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Alíquota mínima do ISSQN e os benefícios fiscais

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31/05/2005 às 00:00
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3. Inexistência de Incompatibilidade entre a Emenda nº 37/2002 e os Benefícios Fiscais Abordados.

            3.1. Objetivo da Fixação de uma Alíquota Mínima de 2% para o ISSQN, Buscado pela Emenda nº 37/2002.

            Ainda que a alíquota mínima de 2% seja considerada constitucional, malgrado os argumentos apresentados, subsidiariamente, ainda é cabível discutir a aplicação do artigo 88 do ADCT, relativamente aos benefícios fiscais tratados neste parecer.

            É importante confrontar, neste momento, as finalidades pretendidas pela Emenda nº 37/2002 e pelas leis municipais que conferem os benefícios tributários para os contribuintes que possuem, em seu quadro de empregados, pessoas portadoras de deficiência, ou que patrocinem o esporte amador (como é o caso da Consulente).

            Inicialmente, conforme já analisado, a fixação da alíquota mínima de 2% para o ISSQN não encontra guarida no artigo 146, da Lei Fundamental. Logo, não se trata de uma norma com finalidade voltada para a resolução de conflitos de competência, regulamentação de limitações constitucionais ao poder de tributar nem para o estabelecimento de normas gerais.

            O único e verdadeiro intuito do artigo 88, do ADCT, sem dúvida, foi de evitar guerras fiscais entre os Municípios. Por conseguinte, sua aplicação deve se reduzir à busca de tal finalidade específica. Uma vez ausente a disputa fiscal entre municípios, o dispositivo perde razão de ser.

            O inciso I, do artigo 88, do ADCT confirma implicitamente esse desiderato, na medida em que excepciona a aplicação da alíquota mínima para os serviços referidos nos itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968.

            Os serviços ressalvados são os seguintes:

            "32 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares.

            33 – Demolição.

            34 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres". (7)

            Por que será que esses três serviços foram excetuados da alíquota mínima? Porque o artigo 12, alínea b, do Decreto-lei nº 406/68, previa que o local da prestação do serviço de construção civil (aspecto espacial da regra-matriz de incidência do ISSQN) seria o local onde se efetuar a prestação, ou seja, não havia um ambiente propício nem passível de sofrer guerra fiscal.

            Por conseguinte, para aqueles serviços expressamente excetuados, não seria necessária a implantação de uma alíquota mínima a ser atentamente observada por todos os Municípios, pois eles não eram atraídos pelos "paraísos fiscais", é dizer, os serviços relacionados à construção civil não eram objeto de guerra fiscal, na medida em que o fato gerador do ISSQN ocorria onde o serviço fosse efetivamente prestado, e não onde a construtora estivesse estabelecida.

            Aliás, esse raciocínio atingido teleologicamente acaba impondo novas reflexões acerca do atual alcance do artigo 88, do ADCT, a partir da vigência da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2004, uma vez que outros serviços passaram a ter como elemento espacial o local da prestação do serviço, e não mais o local onde está situado o estabelecimento da empresa, como se depreende do artigo 3º, incisos II a XXII, da Lei Complementar nº 116/03.

            Com efeito, o artigo 3º, incisos II a XXII, da Lei Complementar nº 116/03, já é auto-suficiente para eliminar a disputa fiscal entre os Municípios, quanto aos serviços ali discriminados, prescindindo, portanto, da "ajuda" contemplada pelo artigo 88, do ADCT.

            Novamente, vale a pena transcrever a opinião de José Eduardo Soares de Melo (op. cit., p. 136) sobre o porquê da fixação da alíquota mínima de 2%:

            "E nós sabemos que o que está por detrás disso, da razão de ser dessa Emenda Constitucional é evitar a manutenção dessa guerra fiscal que decorreu, como todos sabem, da fixação de alíquotas inferiores naqueles municípios que são inexpressivos que atraíram grandes contribuintes do ISS, que lá instalaram as suas sedes ou de forma legal, adequada fisicamente, ou talvez até com burla, com simulação – eu não sei – e, dessa forma, tratando de um modo isonômico, igual, a fixação de alíquotas, não haveria maior problema".

            Portanto, a fixação de uma alíquota mínima de 2% para o ISSQN tem como único objetivo eliminar a disputa fiscal entre os Municípios, impedindo, assim, o surgimento de "paraísos fiscais" para prestadoras de serviços, como também corrobora Kiyoshi Harada (op. cit., p. 426).

