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Comentários acerca do Parecer nº 48/2006 do Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina

Comentários acerca do Parecer nº 48/2006 do Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina

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SUMÁRIO: 1) Intróito. 2) Das competências dos Municípios em matéria de trânsito.3) O Agente da Autoridade de Trânsito e seus deveres legais. 4) Da lavratura do Auto de Infração e seus requisitos. 5) Desfecho. 6) Referências Bibliográficas e Notas.


Assim inicia o Parecer de nº 48/2006 do Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina, da lavra o relator RUBEN LEONARDO NEERMANN.

"Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina. Parecer nº 048/2006. INTERESSADO: Tenário Roque Klein – Inspetor de Polícia e Presidente da JARI de Xanxerê/SC. ASSUNTO: Informações acerca do procedimento na autuação das infrações de trânsito do estacionamento rotativo de Xanxerê. RELATOR: Ruben Leonardo Neermann. I. INTRODUÇÃO. "Cuida-se o presente de consulta a este Colendo Conselho formulado pelo Sr. Tenário Roque Klein – Inspetor de Polícia e Presidente da JARI de Xanxerê/SC a respeito de validade da aplicação de multa de trânsito com base na emissão de aviso de irregularidade emitido por monitora de trânsito do estacionamento regulamentado – Zona Azul, em caso da não regularização do estacionamento rotativo no prazo legal mediante a compra de cartões, a Autoridade de Trânsito do município encaminha à Policia Militar para a lavratura do "Auto de Infração de Trânsito". Cita o interessado que, oitenta por cento dos recursos impetrados junto à JARI são de infrações do "Estacionamento Rotativo" em que uma monitora da área regulamentada (Zona Azul), que é funcionária de uma empresa particular, ao constatar um veículo estacionado sem cartão, cartão com horário vencido, etc, emite um "Aviso de Irregularidade" em que é dado prazo para regularização. Não havendo regularização, a empresa envia os "Avisos de Irregularidade" para o DEMUT – Departamento Municipal de Trânsito, que por sua vez os envia para a Policia Militar, que lavra o Auto de Infração, imputando a infração prevista no art. 181 inciso XVII do CTB, "estacionar o veículo em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização (placa: Estacionamento Regulamentado)". Questiona se a delegação de competência da empresa particular possui amparo legal, em que os monitores possuem o dever de lavrar "aviso de irregularidade" que gerará, por derradeiro, multa de trânsito".

[...]

Desfecho do relator:

"CONCLUSÃO. Pelo exposto, considerando a indiscutível competência outorgada pela Constituição Federal aos municípios, concluímos a cidade de Xanxerê é competente para dispor sobre a regulamentação do estacionamento rotativo no seu respectivo território, disciplinando o valor do preço público; utilização da vaga por tempo determinado; a indicação; o estabelecimento; a organização das referidas áreas de estacionamento de veículos nos locais denominados "zona azul". Também é inegável que a função desempenhada pela monitora de trânsito de estacionamento regulamentado é de natureza pública, independente de ser empregado de empresa privada ou contratada diretamente pela administração, desde que referida delegação das atividades estejam amparadas legalmente, além do ato de credenciamento emitido pela Autoridade de Trânsito Municipal. Em outras palavras, os atos preparatórios do Auto de Infração (avisos de irregularidades) emitidos nas condições alinhavadas, são legalmente válidos, levando-se em consideração, que todos os pressupostos previstos na constituição federal em seu artigo 37 tenham sido devidamente seguidos pelo órgão autor do presente parecer". SMJ,é o parecer. Florianópolis, 24 agosto de 2006. RUBEN LEONARDO NEERMANN Conselheiro Relator Representante de Joinville". (Grifos nossos).


1) INTRÓITO.

Data Venia, gostaria de traçar algumas palavras a respeito do Parecer emitido pelo ilustre relator citado acima, pois, apesar de não conhecer o belo Estado de Santa Catarina e de como funciona a engrenagem singular pública do local, em matéria de trânsito, ouso IMPUGNAR o dito parecer expondo minhas razões de Direito.

