COVID-19 - MS - SUSPENSÃO OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA - ORDEM ECONÔMICA ALTERADA

DIREITO DO CONTRIBUINTE Á SUSPENDER OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS - SUSPENSÃO DE LIMINAR - FIGURA AUTORITÁRIA E BASTARDA NO NOSSO DIREITO

14/05/2020 às 18:56
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A PANDEMIA DO COVID-19 CAUSOU GRAVE ABALO ECONÔMICO GLOBAL E EM SP, DEVIDO Á QUARENTENA E IMPOSIÇÃO DA CESSAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA, JUSTIFICATIVA PARA O ADIAMENTO DE OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS. SUSPENSÃO DE LIMINAR: FIGURA BASTARDA QUE NEGA O ESTADO DE D

 

MANDADO DE SEGURANÇA

AGRAVO DE INSTRUMENTO:         2071863-84.2020.8.26.0000

AGRAVANTE:                               

AGRAVADO:                                 ESTADO DE SÃO PAULO

DECISÃO MONOCRÁTICA 33137

 

MANDADO DE SEGURANÇA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS – ICMS – COVID19 – MONOCRÁTICA.

Impetrado o mandado de segurança com objetivo de suspender temporariamente as obrigações tributárias apontadas na petição inicial, em razão de critérios de urgência e relevância decorrentes da força maior decorrente da pandemia do COVID19, a revogação de liminar concessiva pelo E. STF até o trânsito em julgado implica no esvaziamento do objeto recursal e, quiçá, do próprio direito subjetivo da parte, fulminando o recurso com a inutilidade processual. Recurso prejudicado. Art. 932, III do CPC.

 

Vistos.

Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto por INGRAX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE GRAXAS S/A. contra decisão que, em mandado de segurança, indeferiu a liminar pleiteada, que objetivava a  “prorrogação dos vencimentos de todos os tributos estaduais, especialmente o ICMS, por 180 (cento e oitenta) dias, a contar do retorno de todas as operações da empresa, incluindo-se o ICMS por substituição tributária progressiva, os débitos de ICMS do Simples Nacional e as parcelas de parcelamentos de tributos estaduais, determinando-se à autoridade impetrada que tome todas as providências necessárias, de que ordem for, para assegurar esse direito, em todo o Estado, a sua suspensão”.

Alega, preliminarmente, ausência de fundamentação suficiente, sem trazer quaisquer argumentos jurídicos efetivos, sem trazer qualquer julgado que ampare sua decisão. No mérito, alega que não há provas de que tal interrupção de recolhimento de tributos, neste processo, possa gerar prejuízos à sociedade e/ou Estado, mormente considerando que a Câmara dos Deputados aprovou socorro financeiro aos Estados e Municípios para compensar a perda na arrecadação do ICMS e ISS e entendimento já emanado do STF. Aduz que não tem como se financiar para pagar suas contas e deve escolher entre pagar a folha salarial ou recolher tributos, sendo nítida a ausência de capacidade contributiva subjetiva dos contribuintes em períodos de calamidade pública, já decretada, devendo ser respeitado o mínimo existencial, além de outros direitos e garantias constitucionais, tais como o pleno emprego, função social da empresa, direito à propriedade e a livre iniciativa.  Sustenta a ausência de violação à separação dos Poderes, ante a possibilidade de moratória que se requer seja reconhecida, prevista no Convênio ICMS 169/2017. Cita decisões a favor. Discorre sobre a aplicação da teoria da imprevisão, caso fortuito e teoria do fato do príncipe na seara tributária, além do respeito ao princípio da razoabilidade.

Requer, em tais termos, a antecipação da tutela recursal e, ao final, o provimento do recurso. Recurso tempestivo e preparado.

Peticionou o agravado às fls. 318/341, pela manutenção da decisão agravada, ressaltando que não cabe ao juízo substituir a função do Poder Legislativo, sob pena de violação do Princípio da Separação dos Poderes, além de inadequação da via eleita.

O Estado de São Paulo alega que a pretensa suspensão de exigibilidade de tributos durante o período de pandemia acarretaria redução ainda maior de receitas necessárias ao combate dos efeitos da pandemia de COVID-19 e que decisões tendentes ao afastamento das obrigações fiscais carregam consigo grande potencial lesivo à economia pública, com consequências nefastas à manutenção do serviço de saúde e de todos os ramos de atuação estatal. Ressalta que, especificamente em relação ao ICMS, seu fato gerador principal são as operações de circulação de mercadorias, sendo a base de cálculo do imposto o valor da operação, de maneira que, em relação aos contribuintes que atuem em setores da economia afetados pelo coronavírus, a redução do volume de suas operações corresponderá, por si só, a uma redução do valor do ICMS devido, ou seja, a própria redução das atividades das empresas contribuintes é automaticamente compensada pela redução do ICMS. Sustenta a conveniência e oportunidade na instituição de moratória, além de o Convênio n. 169/17 do CONFAZ, citado pelo impetrante, deter natureza meramente autorizativa, não normativa, não se prestando a instituir efetivamente a moratória. Cita decisões, destacando a proferida pela Presidência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Discorre acerca da Inadequação da aplicação do fato do príncipe em âmbito tributário e na situação de pandemia declarada pela OMS, bem como ser descabida analogia ao decidido na ACO nº 3.363 (STF), que suspendeu por seis meses as obrigações financeiras para com a União, uma vez que não teve reduzidas suas despesas públicas, tendo obtido apenas a permissão para realocá-las, de forma eficiente e emergencial, em atendimento ao setor que mais reclama atenção no momento, o da saúde.

