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A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO CIVIL

A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO PROCESSO CIVIL

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RESUMO- O presente artigo científico, elaborado sob o formato de artigo original de abordagem

qualitativa, tem objetivo de demonstrar a aplicação do princípio do contraditório do processo civil, aplicado nos incidentes processuais de desconsideração da personalidade jurídica. Inicialmente se pretende delimitar o que a doutrina jurídica nacional entende pelo referido instituto, bem como o que se tem estabelecido acerca do dito princípio, especialmente após a positivação do mesmo no CPC de 2015. A partir deste referencial teórico, se busca demonstrar através da análise de alguns precedentes jurisprudenciais a aplicação do referido princípio na resolução de litígios onde se evoca a aplicação do instituto, tendo por objetivo a repercussão social que a respectiva lide pode provocar no ambiente externo, visando essencialmente a garantia de um processo cível justo e democrático. Por fim, busca-se apontar soluções, a partir da análise deste trabalho, a serem empregadas pelos agentes públicos e privados buscando a equidade e o equilíbrio no curso de demandas cíveis.

PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil. Princípio do Contraditório. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Direitos fundamentais. Cidadania. Resolução de Conflitos.

INTRODUÇÃO

Inicialmente é fundamental ratificar a importância do princípio do contraditório no processo civil, tendo em vista a sua previsão na Carta Magna de 1988, bem como no próprio Código de Processo Civil de 2015, o que por si só já deixa claro e evidente que sem a correta aplicação e análise de referido basilar processual, é impossível construir decisões judiciais democráticas, eis que o mesmo é fundamento do próprio processo cível, sendo por conseguinte, na ausência do mesmo, impossível o estabelecimento de decisões equânimes e justas.

Por outro lado, há muitos anos a sociedade brasileira tem conhecimento de que o processo civil, embora democrático, não tem sido tão eficaz, e não são raras as decisões que não são devidamente cumpridas, e não poucas as sentenças que não são factualmente executadas.

Isto porque são inúmeros os subterfúgios do devedor, que sustenta por vezes o mote devo não nego, pago quando puder. Mais vergonhoso ainda, quando tal insolvência e inadimplência se dá por uma pessoa jurídica, que notadamente deveria desempenhar uma função social.

Mostra-se necessária assim, a criação e a utilização de ferramenta jurídicas, a fim de coibir estes abusos de personalidade jurídica, e por consequência a eficácia do processo cível, a fim de que o cidadão tenha a segurança de que ao ingressar com determinada medida judicial, irá de fato obter uma resposta jurisdicional, a fim de alterar a realidade fática da vida, e não somente limitar-se ao plano da ficção jurídica.

Nesse sentido, observa-se a importância da construção de decisões judiciais democráticas, fazendo-se valer os princípios constitucionais dispostos na Constituição Federal, mas também se verifica a necessidade de trazer maior eficácia à estas decisões, especialmente no que diz respeito à atos de constrição patrimonial, a fim de garantir que o devedor efetivamente cumpra a sua respectiva obrigação.

Neste sentido, mostra-se imperiosa a análise da utilização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como ferramenta de garantia das decisões judiciais, mas com o compromisso de observância dos princípios democráticos consagrados na Carta Constitucional, em especial o do contraditório, a fim de garantir à ambas as partes, em determinado litígio, o direito de se manifestar previamente, ressalvadas as excepcionalidades expressamente previstas na lei.

1. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ASPECTOS TEÓRICOS, LEGAIS E CONSTITUCIONAIS.

A fim de se estabelecer um referencial teórico para a presente pesquisa, se faz necessário discorrer acerca do que seria o princípio do contraditório, previsto na Constituição Federal de 1988, no Código de Processo Civil de 2015, bem como estudado por diversos doutrinadores.

Inicialmente, o referido princípio é previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Percebe-se de plano, a importância de tal princípio, eis que elencado no rol dos direitos fundamentais dos indivíduos, constituindo-se assim cláusula pétrea do texto constitucional.

Portanto, não há se falar em Estado Democrático de Direito, tampouco em processo judicial ou administrativo democrático, sem que se observe a aplicabilidade do referido princípio, garantindo assim à ambas as partes o direito de se manifestarem no curso da demanda, expor suas razões, seus argumentos, e efetivamente defender seu respectivo direito.

Neste sentido, o Legislador não poderia deixar de prestigiar tal fundamento, pelo que o fez através da redação de 02 (dois) artigos, notadamente os artigos 9º (nono) e 10 (dez) do Código de Processo Civil de 2015, que tratam especificamente da utilização deste basilar:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:

I - à tutela provisória de urgência;

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;

III - à decisão prevista no art. 701 .

