Arbitragem no direito brasileiro

Breves esclarecimentos sobre essa desconhecida

16/06/2020 às 15:31
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Breves comentários sobre a arbitragem enquanto meio alternativo de resolução de litígios.

A arbitragem consiste num meio extrajudicial alternativo de resolução de litígios que envolvam direitos patrimoniais, assim entendidos como aqueles suscetíveis de avaliação econômica e disponíveis, ou seja, aqueles em que o seu titular é livre para dele dispor/transigir (SILVA, 2019). Na mesma linha de pensamento, destacam Fichtner, Mannheimer e Monteiro (2019, p. 30 – grifos no original) que

[...] a arbitragem é um método de heterocomposição de conflitos em que o árbitro, exercendo a cognição nos limites da convenção de arbitragem livremente estabelecida pelas partes, decide a controvérsia com autonomia e definitividade. Qualquer conceituação de arbitragem, sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro, deve fazer referência a quatro elementos fundamentais: (i) meio de solução de conflitos; (ii) autonomia privada das partes; (iii) terceiro imparcial com poder de decisão; e (iv) coisa julgada material.

Para os autores indigitados (2019, p. 31 – grifo nosso), em suma, “[...] a arbitragem é um meio de resolução de conflitos”.

No Brasil, o procedimento da arbitram é regulamentado pela Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe em seu art. 1º, caput, in verbis, corroborando com o que fora exposto inicialmente: “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Como se pode notar, em seu cotejo haverá um árbitro escolhido livremente entre as partes contratantes/litigantes (que optam por esse regime – arbitral – por meio de uma cláusula compromissória inserida de antemão no contrato, ou pelo compromisso arbitral, quando já existente o litígio a ser submetido ao respectivo órgão), que tem por função decidir sobre o conflito de interesses instaurado. A decisão de mérito prolatada pelo árbitro, denominada sentença arbitral, constitui, inclusive, título executivo judicial, como se uma sentença judicial o fosse, a rigor do art. 515, inciso VII, do Código de Processo Civil, mas com execução de natureza mediata, não se atendo dessarte ao ideal do sincretismo processual que rege o processo civil (as regras de sua execução são aquelas previstas para a execução do título extrajudicial) até mesmo por uma questão de consequência lógica. É importante asseverar que as partes ficam veementemente vinculadas à decisão proferida pelo árbitro por elas eleito.

Consoante brevemente mencionado acima, há dada diferença entre cláusula compromissória e compromisso arbitral, ambas espécies do gênero convenção de arbitragem. Vejamos pontualmente.

Segundo dispõe o art. 4º da Lei de Arbitragem, “a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”, sendo impetuoso salientar, desde já, que a referida cláusula deve ser expressa (escrita), seja no próprio instrumento contratual ou em documento apartado que a ele se refira (art. 4º, § 1º, LA). Na concepção de Beraldo (2014, p. 161), “[...] trata-se [...]”, a cláusula compromissória, “[...] de contrato acessório, típico e autônomo”. Típico em razão da expressa regulamentação legal (dentro da classificação contratual propriamente dita) e autônomo em razão do que dispõe o art. 8º, caput, da Lei de Arbitragem, segundo o qual “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória” – assim se considerando, por hora, há de se pontuar a nítida exceção ao princípio da gravitação jurídica, pois é consabido que o [contrato] acessório seguirá a sorte do principal, o que não ocorre no caso em análise, pois, como se vê, a invalidade do principal não atinge o pacto acessório. Trata-se, dessarte, de contrato propriamente dito. Conforme aduz o autor invocado (BERALDO, 2014), em tendo sido ela pactuada conforme os regramentos da lei, será negócio plenamente existente e válido, porquanto a sua eficácia (terceiro degrau da Escada Ponteana) fica subordinada à existência de eventual litígio – evento futuro e incerto: condição de natureza suspensiva.

A cláusula compromissória, outrossim, poderá ser vazia (apenas os conflitos originados do negócio serão resolvidos por arbitragem) ou cheia (além da resolução do conflito em si, inserem-se outras informações, a exemplo do tipo de arbitragem a ser utilizado, se institucional – câmara arbitral – ou ad hoc – árbitro específico).

Já o compromisso arbitral, por sua via, pode ser judicial ou extrajudicial a depender do local em que for convolado e é caracterizado pelo art. 9º, caput, da Lei de Arbitragem, que o define como sendo “[...] a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial”. Importante salientar as disposições constantes dos §§ 1º e 2º do dispositivo em tela. O § 1º aduz que “o compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda”. O § 2º, por sua vez, que “o compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público”. Como se pode notar, o compromisso arbitral terá lugar caso já exista litígio a ensejar a intervenção de terceiro imparcial, ponto esse que lhe difere substancialmente da cláusula compromissória (efetuada antes do conflito de interesses derivado da contratualidade). Guise-se que, ainda que haja processo judicial tramitando, ainda sim será possível a celebração do compromisso arbitral, desde que seja feito até o trânsito em julgado. Não é forçoso se concluir que seria difícil e sobretudo ilógico a parte desistir do processo judicial para submeter-se a arbitragem se já tiver a sentença (judicial) prolatada em seu favor.

Ademais, conforme obtempera Beraldo (2014, p. 168),

Não se pode, ainda, querer confundir compromisso com transação, pois que, neste, as partes celebram um acordo para pôr fim a uma controvérsia judicial ou extrajudicial, enquanto que, com aquele, as partes abrem mão da jurisdição estatal para que um árbitro, escolhido pelos contratantes, possa decidir a demanda, nos limites que determinarem.

