STF determina investigação do Presidente por ataques ao sistema eleitoral

05/08/2021 às 16:09
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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a instauração imediata de investigação contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, por afirmações contra a segurança das urnas eletrônicas e fraudes no sistema de votação.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a instauração imediata de investigação contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, por afirmações contra a segurança das urnas eletrônicas e fraudes no sistema de votação. Ele acolheu notícia-crime encaminhada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acompanhada por link do pronunciamento do presidente realizado no dia 29/7, para fins de apuração de possível conduta criminosa relacionada ao Inquérito (INQ) 4781, que investiga notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes e denunciações caluniosas.

Segundo o ministro, observa-se, nas condutas do presidente, tanto no vídeo do pronunciamento quanto em outras manifestações públicas, inclusive em redes sociais, o nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao TSE e ao seu presidente, ministro Luís Roberto Barroso. Essas condutas configuram, em tese, os crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa, previstos no Código Penal, e outros delitos definidos na Lei de Segurança Nacional e no Código Eleitoral.

A decisão abre vista imediata à Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação, no prazo de cinco dias.

Diligências

O ministro determinou a realização da transcrição, pela Polícia Federal, do vídeo que contém o pronunciamento controvertido e a oitiva dos envolvidos no pronunciamento, na condição de testemunhas, no máximo em 10 dias.


Íntegra da Decisão

INQUÉRITO 4.781 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

AUTOR(A/S)(ES) :SOB SIGILO

ADV.(A/S) :SOB SIGILO

DECISÃO

Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP Nº 69, de 14 de março de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, nos termos do art. 43. do Regimento Interno desta CORTE, para o qual fui designado para condução, considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão. O objeto deste inquérito é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros, inclusive o vazamento de informações e documentos sigilosos, com o intuito de atribuir e/ou insinuar a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, por parte daqueles que têm o dever legal de preservar o sigilo; e a verificação da existência de esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o Estado de Direito. Em face disso, o Ilustre Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro ROBERTO BARROSO, após aprovação unânime do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, encaminhou notícia-crime em face do Senhor Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, acompanhada por link do pronunciamento de Sua Excelência, realizado no dia 29/7/2021, para fins de apuração de possível conduta criminosa relacionada a este inquérito. É o relato do essencial.

