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Notas sobre o efeito substitutivo do recurso e seu reflexo na ação rescisória

Notas sobre o efeito substitutivo do recurso e seu reflexo na ação rescisória

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Sumário:I- Efeitos dos recursos: natural preponderância do efeito devolutivo. II- Aspectos gerais envolvendo o efeito substitutivo – sua limitação ao campo da devolutividade. III- Outro enfoque sobre o efeito substitutivo do recurso e da competência para a rescisória. Substituição somente em relação aos argumentos recorridos

Palavras Chave:Efeitos dos recursos. Preponderância do efeito devolutivo. Recurso parcial. Efeito suspensivo diferenciado. Efeito Translativo limitado. Efeito substitutivo limitado ao devolutivo. Competência para ação rescisória. Demanda desconstitutiva com matéria diferente daquela suscitada no recurso. Competência funcional. Impossibilidade de deslocamento da rescisória proposta perante tribunal incompetente.


Resumo:

            O ensaio procura enfrentar alguns aspectos ligados aos efeitos dos recursos, especialmente no que respeita a natural preponderância do devolutivo em relação ao suspensivo, translativo e substitutivo.

            Com efeito, procura-se demonstrar que o efeito devolutivo delimita o âmbito de apreciação dos recursos cíveis, bem como indica a possibilidade de trânsito em julgado de capítulos decididos que não foram recorridos.

            Outrossim, o efeito devolutivo também gera importante conseqüência na suspensão do apelo recorrido e na possibilidade de apreciação de matérias de ordem pública pelos tribunais pátrios.

            Por outro lado, o próprio efeito substitutivo restará limitado ao devolutivo, quer no que respeita ao limite da substituição, quer na apreciação do tribunal competente para apreciação de ação rescisória.


I- Efeitos dos recursos: natural preponderância do efeito devolutivo

            Tema dos mais interessantes de teoria geral dos recursos refere-se ao estudo dos seus efeitos e os conseqüentes reflexos na própria esfera recursal, na competência para o cumprimento da decisão judicial e para o ajuizamento de eventual ação rescisória.

            O que se pretende com este breve ensaio é enfrentar situação ligada ao chamado efeito substitutivo dos recursos, especialmente por força da necessidade de se analisar qual o tribunal competente para eventual rescisória.

            Contudo, visando enquadrar melhor o tema, mister lançar algumas linhas envolvendo os efeitos devolutivo, suspensivo e translativo, e a limitação destes últimos em relação ao primeiro. Por força dessa referida limitação, defender-se-á preponderância do efeito devolutivo dos recursos sobre qualquer outro.

            Aliás, este é inerente a todos os recursos, possui como embrião o próprio princípio dispositivo e pode ser conceituado em poucas palavras como a possibilidade de remessa da matéria impugnada para apreciação pelo mesmo ou outro órgão jurisdicional. Em geral há previsão no efeito devolutivo no art. 515 do CPC [01] e costuma-se classificá-lo em extensão e profundidade.

            A devolutividade por extensão [02] indica que serão remetidos ao órgão ad quem exatamente a matéria impugnada, a teor da previsão contida no art. 515 do CPC, ao passo que a análise do efeito devolutivo por profundidade consagra a permissão de discussão de questão suscitada e discutida, mesmo não resolvida por inteiro na sentença [03].

            Assim, caso ocorra, v,g, cumulação simples de pedidos resolvidos em única sentença, o efeito devolutivo remeterá ao conhecimento e julgamento pelo tribunal os capítulos efetivamente impugnados, transitando em julgado os que não foram objeto de irresignação recursal. Assim, fala-se em recurso total ou parcial, dependendo do conteúdo do apelo [04].

            Destarte, em caso de recurso parcial (impugnando apenas parte do julgado) há limitação da devolutividade pelo próprio recorrente, não podendo o tribunal resolver capítulo não posto no apelo e já trânsito em julgado. [05]

            Aliás, não se deve olvidar que a eventual imutabilidade do capítulo não recorrido da sentença resolutiva de mérito advém da clara aquiescência do recorrente no que respeita a este. A propósito, Proto Pisani ressalta que: "l’impugnazione parziale comporta acquiescenza alle parti della sentenza non impugnate". [06]

            Portanto, o efeito devolutivo por extensão comporta limitação pelo próprio recorrente, legal ou constitucional, como ocorre em relação às restrições de matérias que permitem recursos excepcionais aos tribunais superiores (ex vi arts. 102, III e 105, III, da CFF/88).

            Ademais, o efeito devolutivo por extensão também irá delimitar os efeitos translativo e suspensivo.

            Realmente, a limitação do efeito devolutivo pode gerar reflexo na possibilidade do Tribunal ad quem conhecer e decretar vícios não apontados pelo recorrente. Trata-se, bem a próprio, do que se costumou denominar de efeito translativo do recurso [07].

            É mister afirmar que o tribunal deve analisar as chamadas questões de ordem pública quando apreciar o apelo recursal, mesmo não deduzidas pelas partes, por força da translatividade. Contudo, é razoável afirmar que tal poder também é limitado ao efeito devolutivo por extensão.

            Destarte, o efeito translativo deve ser visto interpretado com restrição aos capítulos recorridos [08], inclusive visando evitar séria instabilidade no sistema processual, considerando as previsões contidas no art. 515 do CPC (efeito devolutivo por extensão).

