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Precatórios de natureza alimentícia.

Sua utilização para compensação de tributos e nomeação à penhora em executivos fiscais

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15/09/2009 às 00:00
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Do oferecimento à penhora do precatório alimentar pelo cessionário

Independentemente de o precatório alimentar ter, ou não, poder liberatório, como título representativo de crédito que é pode ele ser cedido, bem como oferecido à penhora para garantia do juízo da execução.

A consulente juntou diversos acórdãos recentes do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo adiante mencionados, todos em sentido contrário à possibilidade de penhora desses precatórios. Procedemos ao exame dos seguintes acórdãos: Ap. cível com revisão nº 912.959-5-9-00, Rel. Des. Danilo Panizza; Agravo Interno nº 911.455-5/3-01, Rel. Des. Teresa Ramos Marques; Agravo de Instrumento nº 814.098-5/4-00, Rel. Des. Guerrieri Rezende; Ap.. cível com revisão nº 898.086-5/4-00, Rel. Des. Edson Ferreira; Ap. cível com revisão nº 656.556-5/4-00, Rel. Des. Moacir Peres; Ap. cível com revisão nº 717.793-5-9-00, Rel. Des. Gonzaga Franceschini.

Esses acórdãos não admitem a compensação, que estaria limitada aos precatórios comuns, parcelados pela EC nº 30/2000. Um deles sustenta chega a sustentar que a compensação implicaria quebra de ordem cronológica estabelecida pelo art. 100 da CF.

A questão do poder liberatório, como antes mencionado, está para ser definido pelo Plenário da Corte Suprema.

Quanto à quebra de ordem cronológica, tese que encontra precedente na inusitada decisão proferida pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 4298966-6/01) incorre em manifesto equivoco, por negar efeito ao comando do § 2º, do art. 78 do ADCT. Absolutamente impossível o reconhecimento do poder liberatório dentro da ordem cronológica estabelecida pelo art. 100 da CF, pois, nem todos os credores por precatórios são devedores de tributos, além de outras inúmeras particularidades que inviabilizam a observância de ordem cronológica de apresentação dos precatórios na quitação de tributos da entidade política devedora por meio de precatórios de sua responsabilidade.

No que tange a nomeação à penhora de precatórios alimentares pelo cessionário não nos parecem acertadas as decisões estampadas nos acórdãos examinados, que alinham os seguintes argumentos: (a) precatório alimentar não permite cessão ao teor do art. 78 do ADCT; (b) aceitação da penhora implica compensação não permitida pelo § 2º, do art. 78, do ADCT; (c) o § 3º do art. 16 da Lei nº 6.830/88 veda a compensação; (d) falta a previsão legal referida no art. 170 da CTN.

Examinado-se atentamente o relatório desses julgados, salvo nos casos de mandados de segurança impetrados, nota-se que o próprio executado, ao nomear à penhora precatórios alimentares com fundamento no § 2º do art. 78 do ADCT, acabou por provocar a consagração de entendimento equivocado.

A extensão do poder liberatório do pagamento do tributo da entidade política devedora ao cessionário de precatório parcelado, operada pelo art. 78 do ADCT, por óbvio, não implicou, nem poderia implicar proibição de cessão de crédito de natureza alimentar, matéria regulada pelo Código Civil em seu art. 286. O que não pode ser cedido, penhorado ou renunciado são os direitos a alimentos de que cuida o Direito de Família (art. 1.707 do CC).

Quanto à alegada compensação pela penhora, o argumento, também, não procede. A penhora constitui garantia do juízo, indispensável ao exercício do direito de defesa por meio de embargos (§ 1º do art. 16 da Lei nº 6.830/80). O precatório objeto de penhora poderá ser arrematado por qualquer interessado e nem há necessidade de coincidência entre a entidade política exeqüente de tributo e aquela entidade política contra a qual foi expedido o precatório. Em outras palavras, o precatório estadual pode ser dado em penhora em uma execução federal e vice-versa. O precatório equivale a um titulo de crédito, pois o seu titular detém o direito de percepção do crédito, que pode ser cedido nos termos do direito comum.

