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Inteligência Artificial, Direito e a superação do homem pela máquina.

Devemos limites legais à Inteligência Artificial?

Inteligência Artificial, Direito e a superação do homem pela máquina. Devemos limites legais à Inteligência Artificial?

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O amadurecimento de novos tecnologias amplia o debate sobre sandbox regulatórios em algumas áreas e esse é o caso da inteligência artificial.

No fim de 2014, Nick Bostrom, Professor de FilosofIa da Universidade de Oxford, publicou a sua intrigante obra, Superinteligência, Caminhos, Perigos e Estratégias para Um Novo Mundo uma obra que alimentou um crescente debate público sobre os limites legais, técnicos e éticos da superinteligência, a superação do homem pela máquina.

Logo muitas conferências ocorreram amplificando esse debate que em 2015 ganhou a grande mídia, com muitas declarações que exaltavam as oportunidades da Inteligência Artificial, mas principalmente seus riscos.

Como muitos dos avanços das ciências, opiniões apressadas correm o risco de darem um tiro na água, cometendo erros grotescos, mesmo de mentes privilegiadas, a grande diferença da ciência quando erra é que ela corrige, ao contrário da ignorância que quase sempre insiste, pune a diferença ou faz esquecer o que disse, algo impossível em dias onde tudo é registrado.

No momento em que esse debate ganha a grande mídia, opiniões de cientistas ganham amplitude e o debate se enriquece, ainda que traga com ele posições extremadas, afinal são os extremistas e alarmistas que geram audiência para muitos meios de comunicação, seja nos veículos tradicionais ou nos meios digitais catalisados pelas redes sociais pouco criteriosas.

É no debate sem amarras ou censuras, que se pode prever riscos, regulações mínimas, bem como definir um uso benéfico para Inteligência Artificial, estabelecer pontos de consensos e construir planos para o avançar.

A história é recheada de opiniões de peso, que ditas de forma apressada propalaram enorme equívocos, Max Tegmark, no seu livro Vida 3.0: O ser humano na era da inteligência artificial, lembra que Ernest Rutherford, indiscutivelmente o maior físico nuclear de sua época, disse em 1933, menos de 24 horas antes da invenção da reação nuclear em cadeia por Leo Szilard, que a energia nuclear era tolice e, em 1956, o astrônomo real Richard Woolley chamou as conversas sobre viagens espaciais de perda de tempo, isso pra ficarmos em dois exemplos.

Logo o debate, não deve encontrar limites, além da ética e da defesa da vida e dos valores humanos, visto que a superioridade da inteligência artificial vem comprovadamente apresentando novos parâmetros na medida que já se provou ser fisicamente possível, na medida em que os físicos sabem que um cérebro consiste em quarks e elétrons organizados para agir como um computador poderoso, e que não existe lei da física que nos impeça de construir blobs de quarks ainda mais inteligentes.

Quando destacamos os riscos implícitos no avançar da Inteligência Artificial, não queremos com isso impedir o seu avanço, mas promover uma discussão que prime por um avançar ético e de oportunidades amplas e transversais, evitando a concentração ainda maior do domínio tecnológico por poucos, na edificação de um mundo ainda mais injusto.

Opiniões como as de Stuart Russel, que destacam os riscos e a necessidade de termos limites, são bastante comuns, e muitos grupos ao redor do mundo estão buscando o tipo de pesquisa sobre segurança da IA que ele defende. Mas é importante destacar que por vezes muito barulho não traz compreensão, mas sim uma divisão extremada de opiniões onde a maioria se comporta como torcedores em estádios de futebol, onde a paixão toma o lugar da razão na defesa extremada das convicções, ainda que se prove o contrário.

Antes as conversas sobre riscos da IA eram muitas vezes incompreendidas pelos principais pesquisadores da área e descartadas como comentários luditas destinados a impedir o progresso da IA. As nossas preocupações nesse avançar sem limites legais e éticos, são semelhantes às de Stuart, e lembro que já foram articuladas pela primeira vez há mais de meio século, pelo pioneiro da computação Alan Turing e pelo matemático Irving J. Good, que trabalhou com Turing para decifrar códigos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

O avançar de novas tecnologias é fundamental, mas deve vir acompanhado de uma considerável acuidade, não pela pressa midiática de estabelecer a nova manchete que lidera a audiência, algo muito comum nas redes sociais de apaixonados, onde as opiniões e preocupações na busca pela audiência soterram discussões que precisam ser profundas, quantos já não leram que: "Stephen Hawking adverte que a ascensão de robôs pode ser desastrosa para a humanidade, ou dos riscos da Inteligência Artificial alertados por Elon Musk? São seculares as preocupações dessa superação do homem pela máquina, e já foram retratadas tanto em revistas em quadrinho como em belas películas da sétima arte, onde robôs de aparência quase sempre maligna carregam armas, adquirindo consciência e se tornando assassinos de humanos?

