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Ação civil pública para vedação de venda de leite in natura

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01/02/2001 às 00:00
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DAS PRECÁRIAS CONDIÇÕES DE ESTRUTURA, DE MANEJO E DE TRATO COM O PRODUTO

Conforme pode ser abstraído das declarações do Réu DELIBIO PINTO MARTINS, prestadas no Inquérito Civil n. 001/98, conclui-se que o leite in natura distribuído não tem a mínima condição de ser aceito como apto a estar no mercado de consumo seja ele qual for, por absoluto descompasso com as exigências legais mínimas, verbis:

"... que até outubro de 1998 o declarante, com o conhecimento e aprovação de Nestor Muzzi, realizava a ordenha e a venda do leite in natura pelas ruas da cidade; que a distribuição era feita com caneca, sem embalar o leite, que vendia 60 litros por dia, distribuindo-os pelas vilas Adrien, Margarida e Cardoso, todas próximas à fazenda; que a ordenha é feita manualmente; que as vacas de leite ficam separadas das demais, em piquetes menores; que o local onde o leite é retirado das vacas é separado do mangueiro, distante aproximadamente 30 metros, coberto com telhas de argila, com paredes até o teto, sendo que dos quatros lados três tem paredes de madeira; que o local não tem piso cimentado, somente estando cascalhado, ou seja, no chão batido; que não tem água corrente nem de torneiro junto ao local da ordenha, havendo um riacho cerca de 50 metros do local; que quando as vacas são trazidas para a ordenha os bezerros são os primeiros a mamar, sendo que após é que o leite é retirado para a venda e distribuição aos consumidores; que após o bezerro mamar ele é amarrado em local separado e a vaca é ordenhada; que depois de que o bezerro mama e é retirado, as tetas e o úbere da vaca não são lavados com água, mas, somente é passado pano seco; que o leite ordenhado é levado para o balde e posteriormente é colocado nos tambores de alumínio, equipado com coador; que a ordenha começava 05h00m e terminava 06h30m, sendo que a distribuição era iniciada por volta das 07h00m e terminava 09h00m; que do início da ordenha até o final da distribuição o leite ficava nos tambores, sem refrigeração; ..." (sic – destacamos)

Agora, então, indaga-se como é que um produto retirado através deste proceder e nestas condições de higiene pode permanecer em comércio?


A LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL OS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS E OS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Por imperativo constitucional cabe ao Ministério Público a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, ex vi do art. 129, III, da Constituição Federal.

Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Saraiva, 7ª edição, São Paulo, 1995, p. 08, assevera que:

"Em sentido lato, ou seja, de maneira mais abrangente, podemos dizer que os interesses coletivos compreendem uma categoria determinada, ou pelos menos determinável de pessoas, distinguindo-se dos interesses difusos, que dizem respeito a pessoas ou grupos de pessoas indeterminadamente dispersas na coletividade." (destaques no original)

Pois então, o Ministério Público Estadual, cônscio de suas atribuições e deveres, não pode deixar de lançar uso de suas prerrogativas e dos instrumentos legais que estão à sua disposição, abandonando a coletividade que de há muito - e mais hodiernamente - é a razão de ser da Instituição.

O cumprimento da lei e o amparo aos hiposuficientes – notadamente os consumidores – é atributo indelegável do parquet, reprimindo de todas as formas juridicamente possíveis qualquer ofensa ao direito e aos interesses difusos e coletivos - e de igual modo os individuais homogêneos.

Legitimado o Ministério Público Estadual, nos termos do art. 82, inc. I, do Código de Defesa do Consumidor, resta tão somente sair em busca da defesa dos interesses dos jurisdicionados.


DA POSSIBILIDADE E DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DE LIMINAR VISANDO ABSTENÇÃO DE FATO POR PARTE DOS RÉUS

A liminar pleiteada é procedimento acautelador do direito, justificado pela iminência de dano irreversível ou de lesão de direito de qualquer natureza, para ver cessada a malsinada causa, imediatamente.