Finalmente, os requisitos para sua validade constam do art. 10 da Lei de Arbitragem, o qual transcreve-se para fins elucidativos:

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III - a matéria que será objeto da arbitragem; e

IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

A vantagem concreta de se adotar a arbitragem, sobretudo no âmbito do direito processual, é a consequente inexistência de conflito de jurisdição enquanto soberania do Estado, em especial ao se tratar de contenda para além do território nacional (não haverá discussão sobre qual Tribunal seria competente para julgamento da lide) e, via de regra, contratos com pacto compromissório, sobretudo na esteira do comércio internacional, assumem natureza interempresarial e são demasiadamente complexos, demandando certa especialização do julgador, característica essa que na esmagadora maioria dos casos toca aos árbitros (já escolhidos muitas vezes sob o mando desses critérios – integrantes de respectivas câmaras arbitrais se for o caso de não serem nomeados especificadamente, ou seja, ad hoc). Nesse cotejo, as próprias partes decidirão as regras de direito a serem aplicadas ao caso concreto submetido ao órgão arbitral, ex vi do art. 2º, § 2º, da Lei da Arbitragem.

Silva (2019, p. 84) elenca sistematicamente as benesses intrínsecas ao procedimento da arbitragem. Para o autor,

[...] a arbitragem tem seus pontos-fortes nos seguintes fatores: a) rapidez e informalidade no julgamento; b) possibilidade de contar com árbitros especializados em matérias pouco conhecidas; c) garantia de imparcialidade, uma vez que cada parte indica um árbitro e esses é que indicam um terceiro. As dificuldades ficam por conta da possibilidade de criarem-se Tribunais Arbitrais sem a necessária isenção e respeitabilidade e o hábito arraigado do brasileiro em recorrer ao Judiciário.

Traduzem-se os benefícios, em suma, na rapidez, no sigilo, na especialização dos julgadores (árbitros), no fato de que as partes estipulam as regras a serem aplicadas e, como pressuposto específico, não pode ser incluído em contratos por ou de adesão.

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No sistema pátrio, segundo Silva (2019), há basicamente duas razões pela qual se adotou a normativa da Lei n. 9.307/1996. Destacam-se as:

a) Razões jurídico-legais: excesso de demandas pendentes de julgamento no Poder Judiciário – o número era cada vez mais crescente –, reflexo da própria Constituição de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor de 1990 e, no mesmo diapasão, um dado movimento no sistema jurídico pátrio para gerar uma “justiça mais rápida” e, consequentemente, mais eficaz.

b) Razões econômico-sociais: processo de abertura na economia do País (o Plano Collor de 1990) e o Plano Real de 1994, trazendo consigo a necessidade de captação de investimentos estrangeiros, estabilização monetária e, sobremaneira, privatizações em geral.

Por derradeiro é importante esclarecer que, para ser um árbitro, há apenas um único requisito legal de ordem objetiva: estar em gozo da plena capacidade civil (capacidade civil de fato ou de exercício).

Conforme destaca Figueira Júnior (2019), a confiança prevista no art. 13 da Lei n. 9.307/1996 que as partes hão de depositar no(s) árbitro(s), não constitui propriamente um requisito, mas sim um efeito ínsito da própria escolha, uma vez que, pela própria criteriosidade do ato de indicação, certamente não serão escolhidos árbitros pessoas não confiáveis sob o ponto de vista da ética, da moral e do profissionalismo. A indicação em regra recairá em pessoas especializadas, portanto de conhecimento técnico/científico específico na matéria a ser eventualmente objeto de controvérsia.

Para o literato em comento (FIGUEIRA JÚNIOR, 2019), caso as partes optem pela eleição de árbitro específico e não de uma entidade arbitral que se encarregaria de nomear árbitros dentre os que integram seu respectivo corpo de julgadores, isto é, em sido efetuada a eleição de árbitro específico, recaindo portanto o múnus em pessoa já determinada (árbitro ad hoc), o que pode acontecer na prática sem óbice algum, quadra-se deveras que atentem-se, no mínimo, para a formação profissional do indicado, sua titulação e especialidades, bem como experiência na área de atuação e, não menos importante, seu perfil ético e moral.

Diante do exposto, depreende-se ser a arbitragem meio eficaz na solução de litígios, principalmente quando guardam consigo matéria complexa e de intricadas especificidades, caso dos contratos de valor vultuoso celebrados entre grandes empresas, mormente em linhas de comércio internacional, garantindo-se assim uma solução justa, técnica, rápida, segura e, por lhe ter outorgado a lei processual civil brasileira o status de título executivo judicial, efetiva (ao menos nos limites do território nacional).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERALDO, Leonardo de Faria. Curso de arbitragem: nos termos da Lei n. 9.307/96. São Paulo: Atlas, 2014.

FICHTNER, José Antonio; MANNHEIMER, Sergio Nelson; MONTEIRO, André Luís. Teoria geral da arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-book. Acesso restrito via Biblioteca Digital da UNISUL.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Arbitragem. 3. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-book. Acesso restrito via Biblioteca Digital da UNISUL.

SILVA, João Batista da. Direito internacional privado: livro didático. 1. ed. rev. e ampl. Palhoça: UnisulVirtual, 2019.

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Sobre o autor
Nícolas Elias Felipe

Sou Nícolas Elias Felipe, nasci em Imaruí, cidade pacata no litoral sul do estado de Santa Catarina. Sou advogado, inscrito na OAB/SC sob o n. 61.735. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-graduado (especialista) em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Atuante e pesquisador nos ramos do Direito Civil, do Direito do Consumidor, do Direito Empresarial e do Direito Processual Civil.

Informações sobre o texto

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