos como afastar a identificação de um título executivo autônomo representativo do crédito previdenciário e portador também de força executiva autônoma e independente.

Esse título, muito embora seja representado materialmente pela sentença trabalhista, não pode ser classificado na categoria de títulos judiciais. Essa inserção pura e simples poderia causar a limitação da defesa do devedor no âmbito do processo executório, tendo em vista que essa é a finalidade da dualidade entre títulos judiciais e extrajudiciais. O título executivo representativo da execução previdenciária não se encaixa com naturalidade em nenhuma das espécies. Nem pode ser concebido como título extrajudicial, tendo em vista que decorreu de uma decisão jurisdicional, nem tampouco pode ser enquadrado como título judicial, posto que enfeixa uma obrigação inteiramente estranha daquela discutida na ação principal.

Como dentro da visão de Zavacski haveria uma terceira categoria de títulos executivos- os mistos -, vejo como muita simpatia a possibilidade de tomar de empréstimo a tipificação do emérito processualista e transferi-la para a execução previdenciária na Justiça do Trabalho. Mesmo que o elemento de hibridez não seja a atividade negocial das partes, podemos concluir que o surgimento de uma obrigação nova, enfeixada por uma relação diferente daquela originadora da relação processual primitiva faz com que exista um nítido alargamento da matéria a ser discutida em sede de ação autônoma de embargos.

Podemos concluir, portanto, que a execução previdenciária é lastreada por um título executivo, representado formal e materialmente pela sentença trabalhista. Esse título executivo, tendo em vista a hibridez da sua formação, não se enquadra nem na categoria de título judicial, nem tampouco de extrajudiciais, demandando a formulação de um terceiro gênero de títulos mistos.

4.2 Da tutela através dos embargos do devedor.

A tutela do devedor em relação ao processo de execução opera-se de forma externa. Isso significa dizer que, em regra, a cognição não se provoca no âmbito do processo executivo, mas fora dele através dos embargos. Esses representam uma ação autônoma, de natureza cognitiva, que têm por objetivo permitir a realização da defesa por parte do devedor.

O sistema processual brasileiro [18] optou por não permitir, como regra, a defesa endoprocessual do devedor em face da atividade executiva estatal. Preferiu armar o sistema de tutela do devedor através de ação cognitiva autônoma, admissível apenas nos casos de execução por sub-rogação, através da garantia prévia da obrigação [19]. Os embargos do devedor representam, por conseguinte, a forma primordial, e, às vezes, única de oposição em relação à atividade processual executiva.

O direito processual do trabalho assimilou de forma integral esse antigo primado do direito processual civil, muito embora, como em toda regulação em matéria de execução, o fez de maneira lacônica e imprecisa. Com efeito, a única indicação que a norma consolidada fez em relação aos embargos do devedor encontra-se no âmbito do seu art. 884, sendo que apenas no § 1º do mencionado artigo houve uma indicação expressa ao conteúdo desses embargos, verbis:

§ 1º A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da dívida."

Na verdade, o excessivo laconismo do dispositivo acima mencionado não trazia maiores problemas na condução do processo executivo, já que o processo do trabalho não conhecia originalmente a execução de títulos extrajudiciais [20]. A inserção de outras modalidades de títulos executivos, no entanto, trouxe a necessidade de delimitação do conteúdo dos embargos á execução, questão que não é resolvida de forma expressa por nosso direito positivo.

Especificamente em relação à execução previdenciária se prevalecesse o entendimento de que se trata de um mero efeito anexo da sentença, integrando-se na estrutura do título judicial, haveria, por conseguinte, uma natural limitação do conteúdo dos embargos, nos precisos termos do parágrafo primeiro do art. 884.

Essa interpretação, no entanto, poderia trazer resultados desastrosos em desfavor do devedor e do próprio princípio do devido processo legal. Não podemos esquecer que a obrigação previdenciária nasce com a sentença trabalhista, sem que tenha havido, necessariamente, qualquer contraditório. Logo, o primeiro contato que o devedor tem em relação a essa obrigação é no âmbito da execução, ocasião em que poderá lançar mão dos meios de defesa que possam, porventura, impedir a atuação jurisdicional ilegal ou excessiva.

Ora, como partimos da premissa de que a execução previdenciária é baseada em título de natureza mista ou híbrida, é possível dizer que o conteúdo dos embargos de devedor manejados na execução previdenciária apresenta contornos bem mais amplos do que aqueles preconizados pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 884, § 1º, todavia limitados em relação ao espectro cognitivo trazido pelo Código de Processo Civil, art. 745.