In Teoria e Prática da Ação Civil Pública, Saraiva, 1987, São Paulo, p. 29, os autores da obra, Antonio Lopes Neto e José Maria Zucheratto, com precisão dizem:

"Se é certo que a liminar não deve ser prodigalizada pelo Judiciário, para não entravar a atividade normal, também não deve ser negada quando se verifiquem os seus pressupostos legais, para não se tornar inútil o pronunciamento final, a favor do autor."

Os requisitos autorizadores da concessão da liminar encontram-se presentes, saltando aos olhos.

A relevância do fundamento da demanda, exigida pelo § 3º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, evidencia-se pela obrigação indeclinável de respeitar a legislação pertinente, principalmente àquelas encravadas na Constituição Federal, no Código de Defesa do Consumidor, nas legislações Federal (art. 1º, alínea c, da Lei n. 1.283/50, e, art. 1º, da Lei n. 7.889/89), Estadual (art. 447, da Resolução SECAP/MSNº 082/92, aprovada pelo Decreto n. 4.650/92, que regulamenta a Lei Estadual n. 1.232/91), e Municipal (arts. 160 e 161, da Lei Orgânica do Município de Maracaju-MS).

Comente-se, ainda, que este requisito é tão presente na atualidade quando se fala em qualidade dos produtos e serviços postos ao consumo, que é até mesmo constrangedor entender que ele não está patente na questão em apreço. A presença ativa de uma usina de beneficiamento de leite em Maracaju-MS, aliada ao fato de que a essa cidade é suficientemente abastecida por leite pasteurizado proveniente de outros centros e disponíveis nos estabelecimentos comerciais, impõe seja alijada a existência de produto que apresenta-se sem qualquer qualidade ou controle sanitário.

O receio da ineficácia do provimento se deferido somente ao final da demanda, imprescindível pela dicção do mesmo § 3º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, demonstra-se à saciedade quando a cada dia que passa os direitos e garantias impostos pela legislação vigente e cogente sofrem aviltamento em progressão geométrica, deixando os consumidores e suas famílias à mercê da péssima qualidade do produto distribuído pelos Réus que, mesmo anteriormente cientificados da inadequação do produto, recalcitraram impunemente até o momento.


DA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E A CONCESSÃO DA MULTA LIMINAR

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Assim, atender-se-á a lei e far-se-á justiça!

Muitas vezes - e esta é uma delas - um comportamento ilegítimo, ilegal e irregular somente tem seu iter interrompido com a imposição de um sanção outra, tal qual está colocado no artigo supracitado e ofertado ao prudente arbítrio do juiz.

O objeto desta ação civil pública é a obrigação de não fazer, podendo o Juiz impor o cumprimento (deixar de praticar a atividade), sob pena de execução específica ou de cominação de multa diária (ou multa liminar), ou com freqüência que melhor se adequar ao caso concreto (ob. cit., p. 433).

Ferramenta que busca dar real eficácia à prestação jurisdicional, a cominação soleira de multa liminar é admissível no bojo de qualquer ação que trate de interesses difusos e coletivos, inteligência do art. 21, da Lei n. 7.347/85.

Hugo Nigro Mazzilli, a respeito do tema, assevera:

"Esse tratamento processual mais minudente trazido pelo Código do Consumidor é de aplicação subsidiária na defesa de quaisquer interesses difusos e coletivos, e não apenas daqueles relacionados com a defesa do consumidor." (ob. cit., p. 343)

Vê-se, pois, que a situação hostilizada nesta demanda civil pública tem caráter de urgência, necessitando de que V. Exª. adote a multa liminar (que não se confunde com a multa diária) a título de acautelar o cumprimento da decisão.

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A multa diária é aquela que é fixada na sentença, para forçar o cumprimento do comando da prestação jurisdicional.

Já a multa liminar, prevista nos art. § 2º, do art. 12, da Lei da Ação Civil Pública e no §§ 3º e 4º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor, é aquela fixada initio litis que, embora somente exigível após o trânsito em julgado da decisão que julgar procedente o pedido, já será devida desde o momento do descumprimento da cominação liminar (cf. ob. cit., p. 436 e segs.).