            De mais a mais, o art. 505 do CPC também indica a perda da faculdade recursal em razão da falta de impugnação de capítulo do decisum. Assim, essa perda pode ser total (com a preclusão temporal ou consumativa) ou parcial, nos casos de recurso parcial.

            Nesse prisma, levando em conta que é ônus do recorrente delimitar claramente os capítulos recorridos (efeito devolutivo por extensão), a translatividade também deve conter tal limitação, eis que os capítulos autônomos não recorridos transitam em julgado [09]- [10]. Observação semelhante é apresentada por Barbosa Moreira:

            Não se pode mexer naquilo que não foi objeto do recurso, ainda que isso conduza a situações de contradição lógica. Se não houve recurso contra uma parte da sentença, mas verificou-se que faltava um requisito de validade do processo (por exemplo: o Ministério Público não foi chamado a intervir quando o caso era de obrigatória intervenção), nem por isso se está autorizado a anular a parte da sentença da qual não houve recurso. Essa já transitou em julgado, e só com ação rescisória é possível atingi-la. [11]

            Interessante citar exemplo de limitação do efeito devolutivo por extensão [12] e, consequentemente, do poder do magistrado de conhecer matéria de ordem pública. Imagine-se demanda com dois pedidos cumulados (cumulação simples) acolhidos em 1º grau. Contudo, foi apresentado recurso de apelação apenas impugnando um dos pedidos, havendo aquiescência em relação ao outro. O tribunal, ao analisar o recurso, entendeu que há a necessidade de decretação da falta de pressuposto processual, com a consequente extinção do processo sem resolução de mérito.

            In casu, em que pese a incongruência entre os pronunciamentos judiciais, deverá ser decretado o vício e, se for o caso, extinto o processo sem resolução de mérito apenas no que respeita ao capítulo efetivamente impugnado, eis que o outro transitou em julgado em 1º grau por força da aquiescência do recorrente, podendo inclusive provocar imediata execução definitiva – cumprimento definitivo (mesmo na pendência de resolução do apelo recursal) [13].

            A mesma conclusão pode ser dada em caso de acolhimento de recurso parcial para anulação da sentença. Neste caso, a decretação do vício do julgado de piso será adstrita ao capítulo recorrido, restando imune de discussão o capítulo já transitado em julgado. [14]

            Assim, fácil é perceber a preponderância do efeito devolutivo em relação ao translativo, sendo este limitado àquele.

            Outro efeito que também possui limitação ao devolutivo, e severas críticas quanto a sua permanência no sistema processual, é o suspensivo.

            De fato, nos dias atuais, em que se discute a necessidade de um processo voltado aos princípios constitucionais da duração razoável, ampla defesa, devido processo legal, efetividade, etc, não está imune a crítica a permanência do efeito suspensivo dos recursos (legal – apelação, ou judicial, ex vi art. 558 do CPC).

            Destarte, em que pese a previsão contida no art. 520 do CPC, a rigor não é o propriamente o recurso que possui ou não efeito suspensivo, mas sim a decisão recorrida possui ou não eficácia imediata [15].

            Esta continuidade de ineficácia da sentença, com o recebimento do recurso, não precisa ser uniforme, podendo ocorrer de forma diferenciada em situações como as que enfrentam tutela antecipada na própria sentença ou mesmo nos casos de recurso parcial.

            É fato, em que pesem as necessárias críticas [16], que ainda permanece o "efeito suspensivo" da apelação como regra, o que corrobora com o crescente número de tutelas antecipadas concedidas na própria sentença de mérito com o intuito de afastá-lo. Destarte, visando driblar o efeito suspensivo legal, torna-se cada vez mais comum a concessão de tutela antecipada na própria sentença, emprestando efetividade imediato ao referido capítulo do decisum.

            Nessas hipóteses, é possível o posterior recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo no capítulo objeto da antecipação antecipado e em ambos (se for o caso) nos demais [17], sem que se configure qualquer violação ao art. 520 do CPC [18].

            Por outro lado, havendo recurso parcial em casos de pedidos cumulados de forma simples, o recebimento da apelação no efeito suspensivo (se for o caso), deve ser limitado ao capítulo recorrido, eis que o não recorrido transitará em julgado imediatamente, inclusive ensejando cumprimento definitivo.

            De mais a mais, nada impede que, havendo recurso parcial envolvendo mais de um capítulo, seja a apelação recebida no duplo efeito em relação a um deles e apenas no devolutivo no que respeita a outro (efeitos diferenciados em um mesmo recurso), sem prejuízo do cumprimento definitivo daquele não recorrido. Tal situação é possível nos casos em que é concedida tutela antecipada em relação a um dos pedidos cumulados recorridos.

            Portanto, é possível afirmar que o recebimento da apelação no efeito suspensivo em relação a um dos capítulos da sentença recorrido afasta o seu imediato cumprimento, o que não ocorre no que respeita ao capítulo objeto de tutela antecipada (permitindo cumprimento provisório) e aquele não recorrido (ensejando cumprimento definitivo).