Dessa constatação, conforme já afirmamos anteriormente, surge a aplicação prática da identificação de uma terceira modalidade de títulos executivos, ou seja, a de delimitar o conteúdo dos embargos do devedor. No caso específico da execução previdenciária há aspectos que podem ser objeto de discussão ampla do devedor e outros que se encontram limitados, tendo em vista a amplitude do pronunciamento jurisdicional.

Tomemos um exemplo prático para melhor elucidar a assertiva. Vamos supor que, em uma ação trabalhista, houve o reconhecimento do vínculo empregatício em desfavor de uma determinada empresa e a conseqüente condenação na anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social. Ora, esse empregador deverá arcar com o ônus da obrigação de caráter trabalhista, mas também a de cunho previdenciário decorrente do recolhimento das contribuições sociais de todo o período reconhecido judicialmente. Transitada em julgado a sentença, não haverá mais qualquer possibilidade de serem rediscutidas as questões relativas ao tempo de serviço do reclamante depois de iniciada a execução. No entanto, em relação ao próprio crédito previdenciário não haverá limites cognitivos dos respectivos embargos do devedor. Em outras palavras, o devedor poderá discutir toda a constituição crédito previdenciário, alíquotas, isenções, enquadramento e até a eventual inconstitucionalidade de determinadas contribuições.

Como o título apresenta uma natureza mista, também terão natureza híbrida ou mista os embargos ajuizados em face dessa modalidade executória. No entanto, essa amplitude de argüição limitar-se-á às questões ligadas ao crédito previdenciário e que não tenham sido objeto de discussão expressa nos limites de processo de conhecimento. Há, inclusive, a possibilidade de que, sem sede de embargos à execução, o próprio crédito previdenciário constituído na sentença seja desfeito ou anulado.

Voltemos ao exemplo acima citado. Se mesmo que reconhecida a existência da relação de emprego e a obrigação de recolher as contribuições, o devedor, por intermédio de embargos, alega e faz prova de uma isenção de recolhimento de contribuições previdenciárias. Nessa situação o acolhimento dos embargos do devedor implicará na extinção do crédito previdenciário. Os limites de cognição preconizados pelo parágrafo primeiro do art. 884 serão respeitados, tendo em vista que o provimento dos embargos do devedor incidem apenas sobre a constituição do crédito previdenciário, que só veio a ser constituído (ou declarado para alguns) a partir da prolação da sentença. As diretrizes fixadas pela sentença trabalhista continuam intactas em relação às obrigações de natureza trabalhista, no entanto, admite-se a declaração extintiva dos créditos previdenciários por intermédio dos embargos do devedor.

É certo que, no quotidiano forense, não são vivenciados grandes problemas quanto à limitação do conteúdo dos embargos executórios em matéria previdenciária. No entanto, é imperioso que se dê uma feição sistêmica ao conteúdo desses embargos, principalmente diante da ampliação das matérias que são discutidas no âmbito da execução previdenciária.


5. Os limites cognitivos dos embargos do devedor na execução de títulos extrajudiciais na Justiça do Trabalho.

5.1 Questões preliminares.

Originalmente o direito processual do trabalho não comportava a execução de títulos extrajudiciais. Segundo entendimento majoritário da doutrina, a execução trabalhista limitava-se aos títulos judiciais, expressamente relacionados na redação original da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876 [21]. Com o advento da Lei Nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, o art. 876 foi alterado e incluídos dois títulos extrajudiciais nos domínios do processo do trabalho: o termo de ajuste de conduta perante o Ministério Público do Trabalho e o termo de conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia.

Trata-se, portanto, de uma profunda inovação no âmbito do direito processual do trabalho, pois, até então, não havia qualquer disposição expressa quanto a documentos não-jurisdicionais de eficácia executiva. Mesmo para aqueles que defendiam a possibilidade de execução de títulos extrajudiciais na Justiça do Trabalho, o que se operava era tão-somente, a assimilação dos títulos já definidos pela legislação processual civil. Nesse sentido, pela primeira vez no processo laboral brasileiro, passamos a ter títulos extrajudiciais específicos e exclusivos da Justiça do Trabalho.

É bom que seja ressaltado o fato de que esses títulos relacionados no art. 876 continuam a ser os únicos títulos extrajudiciais genuinamente trabalhistas, mesmo após a edição da Emenda Constitucional Nº 45, de 08 de dezembro de 2004. É fato que, com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, novos títulos extrajudiciais passam a ser executados perante o judiciário trabalhista [22], no entanto, se trata de hipótese de assimilação de modalidades já previstas na legislação processual civil.