Por isso, a aceitação da nomeação à penhora de precatório alimentar não pode ficar condicionada à existência de poder liberatório dessa espécie de precatório.

Inconsistente, outrossim, o argumento da falta de previsão legal. Não bastasse a jurisprudência do STJ e do STF no sentido da aplicação imediata do § 2º, do art. 78, do ADCT, a extinção do crédito tributário pela forma prevista nesse dispositivo transitório não se confunde com a modalidade de extinção, por via da compensação, prevista no art. 170 do CTN, a qual, se opera exclusivamente entre tributos.

Na compensação há faculdade do poder público de dispor a respeito. Na modalidade de extinção do crédito tributário prevista no § 2º, do art. 78, do ADCT há direito auto-exercitável do credor por precatório de extinguir o crédito tributário. Por isso, denominamos de dação em pagamento, porém, uma dação que independe da vontade da Fazenda. O fato de a doutrina e a jurisprudência ter batizado de compensação a essa modalidade de extinção do crédito por aplicação do comando previsto no ADCT não a transforma em mera faculdade do poder público de implementar, ou não, o disposto no art. 170 do CTN. A eficácia do § 2º, do art. 78, do ADCT não está na dependência da vontade dos legisladores de 27 Estados-membros e de mais de 5.500 Municípios.

A jurisprudência dos tribunais é tranqüila no sentido da possibilidade de penhora de créditos oriundos de precatórios cedidos a terceiros. Senão vejamos:

"EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM NOMEADO À PENHORA. PRECATÓRIO DE EMISSÃO DA EXEQÜENTE, ADVINDO DE CESSÃO DE CRÉDITOS. POSSIBILIDADE.

1. A Lei 6.830/80, art. 9º, III e art. 11, VIII atribui ao executado a prerrogativa de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações.

2. A execução deve ser promovida pelo meio menos gravoso ao devedor.

Inteligência do art. 620 do CPC.

3. Conseqüentemente, admite-se a nomeação, para fins de garantia do juízo, de crédito da própria Fazenda Estadual consubstanciado em precatório, máxime por suas características de certeza e liquidez, que se exacerbam quando o próprio exeqüente pode aferir-lhe a inteireza. (Precedentes: REsp. nº 739996/SP , Relator Ministro CASTRO MEIRA, DJ. 19.12.2005; REsp. nº 757303/SP, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ. 26.09.2005; AgRg no REsp 434.722 - SP , Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de 03 de fevereiro de 2003; REsp 365-095 - ES, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 9 de dezembro de 2003; AgRg no REsp 399557 - PR, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, DJ de 13 de maio de 2002).

4. In casu, a recorrente nomeou à penhora precatório oriundo de cessão de crédito, tendo a 7ª Vara de Fazenda Pública deferido a sucessão processual por cessão de crédito, razão pela qual nenhum óbice há à aceitação da referida nomeação à penhora.

5. Recurso especial provido" (RESP nº 721.423/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 18/9/2006, p. 270).

"PROCESSO CIVIL. PENHORA. PRECATÓRIO ORIUNDO DE CESSÃO DE CRÉDITO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1.Agravo de instrumento para reformar decisão que inadmitiu recurso especial intentado contra acórdão que indeferiu nomeação à penhora de precatório oriundo de cessão de crédito.

2. A nomeação de bens à penhora deve-se pautar pela gradação estatuída nos arts. 11 da Lei nº 6.830/80 e 656 do CPC. No entanto, esta Corte Superior tem entendido que tal gradação tem caráter relativo, já que o seu objetivo é realizar o pagamento do modo mais fácil e célere. Pode ela, pois, ser alterada por força de circunstâncias e tendo em vista as peculiaridades de cada caso concreto e o interesse das partes.

3. No caso sub examine, a recorrente nomeou à penhora precatório oriundo de cessão de crédito. Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X do art. 655 do CPC, já que o crédito do precatório equivale a dinheiro, bem este preferencial (inciso I, do mesmo artigo).

4. Precedentes. 5. Agravo conhecido para conferir provimento ao recurso especial (art. 544, § 3º, do CPC)" (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 685.314 - SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 03/08/2005).

