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A Constituição, a garantia fundamental ao acesso à Justiça e a assistência judiciária gratuita.

Estudo de caso

A Constituição, a garantia fundamental ao acesso à Justiça e a assistência judiciária gratuita. Estudo de caso

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A celeuma surge diante das seguidas decisões de primeira instância do Poder Judiciário paulista, indeferindo pedidos de assistência judiciária gratuita formulado por demandantes que se declaram pobres nos termos da Lei nº 1.060/50.

Sumário: 1. O caso a ser estudado: breves esclarecimentos iniciais. 2. O acesso à justiça: 2.1. Noção Geral; 2.2. O acesso à justiça nas Constituições: histórico; 2.3. O acesso à justiça na Constituição Federal de 1988; 2.3.1. O novo contexto: Assistência jurídica integral e gratuita x assistência judiciária gratuita. 2.3.2. Assistência jurídica integral e gratuita: natureza jurídica; 2.3.3. Classificação das normas constitucionais: A assistência jurídica integral e gratuita como norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia plena. 3. A Lei 1.060/50 à luz da Constituição Federal de 1988: a questão do direito intertemporal e da receptividade das leis. 4. O estudo do caso ante a moderna hermenêutica constitucional: 4.1. A Hermenêutica e a interpretação: algumas notas; 4.2. A interpretação da Constituição; 4.3. A nova hermenêutica Constitucional; 4.4. O estudo do caso. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.


1. O caso a ser estudado: breves esclarecimentos iniciais

O caso que servirá como objeto principal deste trabalho é colhido de decisões proferidas por juízos singulares na comarca de São Paulo e que divergem do posicionamento tradicional da nossa Corte Suprema.

A celeuma surge diante das seguidas decisões de primeira instância do Poder Judiciário paulista, indeferindo pedidos de assistência judiciária gratuita formulados por demandantes que se declaram pobres nos termos da Lei 1.060/50.

A referida Lei, ao estabelecer regras para concessão de assistência judiciária aos necessitados, exige, como requisito suficiente para comprovação deste estado, apenas seja apresentada a declaração de pobreza pelo requerente.

Entretanto, a despeito da presença deste documento probatório nos autos, os juizes da maior capital do país, contrariando a jurisprudência do STF, têm, de ofício - é de se ressaltar, negado o pleito. E fazem mais. Com fundamento no art. 5º LXXIV da Carta Magna, determinam que o interessado na conferência da assistência judiciária gratuita comprove a suposta insuficiência de recursos financeiros apresentando a sua última declaração de imposto de renda, contrariando o entendimento em sentido contrário já sedimentado no STF.

A proposta deste trabalho é analisar estas decisões, diante da Teoria da Constituição1, especialmente no que diz respeito às normas constitucionais, sua aplicabilidade e eficácia, ao lado da questão da hermenêutica.


2. O acesso à justiça

2.1. Noção Geral

Desde o surgimento do Estado, acesso à justiça é historicamente garantido. Este passa ser o gestor da vida em comunidade, tendo como fim precípuo a pacificação social. Neste diapasão, supera-se o período da barbárie, onde a Justiça era feita por cada indivíduo e por suas próprias mãos, avocando para si o poder-dever de conceder Justiça, evitando, destarte, que cada um faça por si sua própria justiça.

Diante disto, a nenhum Estado Democrático de Direito é permitido deixar de garanti-lo em todas as suas formas.

Conseqüentemente, no escólio de Mauro Capelletti, "O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos." 2

O acesso à justiça, afinal, constitui a principal garantia dos direitos subjetivos, em torno do qual gravitam todas as garantias destinadas a promover a efetiva tutela dos direitos fundamentais, amparados pelo ordenamento jurídico.

2.2. O acesso à justiça nas Constituições: histórico

As Cartas Políticas, em regra, asseguram, a todos e através de diversas formas, o acesso à justiça, inserindo-o no rol das garantias fundamentais do indivíduo e da sociedade a assistência judiciária gratuita ao que delas necessitarem.

A Constituição Italiana assim prescreve, em seu art. 24:

"O meio de estar em justiça e o de se defender perante qualquer jurisdição são assegurados aos mais pobres, por instituições especiais." (Tradução livre).

Já a Constituição Espanhola preceitua:

"Artículo 119.

La justicia será gratuita cuando así lo disponga la ley, y, en todo caso, respecto de quienes acrediten insuficiencia de recursos para litigar."

A Constituição Cabo-verdiana trata a matéria exaustivamente, em seu art. 21:

"Art. 21. (Acesso à Justiça)

1. A todos é garantido o direito de acesso à justiça e de obter, em prazo razoável e mediante processo equitativo, a tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

2. A todos é conferido, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde, o ambiente, a qualidade de vida e o património cultural.

3. Todos têm direito, nos termos da lei, à defesa, à informação jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

4. A justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos ou indevida dilação da decisão.

5. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

6. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias individuais, a lei estabelece procedimentos judiciais céleres e prioritários que assegurem a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses mesmos direitos, liberdades e garantias"

O Brasil, informa-nos GRUNWALD3, há muito se preocupa com a barreira obstaculizadora do acesso á justiça: a barreira econômica. A representação dos indivíduos em juízo de forma a viabilizar o acesso á justiça não apenas aos mais afortunados mas sim a todos os cidadãos remonta das Ordenações Filipinas que vigoraram no Brasil até o ano de 1916. Nas Ordenações, clara era a disposição acerca da representação gratuita em juízo quando dispunha no Livro III, Titulo 84 parágrafo décimo que " em sendo o agravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, e dizendo na audiência uma vez o Pater Noster pela alma del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havido, como que pagasse os novecentos réis, contanto que tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia de pagar o gravo".

Entretanto, a Constituição de 1824 mostrou-se omissa quanto a garantia de gratuidade de acesso á justiça da mesma forma a Constituição de 1891. Em 1934 a Constituição introduziu no Brasil a garantia da gratuidade do acesso á justiça cabendo a tarefa ao Estado. Por outra banda, não tão dedicada apresentou-se a Constituição de 1937 eis que em seu texto não dispensa nenhum dispositivo a concessão da gratuidade ao acesso á justiça, tarefa que coube ao código de Processo Civil de 1939, o qual dispôs em seus artigos 68 e seguintes a função protetiva do estado aos hiposuficientes.

A Carta de 1934, em seu art. 113, número 32, previa:

"Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos."

Já a de 1946 tratava a matéria no art. 141, § 35, nos seguintes termos:

"Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 35 - O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados."

E era art. 150, § 32 da Carta de 1967 que disciplinava a matéria:

"Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

§ 32 - Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei."

O art. 5° LXXIV, da Constituição em vigor prescreve que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".

2.3. O acesso à justiça na Constituição Federal de 1988.

2.3.1. O novo contexto. Assistência jurídica integral e gratuita x assistência judiciária gratuita.

É sabido que, com o advento da Constituição de 1988, surge uma nova ordem estatal, fincando-se o Estado Social Democrático de Direito.