Sendo assim, a preocupação central de nosso trabalho volta-se para as modalidades de títulos extrajudiciais expressamente relacionadas no âmbito da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876. Passemos, portanto, à análise conceitual de cada uma das modalidades.

5.2 Termo de ajuste de conduta perante o Ministério Público do Trabalho.

Embora tenhamos afirmado que o Termo de Ajuste de Conduta perante o Ministério Público do Trabalho venha a se afigurar como um título executivo trabalhista, não se pode olvidar o fato de que esse instrumento não é exclusivo do direito processual do trabalho. Trata-se, na verdade, de matéria prevista originalmente pela Lei Nº 7.347, de 24 de julho de 1985, art. 5º, § 6º que regula o instituto da ação civil pública no direito brasileiro.

A idéia básica do Termo de Ajuste de Conduta é obter do eventual réu da ação civil publica o reconhecimento da prática de ato ensejador da reparação através da jurisdição coletiva e possibilitar a reparação das pretensas lesões decorrentes. Não se trata de uma transação ou mesmo de uma conciliação, mas sim uma verdadeira confissão por parte do acusado, devidamente respaldada pelos membros do Ministério Público. Conforme já nos pronunciamos anteriormente: "...não há, portanto, espaço para renúncias ou transações no âmbito do procedimento investigatório, até porque o Ministério Público não é o titular da relação jurídica que está sendo protegida. Não seria admissível, pois, que o representante do parquet pudesse transacionar em direitos que, mesmo de cunho patrimonial, são considerados irrenunciáveis por nossa legislação." [23]

O legislador, ao alçar o termo de ajuste de conduta ao nível de título extrajudicial, objetivou eliminar a fase de cognição, possibilitando o recurso direito ao poder judiciário, com o fito de possibilitar a imediata correção das irregularidades apontadas. Como a formação do termo de ajuste de conduta depende da manifestação volitiva do acusado, haverá a completa eliminação da atividade cognitiva que tenha por finalidade aferir e delimitar a conduta imputada e sancionada. Trata-se, portanto, de uma concretização dos comandos normativos protetivos dos direitos metaindividuais. "Em regra, portanto, o compromisso de ajustamento de conduta visa a alcançar aquilo que seria pretendido com o ajuizamento da ação civil pública, ou seja, aquilo que a ordem jurídica prescreve como comportamento devido..." [24].

Vê-se, por conseguinte, que o objetivo primordial do termo de ajuste de conduta é evitar a discussão fática e jurídica quanto à materialidade da conduta afrontosa aos interesses metaindividuais. Trata-se, portanto, de uma alternativa posta à disposição do acusado que poderá aceitá-la ou não, posto que, apenas através do provimento jurisdicional concreto, é que poderá impor compulsoriamente determinada conduta.

O realce dessas características é de extrema relevância para que se possa aquilatar o verdadeiro alcance dessa modalidade de título executivo extrajudicial. Ao contrário da maioria dos títulos extrajudiciais, o termo de ajuste de conduta, normalmente, contempla obrigações de fazer e de não fazer, firmadas paralelamente a obrigações de pagar, quase sempre de natureza de cláusula penal. Nesse contexto, a obrigação implementada no respectivo documento apresenta-se relevante do ponto de vista social, tendo em vista a tutela de um interesse de cunho metaindividual. De fato, como já afirmamos anteriormente, a atividade do Ministério Público na efetivação do termo não é de mediador ou de conciliador.

É fato que o representante pode ser chamado a mediar conflitos individuais e o exercício dessas atribuições pode gerar um título executivo extrajudicial, na forma do Código de Processo Civil, art. 585, II [25]. Nessa situação, no entanto, a atividade do Ministério Público relaciona-se, tão-somente, à certificação da validade da manifestação volitiva dos transatores, mesmo assim em sede de direito de caráter individual. Não se vislumbra a ocorrência de qualquer interesse público na formação do referido título, mas, tão-somente, a necessidade de assegurar a lisura na estruturação do negócio jurídico.