            De fato, interpretando-se corretamente a previsão contida no art. 520 do CPC, o recurso deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo em todos os capítulos recorridos, exceto naquele objeto de tutela antecipada. Logo, o efeito suspensivo pode ser menos abrangente do que o devolutivo nas hipóteses ora apontadas, sendo a recíproca falsa. Marici Giannico e Maurício Giannico também entendem que:

            "A extensão da suspensividade pode ser menor que a da devolução. É o que ocorre nos casos em que em uma só decisão existem capítulos versando sobre matéria sujeita a recurso com efeito suspensivo e outros sem esse efeito (exemplo típico do que se comenta é a sentença que julga de uma só vez tanto a demanda principal quanto a cautelar, a primeira sujeita à apelação recebida no duplo efeito e a segunda sujeita a recurso recebido apenas no efeito devolutivo)" [19].

            Uma conclusão a ser feita (que também trará reflexo no efeito substitutivo) é que tudo dependerá do efeito devolutivo do recurso. O suspensivo e o translativo possuem, como visto, limitação natural ao devolutivo por extensão e, conseqüentemente, podem ter aplicação diferenciada no sistema.

            Não se está a afirmar que o devolutivo é o mais importante. Contudo, também não se está negando expressamente tal característica. Na verdade, o limite da devolutividade acaba sendo um delimitador da suspensividade e da translatividade.

            Em seguida, restará demonstrado que o devolutivo também é delimitador do chamado efeito substitutivo do recurso.


II- Aspectos gerais envolvendo o efeito substitutivo – sua limitação ao campo da devolutividade

            Além dos efeitos antes esposados, há ainda o efeito substitutivo dos recursos, previsto genericamente no art. 512 do CPC e atrelado à eficácia rescindente das decisões superiores. A sua análise é importante, dentre outros aspectos, para se enfrentar qual decisão transita em julgado em casos de vários recursos e que será objeto de ação rescisória.

            De maneira geral, entende-se por efeito substitutivo a possibilidade do recurso substituir a decisão a quo recorrida, naqueles capítulos efetivamente enfrentados, desde que haja o recebimento e apreciação do mérito recursal. Os principais alicerces do fenômeno da substituição são a relação hierárquica do tribunal superior e a competência funcional para eventual ação rescisória.

            Com efeito, apenas será possível falar em efeito substitutivo nos casos de recursos interpostos e conhecidos em seu mérito (providos ou não) [20]. Assim, se o recurso é conhecido, substituirá a decisão recorrida nos aspectos impugnados [21], inclusive como conseqüência da chamada função rescindente dos recursos.

            Lógico que, em caso de recurso parcial, a substituição será restrita às matérias impugnadas, considerando que as não recorridas precluíram ou formaram coisa julgada em 1º grau. Assim, possível é afirmar que este efeito também está limitado ao devolutivo por extensão.

            De outra banda, é fato que apenas pode ser irresignada por rescisória decisão de mérito, ex vi art. 485 do CPC. Assim, se houver o conhecimento e improvimento de recurso contra sentença processual, com posterior trânsito em julgado, esta não está sujeita à ação rescisória. [22]

            Ademais, havendo a substituição (pelo improvimento ou provimento do apelo) da decisão de mérito recorrida pela oriunda do tribunal, também deve ser alterada a competência funcional para eventual irresignação por ação rescisória [23].

            Nesse sentido, caso haja o conhecimento de recurso excepcional contra decisão local resolutiva de mérito (especial ou extraordinário, ou mesmo os respectivos agravos [24]), é este o pronunciamento que será objeto de ação rescisória [25], e não a sentença ou o acórdão do tribunal local.

            Um alerta deve ser apresentado: deve o intérprete ter muito cuidado na prática forense, evitando-se ajuizamento de demanda desconstitutiva perante tribunal incompetente para apreciação de decisão oriunda de tribunal superior.

            Pelo exposto, é fácil perceber os condicionantes do efeito substitutivo: i- dependerá do juízo de admissibilidade positivo a ser realizado pelo tribunal superior [26]; ii- ficará limitado ao efeito devolutivo – ao teor do recurso interposto pelo interessado; iii- a rigor não está presente caso ocorra a decretação de nulidade da decisão recorrida, considerando a necessidade de nova decisão substituindo aquela que foi cassada pelo provimento recursal.


III- Outro enfoque sobre o efeito substitutivo do recurso e da competência para a rescisória. Substituição somente em relação aos argumentos recorridos

            Como ficou demonstrado, o efeito substitutivo do recurso dependerá do conhecimento do apelo e está amplamente ligado ao devolutivo. [27]

            De fato, apenas será possível afirmar a sua ocorrência nos exatos limites dos capítulos recorridos. Aliás, verificou-se que os capítulos autônomos não recorridos sequer devem ser apreciados em grau superior, por força de seu trânsito em julgado precoce.

            Lógico que o efeito substitutivo é de suma importância para fins de ajuizamento de ação rescisória. A pergunta que deve ser enfrentada em cada caso concreto é a seguinte: o acórdão substituiu a sentença, para fins de ajuizamento de ação rescisória?

            Visando atender satisfatoriamente a esta indagação, vários enfoques devem ser enfrentados, senão vejamos.

            Primeiramente, necessário ratificar que apenas é cabível rescisória contra sentença de mérito. Logo, se houver conhecimento e improvimento de recurso contra sentença processual, incabível é a demanda desconstitutiva.

            Por outro lado, nos casos previstos no art. 515, §3º, do CPC, é possível a resolução de mérito no próprio tribunal, ao apreciar recurso contra decisão de cunho processual. Neste caso, o acórdão necessariamente conterá dois capítulos: aquele que cassa a sentença processual e o seguinte que resolve o mérito no próprio tribunal, desafiando o ajuizamento de ação rescisória após o trânsito em julgado do acórdão.