Superadas as grandes guerras e com a derrocada da maioria dos regimes autoritários até então vigentes, o movimento constitucionalista emerge, retomando os idéias sociais instaurados a partir da Constituição de Weimar. O sentido social dos novos direitos é ressaltado. Pauta-se na justiça social, no fortalecimento da democracia, da cidadania e na busca por uma sociedade igualitária, refratária ao individualismo no Direito e ao absolutismo no poder4.

Nesta esteira, o tema em debate passa a ter maior amplitude na Constituição de 1988.

"Com efeito, não é possível compreender o constitucionalismo do estado social brasileiro contido na Carta de 1988 se fecharmos os olhos à teoria dos direitos sociais fundamentais, ao princípio da igualdade, aos institutos processuais que garantem aqueles direitos e aquela liberdade e ao papel que doravante assume na guarda da Constituição o Supremo Tribunal Federal."5

Comparando-se os dispositivos constitucionais acima transcritos, nota-se que anteriormente as Cartas positivava a assistência judiciária gratuita entre os direitos assegurados pela Norma maior.

Entretanto, da leitura do atual art. 5° LXXIV, verifica-se que não se fala mais apenas em assegurar o direito à assistência judiciária gratuita, porém na prestação da assistência jurídica integral e gratuita.

É que o novo texto constitucional, em contexto geral, imprime uma latitude sem precedentes aos direitos sociais básicos, dotados agora de uma substantividade nunca conhecida nas Constituições anteriores. Neste contexto, há uma sobrelevação dos direitos e garantias fundamentais, com sólida base no valor maior da igualdade, que, na lição de Paulo Bonavides, "se converte no valor mais alto de todo sistema constitucional, tornando-se o critério magno e imperativo de interpretação da Constituição em matéria de direitos sociais."

Daí a amplitude dada ao acesso à justiça na Carta de 1988, sendo a assistência judiciária gratuita, apenas uma de suas formas.

"Pode-se dizer, pois, sem exagerar, que a nova Constituição representa o que de mais moderno existe na tendência universal rumo à diminuição da distância entre o povo e a justiça ", é o que afirma a festejada Professora Ada Pellegrini Grinover.6

Consoante esclarecem Nelson e Rosa Nery, a assistência jurídica prevista no art. 5°, LXXIV da C.F. é mais ampla do que a assistência judiciária7, já que consiste na consultoria, auxílio extrajudicial e assistência judiciária.8

"A assistência judiciária, (jurídica, por melhor dizer)...", ensina Lippman, "... não se confunde com justiça gratuita (assistência judiciária gratuita). A primeira é fornecida pelo Estado, que possibilita ao necessitado o acesso aos serviços profissionais do advogado e dos demais auxiliares da justiça, inclusive os peritos, seja mediante a defensoria pública ou da designação de um profissional liberal pelo Juiz. Quanto à justiça gratuita, consiste na isenção de todas as despesas inerentes à demanda, e é instituto de direito processual". E arrebata: "Ambas são essenciais para que os menos favorecidos tenham acesso à Justiça, pois ainda que o advogado que se abstenha de cobrar honorários ao trabalhar para os mais pobres, faltam a estes condições para arcar com outros gastos inerentes à demanda, como custas, perícias, etc. ".9

Outro não é o entendimento de José Cretella Junior. Sobre a distinção mencionada, esclarece que "denomina-se "assistência jurídica" o auxílio que o Estado oferece – agora obrigatoriamente – ao que se encontra em situação de miserabilidade, dispensando-o das despesas e providenciando-lhe defensor, em juízo. A lei de organização judiciária determina qual o Juiz competente para a assistência judiciária; para deferir ou indeferir o benefício da justiça gratuita, competente é o próprio Juiz da causa. A "assistência jurídica" abrange todos os atos que concorram, de qualquer modo, para o conhecimento da justiça – certidões de tabeliães, por exemplo -, ao passo que o benefício da "assistência judiciária gratuita" é circunscrito aos processos, incluída a preparação da prova e as cautelares. O requerente, antes de entrar com a ação, em juízo, deverá solicitar a assistência judiciária".10

Desta forma, a assistência jurídica integral e gratuita prevista no mencionado diploma constitucional, compreende a consultoria, o auxílio extrajudicial e a própria assistência judiciária. Todos serem fornecidos gratuitamente pelo Estado àqueles que necessitem.

Referidas atividades de consultoria e ao auxílio extrajudicial, serão fornecidos pelo Estado através de órgãos públicos e instituições específicos e em geral, que devem orientar e prestar informações sem ônus. Neste contexto, possui sobrelevada relevância a atuação das Defensorias Públicas, Promotorias e Conselhos tutelares.

De outro lado, a assistência judiciária gratuita (única previsão das Constituições anteriores) diz respeito aos ônus e custos inerentes à lide, ao processo judicial e sua tramitação ante ao Poder Judiciário. Desde 1950 encontra-se regulamentada pela Lei de Assistência Judiciária, de n.° 1060, que assim dispõe:

"Art. 1º - Os poderes públicos federal e estadual concederão assistência judiciária aos necessitados nos têrmos da presente Lei.

Art. 2º - Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Parágrafo único Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Art. 3º - A assistência judiciária compreeende as seguintes isenções:

I - das taxas judiciárias e dos selos;

II - dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça;

III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;

IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;

V - dos honorários de advogado e peritos;

VI - das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.”

Melhor tratamento foi dada à matéria pela legislação de Cabo Verde. Além de possuir artigo constitucional, supratranscrito, o qual expressamente assegura o acesso à justiça em suas diversas formas, inclusive no que tange à assistência judiciária gratuita, o ordenamento daquele país possui duas leis infra-constitucionais versando sobre a matéria.

A primeira, denominada Lei de Acesso à Justiça 11, proclama em seu art. 1º:

"Artigo 1° (Objecto)

A presente lei visa assegurar a todos o acesso aos meios e órgãos legalmente previstos para conhecer, fazer valer e defender os seus direitos, garantindo que a ninguém seja dificultado, limitado ou impedido esse acesso, designadamente em razão da sua condição social ou cultural ou por insuficiência de meios económicos."

A segunda é a Lei de Assistência Judiciária, que tem como escopo a questão das custas do processo. O seu art. 1° prescreve:

"Artigo 1° (Objecto)

O presente diploma regula os processos de concessão do benefício de assistência judiciária nos Tribunais e a cobrança coerciva dos preparos e custas judiciais."

Em conclusão, resta demonstrado que a assistência judiciária gratuita, objeto dos casos a serem estudados, está compreendida na assistência jurídica prevista no art. 5º, LXXIV da Constituição. Enquanto aquela se refere ao acesso à justiça em sentido amplo, abarcando a questão das vias, formas e meios, esta se remete, exclusivamente, aos custos do processo.

A assistência judiciária gratuita, converte-se, então, em um dos principais instrumentos para se assegurar o acesso igualitário à justiça àqueles que comprovem insuficiência de recursos.

