Texto da Apresentação
1)
Identificado com a atuação das Nações Unidas em favor da educação para a cidadania, o presente ensaio de sociologia adere à causa da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das Convenções Internacionais que preconizam o voto livre e sem restrições ideológicas. A primeira edição digital do mesmo tem data em fevereiro de 2014, leva o título “A Democracia Eleitoral no Brasil”, e atendeu exigência de articular as informações reunidas em postagens e artigos, divulgados na internet pelo autor, desde fins de 2007, no marco de sua atividade como sociólogo.
Entretanto, o projeto veio crescendo em interesse a partir de 2015, quando o autor tomou conhecimento de que o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu estabelecer um fórum sobre Direitos Humanos, Democracia e Estado De Direito. Delineou-se uma oportunidade de situar seu trabalho de sociologia para além das fronteiras, e ultrapassar as eventuais restrições de um discurso político sobre seu país.
Com efeito, em seu compromisso de identificar e analisar as melhores práticas, desafios e oportunidades para os Estados membros, em seus respectivos esforços para assegurar o respeito aos direitos humanos, democracia e o Estado de direito, o objetivo do Fórum consistiu em fornecer uma plataforma para promover o diálogo e a cooperação em questões referentes à relação entre essas áreas [i].
Situado nesse quadro de referência, o presente livro, em sua segunda edição, desenvolve a elaboração do autor motivado pela compreensão de que, hoje em dia, não se justifica uma burocracia para controle dos eleitores submetidos ao voto obrigatório sob sanções draconianas legais.
Neste sentido, o presente livro assevera que o conceito de desenvolvimento político só é válido tendo por quadro de referência a história parlamentar, especialmente a reciprocidade em torno das legislaturas, contemplando os reclamos da participação cidadã. Em consequência, predomina a compreensão de que, ao eleitorado, corresponde, de modo justo, a aspiração para exercer a parte que lhe cabe no compromisso com a sustentação de um regime democrático mediante o voto facultativo para todos, sem restrições ideológicas, e que esse compromisso não é exclusividade dos seus representantes, nas casas parlamentares, como acontece atualmente mediante a imposição do voto obrigatório forçado e a submissão do ideal democrático do voto livre.
2)
Este artigo tomou corpo a partir da constatação de que o regime do voto obrigatório com sanções legais é um problema de ciência política cujo quadro de referência ultrapassa muito o plano da política brasileira, ao qual tem sido frequentemente restringido. Ultrapassa igualmente a irrelevante alternativa de ser a favor ou contra a participação das massas na política, a que se costuma representar o voto obrigatório.
Se admite que o problema releva de uma zona nebulosa: a interpenetração entre ditadura e democracia. Região de difícil acesso que adquiriu relevância depois que, em 2011, o então convidado Presidente Obama, notável e influente intelectual de Harvard, dos Estados Unidos, em palestra aberta no Teatro Municipal de Rio de Janeiro, enunciou a frase de que, em âmbito internacional, o Brasil mostra que uma ditadura pode se tornar uma vibrante democracia.
Malgrado seu conteúdo transformista, tal frase foi festejada pela mídia brasileira, que gostou da referência a uma vibrante democracia. Sem embargo, uma leitura mais refletida observa que a frase assinala um aspecto anômalo, já que reconhece uma ditadura que virou democracia, e não uma democracia histórica que superou uma ditadura, como deveria ser reconhecido, haja vista que a primeira imagem é negativa e implica em restrição do espaço da liberdade política.
Assumindo o alcance acadêmico e a validade realista da frase festejada, na força da contradição que encerra ao cogitar uma democracia que não tem a si própria como referência – haja vista que a atual legislação eleitoral punitiva em vigor na democracia brasileira, com voto obrigatório, é obra da passada ditadura –, o presente livro encaminha, desenvolve e aprofunda uma análise crítica do problema do voto obrigatório "forçado", como a questão da base sob a qual aquela figura transformista pode ser possível.
Desta forma, o presente artigo sugere um aprofundamento, eminentemente sociológico, no estudo do regime eleitoral, abordado em maneira separada de um sistema político, frequentemente, analisado sem levar em conta o problema crítico do voto obrigatório, cujo modelo tem base em um regime monárquico.
Quer dizer, o voto obrigatório como (a) fator de complicação da confiança no modelo eleitoral representativo, (b) motivo de mal-estar moral na experiência de votação, (c) que, por sua vez, acentua, em particular, a baixa memória da eleição, e (d) a correlata falta de percepção de sua relevância para a coerência das políticas públicas.
Além disso, cabe destacar, dentre outros tópicos muito relevantes, três pontos que explicam o esquecimento, no trabalho intelectual, do alcance crítico do problema do voto obrigatório, deixado de lado pelos cientistas políticos, seguinte:
a) A adoção da tese exagerada, e muito valorizada pelos populismos, de que a história do século vinte no Brasil é um efeito da irrupção das massas na política, pelo que o voto obrigatório seria indispensável para garantir a participação e promover a educação em cidadania [ii].
b) A representação do regime eleitoral no âmbito do sistema político, o qual é baseado no pacto federativo, de tal forma que, em detrimento do princípio de cidadania, se atribui ao voto obrigatório a função moderante do contencioso entre os grupos em luta pelos altos cargos.
c) A separação das ciências sociais diante dos direitos humanos, com a desconsideração das convenções internacionais, notadamente a ICCPR (International Convenat on Civil and Political Rights, de 1966) que, ao lado da Declaração Universal dos Direitos Humanos e das demais convenções internacionais nessa matéria, constitui fonte real para uma ciência política eficaz.
Notas
[i] The World Conference on Human Rights, on 25 June 1993, a célebre Declaração de Viena, assinala a indispensabilidade da Democracia para a implementação dos Direitos Humanos: Item 08) "La democracia, el desarrollo y el respeto de los derechos humanos y las libertades fundamentales son interdependientes y se refuerzan mutuamente" (...)
[ii] A tese da irrupção das massas na política é uma simplificação da nova experiência que a revolução francesa proporcionou ao grande número da população, e que Lukács descreveu como a extensão da história que alcançou as massas. Pela primeira vez, o homem comum toma consciência de que os eventos que acontecem na longínqua capital do século XVIII implicam diretamente sua vida cotidiana. É a consciência da liberdade que adquire proporções inusitadas e penetra irreversivelmente a época moderna, um fenômeno que ultrapassa os limites da política e se confunde com a própria realidade histórica, em referência da qual o mencionado Lukacs dirá ter revelado que as massas jamais poderão permanecer em inércia. [Cf. Lukacs, George: "Le Roman Historique"... ] Por sua vez, ao dizer que, no caso do Brasil, a chamada "revolução de trinta" expressa a irrupção das massas na política, tudo que se fez foi abrir o caminho para o enquadramento das mesmas no sistema do pacto federativo, o sistema político brasileiro, que, através do paternalismo populista do Estado, mostrou claramente essa situação.