            3.2. Objetivos Contemplados pelos Benefícios Fiscais das Leis Bauruenses em Análise. Cotejo com o Artigo 88, do ADCT.

            De acordo com os minuciosos comentários investidos nos subitens 1.1 e 1.2 do presente parecer, os benefícios fiscais aqui tratados versam sobre temas consagrados e incentivados pela Constituição Federal de 1988, sem qualquer cunho arrecadatório.

            Aliás, como destacado, os incentivos fiscais aqui tratados representam verdadeiras e louváveis ações sociais em prol de pessoas portadoras de deficiência e do esporte amador. Certamente, inúmeros princípios e direitos constitucionais foram criativamente atingidos mediante a concessão do desconto fiscal para o contribuinte bauruense que contrate deficiente (com vínculo empregatício) ou que patrocine o esporte amador.

            Logo, percebe-se, mui facilmente, que não existe nenhuma implicação direta nem indireta desses incentivos fiscais a ponto de que prejudicar outros municípios, é dizer, não há de se cogitar em uma guerra fiscal, uma vez que a Prefeitura bauruense não está se tornando um paraíso fiscal por causa das duas benesses tributárias em discussão.

            Muito pelo contrário, mediante a aplicação dos dois benefícios em comento, a Prefeitura está provendo substancial e integralmente alguns importantes objetivos tutelados pela Lei Maior, sem mácula a nenhum outro.

            Por outro lado, negar aplicação a tais incentivos tributários implicaria em trocar as ações sociais visadas pelas leis bauruenses por "nada", ou, quiçá, por uma formalidade ou literalidade do texto emendado. Dessa forma, sairia perdendo tanto o Município, como as pessoas portadoras de deficiência e as pessoas que usufruem do esporte amador, ou seja, sairia perdendo tanto a sociedade, como um todo, como a própria Constituição Federal.

            Percebe-se, pois, que deve ser buscada uma interpretação sistemática e teleológica do artigo 88, do ADCT, se admitida for sua (questionável) constitucionalidade.

            Realmente, o sistema jurídico deve ser considerado como um todo harmônico, coerente, cabendo ao intérprete analisar a norma neste contexto múltiplo de preceitos inseridos num conjunto orgânico, enfatizando-se sempre a finalidade da norma, o resultado colimado pelo legislador, convertendo em realidade o objetivo ideado. (8)

            A respeito da interpretação teleológica, Antonio J. Franco de Campos esclarece:

            "1. A expressão de Aristóteles perdura no tempo: ‘a natureza não faz nada em vão’. A lei foi entendida em razão de um fim; ela se propõe a um fim – defesa dos interesses da comunidade, ou, em outros termos, do bem comum, segundo Tomás de Aquino. Desses enunciados chega-se à doutrina de Ihering: o fim prático da lei, ou todas as regras de direito se revestem de motivação pragmática, com o objetivo de solucionar as exigências sociais, que as inspiram. Para decidir com exatidão deve o intérprete, além do exame dos termos da norma (art. 111 do CTN) e do pensamento do legislador, examinar a sua ‘conveniência, a oportunidade prática’. O ‘fim prático da norma’ é o elemento de maior importância na interpretação.

            2. Julgamos, entretanto, ter sido Leonardo Coviello quem melhor enunciou as bases da doutrina, que poderíamos assim esquematizar: interpretação – elemento fundamental, fim prático da norma; objeto – satisfação das necessidades sociais do momento. Mas descobrir a ratio é operação delicada, pondera Longo. Betti, em sua clássica obra, distingue dois momentos: o lógico e o teleológico da norma.

            3. A aplicação da norma a um fato é uma correlação e resulta efeitos. O intérprete deve indicar o como e o porquê da correlação; como, momento lógico; o porquê, momento teleológico. Em síntese, a orientação prende-se à ‘fidelidade à lei como sendo um método teleológico’". (9)

            Por meio desse método de interpretação, pautado nas finalidades das normas jurídicas estudadas neste trabalho, constata-se a total compatibilidade entre os benefícios fiscais voltados para os portadores de deficiência e para o esporte amador e a não-aplicação da alíquota mínima de 2% do ISSQN, uma vez ausente qualquer disputa fiscal que ensejasse a aplicação do (inconstitucional) artigo 88, do ADCT.