Com efeito, "a justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou-se o direito de administra-la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos. Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas..." 12

Na lição de José Afonso, "formalmente, a igualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV). Mas realmente essa igualdade não existe, pois está bem claro hoje, que tratar como igual a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem, não é outra coisa senão uma ulterior forma de desigualdade e de injustiça. Os pobres têm acesso muito precário à Justiça. Carecem de recursos para contratar bons advogados. O patrocínio gratuito se revelou de alarmante deficiência. A Constituição tomou, a esse propósito, providência que pode concorrer para a eficácia do dispositivo, segundo o qual o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art.5º, LXXIV)." 13

Daí porque é este instituto de salutar importância para que, na prática, seja conferida a garantia fundamental do acesso à justiça, pois, "uma justiça ideal deveria ser gratuita. A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico aqueles que dela necessitam" 14, mormente quando sabemos que a grande maioria da população é formada por pobres e miseráveis.

Desse modo, " tem-se, uma garantia bifronte da assistência judiciária: a de corresponder a um item constitucional catalogado no capítulo dos direitos individuais e de constituir-se, também, em atividade estatal essencial ao exercício da função jurisdicional". 15

2.3.2. Assistência jurídica integral e gratuita: natureza jurídica

Vista distinção entre a assistência judiciária e a assistência jurídica integral e gratuita, mister se faz precisar a sua natureza jurídica.

A questão é tormentosa. Divergências são encontradas na doutrina e jurisprudência.

Para o eminente processualista Barbosa Moreira, a assistência judiciária é um direito. 16

Idêntico posicionamento adota Pinto Ferreira, para quem

"O direito à assistência jurídica ou judiciária é um direito público subjetivo outorgado pela Constituição e pela lei a toda pessoa cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas processuais e os honorários de advogado, sem prejuízo para o sustento de sua família ou de si própria." 17 (grifos nossos)

Já para Alexandre Lobão Rocha, estaríamos diante de uma garantia. 18

Nos tribunais superiores esta divergência também está presente. É possível colher decisões que definem a assistência judiciária como direito, ora como garantia fundamental e, até mesmo, aquelas que se escusam de apontar sua natureza, qualificando-a como simples benefício. 19

A questão, além de complexa, é relevante. Ultrapassa o campo da teoria e do discurso acadêmico, para produzir reflexos diretos na concretização desta norma constitucional.

Aparentemente, diante da sua localização dentro da Constituição, inserida entre o rol dos direitos e garantias fundamentais, poder-se-ia apontar que estaríamos diante de um direito ou uma garantia desta estirpe.

Entretanto, não é todo princípio ou regra inserto naquele rol que pode ser considerado como fundamental.

Antes de mais nada, é necessário precisar quais são os Direitos Fundamentais.

Respondendo a esta intricada e difícil questão, a Professora Maria Garcia 20 aponta-nos aquele que entendemos ser melhor caminho a ser seguido.

A ilustre constitucionalista funda sua teoria a partir das idéias de Ferdinand Lassale, quando este trata da denominação Lei Fundamental.

Conforme lição do consagrado jurista, citado pela eminente Professora, para justificar-se a denominação Lei Fundamental será necessário:

"1º Que a lei fundamental seja uma lei básica; mais do que as outras comuns, como indica seu próprio nome `fundamental´.

2ºQue constitua - pois de outra forma não poderíamos chamá-la de fundamental - o verdadeiro fundamento de outras leis, isto é, a lei fundamental, se realmente pretende ser merecedora desse nome, deverá informar e engendrar outras leis comuns originárias da mesma. A lei fundamental, para sê-lo, deverá, pois, atuar e irradiar-se através das leis comuns do país.

3º Mas as coisas que têm um fundamento não o são por um capricho; existem porque necessariamente devem existir. O fundamento a que respondem não pode ser de outro modo. Somente as coisas que carecem de fundamento, que são as casuais e as fortuitas, podem ser como são ou mesmo de outra forma; as que possuem um fundamento, não. Elas se regem pela necessidade. (…) A idéia de fundamento traz, implicitamente, a noção de uma necessidade ativa, de uma força eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia, fazendo-a assim e não de outro modo." 21

A partir deste raciocínio, ensina-nos a professora que "o art. 5º, caput, da Constituição especifica cinco direitos fundamentais básicos: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade, que constituem o fundamento de todos os demais direitos consagrados (…), bem como de toda a Constituição (…)" 22

E, entre os demais direitos e garantias consagrados pela Constituição, seriam também direitos ou garantias fundamentais "...todos aqueles diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais básicos constantes do art.5º, caput. Os demais compõem apenas o quadro dos direitos constitucionais." 23

Os direitos fundamentais são, enfim, "o oxigênio das Constituições Democráticas." 24

Mas o art. 5° não compreende apenas Direitos Fundamentais. Abarca também garantias desta natureza.

Segundo Paulo Bonavides, "Existe garantia sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve conjurar." 25 E acrescenta: "A garantia – meio de defesas – se coloca então diante do direito, mas com este não se confunde." 26

Ora, somente mediante o amplo acesso à justiça, mediante uma assistência jurídica integral e gratuita é que será possível se defender e preservar a efetividade, a consagração, a preservação e proteção do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade em sua plenitude.

Válido salientar que, como observa Róbson Flores Pinto, "...a garantia constitucional da assistência jurídica aos hipossuficientes tem por escopo o princípio da igualdade, de forma a dotar os desiguais economicamente de idênticas condições para o pleito em juízo." 27

Destarte, tratando-se instituto que visa assegurar, preservar, enfim, proteger outros, não resta dúvida ser a assistência jurídica e gratuita uma garantia fundamental, pois que diretamente ligado à proteção do que é básico, fundante e necessário à conformação da ordem jurídica posta.

Assim, tem o art. 5º, LXXIV natureza de norma constitucional, verdadeira garantia fundamental. Conseqüentemente, a assistência judiciária gratuita, compreendida naquela, possui a mesma natureza.

Ambas integram o microssistema constitucional que visa assegurar a garantia fundamental do acesso de todos à justiça.

