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Possibilidade de participação de entidades sem fins lucrativos (fundações privadas, associações e cooperativas) em licitações públicas

25/07/2023 às 14:33
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O parecer jurídico aborda a possibilidade de entidades sem fins lucrativos participarem de licitações públicas, com base em leis e jurisprudência. Associações e fundações privadas não podem ter finalidade econômica, enquanto cooperativas são formadas para exercer atividade econômica sem objetivo de lucro.

1. DA CONSULTA

Requisitou-nos o Sr. xxx a emitir parecer jurídico relativo à possibilidade de participação de entidades sem fins lucrativos (fundações privadas, associações e cooperativas) em licitações públicas.

O parecer apresenta respaldo jurídico fundamentado em disposições de natureza legal, doutrinária e jurisprudencial, sendo esta última voltada aos entendimentos pacificados pelo Tribunal de Contas da União – TCU; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, e Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – PGE-RJ.


2. DA FUNDAMENTAÇÃO

Ao abordar a temática das associações e fundações, entendidas como pessoas jurídicas de direito privado, o Código Civil Brasileiro prescreve que a associação é formada pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (CC, art. 53).

De diferente modo, a fundação privada é formada por intermédio de seu instituidor que, por escritura pública ou testamento, faz uma dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la (CC, art. 62).

Desde logo, verifica-se que tanto a associação quanto a fundação privada não podem ter finalidade econômica, embora exista um contraste na redação desses institutos: o da associação é expresso nesse sentido, e omisso o da fundação, mas facilmente depreendido, visto que a ideia de “geração de lucro” ou de “finalidade econômica” não participa do rol taxativo de seus fins autorizados.

Nessa matéria, importante registrar que a lei civil apenas admite a constituição de fundações com finalidades voltadas para assistência social; cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; educação; saúde, segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; promoção da ética, cidadania, democracia e direitos humanos ou atividades religiosas. (CC, art. 62, I ao IX)

Prosseguindo, as cooperativas são entes privados cuja definição encontra-se na Lei nº 5.764/1971, da seguinte forma:

Art. 3° Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro . [grifo nosso]

Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: [...]

O ensinamento de João Victor Tavares Galil, com base em doutrina de Maria Tereza Fonseca Dias, esclarece a relação que o Terceiro Setor, matéria estudada em Direito Administrativo, tem com as associações e fundações privadas, entidades sem fins lucrativos que inicialmente só tiveram seu tratamento jurídico no âmbito civilista, mas que a partir dos anos 1990 vieram a se tornar matéria de interesse publicista:

[...] a utilização do termo Terceiro Setor no âmbito jurídico-científico só ocorreu após o advento do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado. A razão salta aos olhos: com o plano, passou ao centro das discussões políticas a possibilidade de se desenhar um setor composto por entidades privadas que teriam o fim de substituir o Estado, o que mereceria zelo pelos estudiosos do Direito Público. Até então, o campo e atuação próprio das fundações privadas e associações civis sem fins lucrativos em destaque consistia apenas em objeto de estudo para os privatistas e não guardava maiores polêmicas diante da função estatal. Essa situação, no Brasil, alterou-se nos anos 90, quando se passou a acreditar na possibilidade constitucional de um setor autônomo inserido entre o público e o privado, o público não-estatal, público porque ausente a pretensão lucrativa e não-estatal porque prestado por entidades privadas. Concebeu-se a ideia jurídica de terceiro setor como aquele setor destinado, portanto, à prestação de atividades não exclusivas do Estado. [...] aquilo que se chama por terceiro setor na produção juscientífica nacional refere-se às entidades privadas sem fins lucrativos prestadoras de serviços sociais.” (GALIL, João Victor Tavares. Processo Licitatório e a Celebração de Parcerias com o Terceiro Setor. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020) [grifo nosso]

Para responder a questão-objeto deste parecer, importante destacar de antemão o conceito de Licitação Pública, aqui esposado pela professora Maria Sylvia Zanella di Pietro, renomada jurista do direito administrativo, referendando ensinamento de José Roberto Dromi:

“... pode-se definir licitação como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitam às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais vantajosa para a celebração do contrato”. (Direito Administrativo, 21ª. ed. São Paulo, Atlas, 2008, p. 331). [grifo nosso]

Isto posto, o artigo 6º, inciso IX, da Lei 14.133/2021, define o licitante como sendo toda “pessoa física ou jurídica, ou consórcio de pessoas jurídicas, que participa ou manifesta a intenção de participar de processo licitatório, sendo-lhe equiparável, para os fins desta Lei, o fornecedor ou o prestador de serviço que, em atendimento à solicitação da Administração, oferece proposta.” [grifo nosso]

Como o próprio nome sugere, licitação dispensável pressupõe a possibilidade de competição em contexto no qual o procedimento licitatório é opcional. A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21), ao tratar dessa modalidade, prevê no art. 75, incisos XIV, XV e XVII, casos de licitação dispensável em que figuram como licitantes as entidades sem fins lucrativos, e isso corrobora indubitavelmente para a autorização conferida pela lei a que tais pessoas jurídicas estejam habilitadas a integrar a dinâmica licitatória na qualidade concorrencial:

Art. 75. É dispensável a licitação:

XIV - para contratação de associação de pessoas com deficiência, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgão ou entidade da Administração Pública, para a prestação de serviços, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado e os serviços contratados sejam prestados exclusivamente por pessoas com deficiência;

XV - para contratação de instituição brasileira que tenha por finalidade estatutária apoiar, captar e executar atividades de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive para gerir administrativa e financeiramente essas atividades, ou para contratação de instituição dedicada à recuperação social da pessoa presa, desde que o contratado tenha inquestionável reputação ética e profissional e não tenha fins lucrativos ;

[...]

XVII - para a contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para a implementação de cisternas ou outras tecnologias sociais de acesso à água para consumo humano e produção de alimentos, para beneficiar as famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou pela falta regular de água. [grifos nossos]

Da leitura supra depreende-se que a participação de associações e fundações, bem como de cooperativas e demais entidades sem fins lucrativos, todos de natureza privada, não encontra óbice no ordenamento jurídico pátrio.

Outro fato notório é que a legislação não veda o exercício de atividade econômica por pessoa jurídica sem fins lucrativos desde que esteja em harmonia com o cumprimento de seus fins estatutários sob pena de desvio de finalidade.

José Eduardo Sabo Paes, exímio estudioso do tema, concorda que uma associação, desde que não proporcione ganhos aos associados, não se desnaturaliza, mesmo que realize negócios para manter ou aumentar seu patrimônio. À título exemplificativo, considere uma associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas e raquetes, mesmo que isso resulte em superávit para a entidade. Segundo o autor, ainda que uma sociedade civil venha a praticar, eventualmente, atos de comércio, isso não tem o condão de descaracterizá-la, porque a identificação da natureza da sociedade é a atividade principal por ela exercida, sendo isso o que efetivamente importa. (PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social. 5ª Ed. Brasília Jurídica. 2004).

Compreendida tal premissa, o que não deve existir em relação aos entes sem fins lucrativos é a distribuição de lucro entre os seus integrantes, afinal toda e qualquer espécie de “lucro” deve, em verdade, reverter-se ao exercício da finalidade da própria entidade. Portanto, entidades sem fins lucrativos podem lograr resultados econômicos positivos, consequentes dos fins sociais aos quais é dedicado o seu trabalho, sendo este o entendimento do art. 1º, § 1º, da Lei nº 9.790/1999 ao conceituá-las:

[...] considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social. [grifo nosso]

Justamente por isso não é tecnicamente correto defender que cooperativas, associações e fundações privadas estejam impedidas de competir em processos licitatórios em razão da geração de “lucro” ou de “saldo positivo” para uma ou ambas as partes do referido negócio jurídico. Reconheça-se que a existência de tais pessoas jurídicas dependa da manutenção de um patrimônio sadio, ou seja, da movimentação de recursos financeiros que garantam a continuidade do serviço prestado por esses entes.

Sem sombra de dúvida, é adequado sustentar que licitações e contratos administrativos possam ser celebrados por associações, cooperativas e fundações privadas e demais entes sem fins lucrativos, na qualidade de concorrentes, como vimos na própria Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021). Contudo, a ressalva premente é que o objeto do contrato tenha afinidade com o objeto social do ente privado, constante de seu ato constitutivo.