Preambularmente destaco que o objetivo deste artigo será focado no posicionamento do CETRAN/SC em considerar a legalidade e validade do auto de infração emitido a partir da emissão do "aviso de irregularidade" feito pela empresa prestadora de serviço público, através de seus prepostos, tendo como conseqüência a lavratura de auto de infração de trânsito pela Polícia Militar de Santa Catarina.

A função desempenhada pela monitora de trânsito, funcionária da empresa que executa o serviço de controle de estacionamento por conta e risco, indiscutivelmente é de natureza pública (Art. 327, § 1º do Código Penal), pois é conferido aos Municípios, bem como aos Estados e União, pela nossa Lex Legum, Lei das Leis, permitir a realização de serviços públicos por entidades privadas na forma da lei, como é o caso do controle de estacionamento.

É como expressa LUIZ FERNANDO BOLLER: [01] "O sistema de estacionamento rotativo pago pode ser explorado diretamente pelo município, ou indiretamente – através do regime de permissão de serviço público a título oneroso, após regular procedimento licitatório – por pessoa jurídica de direito privado"

Ou seja, deverá a Administração Pública cumprir com o preceito constitucional elencado no Art. 175 ("Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.").

Como dito alhures, o âmago a ser impugnado não é o fato da mencionada monitora poder ser ou não comparada a uma funcionária pública; se pode ser ou não credenciada como agente da autoridade de trânsito, o que, aliás, envolve discussões não pacíficas a respeito da delegação do Poder de Polícia – Police Power – pela Administração Pública, e sim do desrespeito a Constituição, a dignidade da pessoa humana, e aos procedimentos legais que envolvem o proceder administrativo de trânsito no momento em que uma pessoa, ao que tudo indica, não é agente da autoridade de trânsito, emite um "aviso de irregularidade", e, daí, se tal aviso não for acatado (cumprido), a Polícia Militar é comunicada, com o envio do famigerado aviso, por Entidade da Administração Pública Municipal de Trânsito, providenciando, aquela, a lavratura de auto penalizador sem estar presente no local do suposto cometimento infracional, ou seja, horas e até dias depois da inobservância dos preceitos de circulabilidade, lato sensu, o auto de infração é lavrado, com conseqüente exsurgimento de penalidade.


2) DAS COMPETÊNCIAS DOS MUNICÍPIOS EM MATÉRIA DE TRÂNSITO.

Concordamos com o entendimento do Relator a respeito da competência municipal para legislar sobre trânsito em vista do interesse local.

Somos sabedores de que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, expressou, tanto para a União, como para os Estados, Distrito Federal e Municípios, diversas espécies de competências, como: exclusivas, privativas, concorrentes e residuais [02].

No tocante em matéria de trânsito:

"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XI – trânsito e transporte; [...]. Parágrafo Único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo". (CF/88).

"Art. 30. Compete aos Municípios [...] V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...]" (CF/88).

Art. 24 do Código de Trânsito Brasileiro: "Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: [...] X – implantar, manter e operar o sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;"

É importante frisar que o dispositivo por último citado, ao ser produzido pelo legislador infraconstitucional, teve como âncora preceito elencado no Código Civil de 1916 (hoje ab-rogado pelo atual) nos Art. 66 e 68. Atualmente tais dispositivos têm correspondência no novo Código Civil nos Art. 99 e 103, ipsis litteris: "Art. 99. São bens públicos: I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; [...]" e "Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem".

Sem muito protrair a respeito das competências municipais, ouso corroborar com o posicionamento do ilustre Relator no tocante aos municípios poderem regulamentar seus estacionamentos, realizando devida cobrança, conforme está exposto no dito Parecer. [03]


3) O AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO E SEUS DEVERES LEGAIS.

Reflete nas vistas, da leitura do Art. 280, § 4º, do Código de Circulação, que agente da autoridade de trânsito "[...] poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição [04] sobre a via no âmbito de sua competência".

Ou seja, independente da qualificação profissional-pública da pessoa, o importante é que ele – o servidor civil, estatutário, celetista ou policial militar - seja credenciado pela autoridade de trânsito. E ao que tudo indica a monitora de trânsito, da empresa que detém a realização dos serviços públicos na venda e controle de tíquetes para estacionamento nas áreas regulamentadas, além de não ser servidora civil, estatutária, celetista ou policial militar, não é agente credenciada. Conclusão lógica da leitura da ementa do Parecer combatido.