            Nessa situação, em que pese ocorrer em 1º grau decisão sem resolução de mérito, este foi apreciado e julgado em sede recursal, configurando-se decisão passível de rescisória.

            De outra banda, ainda existe a hipótese de interposição de recurso contra decisão de mérito que abordou teses diferentes daquelas tratadas na rescisória. Aqui talvez haja aspecto interessante que merece ser apreciado com maior cuidado.

            Vejamos um exemplo: demanda julgada em seu mérito pelo juízo de 1º grau, confirmada em 2º (apelação conhecida e improvida), apreciando questões e fundamentos específicos. Contra essa decisão, houve interposição de recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça. Este foi conhecido e improvido, para manter os julgados locais em todos os seus termos.

            Nesse caso, segundo a própria sistemática do efeito substitutivo do recurso, a competência funcional para a apreciação da rescisória é do tribunal superior.

            Contudo, tal afirmação não deve ser feita de forma absoluta, tendo em vista que dependerá da matéria a ensejar a futura ação rescisória.

            Com efeito, após o trânsito em julgado deverá ser analisado cuidadosamente o teor da matéria a ser argüida na futura rescisória, para a correta conclusão envolvendo a competência funcional. Se a rescisória tratar de violação aos dispositivos tratados no feito originário e remetidos ao tribunal superior por força dos efeitos devolutivo e substitutivo, a competência funcional para a rescisória será daquele tribunal.

            Por outro lado, se a questão (aqui entendida como a violação que enseja o enquadramento nas hipóteses previstas no art. 485 do CPC) que sustenta a rescisória é outra totalmente diferente da suscitada e enfrentada nos recursos, discutível é a ocorrência do efeito substitutivo, pelas seguintes razões: i) o substitutivo está ligado ao devolutivo; ii) os capítulos não recorridos da decisão não podem sofrer substituição pelo julgado do grau superior; ii) os argumentos, questões e fundamentos diferenciados suscitados na rescisória não chegaram a ser apreciados pelo tribunal superior, não estando sujeitos ao efeito substitutivo.

            Assim, se na rescisória pretende o autor discutir violação a dispositivo legal não mencionado no recurso especial interposto contra a decisão que pretende desconstituir, é razoável entender que não houve o efeito substitutivo do recurso conhecido e improvido pelo tribunal superior. O caráter substitutivo do apelo está limitado ao devolutivo – exatamente nos limites dos argumentos suscitados no recurso julgado em seu mérito.

            Não seria, portanto, competente o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, para conhecimento de rescisória contra suposto acórdão ou decisão monocrática de Ministro que conheceu de recurso especial (ou do próprio agravo de instrumento), quando a matéria suscitada na nova demanda é totalmente estranha àquela discutida no recurso.

            De fato, entende-se plenamente possível afirmar que o efeito substitutivo está limitado aos argumentos suscitados no recurso que foi conhecido no Tribunal Superior. Portanto, seria competente o Superior Tribunal de Justiça para conhecer rescisória contra a decisão que apreciou o mérito do RESp, quando a matéria suscitada refere-se exatamente àquela atingida pela substituição, raciocínio que não se estende a outros argumentos não deduzidos e discutidos no recurso.

            Assim, a afirmação ampla e irrestrita de que o efeito substitutivo do recurso, para fins de cabimento da rescisória, dependerá apenas do conhecimento do apelo, deve ser feita com bastante atenção e cuidado, evitando-se equívoco no que respeita ao tribunal competente para a nova demanda, com o eventual risco da perda do prazo bienal previsto no art. 495 do CPC [28]- [29].

            Enfim, o efeito substitutivo do recurso poderá ser bifurcado: internamente [30] (análise do pronunciamento judicial final) e externamente [31] (decisão judicial a ser irresignada por ação rescisória). Apenas será competente o tribunal superior para apreciar a ação rescisória nos casos em que ocorrer o efeito substituto interno (juízo de mérito do recurso) e externo (matéria contida na rescisória ter sido apreciada naquele recurso).

            Portanto, se na demanda demonstitutiva for apresentada matéria distinta daquela objeto do recurso conhecido no seu mérito, discutível é o deslocamento da competência para instância excepcional. Em que pese a existência do efeito substitutivo interno (a última decisão é a advinda do Tribunal Superior), não houve o externo (a decisão rescindenda será a oriunda do tribunal local).


Notas

            01 Referido dispositivo, apesar de constar no capítulo que trata do recurso de apelação, é aplicável em toda a sistemática recursal.

            02 Aspecto que trará reflexo também no efeito substitutivo – como restará claro posteriormente.

            03 Claro que se trata apenas de uma pequena visão do efeito devolutivo, considerando ser objetivo principal do presente trabalho analisar aspecto diferenciado do efeito substitutivo recursal.