Pela decisão de fls. 355/369, considerando que a questão posta nos autos não se insere nas causas em que é vedada a concessão de liminar, conforme dispõe o art. 7º, §2º da Lei 12.016/09, pois não se trata de compensação de créditos tributários, bem como ausente o perigo de irreversibilidade da medida por tratar-se de pedido de postergação de tributos, e não de renúncia fiscal, ausente o perigo de irreversibilidade da medida com a antecipação da tutela, e aplicando-se a regra de hermenêutica Ubi eadem ratio ibi idem jus, de forma a conceder o mesmo tratamento dado ao Estado de São Paulo na ACO 3363, pelo STF (Rel. Min. Alexandre de Moraes), no sentido de suspender por 180 dias o pagamento da dívida de SP com a União, ao contribuinte, foi DEFERIDA A LIMINAR PLEITEADA.

Vieram os autos conclusos em razão do ofício de fls. 374/377, por determinação do C. STF, comunicando o deferimento da extensão de decisão concessiva de suspensão de segurança, concedida no agravo de instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, para suspender os efeitos da decisão proferida neste agravo, até o trânsito em julgado.

 

Relatado, decido.

 

No quadro mundial da pandemia do COVID-19, o Chefe do Executivo Nacional, Presidente da República, está tomando as iniciativas constitucionais para o enfrentamento da emergência da saúde pública, aprovando a Lei 13979/2020 e seu regulamento Decreto 10282/2020, implantando excepcional e transitórias medidas de isolamento e quarentena de pessoas, restrição de atividades não essenciais, limitações emergenciais de direitos e garantias individuais, inclusive  da liberdade de comércio e de exercício de trabalho, profissão, entendendo que o momento é de prevalência do bem maior constitucional que é a vida e a saúde das pessoas, como se infere da ordem constitucional e do “caput” do art. 5º da Constituição da República.

A despeito dos 5.570 municípios brasileiros e mais o DF, além dos 26 Estados, estabelecerem decretos disciplinadores de medidas que entendem cabíveis para o enfretamento da pandemia, sendo certo que alguns estão buscando o protagonismo político eleitoreiro e supostamente violando direitos e garantias fundamentais, a Carta Constitucional reserva à União “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas” (art. 21, XVIII da CF) bem como legislar sobre o direito civil, do trabalho, trânsito e transporte, defesa civil e mobilização nacional, sem embargo de fixar a solidariedade executiva no zelo e proteção da saúde.

Nesse contexto, o STF em 15.04.2020, apreciando pedido de liminar na ADI 6341, decidiu pela aparente constitucionalidade da inédita Medida Provisória 926/2020, do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, destinada à implementação de medidas corajosas, algumas amargas, mas necessárias, de enfrentamento da emergência de saúde pública (restrição de entrada e saída no País; locomoção interestadual e intermunicipal; dispensa de licitação para atender situação de emergência), ressalvando atribuições dos governos locais (Estados e Municípios):

 

Decisão: O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que, preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais, vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente), e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do art. 3º, os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Redigirá o acórdão o Ministro Edson Fachin. Falaram: pelo requerente, o Dr. Lucas de Castro Rivas; pelo amicus curiae Federação Brasileira de Telecomunicações - FEBRATEL, o Dr. Felipe Monnerat Solon de Pontes Rodrigues; pelo interessado, o Ministro André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. André Luiz de Almeida Mendonça, Advogado-Geral da União; e, pela Procuradoria-Geral da República, o Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras, Procurador-Geral da República. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Plenário, 15.04.2020. – grifo nosso

 

A ressalva do STF (“preservada cada esfera de governo”) não deixa de ter uma certa inflexão genérica de aparente constitucionalidade dos decretos estaduais e 64.864, de 16/03/2020 e 64.881 de 22.03.2019.

Pois bem.