O E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, também, vem admitindo a penhora de precatório cedido como demonstra a ementa abaixo transcrita:

"AGRAVO INTERNO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO À PENHORA. CESSÃO DE PRECATÓRIO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS FORMAIS.

1.Possibilidade de se negar seguimento a recurso que se mostra em confronto com jurisprudência dominante neste Tribunal, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil. Ratificação da decisão pelo Colegiado.

2. É possível a nomeação à penhora dos créditos advindos de cessão de precatórios, consoante precedentes do E. STJ. Possibilidade, contudo, condicionada à observância de requisitos formais. Necessidade de comprovação do vencimento do precatório, da habilitação do cessionário nos autos da execução do crédito e do instrumento público de cessão, no qual conste o valor do precatório, o valor cedido, e o valor por ele pago.

3. Impossibilidade de nomeação à penhora de créditos de precatórios sem comprovação de habilitação nos autos dos processos em que estes foram expedidos.

AGRAVO INTERNO DESPROVIDO POR MAIORIA" ( Agravo Interno nº 70030178966, Rel. Dr. Miguel Ângelo da Silva, j. em 3/6/2009).

No que se refere especificamente à penhora de precatório alimentar oferecido pelo cessionário, a E. Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo admitiu a nomeação à penhora em voto fundamentado, que distingue o efeito liberatório do pagamento de tributo, da cessão de crédito decorrente de precatório alimentar, conforme se verifica na ementa abaixo:

"Processo de execução. Habilitação. Precatório. Cessão.

1. Os arts. 41 e 42 do CPC, que dizem respeito ao processo de conhecimento, impuseram como regra a estabilidade da relação processual e, havendo cessão da coisa ou do direito litigioso, o adquirente ou o cessionário somente poderá ingressar em juizo com a anuência da parte contrária.

2. No processo de execução, diferentemente, o direito material já está certificado e o cessionário pode dar início à execução ou nela prosseguir sem que tenha que consentir o devedor.

3. O direito de crédito, oriundo de precatório de natureza alimentar, não se confunde com os alimentos, previstos no Direito de Família e que se submetem às restrições do art. 1707 do CC/02.

4. O exame da CF permite diferenciar "efeito liberatório" de cessão de direitos creditórios e pagamento mediante compensação, de forma que a segunda não se apresenta incompatível com a sistemática dos precatórios.

5. O efeito liberatório é reservado ao crédito cujo precatório foi parcelado pela moratória do art. 78 do ADCT e não teve honrado o pagamento da parcela na época prevista, sendo inexistente em relação aos demais créditos consolidados em precatórios, inclusive os alimentares.

Agravo provido" (Agravo de Instrumento nº 866.146-5/0, Rel. Des. Laerte Sampaio).

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Como se vê, nenhum empecilho há na nomeação à penhora de precatório alimentar pelo cessionário. Aliás, com a cessão o precatório perde sua natureza alimentar, como proclamada pela jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reflete a pura realidade . Se o cessionário for uma pessoa jurídica, incogitável a idéia de natureza alimentar.


Respostas aos quesitos

1 - Pede-se breves comentários sobre julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negam o poder liberatório do precatório alimentar e não admitem seu oferecimento à penhora, principalmente, por parte do cessionário (acórdãos anexos).

R: A questão do poder liberatório está sub judice perante a Corte Suprema, como já vimos. Quanto a nomeação à penhora de precatórios alimentares por parte do cessionário, conforme demonstrado no corpo deste parecer, os fundamentos dos venerandos acórdãos anexados na consulta não se sustentam à luz dos textos constitucionais e legais. Outrossim, discrepam da jurisprudência do STJ, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do bem fundamentado acórdão proferido pela E. Terceira Câmara de Direito Público do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, muito acertadamente, separa a questão do poder liberatório do pagamento de tributo, que é uma coisa, da cessão de precatório de natureza alimentar, que é coisa diversa e que nada tem a ver com os alimentos regulados pelo Direito de Família.