A inteligência artificial ganhou nos últimos anos uma dimensão, nunca imaginada, e logo nos programas de televisão, nas lives, nos jornais e revistas a palavra inteligência artificial ocupa todos os espaços, seja nas mídias sociais ou nas mídias tradicionais, o curioso é que apesar da dimensão que ela tomou no último ano, já éramos atingidos por ela em muitas das nossas rotinas, pois ela nos circunda no mundo atual, ainda que nem sempre seja visível ou percebida como tal, afinal, o seu desenvolvimento levou a sistemas que por muitas vezes se apartam do imaginário coletivo.

Como sabemos a pesquisa de inteligência artificial fez um progresso enorme em apenas algumas décadas e é justamente por conta dessa rapidez que o campo adquiriu uma reputação desafiadora e muitas vezes sombria. Por mais que seja necessária, constatamos que sempre que um projeto de pesquisa de inteligência artificial torna-se útil e popular uma nova descoberta é feita, esse produto acaba desenvolvendo-se de uma forma tão veloz, que não percebemos que ele só se tornou possível graças a inteligência artificial embarcada nele, logo, é o produto que ganha destaque e não a inteligência artificial, como no caso dos assistentes pessoais.

A Inteligência Artificial chegou ao seu atual status graças ao desenvolvimento de diversas especialidades que permitiram o atual grau de maturidade e estamos apenas no início. Robótica, Reconhecimento de Padrão, Sistemas Especializados, Provas de Teoremas Automáticas, Psicologia Cognitiva, Processamento de Palavras, Visão de Máquina, Engenharia de Conhecimento, o Simbólico Aplicado à Matemática e é claro a Linguística Computacional, foi o evoluir dessas áreas que levou a Inteligência Artificial ao atual patamar.

Conceitualmente a doutrina, e aqui juntamos a opinião de Allen Newell, entende que para um sistema seja considerado inteligente, são necessários alguns requisitos: 1) Operar em tempo real; 2) Explorar vasta quantidade de conhecimento; 3) Tolerar ações desconhecidas e inesperadas; 4) Usar símbolos e abstrações; 5) Comunicar-se usando alguma forma de linguagem natural; 6) Aprender com o ambiente e 7) Exibe comportamento adaptável focado em uma meta.

Quando falamos da inteligência humana, quase sempre relacionamos ela a capacidade dar soluções de forma rápida aos problemas e essa medida de referência foi se consolidando ao longo dos anos, ao ponto de considerarmos como mais inteligente quem resolve um problema em questão de minutos do que aquele que o resolve em semanas, meses. Logo, no entender de Kurzweil, sendo um processo intrinsecamente não inteligente, a evolução gerou seres humanos, que são considerados inteligentes. Portanto, repita-se, um processo não inteligente, ou ainda, mesmo inteligente, pode gerar um produto inteligente ou, mesmo, mais inteligente do que ele, o que abre as portas para a possibilidade de criar-se computadores mais inteligentes que os Homens.

É muito fácil de entendermos todo o entusiasmo com a Inteligência Artificial, ao ponto de Mark Zuckerberg, o CEO e Fundador do Facebook que acredita que em breve a IA terá supremacia sobre os humanos em todos os sentidos (visão, audição, linguagem e cognição geral). Considerando a permeabilidade da IA em todos os negócios, por decorrência todas as grandes plataformas digitais incorporaram nos últimos anos diversos negócios dedicados a I.A, sendo ela requisito para a estratégia de todas as big techs.

Caminhamos a passos largos para construção da chamada Superinteligência com a união e comunicação por 5G dessas inteligências, agregando inteligências menores, algo que veremos na próxima década e logo estaremos diante de novos dilemas, na construção de um arcabouço legal que regra os limites e usos da inteligência artificial.

A inteligência deve avançar nos bancos de genomas atrás da imortalidade, biológica e digital, atrás da singularidade. A singularidade tecnológica será alimentada também pelo desenvolvimento das pesquisas com redes neurais, computação paralela, virtualização de computadores e clusters de computadores e de servidores.

Muitos são os desafios jurídicos para regrar esses avanços, tanto do ponto de vista da Lei Geral de Proteção dos Dados, pois as máquinas aprendem de forma probabilística através da repetição de nossas rotinas, quanto ao fato da transparência sobre quais dados são coletados. Coleta, tratamento e aprendizado são a matéria prima que a inteligência artificial usa.

Logo a questão de quando as máquinas devem superar o homem, sendo uma inteligência superior tem menos relevância do que desenvolver os limites para o seu uso.

Os tecnocéticos e os utopistas digitais concordam que não devemos nos preocupar, mas por razões muito diferentes: os primeiros estão convencidos de que a inteligência artificial geral (IAG) em nível humano não acontecerá num futuro próximo, enquanto os últimos pensam que isso vai acontecer, mas que é praticamente garantido que será uma coisa boa. O movimento da IA benéfica, defendido por Max Tegmark, considera que a preocupação é justificada e útil, porque a pesquisa e a discussão sobre segurança da IA agora aumentam as chances de um bom resultado.

Porém hoje, quais são os atuais limites legais? Quais são os limites, éticos? Quais são seus dados que essas máquinas vão recolher? Quanto você sabe sobre o uso deles? Estamos apenas no início.


Autor

  • Charles M. Machado

    Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

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