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Exigência de contratação de farmacêutico por drogarias é inconstitucional

01/11/2000 às 00:00
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Uma drogaria, multada pelo Conselho Regional de Farmácia por não possuir farmacêutico embargou a execução fiscal, e a sentença desconstituiu a multa.

ESTADO DO MARANHÃO
PODER JUDICIÁRIO
JUÍZO DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA DACOMARCA DE BALSAS

firma individual, ofereceu Embargos a Execução Fiscal em que lhe move o Conselho Regional de Farmácia do Maranhão -CRF/Ma, autarquia federal, argüindo que a norma incerta no artigo 15 da Lei n.º 5.991/73, por estabelecer às Farmácia, é inconstitucional, aduzindo que às drogarias só é permitida a dispensação e o comércio de medicamentos em suas embalagens originais, tornando essa exigência mera superfetação e maneira de expandir mercado de trabalho ‘’manu militar ’’, em detrimento do livre comércio.

Aduz ainda, escudado em julgados de tribunais, que não é atribuição privativa de farmacêutico o desenvolvimento de funções de dispensação e comércio de produtos farmacêutico .

Pede a final seja extinto o processo por se fundarem título ilegal e condenado o embargado em custas processuais e honorários advocatícios, protestando por todo gênero de provas em direito permitida, inclusive o depoimento pessoal do Presidente do Conselho Regional de Farmácia.

Recebidos os embargos e suspenso o processo principal, o embargado impugnou-os sob o argumento de que é uma imposição legal a assistência de técnico responsável e que o ato de dispensação das drogarias é privativo de farmacêutico, nos termos do inciso I, do artigo 1º, do decreto 85.878, de 07 de abril de 1.981.

Transcreve ainda arresto do T R F da 1ª Região, a respeito de exigência de profissional farmacêutico e drogarias que manipulam e/ou revendem medicamentos a respeito da inteligência do artigo 15, Lei 5.991/95, combinado com o artigo 24, Lei nº3.820/60, pedindo a improcedência dos embargos opostos e a condenação da Embargante nas custas processuais e honorários advocatícios.

Relatos em breve síntese,


Decido.

Processo em ordem. Partes legítimas e devidamente representadas. Nada a sanear.

Encerra a causa questão essencialmente de direito, ensejando, dessarte, o seu julgamento antecipado, uma vez que não há necessidade de produção de provas em audiência.

A divida ativa é originária de multa aplicada pelo embargado à Embargante por infringência do artigo 24 da Lei nº 3.820 c/c o artigo 15 da Lei 5.991/73 e artigo 27 do Decreto nº 74.170/74, na modalidade ‘’estabelecimento sem responsável técnico credenciado no Conselho Regional de Farmácia-Ma’’.

A controvérsia é quanto a obrigatoriedade às drogarias de ter assistente técnico responsável, inscrito junto ao Conselho embargado.

A questão não se nos afigura como inconstitucionalidade, mas quanto à impretação das normas que estabelecem essa obrigatoriedade.

A interpretação jurisprudencial é controvertida, havendo julgados pela obrigatoriedade em manter farmacêutico (TRF - 1ª R. AC 94.01.14094-Ma - 4ª T. Tel. Juíza Eliana Calmom - DJU - 27.10.94), que não é privativo de Farmacêutico (STJ-RESP - 37.295-4-SP - 2ª T. Rel. Min. Pádua Ribeiro - DJU 05.12.94) e que não é obrigatório em manter técnico especializado ou farmacêutico (TJ-Pi -AC. 9.940- 1ª C. - Rel. Des. Antônio de Farias Resende).

Para interpretação das normas controvertidas, é preciso descobrir a distinção legal entre farmácia e drogaria. A definição desses estabelecimento está na Lei nº 5.991/73, que dispõe sobre sobre Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos, insumos Farmacêutico e Correlatos, e dá outras providências, artigo 4º, incisos X e XI.

A diferenciação está na manipulação de fórmulas e no atendimento privativo de utilidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica, enquanto atribuição específica de farmácia.