O Decreto nº 64.881, de 22 de março DE 2020 decretou quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia do COVID-19, consistente em restrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagação do coronavírus (art. 1º)

E conquanto a Deliberação 2, de 23-3-2020, do Comitê Administrativo Extraordinário Covid-19, de que trata o art. 3° do Decreto 64.864/2020, esclareça que estabelecimentos industriais não estão abrangidos pela medida de quarentena, inegável a redução da atividade econômica da empresa requerente e do consequente comprometimento das receitas e da disponibilidade financeira de honrar tributos correntes, sem prejuízo da manutenção das atividades empresarias e dos empregos, em razão do excepcional atual momento imprevisível de contração da renda e da atividade econômica global.

Ademais, com a restrição imposta pela própria quarentena optada pelo Estado, além de não possibilitar a empresa exercer normalmente suas atividades, acarreta redução do consumo das famílias e dos indivíduos dado o confinamento a que estes estarão submetidos, o que, consequentemente impacta em seu capital de giro, resultando em dificuldade financeira de liquidez.

Quanto ao aspecto de prejuízo econômico, vale a pena colacionar a sempre perpicaz análise trazida pelo economista Celso Ming, no jornal O Estado de São Paulo (https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,um-microbio-e-a-luta-dos-gigantes,70003272433. Acesso em 16.04.2020):

 

“Um micróbio e a luta dos gigantes”

 Esses tempos de coronavírus lembram aquela velha história infantil que fala de uma luta feroz entre dois gigantes. Um depois do outro recorria a truques que o tornava mais terrível do que o adversário. Já se tinham virado monstros impressionantes, quando um deles usou seus poderes para se transformar em micróbio, invisível aos olhos do outro. Foi assim, como o mais insignificante dos seres, que obteve vitória no combate.

Analistas internacionais sugerem que o atual equilíbrio entre grandes potências sofrerá transformações como consequência da ação do flagelo. Na sua edição desta quarta-feira, o Financial Times, de Londres, sugere que o alastramento do coronavírus e a maneira como os grandes países estão lidando com a crise estão ameaçando a atual supremacia dos Estados Unidos. A China, onde tudo começou, tem tudo para sair do desastre em situação melhor do que a dos concorrentes diretos.

O relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre o impacto da crise na economia mundial, divulgado nesta terça-feira, não poderia ter sido mais lúgubre. Seu diagnóstico é o de que este é o maior episódio de contração da renda e da atividade econômica global desde a Grande Depressão, dos anos 1930. Para os economistas do FMI, normalmente tão cautelosos, neste ano, a economia mundial ficará 3,0% mais pobre e os Estados Unidos encolherão 5,9%, mas a China crescerá 1,2% em 2020 e 9,2% em 2021.

Enquanto isso, o Brasil perderá 5,3% de renda em 2020. Nenhum analista em atuação no País previu tal desabamento por aqui. Os cem consultores do Boletim Focus, do Banco Central, haviam sugerido na semana passada queda do PIB, em 2020, de 1,96%. Poderá não ser isso tudo e a recuperação pode ser mais rápida do que apenas os 2,70% em 2021 previstos no Focus. Mas também pode ser pior, infelizmente. Nada é tão ruim que não possa piorar, diz provérbio universal.

E se acontecer o contrário? Parece improvável. O contra-ataque à pandemia vem sendo realizado no Brasil com impressionante desorganização, que extrapola a falta de liderança e o racha na principal política pública conduzida pelo governo. Até mesmo as estatísticas envolvem incertezas, pela falta de testes que assegurem o número correto de letalidade.

Na área da economia, é prematura no País qualquer avaliação sobre aumento do rombo das contas públicas, desemprego, quebra de empresas, inadimplência. O que se pode dizer é que os setores de serviços e a indústria serão as principais vítimas. Apesar das perdas em alguns segmentos (cana-de-açúcar e produção de flores), será a agricultura o setor que melhor se sairá desse tsunami, porque continuará tendo amplo mercado consumidor para seus produtos, tanto aqui como no exterior, e ainda pode se beneficiar com a desvalorização do real, que aumentará o faturamento com exportações.

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Até mesmo o início da recuperação terá de ser administrado. Será um erro enorme se o retorno do isolamento ocorrer antes que a pandemia dê sinais claros de reversão. Não há conhecimento suficiente do vírus para ignorar a possibilidade de seu retorno em ondas, como aconteceu no passado em outras pestilências, e com tantas derrotas de gigantes.”

Não há dúvida que o Grande Confinamento (Great Lockdown) é o maior desafio econômico desde a Grande Depressão de 1929, sendo que o Ministro da Economia brasileiro previu queda de 4% no PIB nacional se a crise se estender até julho de 2020.