Quando nos deparamos com a formação do termo de ajuste de conduta, verifica-se que a finalidade da atuação do Ministério Público é a tutela de direitos metaindividuais, e não a garantia de relações jurídicas individualizadas. Nessa situação, o agir do representante do Ministério Público não enfeixa uma relação de cunho transacional, mas sim um mero registro da conformação do acusado em sanar as lesões indicadas. Nessa linha de raciocínio expõe, com brilhantismo, o eminente Hugo Nigro Mazzilli que "...o compromisso de ajustamento de conduta não é um contrato; nele o órgão público legitimado não é o titular do direito transindividual, e, como não pode dispor do direito material, não pode fazer concessões quanto ao conteúdo material da lide. É, pois, o compromisso de ajustamento de conduta um ato administrativo negocial por meio do qual só o causador do dano se compromete, exceto implicitamente, a não propor ação de conhecimento para pedir aquilo que já está reconhecido no título." [26]

Ao obter a concordância do acusado em admitir a responsabilidade pelas lesões apontadas, o representante do parquet atua no exercício pleno de suas atribuições de defensor da sociedade, não se identificando qualquer resquício de composição privada de conflitos. Sendo assim, embora enquadrado legalmente como título extrajudicial, não se pode negar que o Termo de Ajuste de Conduta é um instrumento da realização de direitos não-patrimoniais e, portanto, impregnados pelo interesse público. Essa constatação, como veremos adiante, repercutirá diretamente no conteúdo dos embargos à execução eventualmente manejados.

5.3 Termos de conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia.

A única convergência conceitual entre o Termo de Ajuste de Conduta e os Termos de Conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia reside no fato de que ambos são tipificados pela legislação processual trabalhista como títulos extrajudiciais. A partir desse ponto desaparece qualquer outra coincidência na aferição da natureza jurídica dos dois institutos. O Termo de Conciliação, ao contrário do termo de ajuste, documenta uma transação judicial havida entre empregado e empregador acerca de conflitos individuais de trabalho (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 625-E) [27].

Essa transação realizada entre o empregado e a empresa apresenta duas finalidades: liberar a empresa quanto ao adimplemento de verbas decorrentes do contrato de trabalho (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 625-E, parágrafo único) e garantir o acesso direito do trabalhador mediante a provocação imediata da tutela executiva (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 625-E, caput). Muito embora não tenha sido esse o motivo determinante da instituição das Comissões de Conciliação Prévia, não se pode deixar de identificar, além do interesse direto do empregador em obter a "quitação" do contrato de trabalho, a finalidade protetiva do empregado, na medida em que se garante a impossibilidade de rediscussão da matéria transacionada. Nesse sentido preconiza Estêvão Mallet, verbis: "Vale o termo de conciliação como título executivo, de caráter extrajudicial, porém. Permite, pois, imediato ajuizamento de ação de execução, com citação da parte inadimplente para o pagamento do valor devido, sob pena de penhora. Não está afastado o cabimento de embargos à execução. Mas em tais embargos não se poderá questionar a exigibilidade da obrigação decorrente da conciliação, salvos nos restritos antes indicados, não se concebendo, por exemplo, seja argüida prescrição verificada antes da conciliação e não invocada oportunamente. A celebração da conciliação, a despeito da prescrição consumada, implica renúncia do benefício, conforme art. 161, do Código Civil." [28].

Dentro desta linha de raciocínio, o Termo de Conciliação, formado segundo os parâmetros da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 625-E, enquadra-se no âmbito da noção tradicional de título executivo extrajudicial. No entanto, esse título é dotado de uma teleologia diversa daquela que lastreia o título extrajudicial preconizado pelo Código de Processo Civil, art. 585, II, posto que não se quer apenas garantir o registro de uma transação extrajudicial, mas sim permitir uma pretensa "segurança" para a relação de emprego. O artificial caráter dual desse termo de conciliação demonstra que uma das finalidades da formação do termo de conciliação é garantir o acesso do empregado ao poder judiciário, exigindo o integral cumprimento das obrigações ajustadas. Evita-se, por conseguinte, a rediscussão do pretenso crédito trabalhista por intermédio de ação de conhecimento.

5.4 Delimitando o conteúdo dos Embargos à Execução quanto aos títulos extrajudiciais trabalhistas.

Já vimos ao longo de nosso trabalho que os títulos extrajudiciais trabalhistas preconizados pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876 apresentam uma conformação atípica em relação aos seus congêneres do direito processual do trabalho. O que se pretende discutir é se essa natureza diferenciada pode ou não influir no âmbito cognitivo dos embargos à execução. Conforme já expusemos anteriormente, a Consolidação das Leis do Trabalho só se reporta ao conteúdo dos embargos à execução no seu art. 884, § 1º e é óbvio que essa menção só se refere à execução fundada em título judicial.

Quando nos debruçamos sobre a execução de títulos extrajudiciais, devemos nos reportar, de forma subsidiária, ao contido no Código de Processo Civil, art. 745, segundo o qual o devedor poderá deduzir qualquer outra matéria que lhe seria útil deduzir como defesa no processo de conhecimento. Nesse sentido, ajuizada a execução de título extrajudiciais trabalhistas, desde que garantido o juízo, o devedor poderia aduzir toda e qualquer matéria de defesa, mesmo que própria do processo de conhecimento.