            04 Essa classificação, portanto, dependerá dos capítulos efetivamente recorridos. Bem a propósito, observa Virginia Brodbeck Bolzani: "quanto à extensão, a apelação pode ser parcial ou plena. A apelação será parcial quando o vencido recorrer para impugnar parte da sentença. A apelação pode ser plena tanto quando o vencido recorrer para impugnar a totalidade da sentença, como quando, havendo sucumbência recíproca, as partes apelarem da parte da sentença que lhes for desfavorável". Em seguida, conclui afirmando que "as partes da sentença não atacadas na apelação não serão objeto de reexame pelo tribunal. Ao contrário, em relação a elas operar-se-á a preclusão ou a coisa julgada". Efeito devolutivo da apelação. Rio de Janeiro : Aide, 2001, p. 92.

            05 Aliás, no que respeita ao tema matérias que podem ser apreciadas pelo tribunal, ensina Flávio Luiz Yarshell: "operando-se o trânsito em julgado, não há como conhecer em profundidade daquilo que, em extensão, já não comporta exame. Permitir-se tal exame seria, como já dito, dar a um recurso o efeito de rescindir decisão transitada em julgado – o que, como sabido, só pode ser feito através do devido processo legal; que, no caso, traduz-se na ação rescisória". Em seguida, conclui afirmando que: "o argumento de que a matéria ‘transladada’ ao tribunal é de ordem pública (e, como tal, pode e deve ser conhecida de ofício) é relevante, mas só pode ser entendido no contexto do que se devolveu em extensão e, por isso, escapou à preclusão. Aceitar-se que a matéria de ordem pública atinja a parte da sentença ou acórdão já preclusos seria o mesmo que dizer que sentenças ou acórdãos dados em violação a normas de ordem pública simplesmente não transitam em julgado; o que seria simplesmente desconsiderar a regra do art. 485 do CPC". Ação rescisória : juízos rescindente e rescisório. São Paulo : Malheiros, 2005, p. 66 e 67.

            06 PROTO PISANI, Andrea. Lezioni di diritto processuale civile. 4. ed. Napoli: Juvene, 2002. p. 483.

            07 Sobre o efeito translativo, observa Nelson Nery Júnior que: "há casos, entretanto, em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento extra, ultra ou infra petita. Isto ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão (por exemplo, CPC 267, § 3º, e 301, § 4º). A translação dessas questões ao juízo ad quem está autorizada no CPC, 515, §§ 1º a 3º, e 516". (NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 482).

            08 Como bem afirmam Maricí Giannico e Murício Giannico, "a consciência de que a sentença é dividida em capítulos deve orientar a interpretação do disposto no caput do art. 515 do CPC. Quando ali se diz que ‘a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada’, deve-se entender que ao tribunal só será lícito dispor sobre o capítulo que lhe houver sido proposto pelo recurso, porque matéria impugnada é o capítulo do qual se recorreu". (GIANNICO, Maricí e GIANNICO, Murício. Efeito suspensivo dos recursos e capítulos das decisões. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 401).

            09 Os capítulos dependentes (como os ligados às custas e honorários advocatícios) estão automaticamente remetidos ao tribunal, por força do efeito devolutivo imposto ao capítulo principal.

            10 Nelson Nery Jr., entende que a interposição de recurso parcial adia o trânsito em julgado das matérias de ordem pública, embora havendo preclusão para o réu em relação ao capítulo não recorrido. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 485-6. No direito italiano, também defendendo a impossibilidade de aquiescência no que respeita às questões de ordem pública, vide: MATTIROLO, Luigi. Trattato di diritto giudiziario civile italiano. 5. ed. Turim: Fratelli Bocca, 1904. v. 4. p. 279.

            11 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Correlação entre o pedido e a sentença. Revista de Processo. n. 83. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 214-5.

            12 "A extensão do chamado efeito devolutivo diz respeito à extensão da impugnação (tantum devolutum quantum appellatum), ou seja, é delimitada por o que é submetido ao órgão ad quem a partir da amplitude das razões apresentadas no recurso. O objeto do julgamento pelo órgão ad quem pode ser igual ou menos extenso comparativamente ao julgamento do órgão a quo, mas nunca mais extenso". (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 218).

            13 Observa Nery Júnior que: "entendemos ser possível a execução definitiva da parte da sentença já transitada em julgado, em se tratando de recurso parcial, desde que observadas certas condições: a) cindibilidade dos capítulos da decisão; b) autonomia entre a parte da decisão que se pretende executar e a parte objeto de impugnação; c) existência de litisconsórcio não unitário ou diversidade de interesses entre os litisconsortes, quando se tratar de recurso interposto por apenas um deles". (NERY JÚNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 454).

            14 Na doutrina estrangeira, é possível transcrever os ensinamentos de Enrico Redenti, especificamente comentando o art. 338 da legislação italiana: "Resta a vedere soltanto quale sia il valore dell’ultima proposizione dell’art. 338: ‘salvo che ne siano stati modificati gli effetti ecc.’. La proposizione non può riferirsi se non alla ipotesi, che nel giudizio di appello sia stata pronunciata, prima della estinzione, una sentenza parziale di riforma della sentenza di primo grado. In questo caso pensiamo tuttavia che passi in giudicato quel tanto del contenuto di merito della sentenza di primo grado che non sia stato annullato nè riformato, semprechè ben si intende sia scindibile dal resto e posso assumere um valore autonomo e indipendente. E lo stesso dovrà ritenersi del contenuto di merito della sentenza parziale di secondo grado che si sostituisce in parte qua al contenuto della sentenza precedente, sempre chè questo suo contenuto possa assumere a sa volta vlore autonomo ed indipendente". (REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile. Milano: Giuffrè, 1949. v. 2. p. 105).