Importante acrescentar que na AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA - ACO 3363, PROCESSO ELETRÔNICO PÚBLICO,  NÚMERO ÚNICO: 0088641-74.2020.1.00.0000, que foi ajuizada pelo Estado de São Paulo em face da União no mesmo dia 22.03.2020 (mesmo dia do Decreto do Governador João Agripino 64.881, publicado no DOE de 23.03.2020), foi dada liminar pelo STF (Rel. Min. Alexandre de Moraes), no sentido de suspender por 180 dias o pagamento da dívida de SP com a União, para que esses recursos sejam aplicados integralmente nas ações de combate à pandemia do COVID-19.

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu também por 180 dias o pagamento das parcelas da dívida com a União de mais dois estados - Maranhão (MA) e Paraná (PR). Segundo as medidas liminares deferidas nas Ações Cíveis Originárias (ACO) 3366 (MA) e 3367 (PR), esses valores devem ser aplicados exclusivamente em ações de prevenção, contenção, combate e mitigação à pandemia causada pelo novo coronavírus. O ministro já havia deferido medida semelhante em relação à Bahia e a São Paulo.

De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, a alegação do Estado de que está impossibilitado de cumprir a obrigação com a União em virtude do atual momento “extraordinário e imprevisível” relacionado à pandemia da Covid-19 é absolutamente plausível.

Essas mesmas razões justificam a concessão da liminar pleiteada, de prorrogação dos vencimentos de tributos estaduais, especialmente o ICMS, por 180 (cento e oitenta) dias, de forma a conceder o mesmo tratamento ao contribuinte, sob pena de ocorrer tratamento diferenciado, aplicando-se a regra de hermenêutica Ubi eadem ratio ibi idem jus, ou seja, onde houver a mesma razão há de ser aplicado o mesmo direito.

É a lógica básica aristotélica.

O pedido do impetrante, ora recorrente, adequa-se à ciência, em especial, à terceira Lei de Newton, a saber, a toda ação se opõe uma reação. Assim, implementado pelo Estado de São Paulo medidas restritivas ao comércio e à circulação de pessoas, impedindo o livre exercício da atividade comercial e industrial, profissional, evidentemente que se responsabiliza pelos danos decorrentes da sua determinação, ainda que estribada em recomendação da Organização Mundial da Saúde, nos termo do art. 37, §6º da Constituição Federal.

Nesse mesmo sentido é que deve ser compreendida a norma do artigo 486 da CLT, que dispõe sobre a responsabilidade do Poder Público pelos seus atos que paralisem ou afetem a atividade empresarial:

Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.                     (Redação dada pela Lei nº 1.530, de 26.12.1951)

 

O Estado existe em função das pessoas e não o contrário. Se não se admitir à empresa e ao cidadão, sob o jugo do Estado, que lhe priva de renda e de sua atividade, o mesmo tratamento que o próprio Estado postulou e obteve (adiamento do cumprimento das suas dívidas), seria admitir que o Estado fez apenas um “pacote de maldades”, assumindo um papel de exercício absolutista e irresponsável de poder.

Não como se negar um benefício a recorrente da mesma natureza daquele que o próprio agravado correu para obter junto ao STF, logo no início da quarentena que decretou. Tal benefício permitirá à empresa adiar ou minorar demissões e manter o emprego de seus funcionários, evitando sua falência e, talvez, de lançar mão da Lei de Recuperação Judicial ( Lei 11.101/2005), cumprindo sua função social e, superada a crise, voltar a produzir riqueza e pagar os seus impostos.

Nesse mesmo sentido, merece menção a eloquência e jurídicas razões da excelente decisão liminar concedida em MANDADO DE SEGURANÇA de objeto análogo de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, na forma de prorrogação dos vencimentos de tributos, proferida pela 2ª VARA FEDERAL DE BARUERI (MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5001503-46.2020.4.03.6144 /2ª Vara Federal de Barueri). Confira-se, a propósito, o teor da decisão, destacando-se nela fragmentos da fundamentação utilizada, os quais ficam adotados como razão de decidir:

[...]

O adiamento do prazo para recolhimento de tributos vem sendo aplicado por alguns dos países economicamente afetados pela pandemia de COVID-19, como Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Suécia e Suíça, mostrando-se como mecanismo para amenizar temporariamente a crise vivenciada mais severamente por alguns setores, sendo, entretanto, considerada uma medida imediatista.  Na mesma linha, no Brasil, encontra-se em trâmite o Projeto de Lei n. 829/2020, que visa a suspensão dos prazos para pagamentos dos tributos federais que especifica, durante a pandemia do Coronavírus (COVID-19).  O projeto assim prevê em seu art. 1º:

Art. 1º.  Ficam suspensos os prazos de pagamentos listados a seguir até oencerramento da pandemia de Coronavírus (COVID-19) no território nacional,conforme reconhecido pelo Ministério da Saúde:

I – o art. 10 da Lei n. 10.637, de 30 de dezembro de 2002, relativamente àContribuição para o PIS/PASEP, no regime de não-cumulatividade;

II – o art. 11 da Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativamente àContribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, no regime denão-cumulatividade;

III – o art. 18 da Medida Provisória n. 2.158-35, de 24 de agosto de 2001,relativamente à Contribuição para o PIS/PASEP e à COFINS, nos regimes decumulatividade;

IV – o inciso I do art. 52 da Lei n. 8.383, de 30 de dezembro de 1991, relativamenteao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI;

V – o art. 30, incisos I e III, o art. 31 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, e o art.4º da Lei n. 10.666, de 8 de maio de 2003, relativamente às contribuições a cargo da empresa provenientes do faturamento, do lucro e da folha de salários e demaisrendimentos do trabalho, destinadas à Seguridade Social.