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Mais especificamente sobre fundações privadas, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro traçou a Orientação Administrativa PGE nº 01, em que nitidamente se constata a previsão, viabilidade e licitude da celebração de contratos públicos entre fundações de direito privado e a Administração Pública por intermédio de licitação:

Quando a Administração Pública celebrar contrato, termo de parceria, contrato de gestão ou qualquer outro ajuste de natureza contratual ou convenial, com fundação de direito privado, por intermédio de procedimento seletivo ou mediante contratação direta, deverá exigir, como condição para a sua celebração, a apresentação de documento expedido pelas 1º, 2º e 3º Promotorias de Justiça de Fundações, que ateste a sua regularidade e aptidão para contratar com o Poder Público, nos termos da Recomendação Conjunta 1º, 2º e 3º PJF nº 01/2015. (Publicado: DOI, de 15/05/2017 Pág. 22) [grifo nosso]

A esse respeito, a 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 7.459/2010, de relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, no julgamento do processo TC 019.843/2009-0, adotou os argumentos do MP/TCU, como razões de decidir para alterar a redação do subitem 1.4.1.1 do Acórdão n. 5.555/2009, assentando que a participação de entidades sem fins lucrativos em licitações públicas não pode sofrer proibição genérica, considerando como condição autorizativa que entre os serviços a serem prestados e os estatutos e objetivos sociais da entidade prestadora dos serviços exista nexo:

PEDIDO DE REEXAME. REPRESENTAÇÃO. NÃO DEVE HAVER VEDAÇÃO GENÉRICA DE PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES DE ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS, DESDE QUE HAJA NEXO ENTRE OS SERVIÇOS A SEREM PRESTADOS COM OS ESTATUTOS E OBJETIVOS SOCIAIS DA ENTIDADE PRESTADORA DOS SERVIÇOS. CONHECIMENTO. PROVIMENTO PARCIAL. NOVA REDAÇÃO AO SUBITEM 1.4.1.1 DO ACÓRDÃO nº 5.555/2009-2ª. CÂMARA. COMUNICAÇÃO AO INTERESSADO.

[...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Segunda Câmara, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. Conhecer do Pedido de Reexame para, no mérito, dar-lhe provimento parcial, alterando a redação ao subitem 1.4.1.1 do Acórdão n.º 5.555/2009- 2.ª Câmara, dirigido à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e que, doravante, em caráter normativo, aos Órgãos e Entidades da Administração Pública Federal Direta, Autárquica e Fundacional, que passa a ter o seguinte teor:

9.1.1. Determinar que não habilitem, nos certames licitatórios para a contratação de serviços de terceirização ou assemelhados, entidades sem fins lucrativos cujos estatutos e objetivos sociais não tenham nexo com os serviços a serem prestados; e [grifo nosso]

9.1.2. Dar ciência deste Acórdão ao recorrente, à Fiocruz, à Milênio Assessoria Empresarial Ltda., à Controladoria-Geral da União e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Dentre os argumentos apresentados para a decisão do Acórdão mencionado, destacam-se:

Embora uma atividade possa caracterizar-se como acessória e instrumental para um órgão da administração pública, esse aspecto não possui uma conexão direta com o cumprimento das finalidades estatutárias de uma entidade sem fins lucrativos que preencha os requisitos necessários à realização dos serviços. Dito de outra forma, a regularidade da prestação de serviços de terceirização por uma entidade sem fins lucrativos é aferida pela forma em que esta atua para cumprimento de suas finalidades essenciais, e não necessariamente pelo caráter acessório ou complementar da atividade objeto da prestação do serviço.

[...]