Com efeito, neste caso enfrentamos problema diametralmente oposto ao colocado em relação à execução previdenciária, posto que, nesta, o que se questiona é a limitação da cognição, própria da execução de título judicial, conforme preceitua a Consolidação das Leis do Trabalho, art. 884, § 1º. Enfrentando esse problema, concluímos que a natureza verdadeiramente híbrida do título lastreador da execução previdenciária possibilitava o alargamento da cognição dos embargos executórios.

Quando nos deparamos com os títulos extrajudiciais trabalhistas, preconizados pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 876, o problema a ser enfrentado é a amplitude da cognição dos respectivos embargos. Ora, se observarmos a natureza dos títulos extrajudiciais, certamente que não se pode vindicar de maneira absoluta da simples aplicação do contido no parágrafo primeiro do art. 884 do diploma consolidado. Não podemos deixar de lembrar que no contexto original da Consolidação não havia a figura da execução de títulos extrajudiciais. Logo os limites cognitivos atribuídos aos embargos, certamente seriam aqueles próprios da execução fundada em título extrajudicial.

Ao serem incorporados títulos extrajudiciais na sistemática do direito processual do trabalho, omitiu-se o legislador em estabelecer regras próprias para a delimitação cognitiva dos embargos executórios. Ora, se a Consolidação é omissa nesse particular, a solução natural seria buscar a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, mais precisamente, o contido no seu art. 745. Nesse sentido é, aliás, o ponto de vista do eminente Francisco Gérson Marques de Lima, verbis: "Tendo a Lei n. 9.958/2000 admitido a executoriedade de título extrajudicial na Justiça do Trabalho (art. 876, CLT), é de se invocar o art. 745, CPC, segundo o qual ‘quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor poderá alegar, em embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer outra que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento... Podem ser argüidas preliminares e prejudiciais; exceções e matérias processuais (v.g., nulidades, litispendência, perempção); e temas de mérito referentes à invalidade do título. Inserem-se, aí, argumentos pertinentes à inexistência dos fatos e do direito; à prescrição; à confusão da obrigação, etc." [29].

Embora a solução apresentada de aplicar de forma direta o art. 745 do Código de Processo Civil se revele atraente e objetiva, iremos demonstrar que a inserção desse dispositivo legal não se faz de maneira tão serena. Com efeito, a abertura ilimitada da possibilidade de cognição na execução de títulos extrajudiciais trabalhistas pode causar sérios problemas de índole jurídica no manejo dos Embargos à Execução.

Pensemos no seguinte exemplo. O Ministério Público, após apurar fundadas denúncias sobre a falta de fornecimento de equipamentos de proteção individual por parte de uma grande indústria, consegue firmar termo de ajustamento de conduta, pelo qual o acusado, reconhecendo a ilicitude apontada, compromete-se a sanar todas as irregularidades apontadas em determinado prazo. Recusando-se a grande empresa a cumprir as condições estipuladas no Termo de Ajustamento, decide o parquet intentar a respectiva execução, objetivando obter do poder judiciário a concretização das obrigações ali dispostas. Atingindo o processo executório a fase oportuna para a provocação transversa do meio de tutela do devedor, este alega, simplesmente, a inexistência de qualquer tipo de transgressão às normas de medicina e segurança do trabalho.

Ora, como a cognição dos embargos em sede de execução de título extrajudicial é ampla e irrestrita, o Juiz condutor do processo executivo deveria encaminhar a instrução processual, com a finalidade de aferir a existência da lesão de direito transindividual, mesmo constando do Termo o reconhecimento expresso da prática de tal ato. Pela própria amplitude da cognição dos Embargos nessa modalidade de título, o poder judiciário, teria a obrigação de se debruçar sobre qualquer alegação concernente à existência da relação jurídica descrita no título. Nesses termos, todo o esforço em obter o Termo de Ajuste de Conduta e se evitar o processo de cognição da Ação Civil Pública foi em vão, tendo em vista que haveria um atraso significativo da concretização da prestação jurisidicional. Em outras, palavras a própria viabilidade prática do termo de ajuste resta comprometida, posto que permanecerá a possibilidade de o devedor-acusado reabrir de forma ampla e irrestrita a discussão acerca da existência da lesão apontada.