As investigações realizadas no presente inquérito indicaram a existência de uma associação criminosa, denominada “Gabinete do Ódio”, dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, entre elas o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática. Apurou-se que diversos investigados integrariam um complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes, o Estado de Direito e a Democracia. Constatou-se, ainda, por meio de laudos técnicos, a existência de um mecanismo coordenado de criação e divulgação das referidas mensagens entre os investigados, seguindo sempre o mesmo modus operandi, pelo qual os perfis influenciadores: “iniciam os ataques selecionando um tema. Nesta etapa inicial estes perfis não necessariamente utilizam uma hashtag para disseminar o ataque escolhido, valendo-se muitas vezes de seus seguidores (followers) para criar uma hashtag e impulsionar este ataque. Desta forma, os perfis influenciadores não apareceriam como criadores da hashtag que simboliza o ataque (…) Em seguida, seus seguidores a compartilhar e comentar estas publicações, introduzindo a hashtag em questão (…) neste mesmo dia, de forma aparentemente coordenada, impulsionando ainda mais a adoção desta hashtag por seus seguidores de forma que esta alcançasse o Trend Topics da rede social Twitter (…) Uma vez que uma hashtag alcança o Trend Topics, sua visualização é ampliada significativamente para fora da bolha, alcançando muitos outros usuários, que não são seguidores dos influenciadores iniciais”. Essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, conforme os indícios constantes dos autos, atuariam de maneira velada fornecendo recursos das mais variadas formas, para os integrantes dessa organização. Paralelamente, no Inquérito 4.828/DF, instaurado, por requerimento da Procuradoria-Geral da República, para a apuração de fatos ocorridos no dia 19 de abril de 2020 e seus antecedentes, em virtude da ocorrência de aglomerações de indivíduos diante de quartéis do Exército brasileiro, das quais foram noticiadas pretensões de animosidade entre as Forças Armadas e as instituições nacionais, surgiram fortes indícios e significativas provas apresentadas pela investigação realizada pela Polícia Federal, em que foi apontada a existência de semelhante e coincidente organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhantes àqueles identificados no Inquérito 4781, com a nítida finalidade de atentar contra as Instituições, a Democracia e o Estado de Direito. O material apreendido e analisado no Inquérito 4828 trouxe importantes elementos probatórios a demonstrar uma possível organização criminosa, que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas, principalmente aquelas que possam contraporse de forma constitucionalmente prevista a atos ilegais ou inconstitucionais, como o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e o próprio CONGRESSO NACIONAL, utilizando-se de uma rede virtual de apoiadores que atuam, de forma sistemática, para criar ou compartilhar mensagens que tenham por mote final a derrubada da estrutura democrática e o Estado de Direito no Brasil. Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, pleiteando a cassação de seus membros e o próprio fechamento da Corte Máxima do País, com o retorno da Ditadura e o afastamento da fiel observância da Constituição Federal da República. Verificou-se, portanto, que a estrutura de produção, divulgação e financiamento de ataques organizados, investigada no Inquérito 4.781, repete-se também no Inquérito 4.828, com ataques estruturados às instituições que possam, de qualquer maneira, exercer o sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal. Essa organização criminosa, aparentemente coincidente, segue a mesma estrutura identificada em ambos os inquéritos, com núcleos de (a) produção do material, (b) publicitário ou de divulgação, (c) político e (d) financeiro. Igualmente, foram observados em ambos os inquéritos ataques coordenados e sistemáticos contra as Instituições, o Estado de Direito e a Democracia, todos ocorrendo no mesmo dia ou no dia seguinte de manifestações presidenciais, por uma série de perfis e páginas nas redes mundiais de computadores, sempre visando a ameaçar, agredir e a atacar Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e à PRÓPRIA CORTE. Os laudos produzidos em ambos os inquéritos identificaram o comportamento atípico dos ataques sistematizados, iniciando-se de forma concomitante e cessando a comando específico, indicando o uso das redes sociais não como meio de liberdade de expressão, mas sim como instrumento de agressão, de propagação de discurso de ódio e de ruptura ao Estado de Direito e da Democracia. O envolvimento de parlamentares, agentes públicos lotados em cargos de assessoramento no Congresso Nacional e membros do Poder Executivo Federal, especialmente no que diz respeito à propagação de tais ataques específicos a instituições e seus integrantes, também é observado a partir das investigações, com absoluta semelhança no modus operandi nos Inquéritos 4.828 e 4.781. De igual maneira, a questão do financiamento da organização criminosa voltada a atacar as Instituições, o Estado de Direito e a Democracia foi investigada por diversos ângulos, inclusive apontando a possibilidade de existência de suposta parceria ilícita público-privada, a partir do envolvimento, em tese, da SECOM, necessitando maiores investigações, que estão sendo realizadas no Inquérito 4.874, também sob minha relatoria. Nas investigações realizadas em ambos os inquéritos, identificou-se a existência de um núcleo de divulgação composto por agentes políticos, servidores públicos e autodenominados comunicadores, cuja finalidade específica é promover ataques a determinados agentes públicos, notadamente integrantes do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, como forma de agredir as Instituições Democráticas, especialmente a representação popular por representantes do Congresso Nacional e o Estado de Direito, por meio de ataques ao SUPREMO TRIBUNAL FEDEERAL. Esses importantes dados foram corroborados em relatório da empresa Atlantic Council, por meio da empresa Facebook, com a finalidade de coibir discursos de ódio ou falsos, bem como por contas inautênticas, que possam interferir na escolha de representantes em determinado país ou na própria relação entre o Estado e seus cidadãos. Segundo o relatório da referida empresa, observou-se o comportamento inautêntico de tais contas a partir de uma combinação de contas duplicadas e contas falsas (Relatório de Análise 11/20020), sendo removidas pelo Facebook, pois utilizadas para evitar políticas de uso do aplicativo. Afirmou-se o uso de tais contas e pessoas fictícias fingindo ser repórteres, publicando conteúdo e gerenciando páginas simulando serem veículos de notícias (Relatório 022/2020-NIP/SR/PF/DF fls. 900. 