Parecer ministerial: Direito ambiental

10/08/2016 às 15:30
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Trata-se de Parecer Ministerial no qual se analisa a possibilidade de construção em área de proteção ambiental e a aplicação do código florestal em área urbana sob a ótica do Direito Ambiental.

APELAÇÃO CÍVEL: 5008955-11.2014.404.7205

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO QUADROS DA SILVA

APELANTE: ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC, MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC E FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE- FAEMA

APELADO: OS MESMOS, FRECHAL CONSTR/ E INCORPORAÇÕES LTDA., MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS-IBAMA E UNIÃO

 

 

RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL EM ÁREA URBANA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS EM FAVOR DO ASSISTENTE LITISCONSORCIAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PARECER PELO DESPROVIMENTO DOS RECURSOS DE APELAÇÂO INTERPOSTOS PELO MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC E PELA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE- FAEMA, E PELO PROVIMENTO DO APELO DA ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC.

 

 

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

 

 

 

Egrégio Tribunal!

 

Colenda Turma!

 

 

I. RELATÓRIO:

 

 

Tratam-se dos Recursos de Apelação constantes no Evento 03 (APELAÇÃO136, APELAÇÃO140 e APELAÇÃO141), interpostos, respectivamente, pela ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC, pela FUNDAÇAO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE-FAEMA e pelo MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC em face da sentença constante no Evento 03 (SENT132), a qual julgou PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em desfavor de FRECHAL CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., do MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC e da FAEMA, condenando-os, solidariamente, às obrigações de fazer no que toca à área/imóvel localizado na Rua Carlos Rischbieter, n° 866, Bairro Boa Vista, Blumenau/SC, em que efetuados supressão de vegetação e aterro/terraplanagem irregularmente em Área de Preservação Permanente-APP, consistentes em elaboração de Plano de Recuperação de Área Degradada-PRAD no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado, observando as recomendações do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS-IBAMA, apresentando-o perante a Autarquia Ambiental, que deverá analisá-lo no prazo de 60 (sessenta) dias, iniciando a implementação do referido PRAD no prazo de 30 (trinta) dias após a aprovação pelo IBAMA, encerrando-o dentro do cronograma estipulado, sem prejuízo das demais sanções na fase de execução.

 

Há contrarrazões, constantes no Evento 03 (CONTRAZ143, CONTRAZ147, CONTRAZ152, CONTRAZ155 e CONTRAZ158), respectivamente da lavra do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, da UNIÃO, da ACC/SC, do IBAMA e da FRECHAL CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA.

 

É, no que importa, o relatório.

 

 

II. FUNDAMENTAÇÃO:

 

 

1. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE-FAEMA.

 

 

Irresigna-se a FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE-FAEMA em seu Recurso de Apelação quanto à sua condenação solidária referente à elaboração e implantação de Plano de Recuperação de Área Degradada-PRAD, tendo em vista que as licenças expedidas foram pautadas em estrita legalidade, tendo por base a lei do MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC.

 

Sem razão, no entanto.

 

Ora, primeiramente há de se verificar que a legislação municipal que deu suporte à concessão das licenças de que aqui se trata afronta diretamente o exposto na legislação federal aplicável, visto que permite intervenção em área considerada de preservação permanente pelo Código Florestal (artigo 2°, "a", item 3, da Lei nº 4.771/65).

 

Com efeito, sabemos que a competência da UNIÃO para legislar em matéria ambiental limita-se a estabelecer normas de caráter geral, que deveriam ser seguidas pelos Estados e Municípios. Assim, nos casos em que houver lei estadual ou municipal contrária à legislação federal, esta última manterá sua eficácia sobre as demais.

 

Desta forma, tendo a FAEMA, bem como o MUNICÍPIO DE BLUMENAUS/SC, emitido licenças e autorizações ambientais à FRECHAL CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., com inobservância da legislação federal ambiental pertinente, entendo que participaram de ato lesivo ao permitir o corte e/ou a supressão de vegetação, terraplenagem e a edificação em terreno situado em área de preservação permanente, concorrendo, assim, para o evento danoso.

 

Assim, sou pelo DESPROVIMENTO do Recurso de Apelação interposto pela FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE-FAEMA, a fim de se manter incólume a sentença recorrida, nos termos da fundamentação retro.

 

 

2. DO RECURSO DE APELAÇÃO DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC.

 

 

Sustenta o MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC em seu Recurso de Apelação a inaplicabilidade do Código Florestal às áreas urbanas, alegando que a partir da alteração do artigo 2° do Código Florestal (Lei nº 4.771/65) pela Lei nº 7.803/89 as limitações estabelecidas no referido artigo 2°, alínea "a", item 3 e seu parágrafo único, não seriam mais aplicáveis à zona urbana, devendo ser aplicada a Lei nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e, que segundo o primeiro, "atribui plena competência para os Municípios em autorizar licenciamentos dentro da zona urbana desde que obedecidos seus preceitos", no caso, a reserva de faixa não-edificável de 15 metros no mínimo, nos termos do artigo 4°, inciso III, da Lei nº 6.766/79.

 

Sem razão, no entanto.

 

Ora, conforme se poderá ver na jurisprudência pátria em seguida, não há maiores discussões sobre a aplicabilidade do Código Florestal em áreas urbanas, pois que tal dispositivo legal, após definir como área de preservação permanente as formas de vegetação natural situadas na área correspondente a 100 (cem) metros das margens de rios/cursos d'água, cuja largura seja entre 50 (cinquenta) e 100 (cem) metros, é expresso ao determinar que, mesmo nas áreas urbanas, devem ser respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo (artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 4.771/651).