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Percebe-se assim que se impôs um requisito legal, a fim de que em sede de qualquer decisão judicial, se garanta ao jurisdicionado a oportunidade de se manifestar previamente acerca daquele tema, sob pena de nulidade da respectivo pronunciamento judicial.

Além disso, se verifica também que existem exceções à regra geral de observância ao princípio, e que são aquelas que taxativamente são demonstradas nos 03 (três) incisos do parágrafo único, do artigo 9º (nono).

Ainda se mostra interessante analisar a disposição do artigo 10 (dez), onde se assevera que mesmo em matérias de ordem pública, que o juiz possa portanto decidir de ofício, se faz necessária a concessão de oportunidade às partes para que se manifestem sobre aquele tema, prestigiando assim novamente este contraditório processual.

Neste diapasão, mostra-se a inteligente análise doutrinária do Ilustre Dr. Professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

Do contraditório resultam duas exigências: a de se dar ciência aos réus, executados e interessados, da existência do processo, e aos litigantes de tudo o que nele se passa; e a de permitir-lhes que se manifestem, que apresentem suas razões, que se oponham à pretensão do adversário. O juiz tem de ouvir aquilo que os participantes do processo têm a dizer, e, para tanto, é preciso dar-lhes oportunidade de se manifestar e ciência do que se passa, pois, sem tal conhecimento, não terão condições adequadas para se manifestar CPC evidencia a sua preocupação com o contraditório ao estabelecer, no art. 9°, que: Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, excepcionando-se as hipóteses de tutela provisória de urgência, de tutela de evidência prevista no art. 311, incisos II e III, e a decisão prevista no art. 701, isto é, de expedição de mandado de pagamento, de entrega de coisa ou execução de obrigação de fazer ou não fazer, quando preenchidos os requisitos para o processamento da ação monitória. Além disso, com o intuito de evitar que qualquer dos litigantes seja surpreendido por decisão judicial sem que tenha tido oportunidade de se manifestar, prescreve o art. 10 que: O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". Veda-se assim a decisão-surpresa, em que o juiz se vale de fundamento cognoscível de ofício, que não havia sido anteriormente suscitado, sem dar às partes oportunidade de manifestação. (Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado/ Marcus Vinicius Rios Gonçalves; coordenador: Pedro Lenza. 7. Ed. São Paulo: Saraiva,2016)

Fica portanto elucidada do ponto de vista Constitucional, Legal e Doutrinário, a essencialidade do princípio do contraditório no processo cível, a fim de que se garanta a prolação de pronunciamentos judiciais democráticos e justos.

  1. O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA À LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.

Após análise das considerações do capítulo anterior acerca do princípio do contraditório, passa-se a análise teórica concernente ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

Sabe-se que culturalmente no país, existe uma forte tendência ao inadimplemento de obrigações contratuais, muito devido à pouca eficácia da prestação jurisdicional, no sentido de promover a contrição patrimonial do devedor, especialmente quando o mesmo se torna insolvente.

Aqui, vale destacar o ditado popular que resume e define bem este cenário: devo não nego, pago quando puder.

Baseando-se nesta linha de pensamento, muitas pessoas jurídicas se furtam ao cumprimento de suas obrigações, com a certeza da impunidade, e simplesmente se tornam insolventes, e nada se esforçam para o regular adimplemento de suas respectivas dívidas.

Desta forma, o Código de Processo Civil de 2015, traz em seus artigos 133 a 137 a previsão da instauração do incidente desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que o patrimônio pessoal dos sócios de determinada sociedade empresarial também possa responder perante à um eventual credor, observados os requisitos legais:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

 Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

  Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

  Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Na seara doutrinária, outra não é a lição do Ilustre Mestre Fábio Ulhôa Coelho, e do Grandioso Mestre Silvio Rodrigues, respectivamente, ao analisarem e definirem o instituto:

(...) Por vezes a autonomia patrimonial da sociedade comercial dá margem à realização de fraudes. Para coibi-las, a doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais, nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. (In Manual de Direito Comercial, editora Saraiva, 8ª edição, 1997, pág. 113/114).

A teoria da desconsideração da pessoa jurídica tem a intenção de permitir ao juiz erguer o véu da pessoa jurídica, para verificar o jogo de interesses que se estabeleceu em seu interior, com o escopo de evitar o abuso e a fraude que poderiam ferir os direitos de terceiros e o fisco (Direito Civil, Saraiva, 21ª ed., Parte Geral, vol. 1, SILVIO RODRIGUES, pág. 77).

Verifica-se assim que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, se apresentam como importante ferramenta no processo civil, com o condão de garantir a eficácia dos pronunciamentos judiciais.