2020.0124709). O relatório do Facebook indicou: “operações executadas por um governo para atingir seus próprios cidadãos. Isso pode ser particularmente preocupante quando combinam técnicas enganosas com o poder de um Estado”. O relatório apontou, ainda, que, ao menos três contas mantidas no Facebook, se vinculam a servidores públicos que possuem cargos de assessoramento de políticos que adotam a postura de atacar opositores individuais, instituições e qualquer sistema que possa significar fiscalização ou impedimento a seus desígnios. Identificou, também, 1.045 acessos de contas apresentadas no Relatório da Atlantic Council oriundas de órgãos públicos: Presidência da República, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Câmara de Vereadores (RJ), Comando da 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea. Em conclusão, verificou-se, de forma sujeita a aprofundamento específico no presente Inquérito e no referido Inquérito 4874, a atuação de investigados comuns aos dois inquéritos, com uso de perfis falsos por particulares e servidores públicos, bem como com possível uso de infraestrutura pública, para a publicação e divulgação de ataques a instituições como o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e seus Ministros e o CONGRESSO NACIONAL e seus integrantes, por meio de redes sociais. A notitia criminis encaminhada pelo TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL em face do Excelentíssimo Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, em análise inicial, aponta que, tanto a conduta noticiada quanto sua posterior divulgação por meio das redes sociais se assemelham ao modus operandi anteriormente detalhado e investigado nos autos deste Inquérito 4.781/DF, bem como no Inquérito 4.874/DF, no qual se revela a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político, com a nítida finalidade de atentar contra as Instituições, a Democracia e o Estado de Direito. O pronunciamento do Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, se revelou como mais uma das ocasiões em que o mandatário se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às Instituições, em especial o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – imputando aos seus Ministros a intenção de fraudar as eleições para favorecer eventual candidato – e o TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL –, no contexto da realização das eleições previstas para o ano de 2022, sustentando, sem quaisquer indícios, que o voto eletrônico é fraudado e não auditável, como, exemplificativamente, é possível verificar em sua live divulgada em seu canal do Youtube (link: https:www.youtube.com/watch?v+sE3OAVpHY), no dia 29/7/2021, onde manifestou nos seguintes termos: 53:15 “Será que existe um sistema querendo, por meios outros, não democráticos, fazer voltar ao poder aqueles que mergulharam o país na corrupção e na impunidade?” 54:05 “Mas o que nós não podemos admitir é que alguém que não tenha voto chegue – desculpe se eu vou ser forte agora – é justo quem tirou o Lula da cadeia, quem o tornou elegível, ser o mesmo que vai contar o voto numa sala secreta no TSE? Cadê a contagem pública dos votos?” 57:35 “Por que, Senhor Barroso, nós estamos oferecendo mais uma maneira da transparência às eleições, Vossa Excelência é contra? Onde quer chegar esse homem que atualmente preside o Tribunal Superior Eleitoral? Quer a inquietação do povo? Quer que movimentos surjam no futuro que não condizem com a democracia?” 58:59 “Por que querem manter tudo secreto?” 59:55 “Por que o Presidente do TSE quer manter a suspeição sobre as eleições? Quem ele é? Por que ele continua interferindo por aí? Com que poder? Não quero acusá-lo de nada, mas algo de muito esquisito acontece.” 1:11:35 “Querem deixar umas eleições sem qualquer maneira de ser auditada. Umas eleições que podem ser mais do que suspeitas. Por que o temor ao Sr. Luís Barroso? O que ele tem conversado com alguns para convencê-los tão rapidamente que esse sistema é preciso, é confiável? Por que tem um hacker preso, que entrou nos computadores do TSE, se o Barroso diz que os seus computadores são invioláveis? Por que ele está preso? Por que abrem tantos inquéritos de fake news, como outros foram agora abertos?” 1:12:54 “Que decisão foi essa do nosso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por ocasião ainda da pandemia o ano passado, onde se passa por cima de todos os incisos do artigo 5º da Constituição? Se toma medidas violentas contra o provo, tirando-lhes o direito de ir e vir, o direito ao trabalho, o direito a frequentar um templo religioso. Medidas mais drásticas tomadas por muitos prefeitos e governadores. Mais graves, mais restritivas que o estado de sítio. E olha que o estado de sítio não entra no momento que eu assino o decreto. Entra em vigor depois que o parlamento aprovar e mesmo assim, enquanto durar o estado de sítio, eu respondo por qualquer excesso. E o Supremo deu poderes aos governadores e prefeitos tomarem medidas mais agressivas ainda, sem que eles respondessem por nada, absolutamente nada”. 1:18:36 “Não vamos nos prender a vontade de um homem apenas, que interfere no Poder Legislativo. Não sei... oferecendo, com que poder, fazendo com que se mude de um dia pra outro uma decisão normal que estava pra acontecer, que é a PEC da BIA KICIS, cuja relatoria é do FILIPE BARROS praticamente não tivesse esperança de ser aprovado”. 1:20:39 “Não pode os mesmos que tiraram o outro cara da cadeia, tornaram elegível, ser as mesmas pessoas que vão contar os votos”. 2:06:43 “Será que isso não é o suficiente pra nós alterarmos, darmos transparência, credibilidade, confiabilidade ao sistema eleitoral? Devemos continuar acreditando num homem apenas, no caso o Presidente do TSE, que bate no peito e é o dono da verdade e diz que as urnas são confiáveis e ponto final? Repito, qual é o poder de persuasão dele, de ir no Parlamento, conversar com lideranças e muitas lideranças mudarem seus liderados na Comissão Especial lá da PEC do voto impresso? Precisamos de mais indícios pra demonstrar que isso não pode continuar acontecendo? Até porque eu quero me dirigir aos senhores Senadores da República. Isso pode acontecer nas eleições do ano que vem. Pode acontecer junto aos senhores Deputados Federais. E depois que acontecer, reclamar pra quem? Vou entrar com uma ação, que pode ir no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que por mais de uma vez julgou inconstitucional projetos de lei semelhantes no passado?” 2:10:10 “Se o Datafolha está certo, vamos mudar o sistema Presidente BARROSO, Presidente do TSE BARROSO, que assim esse candidato vai ser eleito. Agora quem não quer mudar o sistema, porque tem certeza que o voto não auditável servirá para eleger quem não tem votos. Repito: quem tirou o Lula da cadeia? Quem o tornou elegível? É quem vai contar os votos lá no TSE na sala escura. E devemos entubar e dizer que o Ministro BARROSO está certo? As urnas são invioláveis? A NASA é violável. Os nossos Ministérios aqui, quantas vezes se invade neles? As agências bancárias, a conta de vocês... Só as urnas, só a transmissão de dados, só a contagem lá dentro da sala escura, da sala secreta? Não estou acusando os servidores do TSE, são meia dúzia que manobram tudo isso daí...”. Observou-se, como consequência das condutas do Presidente da República, o mesmo modus operandi de divulgação utilizado pela organização criminosa investigada em ambos os inquéritos, com intensas reações por meio das redes virtuais, pregando discursos de ódio e contrários às Instituições, ao Estado de Direito e à Democracia, inclusive defendendo de maneira absurda e inconstitucional a ausência de eleições em 2022. A partir de afirmações falsas, reiteradamente repetidas por meio de mídias sociais e assemelhadas, formula-se uma narrativa que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do Presidente. No passado próximo, afirmando a impossibilidade de se governar por conta de decisões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, seja em relação a atos do Chefe do Poder Executivo, seja em relação às medidas necessárias ao controle da pandemia Covid-19; depois, afirmando a ilegalidade de decisões a respeito de eventual candidato à presidência da República, por um possível interesse em beneficiar ou prejudicar políticos específicos; em seguida, afirmando a insegurança das urnas eletrônicas e fraudes no sistema de votação com a intenção de favorecimento a eventuais candidatos. Tudo fundado em ilações reconhecidamente falsas, utilizadas para fomentar ataques aos integrantes das instituições constitucionalmente previstas para o balanceamento do regime democrático, à autonomia e responsabilidade de todos os entes da federação quanto à medidas necessária à proteção da vida e saúde da população e, agora, à realização de eleições livres, isentas de fraudes e com resultado historicamente reconhecido por todos os eleitores É possível observar movimentação nas redes sociais, como na plataforma Twitter, onde, após as falas do Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, tanto na manhã, como na noite do dia 29/7/0221, foram criadas hashtags com notório propósito antidemocrático, tais como: #barroso na cadeia e #votoauditavelja.

