Crimes passionais:o amor pode ser assassino?

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Afinal, o amor pode se tornar assassino? Para esclarecer esse assunto, o renomado advogado e professor universitário J. Haroldo dos Anjos, concedeu uma entrevista sobre o tema “Crimes Passionais”.

Ciúme, paixão, traição. Na teledramaturgia esse já foi o enredo para muitas tragédias. Crimes cometidos em nome do amor. Na vida real, não é diferente. E, nos noticiários, vemos, constantemente, histórias de crimes tendo como explicação a paixão ou a violenta emoção. Afinal, o amor pode se tornar assassino? Para esclarecer esse assunto, o renomado advogado e professor universitário J. Haroldo dos Anjos, concedeu uma entrevista sobre o tema “Crimes Passionais”. Confira!

Para começar, o que são crimes passionais?

Crimes passionais são aqueles que resultam de um relacionamento em que a paixão humana se sobrepõe ao amor verdadeiro. Pode ser de relações heterossexuais ou homoafetivas, desde que haja, como elemento básico, o sentimento de paixão pelo outro. Quando se fala em crime passional, temos que levar em consideração que estamos falando de tudo que se refere a sentimentos e ciúmes nos relacionamentos. Na lição freudiana, pode ter origem nas neuroses e psicoses que decorrem da sexualidade humana. Talvez por isso, é muito raro registro de reincidência nos crimes passionais.

Lembra daquela expressão popular que diz que “fulano é mal-amado”? É por isso que, na literatura, costumamos definir o amor verdadeiro como. por exemplo. o amor partilhado (na linguagem freudiana), o amor platônico de adolescentes pelos seus ídolos como os artistas, jogadores, atletas e outras celebridades que são inofensivos.

O fascínio amoroso é aquela paixão alucinante, latente e efêmera, que leva ao crime passional. Isso vem desde a época dos bárbaros, quando a mulher era tratada como uma forma de mercadoria. Ela era entregue para o homem como se fosse uma propriedade na cultura dos povos antigos. Infelizmente, ainda hoje em dia, existe essa mentalidade equivocada por parte de muitos seres humanos.

Cabe ressaltar, que não se caracteriza como crime passional somente quando o homem mata uma mulher, mas também o inverso. Também pode ocorrer nas relações homoafetivas (entre dois homens ou duas mulheres), desde que o motivo para o ato seja a paixão humana. Na verdade, é uma espécie de amor bandido em que um é apenas objeto de prazer do outro, e quando se perde o prazer da carne, a fúria e a cólera prevalece sobre a razão humana.

O criminoso passional costuma dar como justificativa para sua atitude violenta, o amor incontrolável. Mas, afinal, quem ama mata?

Durante muito tempo, os passionais conseguiram absolvição com a tese da legítima defesa da honra e do amor que comete desatinos com base, nas defesas apaixonantes de advogados e jurista italianos. No Brasil, desde o Código Criminal do Império (1830) até o Código Criminal da República (1890), era essa a justificativa. Nessa época, havia atenuante para crimes cometidos após injúria ou desonra e a legitima defesa não era limitada unicamente à proteção da vida, mas compreendia todo e qualquer direito violado. Até que o grande professor Roberto Lira mudou essa história com a célebre frase: “Quem ama não mata”. E esse foi o discurso que preponderou entre os grandes criminalistas como Evandro Lins e Silva, Evaristo de Moraes, entre outros. Discurso que jogou por terra o argumento da legítima defesa da honra.

Atualmente, como a lei penal trata esse crime?

A paixão surge no Código Penal de 1940 como uma espécie de redução de pena. Quando se fala em paixão, o Direito trata de uma forma e a Psicologia de outra, porque pode ser um caso de delinquência mental do agente assassino. Mas do ponto de vista jurídico e filosófico, a paixão seria apenas uma forma de reduzir a responsabilidade penal, visto que não exclui totalmente a prática do crime de homicídio. Essa redução de pena só pode ocorrer quando for reconhecido pelo Tribunal do Júri que o crime foi cometido sob o domínio de uma violenta emoção, logo após uma injusta provocação da vítima.

Nesse caso, essa redução de pena fica assegurada?