O mesmo dilema pode ser identificado em relação à execução dos termos de conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia. O objetivo primordial da formação do título executivo em favor do trabalhador é evitar o ajuizamento de um procedimento de cognição destinado a reconhecer a existência dos créditos trabalhistas. Caso adotássemos a ampla possibilidade de discutir a matéria elencada e conciliada no âmbito do título extrajudicial, haveria um desvirtuamento concreto das finalidades impostas pela norma trabalhista. O benefício da desnecessidade de se discutir a existência dos créditos trabalhistas (talvez um único identificável em favor do trabalhador dentro das comissões de conciliação prévia) desapareceria, tendo em vista a possibilidade de se discutir até o mérito da avença extrajudicial [30].

Diante dessas considerações não se pode admitir a existência de uma cognição ampla e irrestrita no âmbito dos títulos executivos extrajudiciais tipicamente trabalhistas. A outorga da eficácia executiva a esses documentos decorre não da concretização da atividade negocial das partes, mas sim da afirmação de valores de destaque da sociedade. Essa característica, no entanto, é bem mais evidenciada quando nos deparamos com os Termos de Ajuste de Conduta, em que a atuação do Ministério Público não apresenta qualquer indício de atividade negocial.

A visão teleológica desses títulos, portanto, leva à conclusão de que não é possível admitir a ilimitada possibilidade cognitiva dos embargos do devedor, principalmente quando de pretende discutir a essência da relação jurídica travada no âmbito do título. Nesse sentido o único caminho que resta para o julgador é, mediante a utilização de uma interpretação teleológica, reconhecer a limitação da atividade cognitiva dos embargos nos títulos executivos extrajudiciais trabalhistas às hipóteses expressamente preconizadas no Código de Processo Civil, art. 475-L.

A vantagem trazida por essa limitação das matérias manejadas nos embargos reside na possibilidade de o juízo rejeitar liminarmente a referida ação impugnativa autônoma, permitindo o andamento rápido e efetivo do procedimento executivo. Caso não se admita a limitação cognitiva desses embargos, o julgador deverá proceder à integração da relação processual, ouvir do credor e, se for o caso, determinar a instrução probatória cabível para só aí, se for o caso, refutar as alegações do devedor.

Ao executado, portanto, restaria a possibilidade de, por intermédio de procedimento de cognição autônomo [31], externar todas as razões de seu inconformismo, sem o grande empecilho de se suspender o processo executivo.


Notas

01 Nunca é demais lembrar que a Consolidação das Leis do Trabalho dedicou parcos dezessete artigos regulamentando a tutela executiva no âmbito da Justiça do Trabalho.

02 O termo de recurso era figura prevista no Código de Processo de 1939, art. 859. Embora específico do "agravo nos autos", segundo a doutrina dominante a menção à expressão "simples petição" é a eliminação do termo de recurso e não do arrazoado recursal. Vide BATALHA, Wilson de Souza. Tratado de direito judiciário do trabalho, 2ª ed. São Paulo, LTr, 1985, p. 766.

03 É importante ressaltar que uma das grandes inovações do Código de Processo Civil de 1973 em relação ao de 1939 diz respeito ao tratamento das nulidades processuais e ao alargamento (pelo menos em nível normativo) da oralidade na prática dos atos processuais. Não há dúvidas de que houve uma influência decisiva das normas de direito processual do trabalho em tais aspectos.

04A Emenda Constitucional Nº 45, de 08 de dezembro de 2004, manteve a mesma redação do antigo parágrafo terceiro, apenas deslocou a regulamentação para o inciso VIII.

05Devemos ressaltar que a ampliação da competência fez apenas a migração de alguns procedimentos para o âmbito da Justiça do Trabalho. Assim, quando se vindica a competência para cobrar a multas aplicadas pela fiscalização das normas trabalhistas, nos termos da CF, art. 114, VII, a atuação do operador do direito é apenas de gerenciar a adaptação procedimental da execução fiscal que já se processava perante a Justiça Federal.

06In: Execução civil, 7ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000, p. 457-458.

07O referido artigo foi reformado pela Lei Nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, tendo em vista que os embargos do devedor em execução de título judicial, no âmbito do direito processual do trabalho, só se aplicam à execução em face da fazenda pública.

08Antes da edição da Lei Nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, o procedimento arbitral dependia da homologação judicial dos chamados laudos arbitrais, através de procedimento preconizado pelos revogados artigos 1098-1102 do Código de Processo Civil. Sendo assim, o chamado laudo arbitral, tendo sido submetido à apreciação do poder judiciário, enquadrava-se, sem qualquer dificuldade, no âmbito do conceito tradicional de título executivo judicial.

09In: Título executivo e liquidação. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 69.