Em acréscimo, o Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, no dia 3/8/2021, voltou a se manifestar no mesmo sentido dos fatos noticiados pela presente notícia crime, em clara ameaça ao Presidente do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, conforme veiculado pela Folha de São Paulo, no link https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/emnovo-ataque-a-barroso-bolsonaro-diz-que-ministro-coopta-tse-e-stf-eque-nao-aceita-intimidacoes.shtml, tendo afirmado que: “Se o Ministro Barroso continuar sendo insensível, como parece que está sendo insensível, quer processo contra mim, se o povo assim o desejar, porque devo lealdade ao povo brasileiro, uma concentração na paulista para darmos um último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia” “Repito, o último recado para que eles entendam o que está acontecendo, passem a ouvir o povo, eu estarei lá.” Neste caso específico, observa-se o nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL e aos seu Ministro Presidente. Nas redes sociais, os ataques ocorreram, costumeiramente, no mesmo dia ou no dia seguinte às declarações do Presidente da República, por uma série de perfis e páginas nas redes mundiais de computadores, sempre visando ameaçar, agredir e a atacar Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, bem como o processo eleitoral e outras instituições democráticas. Importante destacar, que o Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO, reiteradamente, incorre nas mesmas condutas que ora se noticiam. Vejam-se, a título de exemplo, as manifestações abaixo: “Minha campanha, eu acredito que pelas provas que tenho nas minhas mãos, que vou mostrar brevemente. Tinha sido, eu fui eleito em primeiro turno, mas no entender, houve fraude. E nós temos não apenas uma palavra, nós temos comprovado, brevemente eu quero mostrar, porque nós precisamos de aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passivo de manipulação e de fraude. Então, eu acredito até que elegi, porque tem muito mais votos no segundo turno, do que se poderia esperar. E ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento”. Publicado em 9/3/2020, no link – https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-oplanalto/discursos/2020/discurso-do-presidente-da-republicajair-bolsonaro-durante-encontro-comunitario-miami-florida “(...) sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição” Publicado em 1º/8/2021, no link – https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2021/08/01/sem-eleicaolimpa-nao-havera-eleicao-diz-bolsonaro-em-nova-ameacasobre-2022 “Daí tem gente que fala: só é confiável! É impenetrável! Queremos uma farsa o ano que vem ou uma eleição marcada por suspensão? Ah quem perder entra na justiça! Quem vai analisar o recurso na última instância? Exatamente os que tiraram o cara da cadeia, exatamente os que tornaram elegível, exatamente os que contaram os votos, vão recorrer para eles? Qual o poder de um presidente do TSE ir para dentro do Parlamento e rapidamente fazer a cabeça de várias lideranças partidárias, para trocar integrantes de comissão, para não ter voto impresso? Publicado em 2/8/2021, no link – https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-oplanalto/discursos/2021/discurso-do-presidente-da-republicajair-bolsonaro-na-cerimonia-de-assinatura-do-acordo-decooperacao-tecnica-agua-nas-escolas-palacio-do-planalto.