            No tocante à interpretação sistemática, que se faz de acordo com o contexto, levando em consideração os diversos textos que se interligam na disciplinação de determinada matéria, (10) são inesquecíveis as lições de Alfredo Augusto Becker, extraídas de sua obra clássica "Teoria Geral do Direito Tributário", 3ª edição, São Paulo, Lejus, 1998, p. 115-116, pertinentes ao cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico:

            "A lei considerada em si mesma, como um ser isolado, não existe como regra jurídica. Isolada em si mesma, a lei existe apenas como fórmula literal legislativa sem conteúdo jurídico ou como simples fenômeno histórico. A lei não é um pássaro que o legislador solta abrindo as portas do Congresso. A lei tributária não é um falcão real que do punho do Executivo alça vôo para ir à caça do ‘fato gerador’. A regra jurídica contida na lei (fórmula literal legislativa) é a resultante lógica de um complexo de ações e reações que se processam no sistema jurídico onde foi promulgada. A lei age sobre as demais leis do sistema, estas, por sua vez, reagem; a resultante lógica é a verdadeira regra jurídica da lei que provocou o impacto inicial.

            Estas ações e reações se processam tanto no plano vertical (interpretação histórica) quanto no plano horizontal (interpretação sistemática). Esta fenomenologia da regra jurídica é observada à luz do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico e que consiste em síntese: extrair a regra jurídica contida na lei, relacionando esta com as demais leis do sistema jurídico vigente (plano horizontal) e sistemas jurídicos antecedentes (plano vertical)".

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            Destarte, além de perseguir a finalidade prática desejada pelo artigo 88 do ADCT (evitar guerra fiscal), é absolutamente imprescindível a interpretação sistemática e conjugada deste dispositivo com aqueles diversos artigos constitucionais "iluminados" e concretizados pelas leis bauruenses que concederam os incentivos fiscais em comento neste parecer. (11)

            Conforme já abordado, é totalmente cabível a aplicação dos incentivos fiscais bauruenses em testilha, sem qualquer violação ao artigo 88 do ADCT, uma vez que não são incompatíveis.

            De fato, não é nada complicado perceber a integração dos benefícios fiscais concedidos pelas Leis Bauruenses nº 3.491/92 e nº 3.791/94 com o artigo 88 do ADCT, abarcando o ensinamento de Celso, segundo o qual é contra o Direito julgar ou emitir parecer, tendo diante dos olhos, ao invés da lei em conjunto, só uma parte da mesma (Digesto, I, 3, 24).

            Por outro lado, exclui-se a aplicação do artigo 111, do Código Tributário Nacional, no caso em comento (que impõe uma interpretação literal sobre a legislação tributária que disponha sobre isenção), pois não são as leis municipais que estão sendo objeto de interpretação teleológica e sistemática (pessoas beneficiadas, tributos envolvidos, limites, descontos obtidos, prazos etc.), mas sim o artigo 88 do ADCT.

            Aliás, as leis municipais abordadas são suficientemente claras ao disciplinar os descontos sobre o ISSQN devido. A interpretação literal deve ser utilizada tão-somente para se detectar os contribuintes beneficiários, percentuais de descontos, tributos compreendidos, procedimentos administrativos, aplicação do valor dedutível etc. Enfim, a literalidade é aplicada na interpretação das próprias leis criadoras das benesses tributárias.

            Agora, foi feita toda uma explanação acerca das interpretações sistemática e teleológica apenas para revelar a total compatibilidade entre os benefícios fiscais municipais sob discussão e o artigo 88 do ADCT.

            Em outras palavras, quem se submeteu às interpretações teleológica e sistemática foi o artigo 88 do ADCT, quando, então, apurou-se a finalidade exclusiva de acabar ou inibir as guerras fiscais. Entretanto, para saber se os benefícios fiscais pretendidos pela Consulente podem, ou não, ser aproveitados à luz daquele dispositivo acrescentado pela Emenda nº 37/2002, mister se fez captar as intenções municipais com as leis tributárias em voga.

            Em suma, é totalmente possível o gozo da redução tributária do ISSQN em favor dos contribuintes bauruenses que contratem pessoas portadoras de deficiência como empregados, ou que patrocinem o esporte amador, ainda que isso importe carga tributária inferior à alíquota mínima de 2% (artigo 88, inciso I, ADCT), em total consonância com o texto constitucional.


