Por dentro dos direitos dos trabalhadores marítimos e portuários

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O advogado J. Haroldo dos Anjos, especialista em Direito Marítimo, tira dúvidas e dá dicas sobre os direitos dos trabalhadores marítimos e portuários.

A insegurança jurídica no trabalho portuário e marítimo é um dos problemas que envolve a contratação de trabalhadores para o setor. Tripulantes brasileiros que trabalham em embarcações estrangeiras que operam em águas brasileiras também devem estar atentos para seus direitos. O advogado J. Haroldo dos Anjos, especialista em Direito Marítimo, traz esclarecimentos importantes sobre esse assunto. Confira a entrevista:

Quais as regras do direito dos trabalhadores marítimos e portuários e como funcionam essas regras?

Quando se fala em trabalhador marítimo estamos falando daquele que presta serviço efetivo a bordo das embarcações, principalmente de carga e navios de cruzeiros. São os oficiais, suboficiais graduados, etc., formados pela Escola de Marinha Mercante. Eles são civis, tal como na aviação, formados pelos Centros de Instrução Superior da Marinha, e recebem uma habilitação, tal como uma carteira de motorista, chamada Carteira de Inscrição e Registro (CIR), do marítimo, para poder embarcar nos navios. Já o trabalhador portuário é o que exerce suas atividades na orla marítima. Ás vezes ele até vai nas embarcações, mas o trabalho dele é efetivamente na orla, ou seja, no cais do porto. Ele não vai para alto-mar ou para plataformas, atua somente no porto. São categorias bem específicas. Para exemplificar, temos o estivador, o capataz, o conferente de carga, o vigia de embarcação, entre outros. O trabalhador portuário é preparado por um Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) que administra todas as atividades dessas categorias, que têm seus sindicatos e são contratados pelos operadores portuários, aquele que explora a atividade de carga e descarga nos portos e terminais.

Com a reforma da Leis dos Portos, as coisas melhoraram ou pioraram para os portuários?

Infelizmente, pioraram. A lei anterior que tratava da modernização dos portos foi revogada, mas baseada em uma legislação americana muito boa. Aí veio a Presidente da República e fez essa nova Lei nº12.815 de 2013, que se chama Reforma Portuária, mas a emenda saiu pior que o soneto. Ficou, na verdade, uma colcha de retalho de difícil interpretação. Na prática, até os órgãos do governo têm dificuldade de interpretar essa Nova Lei dos Portos. Na realidade, ela foi uma panaceia que vem dando muita confusão, fazendo o operador portuário brigar com Órgão Gestor e Órgão Gestor (OGMO), que por sua vez, briga com o sindicato das categorias.

Quem é que contrata os trabalhadores portuários?

É o operador portuário, verdadeiro patrão do porto. Esses trabalhadores só podem ser contratados de duas formas: com vínculo permanente ou contratado como avulso.

Como é que fica a relação jurídica dos trabalhadores avulsos que prestam serviço sem vínculo empregatício?

Qualquer que seja a contratação sem vínculo empregatício, o trabalhador perde em termos de segurança, garantias, estabilidade no emprego e outros direitos. Mas, em compensação, ele tem uma renda mais elevada do que os outros trabalhadores com vínculo empregatício.

Mas se acontece qualquer acidente com um trabalhador avulso, como ficam os direitos trabalhistas?

Nesse caso, vai prevalecer a norma coletiva que, em regra, prevê o seguro coletivo ou em grupo. Mas, embora ele seja um trabalhador avulso, o operador portuário deve responder solidariamente com o Órgão Gestor de Mão de Obra no caso de um acidente com esses trabalhadores. Se não houver seguro, esse operador portuário e o OGMO vão responder por todos os danos, inclusive remuneração e recolhimento das contribuições sociais. A proteção dele é feita por esse órgão gestor que administra essa mão de obra avulsa.

Como são regidos os contratos de trabalho dos marítimos?