“Eu não estou aqui para criticar Poder nenhum. Mas tiraram o cara (Lula) da cadeia, tornaram ele elegível, para não ser presidente? É improvável. Agora, por que tiraram aquele cara da cadeia, por que o tornaram elegível? Passou na primeira instância, segunda instância, terceira instância. Na quarta: 'Ah, o foro dele não é em Curitiba'. Pelo amor de Deus!” “Você sabe os interesses de fora no Brasil, os interesses daqueles que perderam o poder para uma pessoa que não tinha nada para chegar. Tentaram me matar mas não conseguiram, depois até mesmo as eleições em si. E eu acredito que me só elegi porque tive muitos votos, caso contrário não teria sido eleito” "O que está em jogo também nas eleições de 22? Quem se eleger vai indicar mais dois nomes para o Supremo Tribunal Federal. É muita coisa em jogo. E se, porventura, tivermos desconfiança de fraude? Eu vou recorrer ao Supremo Tribunal Federal, cujo relator deve ser o ministro Barroso?" "Temos um problema pela frente: umas urnas eletrônicas que você não tem como auditá-las. E uma pessoa apenas, o ministro do Supremo Tribunal Federal, diz que a gente tem que acreditar" "Se eu estou apresentando mais uma forma de nós colocarmos um filtro e garantir a lisura das eleições, por que ele é contra? A gente começa a pensar outra coisa". Publicado em 3/8/2021 – https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941515-bolsonaro-acusa-presidente-do-tse-de-favorecer-eleicao-delula-em-2022.html