  1. O ATUAL ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO FRENTE AO REQUERIMENTO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Após as breves considerações acerca dos dois institutos distintos, abordadas nos capítulos anteriores, se segue a análise prática de aplicação do princípio do contraditório nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica, através da demonstração de entendimentos jurisprudenciais sobre o tema.

Desde já vale a reflexão acerca do tema, cabendo ao intérprete da lei, e operador do Direito, questionar-se sobre os limites de utilização do incidente, a fim de garantir a eficácia da decisão judicial, sem atropelar o princípio democrático ora disposto em tela.

É bem verdade que o devedor deve arcar com suas obrigações, mas não se pode objetivar fazer justiça à todo custo, eis que o operador do direito pode incorrer em flagrante descumprimento de preceitos constitucionais caros à democracia, à segurança jurídica e à própria justiça, de forma ampla.

Neste sentido, traz-se o primeiro julgado à análise, que versa exatamente sobre este tema:

Agravo de instrumento. Ação de execução de título extrajudicial com pedido de desconsideração da personalidade jurídica e pedido de tutela provisória de urgência cautelar. Indeferimento do pedido de desconsideração, ordenando-se a exclusão dos sócios do polo passivo. Atual código de processo civil que estabeleceu procedimento específico para o processamento da desconsideração da personalidade jurídica nos arts. 133 a 137. Norma cogente que assegura a observância obrigatória do contraditório e ampla defesa. Agravante que requereu a desconsideração da personalidade jurídida da executada no bojo da inicial, mediante citação dos sócios da empresa
demandada, conforme disposto no art. 134, §2º do CPC. Embora seja desnecessária a instauração de incidente próprio, já que o pedido de
desconsideração foi formulado na inicial, tal pleito deve ser regularmente processado, com a citação dos sócios, para que, ao final, o juízo
aprecie se é o caso ou não de desconsiderar-se a personalidade jurídica da sociedade empresária agravada. Inexistência de elementos suficientes
à determinação de penhora/arresto nas contas bancárias da parte recorrida. No caso, sequer houve tentativa de localização da pessoa jurídica executada a fim de citá-la, assim como não restou verificada a existência de bens da primeira executada para a satisfação do crédito.
O recurso deve ser provido em parte, não para se autorizar de imediato a desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada,
mas apenas para se determinar a citação dos sócios, que deverão permanecer no polo passivo da ação de origem. Dado parcial provimento ao recurso. (Agravo de Instrumento nº 0076523-53.2020.8.19.0000. 21ª Câmara Cível do TJ/RJ. Des. Rel.: Mônica Feldman de Mattos. Julg.:10/05/2022).

No processo em destaque, a parte autora requereu a desconsideração da personalidade jurídica ainda na peça vestibular, com a adoção de medidas de constrição patrimonial dos sócios de forma cautelar, e liminarmente. Todavia, por mais que houvesse indícios materiais da insolvência da empresa Ré, e do cabimento material da procedência do requerimento, o mesmo foi indeferido, prestigiando o princípio do contraditório.

O Entendimento da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no precedente jurisprudencial acima, seguiu no sentido de que é fundamental a citação dos sócios de determinada pessoa jurídica, a fim de que os mesmos possam se manifestar sobre os argumentos da parte Autora, e assim exercer seu direito de defesa, previamente ao pronunciamento judicial.

Percebe-se assim que o Julgador, por mais que tenha o objetivo de proferir decisões que possam ser executadas, e assim prestar tutela jurisdicional eficaz, também deve observar os princípios constitucionais do processo civil, a fim de que não se transgrida o regramento basilar do contraditório processual.

Contudo, como bem sabido, o Direito não é uma ciência exata, e assim cabe ao intérprete o bom senso e a equanimidade, a fim de estudar o ordenamento jurídico de maneira holística, e assim ter condições suficientes de conhecer a melhor solução para cada caso concreto.

Na esteira desta reflexão, apresentam-se alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, em sentido oposto ao que foi conhecido no recurso acima, e portando dispensando a citação dos sócios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E
PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO
OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA.
CITAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. CITAÇÃO POR
CARTA PRECATÓRIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 7 DO STJ.
(...)

2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente
processual, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos,
dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem
foi superada a pessoa jurídica. Precedentes.
3. O comparecimento espontâneo do requerido supre a eventual
ausência de citação (art. 214, § 1º, do CPC), máxime quando inexiste
prejuízo. Consoante cediço, não se anula ato processual cujo vício
formal não impede seja atingida a sua finalidade. Precedentes.
4. Na espécie, a própria Corte de origem assinalou que a alegação de
nulidade insanável, por ausência de citação, não merece prosperar,
pois o juízo primevo deferiu a realização da penhora dos bens
pertencentes à recorrente e determinou a sua intimação pessoal para
ciência das constrições, o que foi cumprido por meio de carta
precatória na comarca de São Paulo, inclusive no que concerne ao
disposto no art. 229 do CPC/1973, tendo permanecido inerte.
(...). (AgInt no REsp 1563363/RJ. 4ª Turma do STJ. Rel.: Min. Luis Felipe Salomão. Julg.: 21/02/2022).

PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXCESSO DE
EXECUÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. CABIMENTO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE EXECUÇÃO DE VERBA HONORÁRIA DE SUCUMBÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE VÍCIO DE CITAÇÃO.
(...)

6. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. Precedentes.

7. Ademais, o comparecimento espontâneo do requerido supre a eventual
ausência de citação (art. 214, § 1º, do CPC), máxime quando inexiste
prejuízo, uma vez que o recorrente apresentou exceção de pré-
executividade, que foi devidamente apreciada pelo órgão jurisdicional.
Consoante cediço, não se anula ato processual cujo vício formal não impede seja atingida a sua finalidade. Precedentes. (...).
(REsp 1412997/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 26/10/2015).

Nota-se nos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ora colacionados, que houve um entendimento em sentido diverso daquele primeiro julgado, e assim se dispensou a citação dos sócios no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, prestigiando-se assim a eficácia da tutela jurisdicional em detrimento do princípio democrático do contraditório processual.

O Julgador entendeu que a manifestação dos sócios, em sede de impugnação, ou embargos, já é suficiente para preencher a lacuna do referido princípio, sem a necessidade de que essa manifestação seja prévia à decisão judicial.

4. CONCLUSÃO.

Por todo o exposto, percebe-se que o princípio do contraditório é fundamental para que se garanta um processo cível democrático, onde seja assegurado à partes o direito de se manifestar previamente à decisão judicial, consoante a disposição do artigo 5º, inciso LV da Carta Magna de 1988, bem como texto dos artigos 9º e 10 do Código de Processo Civil de 2015, além de sedimentado entendimento doutrinário.

A desconsideração da personalidade jurídica, seja ela incidental ou no bojo do próprio processo, apresenta-se por sua vez como ferramenta essencial à garantir a eficácia da prestação da tutela jurisdicional, a fim de coibir o devedor, através da constrição patrimonial dos próprio sócios da pessoa jurídica, a adimplir com suas respectivas obrigações. Enfrentando assim, até mesmo uma disposição cultural da sociedade em todo país no sentido da inadimplência e do senso de impunidade, através da inoperância do sistema de Justiça.

Através do que foi demonstrado nos capítulos anteriores, fica evidente a necessária e imprescindível conjugação dos dois intitutos em referência, a fim de se garantir a prestação jurisdicional efetiva, mas também democrática, observando as disposições legais e constitucionais vigentes.

A Jurisprudência nacional tem se dividido por sua vez no que tange à necessidade de citação dos sócios da pessoa jurídica, quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica. Uma corrente entende ser imprescindível a citação, sob pena de ofensa ao princípio ora em análise, e outra opta pela celeridade processual, compreendendo ser suficiente a oportunidade dos sócios se manifestarem nos autos, ainda que posteriormente à medida de constrição patrimonial.

Sugere-se assim, que os operadores do direito se atenham ao que está disposto na norma processual, defendendo que seja imprescindível a citação dos sócios da pessoa jurídica, frente ao requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, já que a manifestação dos mesmos deve se dar previamente à decisão judicial, em homenagem ao princípio do contraditório.

Ressalta-se que a prestação da tutela jurisdicional além de eficaz, deve também ser democrática, afim de que se garanta a prolação de decisões judiciais equânimes e justas, construindo assim uma sociedade mais igualitária e isonômica.

5. REFERÊNCIAS.

5.1 Doutrina.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo, Saraiva Educação, 2019.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva, 2017.

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado/ Marcus Vinicius Rios Gonçalves; coordenador: Pedro Lenza. 7. Ed. São Paulo: Saraiva,2016.

ULHOA COELHO, FABIO. In Manual de Direito Comercial, editora Saraiva, 8ª edição, 1997, pág. 113/114.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Saraiva, 21ª ed., Parte Geral, vol. 1, pág. 77).

5.2 Jurisprudência.

Agravo de Instrumento nº 0076523-53.2020.8.19.0000. 21ª Câmara Cível do TJ/RJ. Des. Rel.: Mônica Feldman de Mattos. Julg.:10/05/2022.

AgInt no REsp 1563363/RJ. 4ª Turma do STJ. Rel.: Min. Luis Felipe Salomão. Julg.: 21/02/2022.

REsp 1412997/SP. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão. 4ª
Turma do STJ. Julg.: 08/09/2015.


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