Parágrafo único.  Finda a suspensão, os tributos referidos neste artigo decorrentes dos fatos geradores ocorridos durante o período de suspensão, deverão ser pagos até ovigésimo quinto dia do mês subsequente ao do dia de encerramento de que trata o caput.

Referido projeto de lei, em sua exposição de motivos, defende que se fazem “necessárias medidas de urgência para socorrer as empresas brasileiras, que passarão a ter crise financeira de liquidez, com consequente impacto nos seus capitais de giro, tendo em vista a redução do consumo das famílias e dos indivíduos dado o confinamento a que estes estarão submetidos”. Justifica que “irá contribuir para manutenção do capital de giro das empresas brasileiras, permitindo a permanência do atual nível de atividade e de investimentos privados e a preservação de empregos e geração de renda”.  Por fim, refere que a proposta legislativa não gera impacto orçamentário e financeiro, por não importar em renúncia fiscal, mas apenas postergação de tributos.  Isso demonstra que o Poder Legislativo reconhece os riscos à economia e à manutenção da renda da população, mobilizando-se para amenizar a iminente crise do setor produtivo.

 

Na esfera do Estado de São Paulo, foi editado o Decreto n. 64.881, de 22.03.2020, publicado no DOE de 23.03.2020, que decretou quarentena no contexto da pandemia de COVID-19, no interstício de 24 de março a 07 de abril de 2020. No seu art. 2º, inciso I, suspendeu o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, especialmente em casas noturnas, shopping centers, galerias e estabelecimentos congêneres, academias e centros de ginástica, ressalvadas as atividades internas; e, no inciso II, o consumo local em bares, restaurantes, padarias e supermercados, sem prejuízo dos serviços de entrega (delivery) e . drive thru.

Impende observar que, ante a necessidade de confinamento, há paralisação dos negócios, situação na qual as empresas necessitam dos recursos de caixa para o seu custeio, pagamento de empregados e de tributosA dilação do prazo para recolhimento dos tributos gera fluxo de caixa, evitando consequências desastrosas para alguns setores da economia, notadamente os mais impactados pela situação extraordinária gerada pela pandemia. No plano infralegal, nada despiciendo ressaltar que ainda está em vigor a Portaria do Ministério da Fazenda n. 12, de 20.01.2012, que prorroga o pagamento de tributos federais, inclusive quando objeto de parcelamento, no caso de reconhecido estado de calamidade pública.

 

[...]

Verifico que o ato normativo acima não se limita a uma situação fática específica e isolada no tempo e espaço, tida como estado de calamidade pública, mas, sim, é aplicável genericamente a toda situação excepcional reconhecida como calamidade pública, tal qual a experimentada pelo Estado de São Paulo, nos termos do Decreto Estadual. Vale dizer que o único requisito para a prorrogação do pagamento consiste na decretação de calamidade pública pelos Estados da Federação.

 

Não se pode olvidar que a Portaria n. 12 de 2012 é tida como norma complementar da legislação tributária, nos moldes do art. 100, I, do Código Tributário Nacional, sendo que a sua observação, por parte docontribuinte, elide a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valormonetário da base de cálculo do tributo, consoante expressamente previsto no parágrafo único do artigo retro. Assim, não pode ser o contribuinte prejudicado pela falta da regulamentação determinada pelo art. 3º da referida portaria, o que já perdura por mais de 08 (oito) anos, violando o princípio da razoabilidade, bem como diante da situação excepcional experimentada pelo país em decorrência da pandemia.

 

[...]

Em termos de jurisprudência, reconhecendo a situação de emergência causada pela pandemia de Coronavírus (COVID-19), o Supremo Tribunal Federal, na ação cível ordinária (ACO) de autos n. 3.363, concedeu medida cautelar ao Estado de São Paulo, para determinar a suspensão, por 180 (cento e oitenta) dias, do pagamento das parcelas relativas ao contrato de consolidação, assunção e refinanciamento da dívida pública firmado entre o requerente e a União, de modo que, integral e obrigatoriamente, aplique os valores respectivos na Secretaria de Saúde para o custeio das ações de prevenção, contenção, combate e mitigação àpandemia de coronavírus (COVID-19), obstando a União de proceder as medidas decorrentes do descumprimento do referido contrato, enquanto vigente a tutela de urgência.

