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Partilha de bens em inventário no caso de cônjuge sobrevivente casado em separação obrigatória de bens

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Na separação obrigatória de bens, a viúva pode ter direito a 50% dos bens adquiridos após o casamento, desde que prove esforço comum na aquisição. O regime foi flexibilizado, permitindo a comunicação de bens adquiridos na constância do casamento.

O presente parecer tem por objetivo discutir a partilha de bens em inventário no caso de cônjuge sobrevivente casado com o falecido em separação obrigatória de bens, eis que, à época do casamento (2006), o de cujus era sexagenário.

Inicialmente, importante esclarecer que, em 2006, para os nubentes com idade superior a 60 (sessenta anos), vigorava o disposto no art. 1.641. do Código Civil1, antes da modificação perfectibilizada pela Lei 12.344/2010, que aumentou a idade para 70 (setenta) anos.

Ressalta-se que o autor da herança faleceu em 2023, deixando somente filhos de outros relacionamentos.

Diante do regime do matrimônio, em relação à herança, o art. 1.829, I2, do Código Civil é claro ao afastar esse direito ao cônjuge sobrevivente, que não concorrerá com os descendentes.

Como descrito por Carlos Roberto Gonçalves3,

Não faria sentido, com efeito, permitir ao cônjuge eventualmente receber, a título de herança, os mesmos bens que não podiam comunicar-se no momento da constituição do vínculo matrimonial.

É sabido que na separação legal (ou obrigatória) de bens, cada um é titular do próprio patrimônio. Contudo, o referido regime acabou por ser flexibilizado quando da edição da Súmula n. 377/STF, em 1964, que dispõe: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Em maio de 2018, o STJ ressignificou a Súmula 377/STF, a partir do julgamento dos Embargos de Divergência em RESP n. 1.623.858. – MG (2016/0231884-4), complementando a redação daquela súmula, ao firmar o entendimento de que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição .”

Assim, caso a viúva alegue e comprove o esforço comum a justificar a meação, terá direito a 50% (cinquenta por cento) dos bens adquiridos após o casamento ocorrido em 2006.

Importante salientar que a referida participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado não precisará ser necessariamente financeira, mas pode resultar da conjugação de esforços que deriva da relação de convivência mantida.

Isto significa que, comprovado que o casal vivia de forma harmoniosa, prestando um ao outro assistência mútua durante a união e o cuidado dispensado à estruturação e conservação dos laços familiares, a viúva fara jus à meação, o que foi reafirmado pela Súmula 655 do STJ, de 20224.

Um dos julgados mencionados como precedente do entendimento sumulado, citado na íntegra, é o EREsp 1.171.820-PR, que dispõe:

Por sua vez, o entendimento de que a comunhão dos bens adquiridos pode ocorrer, desde que comprovado o esforço comum, parece mais consentânea com o sistema legal de regime de bens do casamento, recentemente confirmado no Código Civil de 2002, pois prestigia a eficácia do regime de separação legal de bens. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva).

(EREsp 1.171.820-PR 2ª S, 26.08.2015 – DJe 21.09.2015)

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decide na mesma linha, a exemplo do seguinte julgado:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE INVENTÁRIO C/C RESTITUIÇÃO DE HERANÇA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DOS AUTORES. UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIDA EM PROCESSO AUTÔNOMO. COMPANHEIRO QUE, AO TEMPO DO INÍCIO DO RELACIONAMENTO, CONTAVA COM MAIS DE 60 ANOS DE IDADE. IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. EXEGESE DO ART. 258, II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DOS BENS HAVIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. SÚMULA 377 DO STF. NECESSIDADE, TODAVIA, DE PROVA DA PARTICIPAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO COMUM. PRECEDENTES. "EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). DISSOLUÇÃO. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. PARTILHA. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. Caberá ao interessado comprovar que teve efetiva e relevante (ainda que não financeira) participação no esforço para aquisição onerosa de determinado bem a ser partilhado com a dissolução da união (prova positiva)," (STJ - Segunda Seção - Embargos de Divergência em REsp 1.171.820-PR, Rel. Min. Raul Araújo).