É acertado, desta forma, falar-se em uma garantia fundamental ao acesso à justiça, que engloba a assistência jurídica gratuita e, entre outras direitos e garantias, o direito de petição, o direito de obtenção de certidões e informações, e o próprio princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. O traço comum existente entre as referidas normas é que todas visam permitir a promoção da justiça e igualdade, imprescindível a qualquer Estado de Direito e para consecução dos direitos fundamentais. 28

2.3.3. Classificação das normas constitucionais: A assistência jurídica integral e gratuita como norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia plena

Jorge Miranda, em uma das suas magnânimas obras, apresenta um complexo método para classificação as normas constitucionais. Após traçar uma classificação geral das normas, leciona:

"Entre as classificações ou contraposições de mais particular incidência no domínio do Direito constitucional ou mesmo dele específicas, avultam as seguintes:

a)Normas constitucionais materiais e normas constitucionais de garantia (corres pondentes grosso modo a normas primárias e a normas secundárias) - aquelas formando ou reflectindo o núcleo da constituição em sentido material, da ideia de Direito modeladora do regime ou da decisão constituinte; estas estabelecendo modos de assegurar seu cumprimento frente ao próprio estado, por meios preventivos ou sucessivos que lhe emprestem efectividade ou maior efectividade;

b)Normas constitucionais de fundo orgânicas e procedimentais ou de forma - as primeiras, sobretudo as respeitantes às relações entre a sociedade e o Estado ou ao estatuto das pessoas e dos grupos dentro da comunidade política, as segundas, definidoras dos órgãos do poder, da sua estrutura, da sua competência, da sua articulação recíproca e do estatuto dos seus titulares; as terceiras, relativas aos actos e actividades do poder, aos processos jurídicos de formação e expressão da vontade - de uma vontade necessariamente normativa e funcional;

c) normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programáticas - sendo preceptivas as de eficácia incondicionada ou não dependente de condições institucionais ou da facto e programáticas aquelas que, dirigidas a certos fins e a transformações não só da ordem jurídica mas também das estruturas sociais ou da realidade constitucional (daí o nome), implicam a verificação, pelo legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da possibilidade de as concretizar;

d)Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si mesmas - as primeiras, aplicáveis só por si, sem a necessidade de lei que as complemente; as segundas carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis às situações da vida;

e)normas constitucionais a se e normas sobre normas constitucionais - contendo aquelas uma específica regulamentação constitucional, seja a título de normas materiais, seja a título de normas de garantia, e reportando-se a outras normas constitucionais para certos efeitos (como as normas de revisão constitucional ou as disposições transitórias)." 29

Entretanto, para o presente trabalho e para efeito do estudo do caso proposto, interessa-nos fixar a questão da aplicabilidade das normas constitucionais, a qual tem influência determinante na espécie em debate, como se verá ao longo das linhas que seguem.

Os doutrinadores Norte-americanos são precursores sobre o tema. Dividiam as normas constitucionais entre duas espécies: "self executing provisions" e "not self executing provisions" Esta tese influenciou os estudiosos por todo o mundo emereceu aguçada análise de renomados juristas pátrios.

Sobre o tema assim se manifestou, Rui Barbosa:

"Executáveis por si mesmas, ou auto-executáveis, se nos permitem uma expressão que traduza num só vocábulo o inglês self executing, são, por tanto, as determinações para executar as quais não se haja mister de constituir ou designar uma autoridade, nem criar ou designar um processo especial, e aquelas onde o direito instituído se ache armado por si mesmo, pela sua própria natureza, dos seus meios de execução e preservação. Mas nem todas as disposições constitucionais são auto-aplicáveis. As mais delas, pelo contrário, não são." E conclui: "A Constituição não se executa a si mesma: requer a ação legislativa, para lhe tornar efetivos os preceitos." 30

Válido, ainda, citar a lição de Crisafulli. O consagrado cientista do Direito salienta a existência de três espécies de normas constitucionais: as programáticas, imediatamente preceptivas e de eficácia diferida. 31

Analisando as lições do referido autor, explicita Paulo Bonavides:

"Nesta acepção, programáticas se dizem aquelas normas jurídicas com que o legislador, ao invés de regular imediatamente um certo objeto, preestabelece a si mesmo um programa de ação, com respeito ao próprio objeto, obrigando-se a dele não se afastar sem um justificado motivo." 32

Já as normas imediatamente preceptivas são, "(…) aquelas que diretamente regulam relações entre cidadãos e entre o Estado e os cidadãos." 33

Por fim, as normas constitucionais de eficácia diferida "(…) normas que não se dirigem unicamente aos poderes do estado, mas indistintamente, desde o primeiro momento, aos cidadãos e aos órgãos estatais, não tendo por conseguinte, natureza programática, e somente desdobrando sua inteira eficácia através dos meios instrumentais ou leis organizativas posteriores, capazes de permitir sua aplicabilidade às matérias de que diretamente se ocupam." 34

Aqui no Brasil, merecem destaque as lições do Professor José Afonso da Silva. O festejado constitucionalista formulou classificação própria para as normas constitucionais e sua aplicabilidade.

Para este jurista, em apertada síntese, as normas constitucionais podem ser classificadas como normas de eficácia plena, as quais possuem aplicabilidade imediata, normas de eficácia contida, cuja aplicabilidade também é imediata, porém sujeitas à restrição, e, finalmente, em normas de eficácia limitada, que dependem de normas ordinária complementares para produzirem todos os efeitos delas esperadas. 35

A despeito da relevância e rigor científico das citadas e de outras classificações das normas constitucionais 36, preferimos adotar a classificação proposta por Meireles Teixeira, em sua belíssima obra Curso de Direito Constitucional.

Segundo lição do saudoso Professor, as normas constitucionais se dividem em normas de eficácia plena e normas de eficácia limitada. As últimas se subdividem em normas programáticas e normas de legislação.

Ensina-nos:

"No caso das normas constitucionais de eficácia plena, ensina-nos, o legislador constituinte diretamente, imediatamente e de modo pleno, estabeleceu uma normatividade sobre certa matéria, normatividade que se mostra apta a produzir, desde logo, os efeitos essenciais visados. Trata-se, portanto, de normas plena e diretamente operativas."

"Já no segundo caso, das normas de eficácia limitada...", prossegue o Professor, citando Crisafulli, "...ao invés de regularem desde o primeiro momento, de modo direto e imediato, determinadas ordens de situações e relações (as quais, entretanto se referem), regulam comportamentos públicos destinados, por sua vez, a incidir sobre essas matérias: estabelecem, isso sim, aquilo que os órgãos governamentais deverão ou poderão fazer (e, inversamente, portanto, aquilo que não poderão fazer, relativamente a determinados assuntos." 37

Ainda neste breve estudo acerca da classificação e aplicabilidade das normas constitucionais, sobressai-se a relevância de outra importante e sensível modificação trazida pela Constituição de 1988, no que se refere à questão do acesso à justiça, em especial, quanto a assistência judiciária gratuita.

Isto porque, as Constituições anteriores costumavam a condicionar a concessão da assistência judiciária gratuita à forma prevista em lei. Ou seja, os dispositivos não possuíam eficácia plena. Não produziam os efeitos de logo, tendo efetividade condicionada à legislação ordinária. Eram, para adotar a classificação proposta por Meireles Teixeira, normas constitucionais de legislação, de eficácia limitada.

Atualmente a situação é diversa. A Constituição não mais condiciona a prestação da assistência jurídica integral e gratuita à elaboração de qualquer norma. Portanto, o referido dispositivo, ainda com base no escólio do saudoso professor, é diretamente operativas. Produzem efeitos desde logo. É norma constitucional de aplicabilidade imediata e eficácia plena, já que da própria norma Constitucional, o art. 5° LXXIV da C.F, é possível extrair todos efeitos dela esperado.


