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Não vacinação: escolha individual ou ameaça populacional?

Não vacinação: escolha individual ou ameaça populacional?

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PALAVRAS CHAVE: Não Vacinação, Livre Arbítrio, Ameaça Populacional

A partir de um estudo exploratório, descritivo, analítico, envolvendo a leitura e análise de artigos obtidos a partir da seleção de publicações encontradas em bases de dados científicas que contemplavam as palavras chaves deste estudo, objetivou-se analisar aspectos legais atinentes à opção individual pela não vacinação e até que ponto essa decisão individual poderia ser questionada, no âmbito da saúde pública, a fim de que se pudesse evitar o alastramento de doenças endêmicas, acarretando numa ameaça à saúde populacional.

A Constituição Federal Brasileira (CFB), em seu artigo 196, determina que Saúde é direito de todos e dever do Estado e é com base nesse princípio que se instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) Brasileiro. O SUS apresenta na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a sua regulamentação, permitindo que ações voltadas à prevenção de doenças, promoção de saúde, proteção e recuperação de forma integrada possam ser implementadas em âmbito nacional.

No que se refere à prevenção de doenças, a vacinação contra doenças prevalentes representa mais do que uma escolha individual mas, também, uma medida de grande impacto para a Saúde Pública na medida em que quanto maior for o contingente de população vacinada para a mesma doença, mais dificilmente o germe causador para aquela condição terá como se propagar e, consequentemente, mais bem protegida a população brasileira, como um todo, estará.

Ocorre que, recentemente, como um modismo da modernidade, alguns pais tem optado por não vacinarem seus filhos por considerar que a administração das vacinas nas crianças não seria um ato natural e que as crianças deveriam entrar em contato com os germes causadores das diferentes doenças ao longo de sua vida e irem, gradativamente, desenvolvendo, de forma natural, por meio da própria doença instalada, a sua imunidade.

A adoção dessa postura intempestiva por parte de um grande número de pais pode representar mais do que uma mera opção individual, ela poderá acarretar, também,  graves reflexos à Saúde Pública como um todo. Isso ocorre pois à medida que diminui, proporcionalmente, o número de indivíduos imunizados (não vacinados), facilmente a propagação dos germes outrora erradicados (ou em vias de erradicação) pode aumentar, expondo a população brasileira ao risco de contágio disseminado (epidemia). Isso se dá, pois, o Brasil, em razão da grave crise de refugiados internacionais vivenciada no mundo, tem se tornado a opção de país-asilo para pessoas que não eram imunizadas em seu país de origem e que ao chegarem em nosso território passam a disseminar esses germes e contaminar uma parcela significativa da população brasileira, que agora  se encontra descoberta da proteção natural  uma vez que optaram por não tomar a vacina.

É nesse sentido que, visando-se proteger a população brasileira, implementou-se o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Tal programa foi instituído pela Lei 6259/75 e regulamentado por meio do Decreto 78231/76. Tal decreto, em seu artigo 27, tornou obrigatório, em âmbito nacional, a vacinação contra doenças controláveis por essa técnica de prevenção e, em seu artigo 29, determinou que é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha guarda ou responsabilidade à vacinação obrigatória e, em seu artigo 43, determinou que a inobservância dessa obrigação poderia acarretar a sanção de multa de acordo com a Lei 6437/77 por considerar que a oposição à execução de tais medidas sanitárias, que visem à prevenção das doenças transmissíveis e sua disseminação, poderiam expor a população ao risco de epidemia, caracterizando, assim, uma infração à legislação sanitária federal.

A opção de não vacinação dos filhos, por parte dos pais, também poderia incorrer em crimes contra a saúde pública havendo tipificação no código penal em seus artigos 267 (Epidemia) e 268 ( Infração de medida sanitária preventiva) e também poderiam acarretar a sanção de detenção e multa. Fora do âmbito coletivo, a adoção, por parte dos pais, da postura de não-vacinação de seus filhos também pode ser considerada uma infração ao Estatuto da Criança e do Adolescentes  que determina em seus artigos 14, §1° e 249 que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias e descumprimento dessa determinação acarretaria para os pais ou tutores a sanção de multa de três a 20 salários mínimos.

Observa-se, assim, que a opção, tomada por muitos pais, de não vacinação de seus filhos é mais do que uma mera escolha individual, podendo, também, ser caracterizada como um crime por ameaçar à saúde de seus próprios filhos e a saúde da população brasileira como um todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1- BRASIL. Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Publicação Eletrônica obtida em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acesso em 04/10/2018.

2- BRASIL. Lei nº 6.259, de 30 de outubro de1975. Dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Publicação Eletrônica obtida em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6259.htm - Acesso em 20/07/18.

3- BRASIL. Decreto nº 78.231, de 12 de agosto de 1976. Regulamenta a Lei n° 6.259, de 30 de outubro de 1975, que dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Publicação Eletrônica obtida em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-78231-12-agosto-1976-427054-publicacaooriginal-1-pe.html - Acesso em 04/10/2018.

4- BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Publicação Eletrônica obtida em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm - Acesso em 06/10/2018.

5- BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Publicação Eletrônica obtida em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm - Acesso em 04/10/2018.

6- BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Publicação Eletrônica obtida em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm - Acesso em 20/07/2018.

7- FRAGA, V. Em nome dos filhos - Cresce número de pessoas que não vacinam suas crianças, prática considerada ilegal e que levanta debate sobre a fronteira entre regulação do Estado e direito individual. Publicação Eletrônica obtida em http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/19548-em-nome-dos-filhos - Acesso em 21/07/2018.

8- HARTMANN, M. Conheça a Origem do Movimento Antivacina. Publicação Eletrônica obtida em https://emais.estadao.com.br/noticias/bem-estar,conheca-a-origem-do-movimento-antivacina,10000074329 - Acesso em 06/10/2018.


Autores

  • Anderson Vinícius Zanardi
  • Thiago Roberto Castellane Arena

    Natural de Ribeirão Preto. Como primeira graduação estudou Medicina pela Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) graduando-se em 2006. Em dezembro de 2008 concluiu MBA Executivo em Gerência de Saúde pelo Convênio Firmado entre a Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e as Faculdades COC de Ribeirão Preto (UNICOC). Em janeiro de 2010 concluiu o programa de Residência Médica de Medicina de Família e Comunidade pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP/USP). Em junho de 2010 concluiu Especialização em Auditoria Médica pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Em junho de 2015 concluiu Doutorado junto ao Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-FMRP-USP com pesquisa voltada à gestão clínica de pacientes crônicos no âmbito dos serviços de saúde pública (https://bdpi.usp.br/item/002722956 ). Com o intuito de completar sua graduação e complementar seu entendimento de questões relacionadas ao exercício da atividade médica no setor público de saúde debruçou-se sobre o estudo do Direito e, em 2021, concluiu o Curso de Direito do Centro Universitário Barão de Mauá (http://lattes.cnpq.br/2431627417113071).

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