FALECIMENTO DA COMPANHEIRA, MÃE DA RÉ/APELADA, ANTES DO ÓBITO DO COMPANHEIRO, PAI DOS AUTORES/APELANTES. INCLUSÃO NO INVENTÁRIO DAQUELA DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO DURANTE A SOCIEDADE CONJUGAL DE FATO JUDICIALMENTE RECONHECIDA. MEAÇÃO QUE RESTOU PARTILHADA EM FAVOR DA DEMANDADA, ÚNICA HERDEIRA DA EXTINTA. AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA SUA PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. IRRELEVÂNCIA. CONTRIBUIÇÃO VERIFICADA NA FORMA DE EFETIVA ASSISTÊNCIA FAMILIAR, CONFORME ACERVO PROBATÓRIO FORMADO NOS AUTOS. MEAÇÃO DEVIDA. VALIDADE DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA. DECISÃO MANTIDA. SUPOSTA SUB-ROGAÇÃO DOS BENS PARTICULARES DO EXTINTO COMPANHEIRO. TESE NÃO COMPROVADA. ÔNUS QUE COMPETIA AOS AUTORES. INTELIGÊNCIA DO ART. 373, I, DO CPC (CORRESPONDENTE AO ART. 333, I, CO CPC/73). A prova da sub-rogação é ônus daquele que tem interesse na exclusão da partilha, devendo ela ser consistente, com densidade para demonstrar de modo seguro a venda de bem particular e sua efetiva sub-rogação no reemprego do numerário do bem vendido, com mostra de nexo causal entre a venda de um bem particular e incomunicável e a compra de outro com a sub-rogação do preço. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA ACERCA DE DETERMINADOS DISPOSITIVOS LEGAIS. ANÁLISE REALIZADA EXPLÍCITA OU IMPLICITAMENTE. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 489. DO CPC/2015. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

(TJSC, Apelação Cível n. 0001845-08.2012.8.24.0033, de Itajaí, rel. Jorge Luis Costa Beber, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 26-10-2017).

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Conclui-se, portanto, que o fator determinante da comunicação dos bens adquiridos após o matrimônio está na “conjugação de esforços que se verifica durante a sociedade conjugal, ou na affectio societatis própria das pessoas que se unem para uma atividade específica”, conforme doutrina de Arnaldo Rizzardo5.

Por fim, com relação ao aspecto processual, a depender da litigiosidade do caso, e caso a prova não possa ser produzida de forma documental, é possível que a comprovação do esforço comum com relação a cada bem adquirido durante o casamento deva ser feita em processo autônomo, na inteligência do art. 612. do CPC6.

Oportuno também informar que a obrigatoriedade da separação legal de bens para a os maiores de 70 (setenta anos) foi afastada recentemente, através do julgamento do Tema 1.236 do STF, que definiu:

nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública.

Dito isso, ressalta-se que não houve uma declaração de inconstitucionalidade deste regime, mas sim uma ponderação de que, negar aos idosos a liberdade de escolha, é tratamento paternalista e discriminatório.

Segundo o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, a obrigatoriedade anterior violava princípios fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade.

É o parecer.

Veridiana Toczeki Santos, OAB/SC 31478


Notas

  1. Art. 1.641 É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

    (...)

    II - da pessoa maior de sessenta anos;

  2. Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

    I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

  3. GONÇALVES, Carlos R. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. v.7. Disponível em: Minha Biblioteca, (17th edição). Editora Saraiva, 2023.

  4. Aplica-se à união estável contraída por septuagenário o regime da separação obrigatória de bens, comunicando-se os adquiridos na constância, quando comprovado o esforço comum.

  5. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 8ª. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 594.

  6. Art. 612. O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.

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