Então, determinando-se, liminarmente, que os Réus abstenham-se pessoalmente ou através de terceiros de distribuir, comercializando ou doando gratuitamente, o produto leite in natura (sem pasteurização) para o consumo da população da cidade de Maracaju-MS, havendo descumprimento de tal determinação aplicar-se-á a multa liminar, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.

É, então, medida acessória que se impõe.


DO PEDIDO

Diante do exposto, requer o Ministério Público Estadual:

1.como pedido imediato, a concessão de liminar, nos termos da lei, determinando que os Réus NESTOR MUZZI FERREIRA FILHO, DELIBIO PINTO MARTINS e J. abstenham-se pessoalmente ou através de terceiros, imediata e incondicionalmente, de proceder à distribuição, onerosa ou gratuita, do leite in natura para os consumidores em geral (obrigação de não fazer);

2.a imposição por V. Exª. de multa liminar, em valor, diário igual a R$3.000,00 (três mil reais), para que seja garantida a satisfação integral do pedido constante do item 1, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis;

3.seja oficiado à Polícia Civil, Polícia Militar e ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal para que sejam tomadas as providências cabíveis no que tange à fiscalização do cumprimento da liminar e à repressão de seu descumprimento, comunicando a este juízo toda e qualquer atitude que contrarie a decisão judicial;

4.sejam determinadas as citações pessoais dos Réus, com a autorização expressa do art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

5.a determinação de realização de perícia técnica, no prazo de 60 (sessenta) dias a ser realizada pelo IAGRO/MS/DEPARTAMENTO DE INSPEÇÃO E DEFESA AGROPECUÁRIA DE MATO GROSSO DO SUL/DIVISÃO DE INSPEÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL, com endereço à Av. Sem. Filinto Müller, 1146, Bairro Universitário, Campo Grande-MS, Cep.: 79074-460, Fone: 746-2788/4420, nas dependências da Fazenda Vanguarda, especialmente dirigida à área de exploração de produto lácteo, avaliando-se todas as fases envolvidas no processo de extração e condições distribuição do leite ali produzido (entenda-se desde o trato com os animais, passando pelas condições de saúde do trabalhador, até a distribuição), bem como visando as exigências da legislação pertinente;

6.ao final, como pedido mediato, a procedência do pedido: a) com a condenação dos Réus NESTOR MUZZI FERREIRA FILHO, DELIBIO PINTO MARTINS e J. a não mais pratiquem, pessoalmente ou através de terceiros, a distribuição, comercializando ou fornecendo gratuitamente, de leite in natura, sem o devido controle higiênico e sanitário, nos moldes previstos na legislação própria, para os consumidores em geral; e, b) com a condenação do Réu NESTOR MUZZI FERREIRA FILHO a não mais efetuar a venda de leite in natura, independentemente da destinação a ser dada para o produto cru (laticínios etc.), em área de sua propriedade ou não, ou, em animais de sua propriedade ou não, para qualquer estabelecimento industrial, enquanto não comprovar, satisfatoriamente e através de meio hábil, aptidão em atender rigorosamente as exigências legais impostas pela legislação pertinente, seja quanto à estrutura física do local ou quanto às condições gerais dos animais e do pessoal envolvido na extração de leite in natura;

7.a imposição de multa diária, a ser fixada oportunamente na sentença, para que seja garantida a satisfação integral dos pedidos mediatos constantes do item 6, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis;

Protesta o Ministério Público Estadual pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente o depoimento pessoal dos Réus NESTOR MUZZI FERREIRA FILHO, DELIBIO PINTO MARTINS e J., a testemunhal, a pericial como já requerida no item 5, a juntada de documentos etc.

Para efeitos fiscais, dá-se à causa o valor de R$1.000,00 (mil reais).

Pede Deferimento

Maracaju-MS, 7 de janeiro de 2001

ALEXANDRE LIMA RASLAN
promotor de justiça do consumidor
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Sobre o autor
Alexandre Lima Raslan

Promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RASLAN, Alexandre Lima. Ação civil pública para vedação de venda de leite in natura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16037. Acesso em: 29 mar. 2024.

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