10 No presente trabalho adotaremos a terminologia execução previdenciária para designar o exercício da competência preconizada pela Constituição Federal, art. 114, VIII. Muito embora o texto constitucional reporte-se ao termo contribuições sociais, não reputo prudente sua utilização, tendo em vista que a competência da Justiça do Trabalho restringe-se à cobrança das contribuições sociais incidentes sobre a contraprestação remuneratória, na forma da Constituição Federal, art. 195, I, a e II. Nesse sentido, a utilização do termo execução previdenciária demonstra ser mais adequada à análise do problema.

11 Nessa linha de raciocínio é relevante a citação do eminente magistrado e juslaboralista Francisco Antônio de Oliveira que afirma (antes da vigência da Emenda Constitucional Nº 45, de 08 de dezembro de 2004): "...que a execução determinada pelo § 3º do art. 114 da CF, não teria base em título executivo, pois não fora objeto do pedido, de defesa, de sentença e muito menos do trânsito em julgado...Tem-se, pois, que tanto a cobrança da contribuição para a previdência tem conotação de acessoriedade com a causa principal no que pertine com o crédito trabalhista do trabalhador." In: A execução das contribuições sociais – enfoques processuais. Revista LTr, v. 67, p. 815-818. São Paulo, LTr, 2004, p. 817.

12 De maneira clara e objetiva dispõe o eminente magistrado mineiro Paulo Gustavo de Amarante Merçon: "Na verdade, o título executivo das contribuições previdenciárias mencionadas no texto constitucional em exame é a própria sentença trabalhista, em seu efeito anexo condenatório."

13 Essa característica de há muito foi identificada pela doutrina. Nesse sentido, preconizava Moacyr Amaral Santos: "Enquanto os efeitos principais se manifestam em razão do pedido e por meio de pronunciamento explícito do juiz, ou seja, exprimem de modo expresso o conteúdo da sentença, os secundário independem de pedido especial da parte ou de pronunciamento do juiz, mas resultam do fato da sentença. Do fato da sentença – sentença como fato jurídico – surgem tais efeitos, automaticamente por força de lei, como decorrência do efeito principal, dispensando qualquer pedido da parte ou pronunciamento do juiz."(In: Primeiras linhas de direito processual civil, 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 1992, p. 34.

14 É lição de Ovídio Batista, quando afirma que: "A característica dos chamados efeitos anexos da sentença é serem eles externos, não tendo a menor correspondência com o seu respectivo conteúdo...Não fazendo parte da demanda nem da sentença, o efeito anexo não será objeto do pedido do autor nem de decisão por parte do juiz. Ele decorre da sentença, mas não é tratado por ela como matéria que lhe seja pertinente."(In: Curso de Processo Civil, v. 01. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 507.

15 Como bem pontifica o processualista Cândido Rangel Dinamarco, verbis: " Precisamente porque nenhum desses efeitos secundários depende de decisão do juiz (de nenhum juiz), não se admitem recursos destinados a excluí-los sem também se peça a remoção da decisão que os produziu. (In: Instituições de direito processual civil, v. 03, 2ª ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 209.

16 A discussão acerca da origem da força executiva dos títulos é ilustrada pela célebre polêmica entre Carnelutti e Liebman, tão bem descrita pela maioria dos processualistas que se debruçam sobre o tema execução. O embate entre os dois processualistas italianos repousou na idéia da existência do caráter documental ou não dos títulos executivos. Segundo Carnelutti, a importância do título executivo reside no seu caráter documental, ou seja, a relevância do título como elemento impulsionador da tutela executiva autônoma está no aspecto probatório do título e não em seus elementos substanciais. Na visão de Liebman, o título executivo identifica-se na vontade estatal de conferir proteção àquela obrigação constante do título, sendo o caráter documental ou probatório do título irrelevante na concretização da tutela (cf. ZAVASCKI, Teori Albino. Título executivo e liquidação. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 55-59; ASSIS, Araken de . Manual do processo de execução, 5ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998, p. 117-119).

17 In: Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia executiva dos julgados. In: Revista de processo, nº 28, p. 46/56. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 55-56.

18 Pelo menos até o advento da Lei Nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, no que concerne ao direito processual civil.