Nesse contexto, não há dúvidas de que as condutas do Presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da SUPREMA CORTE, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa – identificada no presente Inquérito 4781 e no Inquérito 4874 – que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e contra o sistema de votação no Brasil, tais como as constantes na live do dia 29/7/2021, objeto da notícia crime. As condutas noticiadas, portanto, configuram, em tese, os crimes previstos nos arts. 138. (calúnia), 139 (difamação), 140 (injúria), 286 (incitação ao crime), 287 (apologia ao crime ou criminoso), 288 (associação criminosa), 339 (denunciação caluniosa), todos do Código Penal, bem como os delitos previstos nos arts. 17, 22, I, e 23, I, da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83) e o previsto no arts. 326-A da Lei 4.737/65 (Código Eleitoral). Diante de todo o exposto, ACOLHO A NOTITIA CRIMINIS ENCAMINHADA PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E DETERMINO A INSTAURAÇÃO DE IMEDIATA INVESTIGAÇÃO EM FACE DAS CONDUTAS DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, JAIR MESSIAS BOLSONARO, com a autuação de Petição sigilosa, distribuída por prevenção ao Inquérito 4.781/DF, a ser instruída com a notícia crime e cópia do vídeo disponibilizado no link informado; e DETERMINO as seguintes diligências iniciais: (a) transcrição oficial, pela Polícia Federal, do vídeo por meio do qual divulgado o pronunciamento controvertido; (b) oitiva dos envolvidos no pronunciamento do Presidente da República, disponível no link encaminhado pelo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na condição de testemunhas, no máximo em 10 (dez) dias: (b.1) ANDERSON GUSTAVO TORRES, Delegado de Polícia Federal e atual Ministro da Justiça e Segurança Pública; (b.2) EDUARDO GOMES DA SILVA, Coronel de Artilharia (reformado) do Exército Brasileiro. Nomeado em 26/4/021 para exercer o cargo de Assessor Especial do Gabinete do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, código DAS 102.5. (b.3) JETERSON LORDANO, Youtuber; (b.4) ALEXANDRE ICHIRO HASHIMOTO, Professor da Faculdade de Tecnologia de São Paulo; (b.5) AMÍLCAR BRUNAZO FILHO, Engenheiro especialista em segurança de dados. Abra-se IMEDIATA vista à Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação, no prazo de 5 (cinco) dias. Após, os autos físicos deverão ser imediatamente remetidos à Delegada de Polícia Federal DENISSE DIAS ROSA RIBEIRO, responsável pela condução deste inquérito, para cumprimento das diligências.

Oficie-se e publique-se a presente decisão. Cumpra-se.

Brasília, 4 de agosto de 2021.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Fonte: Supremo Tribunal Federal (STF)

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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