 

Veja-se, nessa linha, a jurispudência do Egregio Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

 

“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CÓDIGO FLORESTAL. ÁREA URBANA. A legislação federal de proteção do meio ambiente aplica-se à área urbana dos Municípios. Precedentes. Incumbe ao Município a obrigação de elaborar e, após aprovação pelo IBAMA, executar o PRAD, para recuperação de vegetação nativa na faixa de 30 (trinta) metros das margens do rio, nos termos do art. 2º, letra "a", inciso I, da Lei n.º 4.771/65.”. (TRF4, AC 5001446-59.2010.404.7208, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 07/07/2014, grifei)

 

 

ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. DANO AMBIENTAL CARACTERIZADO. OBRA NO PERÍMETRO URBANO. OBEDIÊNCIA DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FEDERAL. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS E INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Determinando a legislação que a vegetação existente às margens dos rios constitui área de preservação permanente, nenhum órgão ambiental municipal ou estadual pode autorizar a realização de obras no espaço correspondente àquela área protegida pelo Código Florestal, ainda que situada no perímetro urbano. 2. O licenciamento ambiental deferido pelo órgão estadual (FATMA), para a construção do supermercado em Área de Preservação Permanente, está eivado de irregularidades. 3. Da análise literal do Decreto Federal 750/1993 - hoje substituído pela Lei 1.428/06 (Lei da Mata Atlântica), que repete, em tudo e por tudo, os pressupostos da norma revogada - conclui-se que são cinco os requisitos legais básicos para a supressão 'excepcional' de vegetação situada no bioma da Mata Atlântica, quando se tratar de vegetação que não esteja em estágio inicial de regeneração: a)autorização 'motivada' do órgão estadual competente; b)anuência do Ibama; c)comunicação ao Conama; d)presença de atividades ou projeto de utilidade pública ou interesse social; e)elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental. Ora, esses requisitos, todos de caráter vinculante, não estão presentes nos autos (fato incontroverso), o que vicia, com nulidade absoluta, as licenças concedidas. 4. Verificada a ausência dos fundamentos invocados pela autoridade administrativa para efeito de cancelar o auto de infração e o termo de embargo, não há como negar a nulidade do ato administrativo. 5. Reconhecida a responsabilidade da empresa ré pelo dano ambiental e inviabilizada a restauração in situ, impõe-se a execução de medidas compensatórias que, devido às particularidades do caso concreto, podem ser cumuladas com indenização pecuniária em favor do FFRDDL. 6. Apelação provida.”. (TRF4, 4ª Turma, AC nº 2002.04.01.016782-9, Rel. Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, D.E. 30/07/2013, PUBLICAÇÃO EM 31/07/2013, grifei)

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Aliás, outro não é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, senão vejamos:

 

 

“AMBIENTAL. AÇÃO POPULAR. MATA ATLÂNTICA. ÁREA URBANA. BALNEÁRIO DE CAMBORIÚ. CÓDIGO FLORESTAL E DECRETO DA MATA ATLÂNTICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FEDERAL A ZONA URBANA DOS MUNICÍPIOS.

1. A legislação federal de proteção do meio ambiente e da flora, independentemente de referência legal expressa, aplica-se à área urbana dos Municípios. Precedentes do STJ.

2. Agravo Regimental provido.”.

(AgRg no REsp 664.886/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 09/03/2012)

 

 

Assim, sou pelo DESPROVIMENTO do Recurso de Apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC, mantendo-se incólume, portanto, a sentença vergastada.

 

 

    1. DO RECURSO DE APELAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC.

 

 

Irresigna-se a ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC, em seu Recurso de Apelação, quanto à parte da sentença que deixou de aplicar honorários advocatícios, sob o fundamento de que deve haver simetria de tratamento quando a Ação Civil Pública é ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

 

Com razão a ACC/SC, ora Apelante.

 

Ora, a questão sub judice não estava sendo acompanhada, única e exclusivamente, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, órgão público, mas sim também por assistente litisconsorcial representado por advogado particular.

 

Desta forma, entendo que a postura adotada para a não-fixação de honorários sucumbenciais em favor do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL não alcança a ACC/SC, ora Apelante, razão pela qual são devidos os honorários sucumbenciais à Associação referida.

 

Assim, sou pelo PROVIMENTO do Recurso de Apelação interposto pela ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC, a fim de se reformar a sentença recorrida neste ponto, fixando a verba honorária em favor do advogado da Apelante, no percentual de 20% do valor atríbuido à causa.

 

 

 

III. CONCLUSÃO:

 

 

Ante o exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo DESPROVIMENTO dos Recursos de Apelação interpostos pelo MUNICÍPIO DE BLUMENAU/SC e pela FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE-FAEMA, e pelo PROVIMENTO do Recurso de Apelação interposto pela ASSOCIAÇÃO CATARINENSE DE DEFESA DOS CIDADÃOS, DOS CONSUMIDORES E DOS CONTRIBUINTES-ACC/SC, para fixar a verba honorária no percentual de 20% do valor atríbuido à causa, nos termos da fundamentação retro.

 

 

Porto Alegre, 22 de abril de 2015.

 

Marcus Vinicius Aguiar Macedo

PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA

 

1 Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

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Sobre o autor
Marcus Vinicius Aguiar Macedo

Procurador Regional da República, Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC e Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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