 No mesmo sentido foi prolatada decisão na ACO de autos n. 3.365, promovida pelo Estado da Bahia em faceda União.

 No caso específico dos autos, a parte impetrante comprova que conta com  empregados, conforme1.126cadastro geral de empregados e desempregados (CAGED) de ID 30051808. Necessário pontuar que manutenção de empregos e salários consiste em elemento de sustentação da economia, por preservar o poderde compra do trabalhador, não se podendo descurar que o quadro da impetrante é composto, em sua maioria, por profissionais de baixa renda, nas atividades de limpeza, portaria, copa, jardinagem e recepção, comoreferido na peça exordial.

 [...]

Diante do fato de que a ocorrência de pandemia consiste em força maior, entendo que a parte impetrante, diante de situação excepcional, está abrigada pelo art. 393, do Código Civil, que assim dispõe:

 

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou forçamaior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

 É o caso da empresa impetrante, que não deu causa, nem exerce qualquer atividade correlata ao fato geradorda pandemia.

 O caso fortuito ou de força maior também afasta a incidência do devedor em mora, nos termos art. 396 doCódigo Civil.  Vejamos:

 Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.

 Assim, em análise não exauriente, resta demonstrado o fundamento relevante da alegação (fumus boni juris), que autoriza a dilação do pagamento dos tributos devidos pela parte impetrante em razão do estado decalamidade pública reconhecido em razão da pandemia pelo novo coronavírus (COVID-19).

 Perfaz-se o risco de ineficácia da medida (periculum in mora), caso a parte impetrante tenha de aguardar o trânsito em julgado de eventual decisão de mérito em seu favor neste feito ou a atuação do legislador ou da administração tributária. A obrigação imediata de efetuar os pagamentos de exações, em situação de emergência e de reconhecida calamidade pública por pandemia, associada ao necessário isolamento por imposição de saúde pública, impacta as receitas da contribuinte, comprometendo os contratos de trabalho e a manutenção do pagamento dos salários de seus empregados, bem como dos seus fornecedores de pequeno porte. Ademais, o inadimplemento dos tributos e parcelamentos sujeita a pessoa jurídica impetrante às restrições e ônus da legislação tributária, os quais podem causar severos prejuízos ao exercício de sua atividade, podendo implicar na não-conservação da viabilidade econômica da empresa. Por outro lado, inexiste o periculum in mora inverso, uma vez que a dilação dos pagamentos, no caso dos autos, não é hábil a gerar prejuízos intoleráveis e irrecuperáveis ao ente tributante, que poderá recuperar o seu crédito oportunamente.

A imprevisibilidade do período de manutenção das restrições sanitárias então vigentes, agravada pela falta de consenso político que atualmente permeia a questão, justifica, por precaução, a fixação de prazo razoável dedilação dos pagamentos das exações e a possibilidade de oportuna prorrogação, caso perdurem as razões ventiladas nestes autos.

 Pelo exposto, em cognição sumária da lide, na forma do art. 151, IV, c/c seu parágrafo único, do Código Tributário Nacional,  para declarar suspensa a exigibilidade DEFIRO EM PARTE A MEDIDA LIMINAR e autorizar a dilação do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos da parteimpetrante (INSS, RAT, SESC, SENAC, SENAI, SESI, SEBRAE, Salário-Educação e INCRA) e das prestações dos parcelamentos de tributos federais, com vencimento a contar do mês de março/2020, inclusive, postergando o seu recolhimento para o último dia útil do 3º (terceiro) mês subsequente, sem a incidência de mora, prorrogável a critério deste Juízo, enquanto perdurar a situação excepcional reconhecidanesta decisão e desde que mantido o quadro de funcionários da pessoa jurídica impetrante, ressalvadas eventuais demissões por justa causa.

Imponho à autoridade impetrada a abstenção da prática de atos tendentes à cobrança das contribuições eparcelas acima referidas, sob consequência de multa diária, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

Fica assegurada a possibilidade de expedição de Certidão de Regularidade Fiscal ou Certidão Positiva comEfeitos de Negativa, na forma do art. 206, do Código Tributário Nacional, no tocante às contribuiçõesreferidas nestes autos, enquanto suspensa a exigibilidade do respectivo crédito tributário.

 

        Por fim, a questão posta nos autos não se insere nas causas em que é vedada a concessão de liminar, conforme dispõe o art. 7º, §2º da Lei 12.016/09, pois não se trata de compensação de créditos tributários.

In casu, trata-se de pedido de diferimento de impostos e, considerando que o que se requer é a postergação de tributos, e não a renúncia fiscal, ausente o perigo de irreversibilidade da medida com a antecipação da tutela.