Por sua vez, o exame das condições técnicas e jurídicas apresentadas por entidades sem fins lucrativos, na fase de habilitação dos certames licitatórios para a prestação de serviços terceirizados, segue, por analogia, basicamente os procedimentos definidos pelo TCU por ocasião de reiteradas análises do cumprimento dos requisitos para a situação do art. 24, inciso XIII, da Lei n.º 8.666/93, concernentes à efetiva existência de nexo entre o objeto a ser licitado e os objetivos estatutários da instituição sem fins lucrativos. (Decisões Plenárias n.ºs 881/97, 830/90, 346/99, 30/2000, 150/2000, 1067/2001 e 1101/2002, e Acórdãos Plenários n.ºs 427/2002, 1549/2003, 839/2004, 1066/2004, 1934/2004 e 1342/2005)

De modo geral, a jurisprudência do Tribunal consolidou ser inviável a habilitação de licitante cujo objeto social seja incompatível com o da licitação (Acórdão n.º 1021/2007-Plenário).” [grifo nosso]

Assim, não basta que a entidade ostente, nos seus estatutos, o requisito de ser constituída sem fins lucrativos; deve ser verificado se, concretamente, a forma como a entidade vai executar os serviços do certame não implicará desvio de finalidade. Entre outras hipóteses passíveis de ocorrer, haverá desvio de finalidade se a entidade atuar em objeto incompatível com os seus objetivos estatutários ou como mera intermediadora ou locadora de mão de obra na prestação dos serviços.

[...]

Outro fator importante a corroborar para a tese de que não se deve promover a vedação genérica de participação de entidades sem fins lucrativos em licitações, porquanto viável, é o que reza o art. 24 da Lei de Licitações, que em seu inciso XX permite a contratação direta de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos, e de comprovada idoneidade, por órgãos ou entidades da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado. (Atual art. 75, XIV, da Lei 1.133/21)

Como brilhantemente esclarecido pela Representante do MP/TCU, o dispositivo legal assegura a habilitação de licitantes que atuem sem objetivo de lucro nos certames promovidos pela Administração Pública, ao passo que determinadas condições de atendimento do objeto prestado pela entidade sem fins lucrativos devam ser respeitadas, jamais implicando em desvio de finalidade, ou seja, não pode haver desobediência aos objetivos estatutários da entidade: sempre há que prevalecer a compatibilidade entre o objeto da licitação e a finalidade de atuação da entidade.

O entendimento insculpido no art. 5.º da Instrução Normativa nº 2/2008 do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) coaduna perfeitamente com a tese até aqui defendida:

Art. 5.º Não será admitida a contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos cujo estatuto e objetivos sociais não prevejam ou não estejam de acordo com o objeto contratado.

Parágrafo único. Quando da contratação de cooperativas ou instituições sem fins lucrativos, o serviço contratado deverá ser executado obrigatoriamente pelos cooperados, no caso de cooperativa, ou pelos profissionais pertencentes aos quadros funcionais da instituição sem fins lucrativos, vedando-se qualquer intermediação ou subcontratação.

Evidente é que a finalidade não lucrativa não pode se confundir com a existência de atividade econômica, isto seja, ter finalidade não lucrativa não significa impedimento total e irrestrito à realização de qualquer atividade econômica. Tanto isso é verdade que, como visto alhures, o artigo 3º da Lei 5.764/1971 trata da convivência simultânea do exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro, como finalidade basilar das cooperativas.

A vedação, como vimos, é diretamente ligada à distribuição dos resultados financeiros entre sócios, associados, dirigentes etc., e que, diante de eventuais excedentes operacionais – brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do patrimônio, auferidos em razão do exercício de suas atividades – estes frutos sejam aplicados integralmente na consecução do respectivo objeto social da entidade sem fins lucrativos, razão de sua própria existência, seja ela associação, fundação ou cooperativa.

A exceção à regra fica para a associações constituídas sob a forma de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), pois, em virtude de fazerem jus a isenções tributárias, são capazes de oferecer preço menor do que seus concorrentes, fato que incide em concorrência desleal, ferindo o princípio da isonomia.

Por seu turno, esclareça-se que o benefício tributário concedido à OSCIP não visa à contratação com o Poder Público através de licitações, mas sim à finalidade de celebração de Termo de Parceria com o Estado, segundo os preceitos da Lei 9.790/1999.

