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Crime de assédio sexual (art. 216-A do Código Penal)

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O assédio sexual é crime bipróprio, exige posição hierárquica superior do agente. Relação amorosa estável afasta o dolo e a tipicidade, mas provas técnicas são necessárias para a condenação penal.

Inicialmente vamos abordar o assédio sexual, sob o ponto de vista da psicologia e posteriormente o que vem a ser a conduta de interesse para o Direito Penal, tendo em vista a falsa percepção dessa modalidade criminosa.

Do ponto de vista da psicologia, é qualquer comentário, gesto ou ato de caráter sexual indesejado e dirigido a uma pessoa pela maneira como ela expressa seu próprio gênero ou orientação sexual. É comum falar que ocorre no ambiente de trabalho, mas pode ocorrer em festas, escolas ou dentro do próprio lar, podendo ainda ocorrer por meio de mensagens de celular, ligações, emails e outros, não precisa do contato presencial.

É importante distinguirmos assédio sexual de coerção sexual. Neste último, o autor promete recompensas, como emprego, promoção, melhores condições de trabalho, caso a vítima esteja disposta a satisfazer seus desejos sexuais. A partir desse ponto podemos adentrar a uma análise do conteúdo normativo e da conduta que abrange o crime de assédio sexual (art. 216-A, CP).

O tipo penal previsto no art.216-A do CP possui os seguintes preceitos primários e secundários:

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. (Vetado).

§ 2º. A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.

O que se tutela como bem jurídico é a dignidade sexual, especialmente a liberdade nas relações de trabalho (âmbito laboral). Podemos dizer que tutela a honra pessoal e o respeito nas relações de trabalho. O crime de assédio sexual é BIPRÓPRIO, ou seja, tem como elementares normativas a ação de praticar a conduta na condição de superior hierárquico ou pessoa de ascendência no âmbito da relação de emprego, função ou cargo. O agente e a vítima precisam de qualidades especiais (um superior e o outro inferior hierarquicamente). O objeto do delito é o corpo da pessoa assediada, sua liberdade, honra e tranqüilidade.

O fato é atípico, se o agente assediador e a vítima estiverem na mesma posição ou se o agente estiver em posição inferior hierárquica. Nos termos do julgamento do REsp 1.759.135/SP, o STJ decidiu que o assédio sexual pode estar caracterizado na relação professor e aluno, pois a profissão suscita tamanha reverência e vulnerabilidade quando se envolve aluno e mestre, sendo evidente a ascendência em virtude da função como elemento normativo do tipo, uma vez que o professor têm a atribuição e o poder de interferir diretamente no desempenho acadêmico do discente, situação gera no estudante o receio de reprovação.

Ponto relevante é que a declaração de que o agente é apaixonado pela vítima, não descaracteriza a conduta criminosa, pois nos termos do artigo 26, CP a paixão não exclui a imputabilidade penal. Assim como, relacionamento sexual anterior, não exclui a imputabilidade, pois toda pessoa tem o direito de escolha e interromper as relações quando desejarem é um ato unilateral. Porém se a relação amorosa for estável e duradora estaremos diante de fato atípico, pois é incompatível com o dolo (elemento subjetivo do tipo).

O núcleo do tipo penal é Constranger, que diz respeito a importunar, envergonhar, molestar, ou seja, uma conduta inoportuna de cunho libidinoso, com a finalidade de obter vantagem ou favorecimento sexual para si ou para terceiros, prevalecendo de sua posição hierárquica ou de ascendência de acordo com o tipo legal. Caso haja um contexto, com a presença de ameaça ou violência, desloca a conduta para o crime de estupro, pelo menos na forma tentada. O crime de assédio sexual (art. 216-A, CP) não admite a violência real. O tipo penal ainda é formado pela elementar objetiva alguém, pelas elementares normativas prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, e pelo elemento subjetivo do tipo, ou seja, o especial fim de agir, com intuito de obter vantagem ou favorecimento pessoal. Como podemos verificar a tipicidade consta expressamente descrita no tipo penal.

Em relação ao nexo de causalidade, a conduta do agente cria um risco juridicamente reprovado que afeta o bem jurídico tutelado, pois se trata de um ato que se encontra dentro do alcance do tipo, uma vez que é ofensivo a liberdade sexual da vítima.

Para consumação do crime não é necessária a prática de qualquer ato libidinoso, basta que contenha a os elementos descritivos no tipo penal. A prova técnica é obtida através das declarações da vítima, testemunhas do fato, confissão do acusado em Juízo e exame de corpo delito. Não é suficiente que a vítima narre os fatos e as circunstâncias, é preciso que as alegações estejam alicerçadas em indícios ou provas da efetiva ocorrência dos fatos. O dolo do agente para ser relevante para o direito penal, precisa ter conotação sexual, fora desse contexto não tem aptidão para se moldar ao tipo previsto no art. 216-A, CP.

O uso de gravação de áudio, interceptação telefônica, vídeos e etc., é preciso o atendimento aos requisitos materiais e formais para sua obtenção, assim como, a correta preservação da cadeia de custódia das provas, sob pena, em caso de inobservância de invalidar todo o procedimento.

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Caso a vitima alegue traumas psiquiátricos, se faz necessária a apresentação de laudos psiquiátricos atestando a lesão, pois em nosso entendimento, dentro desse contexto, houve a ocorrência do crime autônomo de lesão (art. 129, CP), e ao agente criminoso pode ser imputado o delito de lesão corporal em concurso formal com o delito de assédio sexual. Porém atenção, neste caso, o agente tem o dolo dirigido a esta finalidade.

O delito de assédio sexual (art. 216-A, CP) contém elementos de outras condutas delitivas, como por exemplo: Os crimes de ameaça (Art. 147, CP); Perseguição (Arts. 147-A e 147-B, CP); Injúria (Art.140, CP); Constrangimento Ilegal (Art. 146, CP); Injúria (Art.140, CP), e Extorsão (Art.158, CP) . Nesses casos, conforme bem nos ensina Renato Marcão, não se fala em concurso, mas de absorção dessas condutas pelo tipo legal do assédio, sempre que o dolo do agente direcionar o fato para o enquadramento no tipo legal do art. 216-A do Código Penal .

Por fim, a tentativa é admissível, pois o iter criminis pode ser fracionado e por estarmos diante de crime plurissubsistente (crime praticado por diversos atos).


Bibliografia

Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Especial 4 13ª edição São Paulo , Saraiva Educação, 2019.

Masson, Cléber. Direito Penal Parte Especial Volume 3 10ª Edição. Forense. 2020.

Marcão, Renato. Crimes contra a dignidade sexual 3ª edição São Paulo Saraiva 2018.

SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Estupro bilateral: um exemplo de limite. Boletim IBCCRIM, n. 202, set. 2009.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris.

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Sobre o autor
Silvio Teixeira de Souza Júnior

Direito - Universidade Cândido Mendes Direito - FND Pos graduado em prática penal avançada - Damasio de Jesus/ IBMEC Pos graduado em direito penal - Damásio de Jesus/ IBMEC Membro Grupo de Estudos Avançados Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) Baixada Fluminense. Membro IBCCRIM, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e M133. Especialização em Essentials of Corporate Finance, pela University of Melbourne, Mestrado em Administração de Negócios em Controladoria e Finanças pela UNIGRANRIO. Academia Militar das Agulhas Negras. Children's Human Rights. Université de Genève, UNIGE, Suiça.

Informações sobre o texto

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