4. Resposta e Considerações Finais.

            A pergunta nuclear do presente parecer é a seguinte:

            A Consulente, na condição de empregadora de deficiente e patrocinadora do esporte amador, pode se beneficiar dos incentivos fiscais previstos em leis municipais bauruenses, sofrendo, assim, uma carga tributária de ISSQN inferior ao limite determinado pela Emenda nº 37/2002?

            A resposta é afirmativa, ou seja, a Consulente, mesmo sofrendo a incidência do ISSQN na alíquota de 2% (dois por cento), tem o direito de descontar o ISSQN devido, na proporção de 5% (cinco por cento) para cada empregado portador de deficiência (dentro no limite legal de até 30%), bem como de abater até 5% (cinco por cento) do ISSQN devido, referentemente às aplicações (patrocínios) realizadas em prol do esporte amador, observando-se, obviamente, todos os ditames fixados pelas legislações municipais de regência.

            Chegou-se a esta conclusão, em primeiro lugar, tendo em vista a inconstitucionalidade do artigo 88 do ADCT, inserido pela Emenda nº 37/2002, por afrontar a autonomia municipal e, por decorrência, o princípio federativo.

            Subsidiariamente, com base no estudo e no confronto das finalidades perseguidas pelos benefícios fiscais em comento e pelo artigo 88 do ADCT, não se visualizou nenhum impedimento constitucional para a aplicação desses abatimentos fiscais, é dizer, a imposição da alíquota mínima não deve ser aplicada contra a Consulente, uma vez ausente qualquer indício ou intuito de disputa fiscal (cunho arrecadatório) nos incentivos em estudo, mas sim, pelo contrário, está-se diante de uma louvável e criativa ação social tutelada e prestigiada pela Constituição Federal.

            Este é o meu parecer sobre o caso consultado.

            Bauru-SP, outubro de 2004.


Notas

            1

A propósito, Francisco Ramos Mangieri, eminente auditor fiscal da Prefeitura de Bauru, em sua obra "O Novo ISS do Município de Bauru", Bauru, editora do Autor, 2004, p. 100, comenta que o presente artigo [artigo 54,da Lei nº 5.077/03] corrige uma situação de desigualdade verificada na Lei Municipal nº 3.491/1992, uma vez que, ao se referir simplesmente ao gênero "deficiência", acaba abarcando todas as suas espécies (física, auditiva, visual, mental e múltipla) e não mais somente os deficientes físicos. Assim, a partir da alteração, o empregador que contratar pessoas portadoras de qualquer espécie de deficiência, fará jus à benesse de que cuida a lei em questão. Necessária a mudança, já que a própria Constituição da República trata igualmente todos os tipos de deficiência.

            2

A redação original do dispositivo era a seguinte: Art. 1º. As empresas que mantiverem em seus quadros de funcionários pessoas portadoras de deficiência físicas gozarão de descontos no pagamento e impostos e taxas municipais.

            3

Palestra proferida no X Simpósio do IET/ISS, intitulada Questões Atuais do ISSQN, cujo texto foi publicado pela "Revista de Estudos Tributários" nº 31, maio-junho de 2003, p. 135-136.

            4

Direito Financeiro e Tributário, 12ª edição, São Paulo, Atlas, 2004, p. 426-427.

            5

O ISS na Constituição e na Lei, São Paulo, Dialética, 2003, p. 345.

            6

Art. 2º. Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como: I – ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município.

            7

De acordo com a nova lista de serviços, anexa à Lei Complementar nº 116, de 31/07/2004, esses serviços estão previstos nos subitens 7.02, 7.03, 7.04 e 7.05.

            8

José Eduardo Soares de Melo, "Interpretação e Integração da Legislação Tributária" in "Curso de Direito Tributário", coord. Ives Gandra da Silva Martins, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 139-140.

            9

"Interpretação e Integração da Legislação Tributária", in "Comentários ao Código Tributário Nacional", coord. Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 64-65.

            10

Kiyoshi Harada, op. cit., p. 440.

            11

Ver subitens 1.1 e 1.2 deste parecer.
Assuntos relacionados
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Alíquota mínima do ISSQN e os benefícios fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 695, 31 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16620. Acesso em: 29 mar. 2024.

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