Sendo assim, o Plenário do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 746/2014, de relatoria do ministro Marcos Bemquerer, emitiu a seguinte decisão:

REPRESENTAÇÃO. GRUPO DE TRABALHO CRIADO PARA AVALIAR A LEGALIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO - OSCIP EM CERTAMES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. DESVIRTUAMENTO DA FORMA DE RELACIONAMENTO COM PODER PÚBLICO PREVISTA NA LEI N. 9.790/1999. QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. IMPOSSIBILIDADE. CIÊNCIA AOS ÓRGÃOS E ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO. 1. Às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, atuando nessa condição, é vedado participar de certames da Administração Pública Federal, porquanto tal agir implica ofensa à Lei n. 9.790/1999, que dispõe ser o Termo de Parceria o meio adequado de relacionamento entre elas e o Poder Público. 2. A participação de OSCIP em torneios licitatórios da Administração Pública consubstancia quebra do princípio da isonomia, eis que tais entidades possuem benesses fiscais, a elas concedidas para atuarem mediante o estabelecimento de Termo de Parceria. [grifo nosso]

[...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:

9.1. Firmar entendimento no sentido de que é vedado às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, atuando nessa condição, participarem de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal.

Em suma, seguramente pode-se asseverar que não só é possível uma associação sem fins lucrativos realizar atividade econômica e auferir “lucro” entendido como “saldo positivo”, “acréscimo de patrimônio” revertido exclusivamente ao financiamento de suas próprias atividades de cunho social, público-privado, como também poderá participar de procedimento licitatório no âmbito da Administração Pública.


3. DA CONCLUSÃO

Em razão do exposto, conclui-se que não há vedação absoluta à participação de associações, fundações ou cooperativas (pessoas jurídicas de natureza privada e sem fins lucrativos) em procedimentos licitatórios, sob o entendimento da Corte de Contas Federal – TCU; do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, e da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro – PGE-RJ.

Ao contrário, em situações dessa espécie, não deve haver vedação genérica à participação de entidades sem fins lucrativos, admitindo-se a contratação de associações, cooperativas ou fundações em que se demonstre nexo entre o objeto a ser contratado pela Administração e seus estatutos e objetivos sociais.

Todavia, a fim de evitar o desvio dos benefícios fiscais que a legislação confere a determinadas categorias de pessoas jurídicas sem fins lucrativos, em entendimento mais recente, o TCU proibiu que Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), atuando nessa condição, participem de processos licitatórios promovidos pela Administração Pública Federal.

Reitere-se a possibilidade de uma associação, cooperativa ou fundação privadas, sem fins lucrativos, auferirem “lucro” no sentido de “saldo positivo”, “acréscimo de patrimônio”, “angariação de recursos financeiros” revertidos exclusivamente para financiamento, manutenção e continuidade de suas atividades sociais, que são de interesse público-privado, porque o exercício de atividade econômica pode perfeitamente não ter finalidade econômica, não objetivar lucro, como visível e latente na definição das cooperativas (Lei 5.764/1971, art. 3º).

Finalmente, resta corroborar a tese de que entidades sem fins lucrativos, sobretudo as fundações privadas, estão autorizados a participar de procedimento licitatório no âmbito da Administração Pública.

É o Parecer, SMJ.

Rio de Janeiro, 04 de julho de 2023

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Sobre a autora
Flávia de Sena Campos

Museóloga, Psicanalista e Advogada. Bacharela em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO, 2016). Bacharela em Direito pelo Centro Universitário do Rio de Janeiro (UNIRJ, 2022). Aprovada no XXXVI Exame de Ordem (EUOAB, 2022). Membro da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Direito Administrativo e Constitucional da 29a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ). Psicanalista associada ao Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica (IBPC, 2024). Cursa Licenciatura em Letras, com habilitação em Literatura, pela Universidade Federal Fluminense (UFF, 2021-atual). Especialização em andamento em Direito Notarial e Registral e Gestão de Escritórios e Departamentos Jurídicos (Faculdade Legale, 2023-atual). Laureada "Pesquisadora em Direito Público" pela Academia Nacional de Juristas conveniada a Emil Bruner World University (ANAJ, 2022). Escritora, professora e palestrante. É revisora das obras jurídicas do doutrinador José Maria Pinheiro Madeira.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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