            15 Assim, em verdade não é o recurso que é recebido no efeito suspensivo, mas sim mantém o estado de ineficácia da sentença. Como bem observa Cheim Jorge: "Portanto, longe e muito antes de o efeito suspensivo ser efeito do recurso, é uma técnica de segurança que retira a eficácia de uma decisão impugnável por recurso. Caso este seja interposto, apenas manterá um estado de ineficácia antes existente. Por isso é que se diz que o efeito suspensivo na verdade é fenômeno ligado à decisão impugnada e não ao recurso contra ela interposto". (CHEIM JORGE, Flávio. Teoria geral dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 250). No mesmo sentido, observa Medina que: "Na verdade, no caso não se está diante de efeito ‘suspensivo’, propriamente, porquanto a sentença suscetível de ser impugnada por meio de recurso de apelação, no sistema brasileiro, não produz efeitos, de modo que a apelação interposta apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a sentença. Por isso, fala a doutrina em efeito obstativo, no caso. Segundo, efeito propriamente suspensivo somente ocorreria naqueles casos em que a apelação em regra não tem efeito ‘suspensivo’, mas se atribui efeito suspensivo à apelação por força do art. 558, parágrafo único, do CPC". (MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 262). Orione Neto manifesta-se sobre o assunto, afirmando que: "é forçoso acreditar que a suspensividade respeita muito mais à recorribilidade da decisão do que propriamente ao recurso utilizado, na medida em que o efeito suspensivo tem, no plano processual, o seu termo a quo a partir do momento em que a sentença veio ao mundo jurídico; mais rigorosamente, a partir da sua publicação, sobrevindo (o efeito suspensivo), pelo menos, até que transcorra o prazo para que o legitimado possa recorrer". (ORIONE NETO, Luiz. Recursos cíveis. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 127-8). Também Maricí e Maurício Giannico defendem que: "a suspensividade está, na realidade, relacionada com a recorribilidade, porque o efeito suspensivo, na prática, tem início com a publicação da sentença e perdura, no mínimo, até que se escoe o prazo para a parte ou interessado recorrer (ou com a publicação da decisão que julga o recurso). Na realidade, neste interregno, a eficácia imediata da decisão fica sob a condição suspensiva de não haver interposição de recurso que deva ser recebido no efeito suspensivo, condição essa que se opera mesmo antes da interposição". (GIANNICO, Maricí e GIANNICO, Maurício. Efeito suspensivo dos recursos e capítulos das decisões. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 404). Ainda sobre o assunto, ver BARROS LEONEL. Revisitando a teoria geral dos recursos: o efeito suspensivo. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 9. pp. 466 et seq.

            16 Aliás, quanto a permanência do efeito suspensivo da apelação como regra, não tendo sido aprovada proposta de alteração, e da tímida modificação implementada no art. 520 do CPC pela lei 10.352/01 (inclusão do inciso VII), mister transcrever o posicionamento de Joel Dias Figueira Júnior: "O lamentável incidente legislativo há de ser atribuído à resistência de alguns juristas mais cépticos e ‘comedidos’, somando-se ao lobby dos tribunais. Aliás, esse último fator foi determinante para a rejeição da proposta legislativa, que residiu no trabalho articulado de lobistas a ponto de ceifar as magníficas novidades contidas nos arts. 520 e 521 do CPC. O argumento utilizado para a consecução dos fins assinalados fundava-se na circunstância de que, se aprovados os dispositivos na forma originária sugerida pela Comissão, os tribunais ficariam ainda mais assoberbados de recursos ou meios de impugnação para análise dos pedidos de concessão de efeitos suspensivos, em face da alegação de possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, porquanto imaginavam que os juízes sentenciantes não acolheriam, na própria instância a quo, o requerimento dos apelantes para obstar os efeitos práticos da decisão (efeito ‘suspensivo’)". Comentários à Novíssima Reforma do CPC : Lei 10.444, de 07 de maio de 2002. Rio de Janeiro : Forense, 2002, p. 106.

            17 Escreveu Dinamarco, antes mesmo da inclusão do inciso VII no art. 520 do CPC: "a apelação interposta contra a sentença que em capítulos distintos julga procedente a demanda inicial e concede a antecipação sujeitar-se-á a dois regimes quanto ao possível efeito suspensivo, desse modo: a) quanto ao capítulo principal, ela terá ou não esse efeito, conforme os preceitos ditados no art. 520 do Código de Processo Civil e seus parágrafos; b) com referência ao capítulo que decide sobre o pedido de antecipação, o efeito será somente devolutivo, sem suspensividade. Como parece mais do que óbvio, a antecipação deixaria de ser autêntica antecipação quando ficasse sujeita à espera do julgamento pelo tribunal". DINAMARCO, Cândido Rangel. O regime jurídico das medidas urgentes. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS. N. 82, junho/2001, p. 290.

            18 Claro que, contra a decisão que recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo em relação ao capítulo objeto de tutela antecipada, poderá ser manejado agravo por instrumento com pedido de efeito suspensivo, ex vi arts. 522 c/c 558 do CPC.

            19 (GIANNICO, Maricí e GIANNICO, Maurício. Efeito suspensivo dos recursos e capítulos das decisões. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 409).