19 É importante ressaltar que não há uniformidade do tratamento da doutrina em tipificar os embargos à execução como uma defesa do devedor. Na ótica de Ovídio Baptista, justifica-se a tipificação dos embargos do devedor como uma verdadeira defesa do devedor, tendo em vista que não se afigura nítida, como deixa crer a doutrina tradicional, a divisão estanque entre atividade de cognição e de execução. Logo, embora trazida de forma incidental, os embargos representariam uma verdadeira defesa do executado. (Cf.: SILVA, Ovídio A. Baptista. Curso de processo civil, v. 02, 4ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p.154/157). Em posição diametralmente oposta, Araken de Assis, insiste na tese de incompatibilidade entre as atividades executiva e a de cognição, negando aos embargos a natureza de defesa.(Cf.: ASSIS, Araken de. Op. cit. p. 952/954. Tendo em vista as dimensões do presente trabalho não vamos nos aprofundar nessa discussão que, embora profícua, ultrapassa os tímidos limites deste texto. Sendo assim, apenas para justificar a opção terminológica feita no presente texto, adotaremos os embargos à execução como uma das forma de tutela postas à disposição do devedor, configurando-se, em última análise, como um meio de defesa.

20 Não podemos deixar de mencionar que, mesmo antes da edição da Lei Nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, parte da doutrina considerava a possibilidade da execução de títulos extrajudiciais, muito embora essa não fosse a opinião predominante.

21 "Art. 876. As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, e os acordos, quando não cumpridos, serão executados pela forma estabelecida neste capítulo."

22 Um dos exemplos mais eloqüentes dessa ampliação dos títulos extrajudiciais revela-se em relação à cobrança judicial das multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho (Constituição Federal, art. 114, VII). Nesse caso, a "cobrança" é procedida por intermédio de uma execução fiscal, lastreada em título executivo extrajudiciais, ou seja, a Certidão da Dívida Ativa, nos termos do Código de Processo Civil, art. 584, VI.

23 CORDEIRO, Wolney de Macedo. Fundamentos do direito processual do trabalho brasileiro. São Paulo: LTr, 2005, p. 86.

24 LEAL, João Cláudio Gonçalves. Notas sobre o inquérito civil e o compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais. In: Carlos Henrique Bezerra Leite (Org.) Direitos metaindividuais. São Paulo: LTr, 2005, p. 206/225 (221).

25 Art. 585. São títulos executivos extrajudiciais:

..............................................................................

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Público ou pelos advogados dos transatores; (negrito nosso)

26 In: A defesa dos interesses difusos em juízo – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e outros interesses, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 359.

27 O presente trabalho limita-se a analisar os limites cognitivos dos embargos manejados na execução do Termo de Conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia. Não é objetivo do autor ingressar na análise os limites e, principalmente, da lisura das pseudo-transações havidas em grande parte das Comissões e Núcleos Intersindicais, onde muitos direitos sociais irrenunciáveis são subtraídos do empregado sem qualquer cerimônia. A vulgarização das transações havidas no âmbito dos citados órgãos extrajudiciais faz com que a doutrina e a jurisprudência sejam mais cautelosos na aferição dos limites da "eficácia liberatória geral", preconizada pela Consolidação das Leis do Trabalho, art. 625-E, parágrafo único. No entanto, essas questões jamais serão tratadas em sede de Embargos à Execução, mas sim por intermédio de procedimento cognitivo próprio a ser manejado pelo empregado, seja ele de caráter constitutivo (ação anulatória do termo de conciliação) ou de caráter condenatório (reclamação trabalhista movida em face do empregador). Nesse sentido, objetivamos neste trabalho analisar, apenas o conteúdo dos embargos manejados pelo empregador.

28 Primeiras linhas sobre as comissões de conciliação. In: Revista LTr, V. 64, p. 439/445, São Paulo: Ltr, abril de 2000, p. 444.

29 In: Execução de título executivo extrajudicial no processo do trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 105-106.

30 É importante destacar que essa discussão não encontra eco no quotidiano forense. São pouquíssimas as situações de execução de Termo de Conciliação perante as Comissões de Conciliação Prévia e ainda mais raros os embargos do devedor respectivos.

31 Nesse caso o devedor poderia lançar mão de ações autônomas visando à desconstituição do título. As ações anulatórias ou declaratórias de inexistência de débito podem ser ajuizadas sem qualquer limitação pelo devedor, até porque se incluem no âmbito da concretização do princípio da inafastabilidade da jurisdição (Constituição Federal, art. 5º, XXXV). O ajuizamento dessas demandas, no entanto, não prejudica o curso da execução, permitindo a ampla concretização da tutela executiva. No caso dos embargos do devedor o grande inconveniente é a impossibilidade de se continuar a atividade executiva antes do julgamento.


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CORDEIRO, Wolney de Macedo. Os limites da cognição dos embargos do devedor no âmbito da execução atípica do processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1176, 20 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8953. Acesso em: 25 abr. 2024.