3. A Lei 1.060/50 a luz da Constituição Federal de 1988: a questão do direito intertemporal e da receptividade das leis.

Restou firmado que a assistência judiciária gratuita tinha, nas Constituições passadas, fundamento em norma constitucional de eficácia limitada, o que submetia sua efetividade à edição de legislação ordinária complementar.

Assim, foi promulgada, em 1950, a denominada lei de assistência judiciária gratuita, regulamentando a matéria e delineando as formas, meios e hipóteses de concessão desta garantia, consoante previsão constitucional.

Ocorre que, este quadro muda radicalmente com o advento da Constituição de 1988, já que a garantia do acesso à justiça, na qual se insere a assistência judiciária gratuita, passa a ser norma constitucional de eficácia plena, independendo de regulamentação para produção integral dos efeitos pretendidos.

Disto decorre a questão sobre a incidência ou não, e em que termos, da Lei 1.060/50 pela nova ordem Suprema.

Com efeito, a promulgação de uma nova Carta Política produz significativas alterações na ordem jurídica de um Estado. As novas Constituições são, em regra, produto de uma revolução do povo, que almeja a alteração no satatus quo até então vigente. Marcadas por intenso diálogo entre as diversas camadas que compõem a comunidade, reproduzem os desejos e valores que refletem os anseios daquela sociedade, em determinado local e espaço de tempo.

Sobre o tema, adverte Barroso:

"Antes de mais, uma Constituição nova revoga a anterior. Por definição, não pode haver senão uma Constituição - em sentido material e em sentido formal." 38

Contudo, isto não significa a revogação imediata da legislação infraconstitucional. Mesmo porque, isto significaria a imposição de um vácuo legislativo capar de produzir a insegurança e desestabilização das relações jurídicas.

É de se esclarecer que

"Dificilmente a ordem constitucional recém-estabelecida importará em um rompimento integral e absoluto com o passado. Por isso, toda legislação ordinária, federal, estadual e municipal que não for incompatível com a Constituição conserva sua eficácia. Se assim não fosse, haveria uma enorme vácuo legal até que o legislador infraconstitucional pudesse recompor inteiramente todo o domínio coberto pelas normas jurídicas anteriores." 39

Portanto pode haver a manutenção em vigor das novas infraconstitucionais pela nova ordem constitucional. É o fenômeno da recepção. E regra geral é que toda legislação que não seja contrastante com a nova ordem constitucional permanece em vigor, independentemente de qualquer disposição da nova Constituição neste sentido.

"O que existe...", assevera Kelsen,. "..não é uma criação de Direito inteiramente nova, mas recepção de normas de uma ordem jurídica por uma outra." 40

A doutrina e a jurisprudência já consolidaram entendimento segundo o qual a citada lei foi recepcionada pela nova ordem Constitucional 41.

Entretanto, não é despiciendo ressaltar que, apesar de permanecer com o mesmo texto, assim como qualquer norma infraconstitucional recepcionada, a citada lei, será, ao ser aplicada aos casos concretos posteriores à nova constituição, objeto de uma releitura, pautada e norteada pelos novos princípios, objetivos e finalidades que conformam a nova ordem jurídica posta.

Para ficar mais uma vez com as lições no mestre de Viena, "... o imediato fundamento de validade das normas jurídicas sob a nova Constituição, revolucionariamente estabelecida, já não pode ser a antiga Constituição, que foi anulada, mas apenas pode ser a nova. O conteúdo destas normas permanece na verdade o mesmo, mas seu fundamento de validade, e não apenas este mas também o fundamento de validade de toda ordem jurídica mudou. Com o tornar-se eficaz da nova Constituição, modificou-se a norma fundamental, quer dizer, o pressuposto sob o qual o fato constituinte e os fatos postos em harmonia com a Constituição podem ser pensados como fatos de produção e aplicação de normas jurídicas."


4. O estudo do caso ante a moderna hermenêutica constitucional.

4.1. A Hermenêutica e a interpretação: algumas notas.

"Não a norma jurídica que dispense interpretação", preleciona Paulo Bonavides. 42

Na clássica lição de Savigny:

"La interpretación de la ley es siempre necessaria para que la misma intervega en la vida; y esta su general necessidad constituye a la par su justificación. La interpretación no depende, por tanto, como muchos opinan, de la casual circunstancia de la oscuridad de una ley." 43

Sobre o tema, basilar são as palavras de Carlos Maximiliano:

"A Hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretar." 44 Aquela é, pois, mais abrangente, compreendendo esta. "Uma (a interpretação) é a aplicação da outra (hermenêutica)". 45

Como bem sintetiza o Professor Celso Bastos, em sua monumental obra sobre o tema, "(…) uma coisa é proceder à interpretação, momento em que já se estão aplicando determinadas pautas hermenêuticas, e outra é refletir sobre estas pautas. A interpretação tem por objeto as normas, enquanto a hermenêutica decifra o modo pelo qual poderá se dar a interpretação." 46

Mas, afinal, o que se entende por interpretar.

Segundo o citado jurista, "...interpretar é atribuir um sentido ou um significado a signos ou a símbolos, dentro de determinados parâmetros." 47

No vilipêndio do ministro Eros Grau:

"Como e enquanto interpretação/aplicação, ela parte da compreensão dos textos normativos e dos fatos, passa pela produção das normas que devem ser ponderadas para solução do caso e finda com a escolha de uma determinada solução para ele, consignada na norma de decisão." 48

Para o renomado jurista, "O que em verdade se interpreta são os textos normativos; da interpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto normativo." 49

Ainda sobre a necessidade da interpretação das normas jurídicas, o Professor Celso Bastos esclarece, com a precisão que lhe é peculiar:

"É que a linguagem normativa não tem significações unívocas. Os seus vocábulos comportam mais de um conceito, o que, por si só, já seria bastante para justificar a necessidade da interpretação. Esta viria a reduzir as inteligências possíveis a uma só, escolhida para decidir o caso concreto." 50

"Além das deficiências inerentes à linguagem, há de se acrescentar aquelas hipóteses em que o texto legal vem inçado de erros de gramática, de lógica ou sintáticos, que obscurecem ainda mais o conteúdo correto da norma. Contudo, embora já bastantes por si mesmas essas constatações para justificar a atividade interpretativa, a verdade é que ela é indispensável ainda por outros motivos." 51

Isto porque, "é que há de ser cumprida uma tarefa, da qual normalmente se incumbe o intérprete, consistente em mediar o que está para ser interpretado (objeto da interpretação) e os destinatários do objeto interpretado (objetivo da interpretação jurídica em geral é a imediata aplicação da regra a um determinado caso)." 52

Sobre o tema, anotou o Mestre de Viena em sua Teoria Pura do Direito:

"A interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito é sempre autêntica. Ela cria Direito. Na verdade, só se fala de interpretação autêntica quando esta interpretação assuma a forma de uma lei ou de um tratado de Direito Internacional e tem caráter geral, quer dizer, cria Direito não apenas para um caso concreto mas para todos os casos iguais, ou seja, quando o ato designado como interpretação autêntica represente a produção de uma norma geral. Mas autêntica, criadora de Direito é a interpretação feita pelo órgão aplicador do Direito ainda quando cria Direito apenas para um caso concreto, quer dizer, quando este órgão apenas crie uma norma individual ou execute uma sanção. A propósito importa notar que, pela via da interpretação autêntica, quer dizer, da interpretação de uma norma pelo órgão jurídico que a tem de aplicar, não somente se realiza uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma, como também se pode produzir uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa." 53

E arrebata: "Não é possível aplicação sem interpretação, tal como esta só faz sentido posta ao serviço da aplicação." 54

Desta forma, pode-se concluir que a interpretação do direito é, assim como em outras ciências, uma prudência, é aquele saber prático, a phrónesis que se refere Aristóteles. 55 É de fundamental importância para a efetivação do Direito posto a cada caso concreto.