2 - Se o precatório alimentar não for munido do poder liberatório, pergunta-se, é possível requerer o seu seqüestro depois de vencido e não pago?

R: Se for considerado que o precatório alimentar não tem poder liberatório do pagamento de tributos fica afastada a aplicação do art. 78 e § 2º do ADCT. Consequentemente, esse precatório deverá ser pago na forma prescrita no § 1º, do art. 100 da CF. O seu valor deverá ser incluído no orçamento do exercício seguinte, se apresentado o precatório até 1º de julho, e pago atualizadamente até o final desse exercício.

Na falta de previsão expressa, o seqüestro de precatório vencido e não pago não tem sido deferido pelo Judiciário, sem que haja preterição na ordem cronológica. Caracteriza-se a preterição ao direito de precedência a legitimar o seqüestro o atraso no pagamento de precatório alimentar verificável em confronto com a fila de precatório não alimentar.

3 - Em caso de concluir pela inexistência do poder liberatório do pagamento pode o precatório alimentar ser oferecido em penhora na execução fiscal?

R: Se concluir que o precatório alimentar não tem poder liberatório, esse precatório poderá ser oferecido à penhora em processo executivo fiscal como forma de assegurar o juízo da execução, a fim de possibilitar a defesa do executado por meio de embargos.

Como titulo representativo do direito de crédito o precatório alimentar pode ser oferecido à penhora em qualquer execução fiscal movida pela Fazenda Municipal, Estadual ou Federal por não implicar compensação. Esse direito penhorado pode ser arrematado por qualquer interessado. Só terá efeito compensatório se entender que o precatório alimentar é provido de poder liberatório. Caso contrário não, porque o sistema jurídico vigente não abriga a figura da adjudicação compulsória. A possibilidade de oferecer à penhora esse tipo de precatório pelo credor originário ou pelo seu cessionário tem amparo em vasta jurisprudência citada no corpo deste parecer.

4 - Se for acolhida a tese de que o precatório alimentar está munido do poder liberatório do pagamento de tributos o que mudaria em termos de utilização dessa espécie de precatório para garantia do juízo da execução? E como proceder para obter a futura quitação do débito tributário ou o sobrestamento da execução?

R: Na hipótese de a Corte Suprema decidir que o precatório alimentar vencido não pago adquire poder liberatório do pagamento de tributos, o credor originário ou seu cessionário com instrumento devidamente formalizado poderá proceder à compensação administrativa, bem como oferecer à penhora esse precatório alimentar nos casos de execuções já ajuizadas. No caso de rejeição dos embargos com a decisão transitada em julgado operará a extinção do crédito tributário sob execução até onde for compensável com o valor atualizado do precatório. Enquanto em vigor o § 2º, do art. 78, do ADCT não terá aplicação a restrição contida no § 3º, do art. 16, da Lei nº 6.830/80.

5 - Qual o recurso cabível da decisão do Tribunal local que negar o poder liberatório do pagamento de tributo, ou da decisão que repelir a nomeação de penhora de precatório alimentar?

R: Da decisão do tribunal que negar o poder liberatório do pagamento do tributo caberá recurso extraordinário na forma da letra "a" do inciso III, do art. 102 da CF. Se a negativa envolver aplicação do art. 170 do CTN caberá, também, o recurso especial, na forma do art. 105, III, "a" da CF. Após decisão contrária do STF pela negativa da compensação nos RREE mencionados no corpo deste parecer nenhum recurso caberá.

Da decisão do tribunal que repelir a nomeação à penhora caberá recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça na forma acima, a menos que a negativa esteja fundada na ausência de poder liberatório do pagamento de tributo, hipótese em que cabível é o recurso extraordinário como já mencionado. Entretanto, como visto na resposta dada ao quesito 3, poder liberatório do pagamento de tributo e nomeação à penhora de precatório alimentar são coisas distintas.

É o nosso parecer s.m.j.

São Paulo, 27 de agosto de 2009.

Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Precatórios de natureza alimentícia.: Sua utilização para compensação de tributos e nomeação à penhora em executivos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2267, 15 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16902. Acesso em: 26 abr. 2024.

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