A dispensação, enquanto ato de fornecimentos ao consumidor de drogas, medicamentos, insumos farmacêutico e Correlatos, a título remuneração ou não (art. 4º, Lei 5.991/73), são atividades comuns de farmácia e drogarias e, com restrições, também de supermercado, armazéns, empório, lojas de conveniências, etc., ( § 1º, art. 4º - Lei 5.991/73).

A obrigatoriedade controvertida está inserta no artigo 15, ‘’caput’’, da referida Lei 5.991/73, in verbis:

      "Artigo 15º - A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, assistência de técnico responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da Lei".

A presença do técnico é obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento (§ 1º), podendo manter substituto, para os casos de impedimento ou ausência do titular (§ 2º).

O técnico, a que se refere o "caput" do artigo 15, não é o farmacêutico, mas poderá ser o " prático em farmácia", " oficial de farmácia" ou "outro", igualmente inscrito no Conselho Regional de Farmácia (§3º - art. 15).

A Lei objetiva, com a obrigatoriedade de assistência de técnico responsável, farmacêutico ou não, o respeito ao direito à saúde do cidadão, quando à manipulação de fórmulas magistrais ou oficiais e à dispensação de medicamentos sujeitos a regime especial de controle. Tanto é que, pelo prazo de trinta dias, é permitido o funcionamento de farmácia e drogaria sem assistência técnica responsável, ou seu substituo, período em que não serão aviadas fórmulas magistrais ou oficiais (farmácia) nem vendidos medicamentos sujeitos a regime especial de controle (farmácia e drogaria), segundo o artigo 17.

A infração caracterizar-se-à se constatada a ausência de responsável técnico (farmacêutico ou não) e a comercialização de drogas sujeitas a regime especial de controle. Mas, o CONSELHO REGIONAL EMBARGADO, LIMITOU-SE A AUTUAR COMO INFRAÇÃO O ESTABELECIMENTO QUE NÃO TIVESSE UM FARMACÊUTICO, enquanto responsável TÉCNICO, DURANTE TODO O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO, insistindo em desconhecer a Realidade Regional de insuficiência e ausência de farmacêutico em vários município maranhense e de pequenas drogarias de remunerá-los no piso salarial da categoria, além de interpretar a norma apenas de forma literal e não sistemática, dissociando-a do contexto social.

Nada impediria que o próprio proprietário da drogaria fosse o responsável técnico do estabelecimento, enquanto ‘’prático em farmácia’’ ou na categoria ‘’outro’’ (art. 15 - § 3º - Lei 5.99l/73).

Porém, somente a falta de assistente técnico, farmacêutico ou não, por si só, ainda assim, no caso de drogarias, não caracterizaria a infração, sem a constatação de que o estabelecimento também comercializasse medicamentos sujeitos a controle especial.

É, em nosso entendimento, a vontade da Lei, em uma interpretação lógica, sistemática e teológica , além de uma interpretação constitucionalistica, compatibilizando com as normas constitucionais do ‘’direito à saúde’’ e da ‘’ livre iniciativa’’.

A 1ª Câmara Especializada Cível do TJ/Pi, apreciando Apelação 9.940, do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos - decidiu que:

"As drogarias, por não terem laboratórios para manipularem medicamentos e apenas comercializá-los, não ficam obrigados a contratarem farmacêuticos para terem direito a funcionar".

Em seu voto, o relator Des. Antônio de Freitas Resende, enfatiza que a saúde pública ainda assim continua fiscalizando a s drogarias, através da Divisão de Vigilância Sanitária, apenas não ficando com a obrigatoriedade de contratar um farmacêutico, ‘’porque essa participação é ociosa, pois nas drogarias os medicamentos não são manipulados e, além do mais, não existe farmacêutico suficientes para responsabilizarem-se pela quantidade de drogarias existentes e desta maneira a Lei não é cumprida’’.

O Juiz Federal Substituto, Derivaldo de Figueiredo Bezerra Filho, no exercício da titularidade da 3ª Vara (Pi), apreciando Mandado de Segurança (processo nº 94.7055-1) impetrado pelo Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado do Piauí contra o Presidente do Conselho Regional de Farmácia daquele estado, julgou parcialmente procedente o pedido para desconstituir, em razão de nulidade, os autos de infração e conseqüentes multas aplicadas pelo impetrado às drogarias associadas do impetrante, declarando, ainda, o direito das referidas associadas de funcionarem sem a assistência de técnico responsável (farmacêutico), no caso de não comercializarem remédios sujeitos a controle especial.