4.2. A interpretação da Constituição

Existem particularidades que justificam a necessidade de uma hermenêutica constitucional, cujo objeto de estudo é a interpretação da Constituição.

Consoante alerta do Professor André ramos Tavares

"A Constituição é a ‘carta de competências’, ou seja, o locus no qual se deve buscar tanto a funte máxima do Direito como os critérios para identificação legítima das demais fontes do Direito, assim como a repartição orgânica da capacidade normativa (potestas normandi) em sentido amplo." 56

Ademais, explica Ferdinand Lassale:

"Os problemas Constitucionais não são problemas de direito, mas do poder; a verdadeira Constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país reagem, e as Constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores de poder que imperam na realidade social: eis aí os critérios fundamentais que devemos sempre lembrar." 57

Diante disso, irrepreensível é a lição de Jorge Miranda:

"Há sempre que interpretar a Constituição como há sempre que interpretar a lei. Só através desta tarefa se passa da leitura política ideológica ou simplesmente empírica para a leitura jurídica do texto constitucional, seja ele qual for." 58

Entretanto, na seqüência, alerta o jurista Português:

"...só através dela, a partir da letra, mas sem parar na letra, se encontra a norma ou o sentido da norma." 59

Com efeito, as normas constitucionais possuem um posicionamento singular, a exemplo do seu caráter inaugural da ordem jurídica. Outrossim, não necessita de amparo normativo algum. Ademais, emprega um linguajar sintético e adota, em seu bojo e em larga escala, uma série de princípios. Por fim, possui um ente especial responsável pela sua guarda, consubstanciado em uma Corte Suprema. 60

Por esta razão, "… não se pode levar à interpretação da Constituição todos aqueles formalismos típicos da interpretação da lei. A lei contitucional chama-se lei apenas por metáfora, ela não é igual as outras leis. A Constituição tem que ser entendida como a instauração do Estado e da comunidade." 61

Anote-se, ainda, que as normas constitucionais possuem natureza fundante. Ou seja, são fundamento de validade de todo o ordenamento, de todas as demais normas. Possuem, também, caráter amplo e aberto, dada a natureza principiológica e programática de muitas das suas normas, o que provoca o surgimento de conflitos e divergências na sua aplicação. Além disso, não se pode olvidar que a Constituição, ao lado do seu caráter jurídico, regula situações políticas. 62

4.3. A nova hermenêutica Constitucional

As mudanças decorrentes do movimento constitucionalista iniciado a partir da Constituição de Weimar e retomado após as grandes guerras, além de substancial modificações no conteúdo das Constituições, produziu reflexos na hermenêutica constitucional.

A hermenêutica clássica tem suas raízes no período em que vigia o formalismo exarcebado, onde o intérprete autêntico, para nos valer da nomenclatura utilizada por Kelsen, era, nas palavras do Barão de Montesquieu, apenas "a boca da lei". Ao intérprete caberia somente a função de revelar a vontade da lei.

Outrossim, a Constituição não gozava do prestígio alcançado hodiernamente.

Os elementos clássicos de interpretação enunciados por Savigny eram utilizados em larga escala pelos legalistas.

A despeito da importância dos referidos métodos e da sua grande valia ainda nos tempos atuais, superado o positivismo lógico-formal, com o advento das Constituições modernas, com sua incessante busca para adequação e integração entre o Direito e a Sociedade, surge a necessidade da modernização dos métodos de interpretação

Assim, destacam-se os métodos integrativo, capitaneado por Rudolf Smend, de concretização, apresentado por Konrad Hesse e posteriormente aprofundado por Muller em sua metódica estruturante, bem como o método da "Constituição aberta" de Peter Haberle. Todos eles, guardadas as particularidades de suas formas e métodos, pautados na premissa da indispensabilidade da fusão entre Constituição e realidade.

Neste contexto, a Constituição "... embora aja como um instrumento de direção social, está aberta às mutações da sociedade." 63 E a interpretação de suas regras e princípios deve está pautada nestas idéias, razão pela qual o operador do direito não pode mais se limitar aos métodos clássicos de interpretação.

Sob esta nova ótica é que deve ser estudado o presente caso concreto.

4.4. O estudo do caso

Com base na Constituição de 1988 e na Lei 1.06/50, o STF já assentou que para a concessão da assistência judiciária gratuita, a declaração de pobreza é documento hábil para, até prova em contrário, demonstrar a insuficiência de recursos financeiros, requisito para concessão do citado benefício.

Confira-se, a título de exemplo, a seguinte decisão proferida pelo então Ministro Maurício Correia 64:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ASSISTENCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O TEXTO LEGAL E O PRECEITO CONSTITUCIONAL. SIMPLES DECLARAÇÃO NA PETIÇÃO INICIAL. A declaração de insuficiência de recursos e documento hábil para o deferimento do beneficio da assistência judiciária gratuita, mormente quando não impugnada pela parte contraria, a quem cumpre o ônus da prova capaz de desconstituir o direito postulado. Incompatibilidade entre o texto legal e o preceito constitucional. Inexistência. Agravo regimental improvido. (AI-Agr 136910/Rs - Rio Grande do Sul Ag. Reg. no Agravo de Instrumento. Relator (a) : Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 26/06/1995)

Todavia, recentes decisões proferidas pela primeira instância da justiça paulista têm, para o deferimento da assistência judiciária gratuita, exigido a efetiva comprovação da condição de pobreza, através da apresentação da última declaração do imposto de renda.

Nos termos da decisão extraída do processo 162314/2006, em trâmite perante a 26ª Vara Cível de São Paulo 65:

"Para a apreciação da gratuidade, junte o autor cópia da última declaração de bens e renda feita perante a Delegacia da Receita Federal."

"Se a atividade exercida pelos peticionários indica que eles não são pobres, nada impede que o juiz ordene a comprovação do estado de miserabilidade (...)" 66

Esta decisão é fundamentada no art. 5° LXXIV da C.F, segundo o referido juízo.

Tratam-se, pois, de decisões diametralmente opostas, proferidas com base em casos concretos similares e com fundamento em um mesmo dispositivo Constitucional. 67

A decisão do STF parte da premissa de que a Lei foi plenamente recepcionada pela Constituição de 1998, razão pela qual a citada norma infraconstitucional está em vigor. Funda-se, desta forma, no art. 4° da multimencionada Lei, a seguir transcrito:

"Art. 4° A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família."