No entanto, assinalo que, preservado o meu entendimento acima exposto, conforme publicado no DJE nº 95, divulgado em 20/04/2020, o Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Suspensão de Segurança nº 5.363 ajuizada pelo Estado de São Paulo, deferiu o pedido para suspender os efeitos da decisão que concedeu liminar nos autos do Agravo de Instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, até o trânsito em julgado do mandado de segurança a que se refere, constando o seguinte:

O pedido de suspensão de liminar não objetiva a reforma ou anulação da decisão impugnada, não sendo, portanto, instrumento idôneo para reapreciação judicial. O requerente deve pretender tão somente suspender a eficácia da decisão contrária ao Poder Público, comprovando, de plano, que o cumprimento imediato da decisão importará grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas.

 

Sob essas considerações, reputo presentes os requisitos de admissibilidade do presente incidente de suspensão de liminar, passando, então, ao exame da pretensão deduzida pelo requerente.

 

A cautelar ora atacada, reformando anterior decisão proferida pelo Juízo de Primeiro Grau, concedeu a liminar postulada pelo autor do mandado de segurança, para impedir o estado de aplicar-lhe sanções tributárias de cunho pecuniário e administrativo, assegurando-lhe, ainda, a possibilidade de incluir débitos em programas de parcelamento de débito fiscal, sem inclusão de juros e multa e suspendeu a exigibilidade de eventuais valores passíveis de exigência, em decorrência de sanções fiscais pecuniárias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Constata-se, assim, sem maiores dificuldades que, de uma penada, foi completamente subvertida a ordem administrativa, no tocante ao regime fiscal vigente no estado de São Paulo, em relação à empresa impetrante, medida essa que pode ser potencialmente estendida a milhares de outras empresas existentes naquele estado. 

Pese embora as razões elencadas pelo ilustre prolator dessa decisão, ao fundamentá-la, tem-se que sua execução poderá acarretar grave lesão à ordem público-administrativa e econômica no âmbito do estado de São Paulo.

 

Não se ignora que a situação de pandemia, ora vivenciada, impôs drásticas alterações na rotina de todos, atingindo a normalidade do funcionamento de muitas empresas e do próprio estado, em suas diversas áreas de atuação.

 

Mas, exatamente em função da gravidade da situação, exige-se a tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, não se podendo privilegiar determinado segmento da atividade econômica em detrimento de outro, ou mesmo do próprio Estado, a quem incumbe, precipuamente, combater os nefastos efeitos decorrentes dessa pandemia.

 

Assim, não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado, neste momento.

Apenas eventuais ilegalidades ou violações à ordem constitucional vigente devem merecer sanção judicial, para a necessária correção de rumos, mas jamais – repita-se – promover-se a mudança das políticas adotadas, por ordem de quem não foi eleito para tanto e não integra o Poder Executivo, responsável pelo planejamento e execução dessas medidas.

 

Não se mostra admissível que uma decisão judicial, por melhor que seja a intenção de seu prolator ao editá-la, venha a substituir o critério de conveniência e oportunidade que rege a edição dos atos da Administração Pública, notadamente em tempos de calamidade como o presente, porque ao Poder Judiciário não é dado dispor sobre os fundamentos técnicos que levam à tomada de uma decisão administrativa.

 

Ademais, a subversão, como aqui se deu, da ordem administrativa vigente no estado de São Paulo, em matéria tributária, não pode ser feita de forma isolada, sem análise de suas consequências para o orçamento estatal, que está sendo chamado a fazer frente a despesas imprevistas e que certamente têm demandado esforço criativo, para a manutenção das despesas correntes básicas do estado.

 

 E nem mesmo a liminar obtida pelo requerente, em ação ajuizada originariamente perante esta Suprema Corte, pode servir de fundamento a justificar a medida cautelar ora em análise, na medida em que foi proferida com o escopo de permitir um melhor direcionamento dos recursos públicos ao combate aos efeitos da pandemia, sendo certo que as consequências advindas da decisão cuja suspensão aqui se postula, apontam exatamente em sentido contrário.

 

Além disso, a concessão dessa série de benesses de ordem fiscal a uma empresa denota quadro passível de repetir-se em inúmeros processos, pois todos os demais contribuintes daquele tributo poderão vir a querer desfrutar de benesses semelhantes.

 

Aliás, o quadro constante do e-doc. nº 3, demonstra que várias são as ações já ajuizadas, no estado de São Paulo, com esse fito, tendo sido rejeitada a quase totalidade das pretensões assim deduzidas.

Destaque-se, ainda, que algumas daquelas liminares ali elencadas foram suspensas por decisão proferida pelo eminente Presidente do

Tribunal de Justiça paulista, no dia 8/4/20, nos autos da Suspensão de Liminar nº 2066138-17.8.26.0000, conforme notícia veiculada no site daquela Corte regional.