Sim, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Tive um caso, que posso exemplificar, de um passional puro que atirou na sogra, na esposa e na cunhada. Depois, ele deu um tiro no peito. Esse homem foi absolvido porque foi considerado um passional que cometeu atos insanos sob domínio de violenta emoção, logo após constantes provocações que acabaram mexendo com seu instinto pelo sentimento de vergonha e humilhação, que levaram a uma tragédia. Ele estava em processo de separação e todas as vezes em que ia visitar os filhos, era humilhado por elas, sempre com provocações. Já no caso da jovem Eloá, assassinada pelo ex-namorado, foi o contrário: o rapaz que cometeu o crime, Lindemberg Alves, já estava condenado pelo povo na ocasião do julgamento. O fato, ocorrido em 13 de outubro de 2008, teve repercussão nacional. A jovem foi sequestrada pelo ex-namorado e, após mais de 100 horas de cárcere privado, acabou baleada e assassinada com um tiro na cabeça. 

A perversidade com que ele cometeu o crime foi a causa da fúria da opinião pública.
Mas, de modo geral, o Tribunal do Júri costuma compreender o passional considerado puro, que cometeu o crime em um estado de profunda humilhação, logo após injusta provocação da vítima. Há aquele que, ás vezes, até atenta contra a própria vida após cometer o assassinato. Acredito que foi por isso que o cliente que atirou nas três mulheres, mas depois deu um tiro no próprio peito, acabou sendo absolvido. Na realidade, os personagens envolvidos nos crimes passionais sempre passam pelo crivo dos três dramas das relações humanas: amor, paixão e traição.

Quem mata mais os homens ou as mulheres?

Pelas estatísticas, inclusive após a edição da Lei Maria da Penha, são os homens. Mas as mulheres, quando cometem crimes passionais, costumam ser mais violentas e calculistas. Temos alguns casos registrados como da Elize Araújo Matsunaga, que em maio de 2012 matou o marido, o empresário Marcos Matsunaga, herdeiro do grupo empresarial Yoki, com um tiro a curta distância. Ela o asfixiou e decapitou, mutilando o corpo todo. Os pedaços foram encontrados espalhados no município de Cotia, em São Paulo.  Ela confessou o delito e alegou crime passional. Em seu depoimento disse que o marido tinha amante e a humilhava constantemente, tentando tirar tudo dela, inclusive sua filha. 

Temos outro caso que abalou a opinião pública e ficou conhecido como o caso da “Fera da Baixada". Luciene Reis Santana matou a menina Lavínia, de 6 anos, em fevereiro de 2011. Luciene era amante do pai da menina e a matou por vingança. Ela foi condenada por homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver. Estes exemplos são só para vocês terem uma ideia de como a mulher, quando comete o crime passional, o faz com requintes de crueldade. Pior que os homens. Sempre motivada por vingança.

Existem literaturas que podem ajudar a compreender melhor esse delito?

Eu indico Otelo, um best seller de  William Shakespeare, e também  o livro de uma estudiosa do assunto, Luiza Nagib Eluf, chamado “A paixão no banco dos réus”, onde ela relata vários casos de passionais. A leitura deste livro vai ajudar a entender como os crimes passionais são quase sempre premeditados e com a presença de um triângulo amoroso. Por isso, Santo Tomás de Aquino, teólogo e filósofo da Igreja Católica, quando se referia aos crimes passionais, costumava dizer que “quando se abre esse triângulo amoroso, também se abrem três covas no cemitério".

Como se prevenir dos passionais?

Hoje, existem muitos casos de crimes passionais envolvendo mulheres, namoradas, esposas, amante, etc...Todos os dias temos noticiários sobre casos de crimes passionais. Mas a experiência, na prática, revela que, muitas vezes, procurar a polícia é a pior opção. Um exemplo, na Lei Maria da Penha: o juiz afasta o agressor da vítima, sem vigiar o agressor ou apresentar solução definitiva para o problema. Conclusão: o assassinato acaba ocorrendo. A melhor solução é fugir do agressor e procurar uma outra alternativa como, por exemplo, as agências sociais de proteção da família ou conselhos e instituições, com ajuda de profissionais. Mas, enfim, é preciso saber lidar com o inimigo quando se instaura o desejo de matar pelo ciúme dos criminosos passionais.

Costumo dizer que, independente do tipo de passional obsessivo (homem, mulher ou homoafetivo), é preciso se informar o máximo possível sobre o assunto e procurar as instâncias sociais de controle como a família, o vizinho, a igreja, a escola e, sobretudo, a proteção  de um profissional do Direito Criminal ou de Família.

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Ana Lúcia

Jornalista e assessora de imprensa. Bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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