Pela legislação do trabalho e normas coletivas como previsto na própria Lei de Segurança do Tráfico Aquaviário. Para o pessoal de plataforma temos a Lei nº 5.811/72 que rege os petroleiros e também tem uma norma coletiva. A Petrobrás, por exemplo, tem os petroleiros que atuam nas plataformas, e os marítimos, que são tripulantes de navios-sonda ou de transportes de petróleo. Mas existe aquele pessoal de serviços gerais, que são terceirizados e que prestam outros serviços. Esse tipo de trabalhador, em regra, é regido por norma coletiva da Petrobrás, eles não são considerados nem marítimos e nem petroleiros. Mas precisam ter curso de especialização e passam por um processo seletivo pela Petrobrás, como se fosse um concurso. Aí, sim, ele está habilitado a embarcar nas plataformas ou prestar serviço nas embarcações. E também temos o pessoal terceirizado que atua no offshore, a bordo das embarcações de apoio marítimo dando suporte às plataformas

E nas embarcações estrangeiras, em águas de jurisdição brasileira, como deve ser feito esse contrato de trabalho?

Isso aí é o “calcanhar de Aquiles” dessas empresas que operam em Macaé. Cerca de 80% da renda do nosso escritório vem através desses contratos que são completamente ilegais. As embarcações estrangeiras quando operam aqui no Brasil, em águas sob jurisdição nacional, estão sujeitas à legislação brasileira. Ela só vai ser regida pela legislação do país da bandeira do navio quando é uma embarcação estrangeira com tripulação do país dela, contratada segundo as leis do país estrangeiro. Por exemplo, se em uma embarcação dos EUA só tem americanos trabalhando, ostenta bandeira americana e não é afetada pelas leis brasileiras, vale a legislação americana. Mas, caso contrário, qualquer que seja a embarcação ostentando bandeira estrangeira, mesmo que seja fretada com tripulação de bandeira de conveniência, com visto de permanência ou de trabalho temporário, ela será regulada pelas leis brasileiras. Todos os casos que levamos ao judiciário, inclusive em favor de trabalhadores estrangeiros, portadores de visto permanente, acabam resultando em ganho de causa porque têm direito a aplicação e proteção da lei brasileira. E para se trabalhar nas embarcações brasileiras, existem limites legais que permitem apenas um terço de estrangeiros. E por que dois terços têm que ser de brasileiros? Isso é uma forma de proteção, nacionalização e também uma reserva do mercado de trabalho aos brasileiros

Como ficam os direitos dos trabalhadores com a terceirização da mão de obra?

Este é outra questão problemática, porque quando se terceiriza mão de obra, a empresa que contrata esse pessoal está correndo muito risco. Mesmo assim, é uma prática muito comum na relação capital-trabalho. A empresa quer reduzir seus custos e garantir os lucros, mas isso pode sair muito caro. Uma empresa interposta, ou seja, terceirizada, que contrata os serviços de marítimos, está fazendo uma contratação ilegal e formando um vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviço. Quando acontece qualquer problema trabalhista, a firma terceirizada que não cumpriu as leis e a outra empresa que terceirizou seus serviços serão responsáveis pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho e por toda as dívidas com os trabalhadores. E se acontecer um acidente a situação é ainda pior, porque a responsabilidade é solidária com o Órgão Gestor de Mão de Obra e os operadores portuários, tanto pelas verbas quanto pelas remunerações devidas, como em casos de indenizações. Curiosamente, no caso dos marítimos, a responsabilidade é subsidiária, ou seja, se a empresa interposta não pagar, a firma que toma os serviços vai ter que indenizar o trabalhador ou a família, no caso de acidentes. Geralmente, trabalhadores de empresa terceirizadas que não têm conhecimento disso, têm pavor de terceirização e ficam com muito medo de sofrerem acidentes. Mas, se acontecer, é só procurar um advogado que a situação vai ser resolvida, até porque já têm precedentes no Tribunal Superior do Trabalho sobre este assunto.

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Ana Lúcia Linhares

Jornalista, bacharel em Comunicação Social pela Universidade Gama Filho, assessora de imprensa dos escritórios J. Haroldo & Agripino.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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