A internet é canal de ameaças e agressões, principalmente contra mulheres, mas agora também usada como arma pelas vítimas
Segundo a Central Nacional de Denúncias de crimes cibernéticos, parceria da ONG SaferNet Brasil com o Ministério Público Federal, o número de denúncias de crimes cometidos pela internet em 2020 mais que dobrou em relação ao ano anterior: foram 156.692 denúncias, contra 75.428, em 2019.
Recentemente, atriz Nanda Costa foi alvo de ataques homofóbicos na internet após anunciar que seria mãe de gêmeas ao lado da cantora Lan Lahn. Neste mesmo período, a cantora Luísa Sonza foi atacada nas redes sociais, acusada sem fundamentos, de ser responsável pela morte do filho do comediante Whindersson Nunes e de Maria Lina, que faleceu dois dias após nascer prematuro.
A cantora, que já foi casada com o Whindersson, desativou os comentários em suas publicações e apagou as críticas sofridas. Ela chegou a postar um story chorando e desabafando sobre o caso, mas deletou em seguida. Sonza falou sobre o impacto negativo das agressões recebidas nas redes sociais sobre sua vida recentemente em um programa de televisão.
Esses ataques visam as mulheres, há um conteúdo misógino se você analisar. A maioria dos casos são contra mulheres. Existem casos envolvendo homens, mas são minorias, comenta a advogada Luciana Terra, liderança do projeto Justiceiras, que oferece atendimento e orientação jurídica e psicológica a mulheres vítimas de violência doméstica em todo o país.
Quem pensa que a internet é terra sem lei e que pode tecer comentários sobre uma figura pública ou anônima sem nenhuma consequência, precisa saber que essas condutas podem ser penalizadas pela lei. A sensação de falso anonimato na internet pode gerar discussões acaloradas, que seriam raramente faladas frente a frente com a pessoa. No entanto, há um limite para a liberdade de expressão e quando ultrapassado, o comentário publicado pode ser considerado crime, tal como racismo, injúria, difamação ou calúnia, para citar alguns casos, e o autor poderá responder pelos seus atos.
A legislação brasileira já prevê punições para quem promove ataques na internet. Existem diversas leis aplicáveis, como a Lei Carolina Dieckmann para invasão de dispositivo informático, o Marco Civil da Internet, o Código Penal e mais recentemente a Lei contra perseguição, o chamado stalking, para punir quem persegue e ameaça alguém se utilizando de meios digitais.
Mas como as celebridades, assim como pessoas anônimas, devem proceder quando são vítimas de agressão virtual? Seguem algumas dicas de especialistas:
É recomendável que a vítima procure um advogado especializado, para receber orientações antes de tomar qualquer atitude.
Em muitos casos, a vítima bloqueia o agressor ou apaga conteúdos das mensagens logo no começo, mas não coleta a comprovação do fato.É importante reunir todas as provas possíveis, que podem ser áudios, vídeos, imagens e mensagens que ajudem a identificar o autor e o fato ocorrido. Se possível identifique dados dos autores das mensagens. As simples prints não são provas recomendáveis, devido à facilidade de falsificações ou modificações.
Uma possibilidade para registrar as provas digitais é utilizar uma plataforma digital de registro de provas digitais, como o da Verifact. É um meio de coleta de provas que utiliza técnicas periciais e medidas que evitam fraudes no registro. A solução é mais acessível do que fazer uma ata notarial no cartório, por exemplo.
Com as comprovações dos ataques em mãos, a vítima pode acionar a Justiça para buscar reparação. A pessoa pode fazer um boletim de ocorrência uma delegacia especializada,ou fazer uma denúncia ao Ministério Público, Defensoria Pública ou alguma entidade de defesa da mulher, como os programas Justiceiras e Me too Brasil.
Exposed: veja os cuidados ao expor o agressor nas redes sociais
Em alguns casos, as celebridades vão para as redes sociais denunciarem as agressões, que não precisam necessariamente ser virtuais, o chamado exposed, quando a vítima expõe o fato publicamente para dar visibilidade ao caso. É preciso tomar certos cuidados ao fazer uma exposição do fato para não se tornar alvo de processo.
Para fazer uma exposição do fato de forma segura, o programa Justiceiras criou uma cartilha sobre Exposed elaborada pelas advogadas Beatriz Accioly, Isabella Pereira e Luciana Terra, com dicas de como agir se decidir tornar públicos relatos de agressões ou abusos. Seguem algumas orientações:
1. O objetivo de relatar um episódio de violência ou história de abuso publicamente é incentivar outras vítimas a formalizar denúncias contra seus agressores, além de fazer com que outras pessoas compreendam que talvez estejam passando pela mesma situação e possam pedir ajuda.
2. Antes de expor o fato nas redes sociais, é importante se resguardar juridicamente, reunindo evidências do episódio a ser narrado em seu relato e registrar o boletim de ocorrência, para demonstrar que você deseja uma investigação e ação na justiça.
3. Para evitar medidas judiciais pelo agressor é importante não o identificar ao publicar o fato nas redes sociais. Cuidado para não mostrar dados pessoais como nome, telefone, endereço pessoal e profissional, fotos ou vídeos, informações de documentos, dados de familiares. A identificação ainda que indireta do agressor em uma publicação pode levar a vítima a responder a um processo por danos morais ou injuria( em caso de ofensa ou xingamento), calúnia(em caso de imputação de falso cometimento de crime) ou difamação (em caso de ofensa à reputação do indivíduo).
4. O foco da publicação de exposição do fato nas redes sociais deve estar na descrição dos episódios de abuso ou violência que a vítima tenha sofrido, além do impacto que o episódio teve em sua vida pessoal e profissional. O objetivo da publicação é contar a história da vítima e como a situação afetou sua vida, em diversos aspectos.
5. Não é recomendável estimular outras pessoas a ofender, ameaçar ou perseguir o indivíduo (ou qualquer outra atitude de represália) no meio físico ou digital. Esta ação poderá ser interpretada como incitação ao ódio.