No entendimento sedimentado na Corte Suprema, a mera declaração de pobreza seria documento hábil o suficiente para que seja deferido o pedido de assistência judiciária gratuita.

Todavia, esta não nos parece ser a decisão mais acertada.

Consoante exposto ao longo deste modesto trabalho, a garantia fundamental da assistência jurídica integral e gratuita é norma constitucional de eficácia plena. Ou seja, a norma infraconstitucional que verse sobre a matéria deve limitar-se à regulamentação deste dispositivo. E se o art. 5°, LXXIV previu esta garantia aos que comprovarem insuficiência de recursos, sem estipular qual meio de prova cabível à espécie, a norma infralegal jamais poderia estabelecer um meio probatório único ou insusceptível de valoração pelo juiz da causa.

Destarte, acreditamos, ante do teor da norma constitucional e do enquadramento que se deve dar à lei inferior à Luz do novo sistema, que o juiz da causa, valendo-se de critérios objetivos, pode entender, através da natureza da ação movida, da qualificação da parte e a situação de fato narrada na exordial, que o Autor possui porte econômico para suportar as defesas do processo, indeferindo o pedido de assistência judiciária gratuita, ainda que aja nos autos a declaração de pobreza.

Ou seja, a declaração pura e simples do interessado é apenas um dos meios de provas capazes de comprovar a condição de necessitado. Sem dúvidas, não é prova inequívoca daquilo que aquele que a subscreve afirma. Tão pouco pode obrigar ou vincular o juiz. Este julga de acordo com o seu livre convencimento motivado. Quer dizer que, se de outras provas e circunstâncias constantes nos autos restar evidenciado que o conceito de pobreza que a parte invoca não é aquele que justifica a concessão do privilégio, poderá o juiz indeferi-lo. Ademais, na sua atividade judicante, pode, ou melhor, deve o magistrado, sempre que necessário, determinar, de ofício, a produção da prova que entenda ser indispensável para a formação de seu juízo de valor.

Lembre-se que "a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na vigência, ou seja, a situação por ela regulada pretende ser concretizada na realidade." 68

Não se pode olvidar, repita-se, que a norma constitucional que garante o acesso à justiça, por meio da assistência judiciária gratuita, é de aplicabilidade imediata. Sua eficácia é plena, sendo que a produção de seus efeitos independe de legislação ordinária.

Portanto, a despeito de a Lei ter sido recepcionada pela nova ordem constitucional, esta somente pode regulamentar a matéria. Jamais poderá restringir ou ampliar os termos do art. 5° LXXIV da C.F e, muito menos, a atividade instrutória do juiz.

A norma constitucional não estipulou qual meio de prova adequado para a comprovação da insuficiência de recursos financeiros. Tão pouco limitou, na espécie, a atividade do juiz.

O art. 4° da citada lei deve ser aplicado a partir do quanto predispõe o multimencionado art. 5° LXXIV, o qual prescreve que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", sem estipular qual o meio de prova.

Esta é a interpretação da norma mais coadunada com a realidade, levando em consideração os diversos aspectos que circundam o caso. 69

A declaração de pobreza formulada pelo interessado, diante disso, servirá como meio de prova. Como todos os outros, submete-se a possível impugnação pela parte adversa e será objeto de apreciação pelo juízo competente, que diante dos demais elementos que integram os autos, formará sua convicção e decidirá, motivadamente, pelo deferimento ou indeferimento do pedido, ou, até mesmo, pela dilação da instrução probatória.

Sabemos, e já frisamos, a importância da assistência judiciária gratuita como um dos instrumentos de se assegurar uma ampla e igualitária possibilidade de acesso à justiça, através do Poder Judiciário. Mas isto não pode significar a concessão aleatória e indiscriminada, apenas com base na declaração de pobreza, do benefício da assistência judiciária gratuita.

Por isto, entendemos que as decisões dos magistrados paulistas se encontram em consonância com o novel sistema constitucional e os elementos que o compõe.


5. Conclusões

Deste trabalho extraímos as seguintes conclusões:

I – O acesso à justiça é uma garantia constitucional fundamental;

II – A assistência jurídica integral e gratuita faz parte do microssistema constitucional que consagra o acesso à justiça, sendo positivado através de norma constitucional de eficácia plena, inserta no art. 5°, LXXIV da C.F;

III – A assistência judiciária gratuita é uma das espécies abarcadas pela assistência jurídica integral e gratuita, pelo que é norma da mesma espécie.

IV - Em razão disso, com base em todos elementos probatórios contidos nos autos, o juiz da causa poderá deferir ou indeferir o pedido de assistência judiciária gratuita, com fulcro no art. 5° da C.F, desde que o faça em decisão motivada.


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Notas

01 Na lição de Jorge Miranda, " (…) enquanto parcela do ordenamento jurídico do Estado, a Constituição é elemento conformado e elemento conformador de relações sociais, bem como resultado e factor de integração política. Ela reflecte a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as condições económicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprime-lhe carácter, funciona como princípio de organização, dispõe sobre os direitos e deveres de indivíduos e dos grupos, rege seus comportamentos, racionaliza suas proposições recíprocas e perante a vida colectiva como um todo, pode ser agente ora de conservação, ora de transformação. Porém - prossegue o festejado constitucionalista - por ser Constituição, Lei Fundamental, Lei das Leis, revela-se mais do que isso. Vem a ser a expressão imediata dos valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na comunidade política, a sede da ideia de Direito nela triunfante, o quadro de referência do poder político que se pretende ao serviço desta ideia, o instrumento último de reivindicação de segurança dos cidadãos frente ao poder. E, radicada na soberania do Estado, torna-se também ponte entre a sua ordem interna e a ordem internacional." Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. P. 352. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[02] Cappelletti, Mauro. Acesso à justiça. p. 9. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

[03] GRUNWALD, Astried Brettas. A gratuidade judiciária: uma garantia constitucional de acesso à Justiça como forma de efetivação da cidadania. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 73, 14 set. 2003. Disponível em: jus.com.br/revista/texto/4363>.

04 Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. p. 371. São Paulo: Malheiros. 2006.

05 Idem, p. 373.

[06] GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Teoria geral do processo p. 82. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

07 E a garantia fundamental do acesso à justiça é ainda mais amplo do que a assistência jurídica gratuita, conforme sustentado no presente trabalho.

08 Nery & Nery, Nelson e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado 3ª ed. p. 83. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997.

[09] LIPPMANN, Ernesto. Os Direitos fundamentais da Constituição de 1988, São Paulo: Editora LTR, 1999. Esclareça-se que utilizamos, ao transcrever a lição do autor os termos assistência jurídica e assistência judiciária entre aspas, pois entendemos, diante da Constituição, serem estas as expressões tecnicamente corretas, já que a constituição fala em assistência jurídica. No trecho original o autor se refere à assistência judiciária e à justiça gratuita.