 

 Inegável, destarte, concluir-se que a decisão objeto do presente pedido apresenta grave risco de efeito multiplicador, o qual, por si só, constitui fundamento suficiente a revelar a grave repercussão sobre a ordem e a economia públicas e justificar o deferimento da suspensão pleiteada.

 

 [...]

Ante o exposto, defiro o pedido para suspender os efeitos da decisão que concedeu liminar nos autos do Agravo de Instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, até o trânsito em julgado do mandado de segurança a que se refere.

Comunique-se com urgência.

Publique-se.

Brasília, 15 de abril de 2020.

 

 

 

 

E conforme ofício de fls. 374/377, por determinação do C. STF, foi comunicado o deferimento da extensão de decisão concessiva de suspensão de segurança, concedida no agravo de instrumento nº 2062467-83.2020.8.26.0000, para suspender os efeitos da decisão proferida neste agravo.

A figura da Suspensão de Liminar ou Sentença (SLS) é um instrumento com origem no Regime Militar em 1964, com o intuito de coibir as liberdades constitucionais e intervir nas decisões judiciais fundamentadas que lhe eram desfavoráveis, sob critério subjetivo e político do Presidente do Tribunal, sendo que lhe era vedado a apreciação do mérito, mas tão somente a pretexto de suspender decisões que não fosse convenientes politicamente, utilizando-se dos vagos conceitos de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

 

Tal figura, bastarda no nosso sistema, não merecendo a alcunha de instituto jurídico, é visto por muitos como um expediente político e negacionista dos princípios constitucionais do devido processo legal e do juiz natural, tendo sido reproduzido na Lei 8.437/1992 e na Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), persistindo, ainda, no nosso sistema jurídico e a causar arrepios quando se recorda da constitucional missão do Judiciário e da Corte Suprema na defesa dos valores democráticos de um Estado de Direito desenhado e almejado na Carta Constitucional de 1988. Essa figura é a antítese da segurança jurídica e da credibilidade do sistema judiciário, com sua estrutura legal e normatização processual.

 

Conquanto a Suspensão de Liminar não possa adentrar ao mérito, na verdade, não é incomum que o interesse processual na medida liminar concedida contra o Poder Público esteja ligado à sua utilidade temporal para situações transitórias, sendo que, não concedida a medida liminar ou suspensa essa, torna-se totalmente inútil o provimento jurisdicional e mesmo o próprio direito exercido de ação, esvaziando-se o objeto e utilidade do recurso, muitas vezes da própria ação e subtraindo da parte qualquer reação eficaz em defesa do seu alegado direito subjetivo.

É o que ocorre no caso. Alegada pela parte uma notória situação transitória e de força maior, que de forma imprevista rompeu o estado normal de coisas (conhecida pela cláusula rebus sic stantibus), afetando a economia pública e a ordem das coisas a nível nacional, conduzindo ao próprio Poder Público a buscar suspensão de dívidas com a União, repasses de verbas, dispensa de licitações, suspensão do direito de ir e vir e de exercício livre de atividades empresariais, a liminar concedida para um período determinado e transitório ficou esvaziada e prejudicada na sua utilidade com a sua suspensão pela Suspensão de Liminar.

Assim, preservado o meu entendimento, porque o C.STF deferiu a extensão da liminar dantes deferida, para suspender os efeitos da decisão proferida nos autos deste Agravo de Instrumento, reiterando o entendimento de que a execução dessas decisões poderá acarretar grave lesão à ordem público-administrativa e econômica no âmbito do estado de São Paulo, ocorreu o esvaziamento do objeto do presente agravo de instrumento, quiçá do próprio direito subjetivo, pois prejudicado pela suspensão da eficácia da decisão até o trânsito em julgado do mandado de segurança a que se refere o AI nº 2062467-83.2020.8.26.0000.

Não há mais suporte, portanto, para a reforma da decisão do Douto Juízo da Fazenda, nem utilidade no julgamento do recurso, ante o esvaziamento do conteúdo do presente agravo de instrumento, o qual, decido monocraticamente, na forma do art. 932, III do CPC/2015, considerando o recente posicionamento do E. STF na Suspensão de Segurança nº 5.363.

Pelo exposto, não conheço do recurso, porque sua utilidade e interesse na imediata suspensão de obrigações tributárias ficaram prejudicados pela r. decisão do STF, nos termos do artigo 932, III do Novo Código de Processo Civil.

P.R.I.

 

Leonel Costa

Relator

 

 

 

Sobre o autor
Leonel Costa

Desembargador do TJSP de carreira, ingresso em 1987. Foi Promotor de Justiça do MPSP de carreira e professor universitário de Direito. Graduado pela USP em 1985. LLMM em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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