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Responsabilidade jurídica pelo fogo, aceiros e danos ambientais

Responsabilidade jurídica pelo fogo, aceiros e danos ambientais

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Prestes a iniciar mais uma temporada de estiagem pelo país, que se apresentam cada vez mais severas, muitos questionamentos e demandas jurídicas acompanharam a época das secas, principalmente sobre o controle do fogo.

Prestes a iniciar mais uma temporada de estiagem pelo país, que se apresentam cada vez mais severas, muitos questionamentos e demandas jurídicas acompanharam a época das secas, principalmente sobre o controle do fogo com a necessidade de fazer aceiros para se defender das queimadas sem receber penalizações ambientais pela fiscalização.

Isto porque, na prática, para fazer os aceiros é necessário derrubar algumas árvores, com objetivo de proteger até mesmo áreas de preservação permanentes (APP), como diz o ditado fogo de morro acima e água de morro abaixo são de difícil controle e morros são APPs.

O aceiro é aquele espaço desbastado de vegetação, que se abre em torno das propriedades rurais para impedir a propagação do fogo, realizado durante operações de prevenção ou combate ao incêndio nas propriedades rurais, utilizando ferramentas ou tratores, isolando as vegetações para que não haja passagem do fogo. O aceiro também pode ser feito pela queima controlada, autorizada por lei, a depender da época, podendo também estar proibida durante a estiagem, o que é muito comum.

O Código Florestal determina no artigo 38 a proibição do uso de fogo na vegetação, criando uma exceção no seu inciso II para a queima controlada em unidades de conservação, mediante plano de manejo e aprovação do órgão gestor, para garantir proteção e manejo local, onde hajam características ecológicas associadas à ocorrência do fogo, como no cerrado.

O Decreto Federal nº 2.661/1998 também proíbe uso do fogo, criando permissões a partir do seu artigo 2º na atividade definida como queima controlada mediante prévia autorização no órgão ambiental local, preenchendo uma série de requisitos determinados pelo artigo 3º como a definição das técnicas, equipamentos e mão de obra; reconhecimento da área; enleiramento dos resíduos da vegetação a serem queimados; aceiros de non mínimo três metros de largura, permitida ampliação para os casos de propagação do fogo fora dos limites estabelecidos; estabelecimento de cronograma; aviso aos vizinhos e acompanhamento até extinção do fogo.

Este citado decreto, frequentemente, é suspenso por outros decretos, por prazos de até 120 dias, como se viu em 2019, 2020 e 2021 (até 28/outubro), devido aos riscos trazidos pela estiagem, situação que pode ocasionar crime ambiental e multas ambientais para quem descumpre, conforme prevê o artigo 41 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) e artigo 58 do Decreto Federal nº 6.514/2008.

Caso ocorram incêndios em propriedades rurais, a recomendação é sempre comunicar imediatamente às autoridades, realizando boletim de ocorrência, ata notarial e laudos periciais e demais provas capazes de comprovar que ocorreu de maneira incidental.

E em caso de fiscalização, o próprio Código Florestal, no artigo 38, §§ 3º e 4º determina que, em caso de apuração de responsabilidade pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares, a autoridade competente deverá comprovar o nexo de causalidade entre a ação do proprietário ou qualquer preposto e o dano efetivamente causado, determinando ainda como necessário o estabelecimento de nexo causal na verificação das responsabilidades por infração pelo uso irregular do fogo em terras públicas ou particulares.

Esta determinação é nada menos do que a confirmação sobre a responsabilidade objetiva característica das infrações administrativas ambientais e crimes ambientais, já que, por lei, depende da comprovação de autoria (conduta), nexo causal e o dano para que se possa atribuir responsabilidade a alguém.

Com relação aos aceiros, para evitar quaisquer outros mal entendidos sobre a prática em meio a um incêndio, além de cumprir as sugestões ditas acima, vale ainda consultar o que diz o órgão ambiental de cada estado, pois as regras podem sofrer variações, como por exemplo, no Mato Grosso do Sul, onde a resolução do licenciamento ambiental dispensa de licenciamento os aceiros preventivos e em caso de queima controlada, feito o devido comunicado ou proposta técnica no órgão ambiental. E no estado vizinho, Mato Grosso, um decreto estadual também dispensa de autorização pela Secretaria de Meio Ambiente a construção e manutenção de aceiros.

Finalmente, é importante comentar as diferenças entre queimada ou queima controlada de incêndio, pois a primeira é uma situação autorizada por lei,; e a segunda, de acordo com o dicionário é o fogo que se propaga com intensidade, do qual, se comprovada a ação humana, nos termos da lei, cabe punição administrativa ou criminal.

As queimadas em áreas rurais não são assunto recente, pois de acordo com relatos dos bandeirantes Orlando Villas Bôas e Claudio Villas Bôas no livro A Marcha para o Oeste: a epopeia da Expedição Roncador-Xingu, foi através do fogo que foram encontrados indígenas no centro-oeste brasileiro, antes mesmo da existência dos produtores rurais, pois os índios ateavam fogo como prática cultural.

É necessário diferenciar as condutas permitidas por lei, das ilegais, as boas práticas das atividades comprovadamente poluidoras, dar nomes aos bois e entender o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, a definição de meio ambiente feita pela legislação.


Autor

  • Pedro Puttini Mendes

    Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015.

    Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural.

    PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

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