[10] Júnior, José Cretella. Comentário à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1991.

11 Lei 35/III/88, disponível em www.stj.cv.

12 Rezende Filho, Gabriel de. Curso de direito processual civil - 4ª. ed.,. P. 281. São Paulo: Editora Saraiva, 1954, v. 1.

[13] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 222-223 São Paulo: Malheiros, 1998.

[14] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro - 9ª. ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 1994, v. 1.

15 Lopes, Mauricio Antonio Ribeiro. Garantia de acesso à justiça: assistência judiciária e seu perfil constitucional. In: Garantias Constitucionais do Processo Civil, p.49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

16 O Direito à assistência judiciária. Evolução no ordenamento jurídico de nosso tempo, por José Carlos Barbosa Moreira (Ajuris 55/60). Também neste sentido, LIPPMANN, Ernesto. Os Direitos fundamentais da Constituição de 1988, São Paulo: Editora LTR, 1999.

17 Ferreira, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 1, p. 214. São Paulo: Saraiva, 1989.

18 A garantia fundamental de acesso do pobre à Justiça, por Alexandre Lobão Rocha (RILSF 128/127).

19 Neste sentido, confira-se: STF, RT 755/182 ; STJ, RSTJ 107/157; STJ, RSTJ 127/222.

20 Garcia, Maria. Mas, quais os Direitos Fundamentais? In Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 10, abril-junho, n.º 39, p. 115-123. São Paulo, 2002.

21 Op. Cit. P. 121.

22 Op, Cit, P. 122.

23 Idem.

24 Binavides, op. cit. p. 375.

25 Bonavides, op. cit. pag. 525.

26 Op. cit. P. 526.

27 In: A Garantia Constitucional da Assistência Judiciária Estatal. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. p. 101. São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 031.

28 A título de exemplo, confira-se os seguintes dispositivos:

"Art. 5º (…):

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;"

(…)

"XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"

(…)

"LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania"

[29] Ob. Cit., p. 440-441.

30 Barbosa, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira. p. 488, v. II. São Paulo: Saraiva, 1933.

31 Apud Bonavides, ob. cit., p.243. Esta classificação é, aparentemente, também a adotada pelo constitucionalista brasileiro em sua obra multimencionada.

32 Op. Cit. P. 248.

33 Op. Cit. P. 251.

34 Op. Cit. P. 254.

35 Silva, José Afonso Da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed. P. 63-87. São Paulo: Malheiros, 2004.

36 Ainda no Brasil, válido citar a contribuição do Professor Celso Bastos e do Ministro Celso Ayres Brito, que classificam as normas constitucionais, quanto ao modo de incidência, por via de aplicação, em normas regulamentáveis e irregulamentáveis, por via de integração, em complementáveis e restringíveis. Já quanto à produção de efeitos, subdividem em normas de eficácia parcial e normas de eficácia plena, sendo, ainda, aquelas compreendidas pelas normas complementáveis e estas pelas normas irregulamentáveis e restringíveis. Bastos, Brito. Celso Ribeiro De, Carlos Ayres. Interpretação e Aplicabilidade das normas Constitucionais. P. 35-64 São Paulo: Saraiva, 1982.

37 Teixeira, J. H, Meireles. Curso de Direito Constitucional. P. 318-319. São Paulo: Forense Universitária, 1991.

38 Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6ª ed. p. 239. Coimbra: Coimbra Editora, 1983.

39 Op. cit. p. 68.

40 Op. cit. p. 233.

41 Nery & Nery, Nelson e Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 3ª ed. p. 83. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997. Na jurisprudência, o STF já consolidou posicionamento neste sentido. EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. Lei 1.060, de 1950. C.F., art. 5º, LXXIV. I. - A garantia do art. 5º, LXXIV -- assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos -- não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei 1.060, de 1950, aos necessitados, certo que, para obtenção desta, basta a declaração, feita pelo próprio interessado, de que a sua situação econômica não permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Essa norma infraconstitucional põe-se, ademais, dentro no espírito da Constituição, que deseja que seja facilitado o acesso de todos à Justiça (C.F., art. 5º, XXXV). II. - R.E. não conhecido.RE 205746 / RS - RIO GRANDE DO SUL. Ministro Carlos Veloso, 26.11.1997.

42 Bonavides, op. cit. p. 437.

43 Savigny, Kirchmann, Zitelmann, Kantorowicz. La Ciencia Del Derecho. p.78 Buenos Aires: Editorial Losada S.A.

44 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1988.

45 Bastos, op. cit. p. 23.

[46] Esta distinção se faz necessária, uma vez que antes de analisar a interpretação da norma em epígrafe, formulada pelo Poder Judiciária no caso concreto, é preciso sedimentar em base sólida o repertório e a força de cada uma das vias interpretativas, o que é objeto da hermenêutica constitucional. Op. cit. p. 22.

47 Bastos, op. it. p. 17.

48 Grau, Eros. Hermenêutica e Aplicação do Direito. P. 1. Rio de Janeiro: Forense,1988.

49 Op. cit. p. 23.

50 Idem.

51 Ibidem.

52 Op. Cit. p. 18.

53 Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ª ed. p. 394. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

54 Op. Cit. P. 448.

55 Apud Grau, op. cit. p. 35.

56 Tavares, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. p. 46. São Paulo: Saraiva, 2005.

57 Lassale, Ferdinand. A essência da Constituição. p. 67. 3ª ed. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1988.

58 Op. Cit. p. 448.

59 Idem.

60 Lições colhidas da citada obra do Professor Celso Bastos, p. 50-51. Sobre as denominadas Cortes Supremas e a "Justiça Constitucional", consulte-se, por todos, Tavares, nota 36.

61 Júnior, Tércio Sampaio Ferraz. Constituição Brasileira e modelo de Estado: hibridismo ideológico e condicionantes históricas." In Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política, vol 17, p. 49.

62 Ainda Celso Bastos. Op. Cit. P. 52-63. Neste sentido também são as lições do constitucionalista Paulo Bonavides, obra citada.

63 Tavares, André Ramos. Fronteiras da Hermenêutica Constitucional. p. 43. São Paulo: Método, 2006.

64 Acórdãos no mesmo sentido: RE 205029; RE 206354; RE 206525; RE 204458; RE 205080; RE 207382; HC 73507; HC 75732; RE 204724; RE 206419; RE 207247; RE 206958.

65 No mesmo sentido a decisão da 1ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, processo 104425/2004.

66 RT, 686/185.

67 Segundo irretocável lição de Kelsen, "assim como da Constituição, através de interpretação, não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos, a partir da lei, por interpretação, obter as únicas sentenças corretas." op. cit. p. 448.

68 Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. p. 14. Porto Alegre: Safe, 1991.

69 Segundo lição de Konrad Hesse: "O significado da ordenação jurídica da realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão." Op. cit. p. 13.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. A Constituição, a garantia fundamental ao acesso à Justiça e a assistência judiciária gratuita. Estudo de caso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1297, 19 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9401. Acesso em: 18 abr. 2024.