Ademais, parafraseando as legislações que tratam da concessão de serviço público e da licitação, e do que pode estar refreado num contrato administrativo, não podemos esquecer de que o Art. 24, inciso X, do Código de Trânsito Brasileiro, manifesta claramente, como se manifestam na natureza as claras águas dos altos rios da Escócia, que o controle de estacionamento rotativo, depois de implantado, ele é mantido e operado. Não vislumbramos a vocábulo "fiscalizar", tal qual existe no inciso VI, por exemplo. Ou seja, quem mantém e opera, somente poderá fiscalizar se se confundir nesta mesma pessoa (jurídica) as competências e prerrogativas elencadas ao longo do Art. 24 do Código, vale dizer, cabe somente a Administração Pública fiscalizar e autuar os infratores de trânsito, e caso o serviço de controle de estacionamento rotativo seja realizado pela iniciativa privada, esta está restrita unicamente a mantença do funcionamento do parqueamento realizando a venda dos cartões, tíquetes ou similares.

Sendo assim, não pode ela – a monitora -, se fosse o caso, lavrar auto de infração de trânsito sob pena de responder penalmente pelo crime capitulado no Art. 328 do Código Penal (usurpação de função pública).

Quanto ao fato da referida monitora extrair o famigerado "aviso de irregularidade" sem nele conter nenhum tipo de ameaça, e não servir de fato gerador de notificação de autuação e posterior penalidade, não vejo nenhum óbice, pois se não está defeso por lei tal ato, pode a empresa privada administrar sua tarefa com eficiência e com base no Art. 5º, inciso II, da Carta Magna.

No entanto, o fato de se extrair um "aviso de irregularidade", mesmo sem nele conter nenhuma ameaça, porém ser encaminhado aos organismos de trânsito municipal e estadual para conseqüente lavratura de auto infracional, tal fato, ao meu ver, apresenta-se viciado de flagrante ilegalidade e imoralidade administrativa.

Cediço de que o Código de Trânsito Brasileiro em seu Art. 280, e ainda ao longo da Resolução nº 149, de 19 de setembro de 2003 [05], descreve o momento exato e os requisitos necessários para uma lavratura regular e consistente do auto de infração de trânsito, devendo tais atos estar na mão de direção dos princípios constantes do Art. 37 da Constituição.

São requisitos básicos para uma regular lavratura de auto infracional de trânsito:

I. a ocorrência de uma infração de trânsito tipificada na lei [06];

II. lavratura do auto de infração imediatamente por agente credenciado; e

III. cumprimento dos procedimentos (formalidades) da autuação como: tipificação da infração, local, data, hora, identificação do veículo, identificação do real infrator, fazer constar da impossibilidade do flagrante [07], caso ocorra, e justificar o não-cumprimento de medida administrativa [08].

Está claro que o legislador infraconstitucional ao expressar que "Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração [...]", vale dizer, tão logo seja vislumbrado o flagrante, deverá o agente, em cumprimento ao princípio da legalidade, lavrar o auto penalizador.

O mandamento expresso no Art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro tem como objetivo combater as arbitrariedades que alguns funcionários queiram cometer, e a meu sentir zelar pela dignidade humana.


4) DA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO E SEUS REQUISITOS.

Ratificando os argumentos aduzidos acima, os requisitos básicos para uma regular lavratura do auto registrador de infração administrativa de trânsito são: o cometimento infracional, a presença de agente credenciado no local e o cumprimento imediato das formalidades para um correto preenchimento do auto de infração de trânsito.

É como expressa NEI PIRES MITIDIERO [09]:

"O processo para apuração de ocorrência de infração de trânsito inicia-se com a lavratura de auto de infração. Este, de seu turno, consubstancia-se em um documento escrito, onde se descreve uma conduta provavelmente ilícita, prevista legalmente no Código de Trânsito Brasileiro. [...]"

"Sua lavratura, [...], é de competência do agente da autoridade de trânsito [...]".