Eis, em parte, o fundamento da sentença:

"Ora, então não se pode querer a contratação indiscriminada do técnico responsável para drogarias, mas só naqueles casos em que a Drogaria efetivamente negocie remédios cuja venda careça de controle por alguém que esteja habilitado a ser responsabilizado profissional.

Também cair no extremo de desconhecer a necessidade de um controle por parte de profissional qualificado, de remédios em cuja composição constem substâncias que causam dependência, seria da mesma forma negligência no cuidado à saúde pública.

Entendo ser esta a melhor solução levando-se em conta o espirito da lei, e a sua aplicação tomando-se como vetor sua finalidade social (ar. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil). Cabe aplicação de penalidade pelo Conselho somente quando constatada que a Drogaria fiscalizada efetivamente venda remédios sujeitos a controle especial e não disponha da assistência do técnico responsável, este sendo o graduado em farmácia, de regra, ou aqueles que a lei possibilita na hipótese prevista pelo artigo 15 , § 3º, do citado Diploma legal".

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O Doutor Celso Basto aborda o tema em parecer à consulta tendente a esclarecer dúvidas surgidas acerca da viabilidade dos oficiais de farmácia assumirem a responsabilidade técnica por drogaria, publicada em seus ‘’Estudos e Pareceres’’, Revista dos Tribunais, 1993. Em resposta aos quesitos formulados, afirma que a comercialização de produtos farmacêuticos acabados não é ato privativo do farmacêutico e que o fato de as drogarias comercializarem psicotrópicos, produtos sujeitos a controle especial não impossibilita os oficiais de farmácias de assumirem a responsabilidade técnica naqueles estabelecimentos.

Parece-se que o espirito da Lei e sua finalidade social só exige a obrigatoriedade de farmacêutico se o estabelecimento aviar fórmulas magistrais ou oficiais ou de qualquer técnico se comercializar medicamentos sujeitos a regime especial de controle, sendo dispensável essa assistência nos casos de Drogarias em que a dispensação e comercialização de medicamentos exclua estes de controle especial.

Ninguém melhor que o Juiz para conhecer a realidade sócio-econômica e sócio-cultural da sua jurisdição, avaliando com isenção de ânimo o caso em questão.

É do nosso conhecimento que no interior do Estado as Farmácias e Drogarias não passa de razão social fictícia, ocasião em os proprietários resolvem homenagear a si ou um ente querido, pois, no fundo esses estabelecimentos são mero postos de revenda de medicamentos em suas embalagens originais. A própria Lei isentou de fiscalização por parte do Conselho Regional de farmácia os postos de revenda de medicamentos.

Por outro lado, a imposição do técnico inscrito no Conselho Regional de Farmácia é uma formalidade amparada por Lei para extorquir dinheiro dos comerciantes, uma vez que o Conselho regional de Farmácia não coloca em prática o seu Poder de Policia, quer tão somente ser beneficiado com os pagamentos das multas, visto quer a própria entidade credencia no dia a dia o funcionamento de ‘’Drogarias e Farmácias’ , nome dado aos postos de revenda, bem como aplica a regra ‘’ pagou multa - pode funcionar.’’

Ademais, em nosso Estado não existe Profissionais Farmacêuticos suficientes para atender a demanda, e, os poucos existentes não querem trabalharem no interior, preferem fazer carreira na Capital do Estado.

Ante ao exposto, acolho os embargos, desconstituo o título executivo e julgo extinto a execução fiscal, declarando insubsistentes a penhora.

Condeno o Conselho embargado nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20 % (vinte por cento) do valor da causa.

Custa ex vi leges.

P. R. I. e cumpra-se

Balsas, 16 de agosto de 2.000.

Sebastião Joaquim Lima Bonfim
Juiz de Direito

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Exigência de contratação de farmacêutico por drogarias é inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16376. Acesso em: 19 abr. 2024.

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