            20 Como bem aponta Cassio Scarpinella Bueno: "se o recurso especial interposto de acórdão do Tribunal de Justiça local não é conhecido porque intempestivo, a decisão do STJ não tem o condão de substituir o acórdão recorrido, e isto porque o juízo de admissibilidade do recurso foi negativo. Neste caso, não terá o STJ competência para julgamento da rescisória, que permanece nos órgãos indicados pelo Regimento Interno do Tribunal de Justiça. Diferentemente, na medida em que o recurso seja conhecido, mesmo que a ele se negue provimento (juízo da admissibilidade recursal positivo e juízo de mérito recursal negativo), a competência passa a ser do STJ)". Efeitos dos recursos. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v.10. p. 89.

            21 Exceto nos casos de decretação de nulidade do decisum recorrido onde, a rigor, outra decisão deverá ser prolatada pelo juízo a quo (apenas no que respeita aos capítulos recorridos), não ocorrendo necessariamente substituição.

            22 Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: "Agravo regimental. Ação rescisória. Decisum rescindendo que não apreciou o mérito da questão. Inadmissível a ação rescisória quando a decisão monocrática impugnada não apreciou o mérito da demanda. Agravo regimental improvido". AgRg na Ação Rescisória n. 2703/BA – 2ª seção – Rel. Min. Barros Monteiro – J. em 22.09.2004. DJ 13.12.2004 p. 210). No mesmo sentido, decidiu a 4ª Turma daquele Tribunal: "Processual civil. Ação rescisória inicial. Indeferimento. Acórdão prolatado em agravo de instrumento. Decisão que julgou deserta a apelação. Incabimento. CPC, art. 485, caput. Não cabe ação rescisória de acórdão prolatado em agravo de instrumento onde foi julgada deserta apelação da parte, eis que não configura decisão de mérito, pressuposto ínsito no art. 485, caput, da lei adjetiva civil. II. Recurso especial não conhecido". REsp 169954 / SP – 4ª T – Rel. Min. Aldir Passarinho Jr – j. Em 23.10.2001 – DJ de 18.02.2002 p. 446).

            23 Destarte, interpretando-se o art. 512 do CPC, é fato que apenas haverá substituição se o mérito do recurso for apreciado (provido ou não). Aliás, nesse particular aspecto, inclusive no que respeita ao cabimento da rescisória, ensina Dinamarco que: "se ainda for admissível algum recurso subseqüente ao que foi julgado, ele será um recurso contra o acórdão e não contra a sentença (ou seja, contra o ato superior e não contra o inferior). Se nenhum recurso se interpuser, o acórdão virá a ser imunizado pela preclusão e eventualmente até pela coisa julgada material (se se houver pronunciado sobre o meritum causæ) – e não o ato decisório inferior, já previamente retirado do mundo jurídico pelo julgamento superior. A extinção do processo será nesse caso obra do acórdão e não da sentença recorrida. Eventual ação rescisória poderá ser admitida contra aquele e não contra esta, contando-se depois da prolação do acórdão o prazo para propô-la etc". DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeitos dos recursos. In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 5. p. 62-63.

            24 "Processual civil. Agravo regimental. Recurso especial. Ação rescisória. Propositura no tribunal a quo. Competência originária deste stj. Extinção do feito sem julgamento de mérito. Art. 113, § 2º, do CPC. Remessa ao tribunal competente. Impossibilidade. I - Verificou-se que a decisão proferida pelo em. Ministro Milton Luiz Pereira, nos autos do AG nº 282.029/PR, apesar de negar provimento ao recurso, efetivamente adentrara na questão federal controvertida, sendo, portanto, de competência desta Corte Superior o exame de ação rescisória daquele julgado. Incidência do enunciado sumular nº 249 do STF. II - A rescisória, todavia, fora proposta contra decisum do Tribunal Regional, quando, em verdade, tratava-se de competência originária deste Colendo Tribunal. Dessa forma, não haveria, pois, como remeter a esta Corte os autos para que conhecesse do pedido "como se fosse para anular o seu acórdão ", conforme já decidido pelo próprio Pleno do Excelso Sodalício ao apreciar a AR nº 1.053-1/RJ, Relator Ministro Neri da Silveira, DJ de 07/02/1992. De rigor, assim, a extinção do feito sub examine. III - Precedentes: AgRg na AR nº 3.089/PR, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 02/08/2004; AR nº 408/DF, Rel. Min. Felix Fisher, Rel. p/ acórdão Ministro Gilson Dipp, DJ de 12/05/2003 e EDAR nº 388/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 31/08/1998." (grifos nossos)

            25 A ação rescisória, portanto, deve ser apresentada perante o tribunal competente para rever o ato. Como bem aponta Pontes de Miranda, "não há princípio a priori que subordine a ação rescisória à competência do juiz superior, nem à competência do mesmo juiz. O princípio, se o queremos extrair, é o da par maiorve potestas (do juízo igual ou superior)". Tratado da ação rescisória. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves, 2ª edição. Campinas/SP : Bookseller, 2003, p. 101.