Da análise perfunctória do dispositivo (Art.) 280, do Código de Trânsito Brasileiro, vislumbramos que o ato administrativo de trânsito está bem marcado passo-a-passo, vale dizer, em resumo e em livres palavras: ocorrendo infração, imediatamente o agente deverá lavrar auto de infração de acordo com as formalidades necessárias, sob pena de responder por crime de prevaricação (Art. 319 do Código Penal).

O ato administrativo para ter validade, no sentido lato da palavra, deverá está circunscrito de certos requisitos, quais sejam: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. E estes deverão estar, ainda, em consonância com os princípios norteadores da Administração Pública, isto é: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Faltando um dos elementos citados, ilegal é o ato. Neste sentir pode a própria Administração Pública (e devendo o Poder Judiciário quando provocado) anular o ato por ilegalidade, com efeito ex-tunc, não se olvidando da impossibilidade da convalidação do ato.

O fato em estudo, emissão do "aviso de irregularidade" como fato gerador de multa, quebra toda a sistemática legal até aqui colocada, pois em nenhum ponto de toda a legislação de trânsito há previsão legal de outro procedimento senão o previsto, como exposto acima.


5) DESFECHO.

De acordo com o exposto, sem muito mais delongas: 1) têm competência os Municípios para regular o uso de estacionamento com base nos dispositivos legais citados; 2) pode a iniciativa privada, sob a forma de concessão, passando antes pela peneira da licitação, manter e operar os estacionamentos rotativos, sendo aquelas fiscalizadas constantementes; 3) a emissão de um auto de infração de trânsito somente poderá ocorrer cumprindo-se certos requisitos legais conforme exposto; 4) as notificações de penalidades emitidas com base no "aviso de irregularidade" sem sombra de dúvida encontram-se viciadas de ilegalidades, devendo ser anuladas pelas JARI''s; 5) o CETRAN/SC equivocou-se em aceitar de maneira unânime as argumentações colocadas no Parecer de nº 48/2006; e 6) deve o Ministério Público, como fiscal da lei, intervir e tomar as providências legais para proteger os direitos dos usuários da via terrestre.


6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS.

01 BOLLER, Luiz Fernando. Veículo furtado em estacionamento rotativo. Obrigação do concessionário do serviço a reparar o prejuízo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8763>. Acesso em: 05 out. 2006.

02 Não entraremos no mérito dos conceitos de cada espécie de competência, motivo pelo qual alongaríamos o assunto e quebraríamos o desenvolvimento harmonioso do tema.

03 A respeito do tema sugiro leitura do artigo citado na nota ''i''.

04 O termo apropriado seria circunscrição, pois jurisdição é aplicar o Direito e a Administração Pública não o aplica, e sim o cumpre. Circunscrição é o limite territorial de determinado Órgão ou Entidade.

05 Dispõe sobre uniformização do procedimento administrativo da lavratura do auto de infração, da expedição da Notificação da Autuação e da Notificação da Penalidade de multa e de advertência por infrações de responsabilidade do proprietário e do condutor do veiculo e da identificação do condutor infrator.

06 Não entraremos no mérito da questão das infrações previstas nas Resoluções do CONTRAN hoje existentes, pois, no sentido estrito da palavra, Resolução é Resolução e Lei é Lei.

07 Somos da opinião de que o flagrante é medida obrigatória de se cumprir, ou seja, o real infrator deverá ser abordado e identificado. No entanto, o legislador permitiu que se tal fato não for possível de ser realizado, por motivo óbvio dos veículos estarem em constante movimentação ou estacionado sem a presença do condutor-infrator, deverá ser relatado no corpo do auto de infração, v. g., no "campo observação". Tal fato é condição sine qua non para caracterizar a regularidade do auto de infração.

08 Sob pena de responder o agente público de trânsito pelo crime de prevaricação e processo disciplinar.

09 MITIDIERO, Nei Pires. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro: direito de trânsito e direito administrativo de trânsito. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 1.323-1.324.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Marcos Damião Zanetti de. Comentários acerca do Parecer nº 48/2006 do Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1201, 15 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9046. Acesso em: 19 abr. 2024.