            26 Mister destacar, nesse particular, as necessárias críticas à Sumula 249 do STF, que consagra: "é competente o Supremo Tribunal para a ação rescisória, quando, embora não tenho conhecido do recurso extraordinário, tiver apreciado a questão federal controvertida". Referida súmula, aprovada em sessão plenária de 16/12/1969, na verdade acaba confundindo não conhecer e julgar o mérito do recurso, eis que, uma vez ocorrendo a apreciação da questão federal controvertida, na verdade já está o STF no mérito do apelo; e, conseqüentemente, a decisão substituirá aquela recorrida. Nesse caso, acaba por confundir admissibilidade negativa (onde não ocorre o efeito substitutivo), com conhecimento e improvimento (juízo de mérito recursal – com aplicação do efeito substitutivo), inclusive sendo o tribunal superior o competente para eventual demanda rescisória. Bem a propósito, defende Cândido Rangel Dinamarco, após citar interpretação de Barbosa Moreira, Nelson Luiz Pinto e Nelson Nery Jr, que: "é competente um daqueles órgãos de superposição na circunstância ali considerada, porque na realidade houve uma substituição e esse falso não-conhecimento é um conhecimento com improvimento do recurso especial e extraordinário". Ação rescisória, incompetência e carência de ação. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS, n. 88, tomo I, dezembro/2002, p. 69.

            27 Flávio Cheim Jorge entende que os efeitos substitutivo e expansivo nada mais são do que a própria conseqüência do efeito devolutivo. De acordo com suas lições: "a substituição da decisão recorrida pela decisão do recurso não é uma conseqüência natural de seu conteúdo, mas tão-somente uma repercussão indissociável do efeito devolutivo, o qual permite o reexame e, conseqüentemente, a sobreposição de uma decisão sobre a outra". Teoria geral dos recursos cíveis. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p. 252.

            28 O erro na escolha do tribunal competente para a demanda desconstitutiva poderá ocasionar a perda do prazo para seu ajuizamento, não se podendo sequer suscitar a aplicação dos arts. 102, §3º e 219, §1º c/c 220 do CPC. De fato, inaplicável o deslocamento da competência absoluta, por exemplo, para o tribunal estadual em caso de ajuizamento de rescisória no STJ ou STF (como ocorreu na decisão monocrática contida na nota seguinte), ou para estes no caso de rescisória ajuizada equivocadamente naquele, com aproveitamento da inicial e posterior retroatividade da interrupção do prazo para propositura. Nesse sentido, mister analisar alguns precedentes, que acabam por consagrar a necessidade e extinção do processo sem resolução de mérito por carência de ação. "Ação Rescisória – FGTS – Última decisão de mérito proferida pelo STJ - Competência – Artigo 113, § 2º, do CPC. 1. Não se aplica o disposto no artigo 113, § 2º do CPC, quando a ação rescisória de competência originária desta Corte foi proposta erroneamente perante o Tribunal a quo. Ao tribunal de origem não cabe remeter os autos ao STJ, devendo o processo ser extinto sem julgamento do mérito. Recurso especial improvido". REsp 769008 / PR – 2ª Turma – Rel. Min. Humberto Martins – J. em 05/10/2006 – DJ 18.10.2006 p. 232). "Ação rescisória. Competência. Extinção do processo. Se a ação rescisória intenta a desconstituição de acórdão de tribunal local, tendo sido, entretanto, examinada pelo Supremo Tribunal Federal a questão controvertida no julgado rescindendo, a hipótese é de extinção do processo. Não se justifica a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal se o objeto da rescisória não é o seu acórdão. Agravo regimental a que se negou provimento". AgRg no Ag 64168 / GO ; -3ª Turma – Rel. Min. Costa Leite – J. em 12/09/1995 – DJ de DJ 13.11.1995 p. 38675 - LEXSTJ vol. 81 p. 37.

            29 Em rescisória resolvida monocraticamente (com indeferimento liminar da inicial e extinção do processo sem resolução de mérito), entendeu o STJ que era incompetente para processá-la com o objetivo de rescindir decisão judicial por violação a disposição literal de lei. No caso em questão, procurava o autor desconstituir julgado que teria interpretado equivocadamente a chamada gratificação de escolaridade. Contudo, no mandado de segurança que gerou a decisão rescindenda, o recurso ao tribunal superior apenas discutiu a necessidade de intervenção obrigatória da pessoa jurídica de direito público nos autos do MS. Na decisão monocrática contida na AR 3.599 (Relatora Min. Laurita Vaz – DJ de 04.09.2006), decidiu a Exma. Relatora que: "De plano, vê-se que a decisão rescindenda nem ao largo examinou o mérito da questão relativa à manutenção da forma de cálculo da denominada ‘Gratificação de Escolaridade’, prevista na Lei Estadual nº 5.810/94. A única questão apreciada por esta Corte Superior foi relativa à desnecessidade de citação da pessoa jurídica de direito público para compor o pólo passivo do mandado de segurança". Em outra passagem, afirmou que: "em assim sendo, resta evidente que a decisão rescindenda não adentrou no mérito do mandamus, relativamente à forma de cálculo da ‘Gratificação de Escolaridade’. Por conseguinte, o exame da presente rescisória por esta Corte Superior de Justiça se mostra inviável".

            30 Verificação de qual pronunciamento judicial transitará em julgado, por força da ocorrência ou não do efeito substitutivo.

            31 Aqui o externamente é utilizado para afirmar que será competente o tribunal para conhecimento de outra demanda, visando desconstituir o julgado anterior já trânsito em julgado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, José Henrique Mouta. Notas sobre o efeito substitutivo do recurso e seu reflexo na ação rescisória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1365, 28 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9661. Acesso em: 23 abr. 2024.