Manifestação em autuação por infração de trânsito cometida por viatura oficial.

"defesa" em autuação.

21/06/2017 às 21:39
Leia nesta página:

Trata-se de modelo de manifestação recursal em razão de autuação por infração de trânsito, cometida por viatura oficial. Utilização do estrito cumprimento do dever legal como cerne da justificativa.

CABEÇALHO

(Direcionar cabeçalho conforme entenda conveniente: à defesa prévia, JARI ou à chefia caso entenda conveniente não se reportar ao orgão de trânsito)


1.    DOS FATOS

 Comunico que (descrever a ação realizada em defesa de bem jurídico relevante como “vida”, “segurança no trânsito”, “integridade corporal dos transeuntes”)

Durante a realização dos deslocamentos necessários ao atendimento da ocorrência, informo que a viatura se encontrava todo o tempo com a luz intermitente vermelha ligada, indicando a urgência requerida pela ocasião, gozando das prerrogativas inerentes à “livre circulação” conforme preconiza o Código de Trânsito Brasileiro/CTB – lei 9503/97. 

  Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

(...)

VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:

(...)

c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência; (grifo nosso) 


2.    DA INCONSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO

 O CTB esclarece sobre a inconsistência do auto de infração nos seguintes termos: 

Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.

Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:

I - se considerado inconsistente ou irregular; 

Infere-se dos fatos ocorridos que agi sob os ditames do instituto de direito penalestrito cumprimento de dever legal - o que, na seara do direito administrativo de trânsito, encontra-se positivado sob a já aludida “livre circulação”.

Ainda que o termo possa não transmitir objetividade em liberar o condutor de veículo policial das restrições impostas ao tráfego em geral, como o limite de velocidade, os meios de integração das normas, como a analogia, aclaram e legitimam minha conduta.

Anexo a esta manifestação, segue aparato teórico desenvolvido pelo jurista Pedro Augusto Rodrigues Costa (pesquisa google), visando subsidiar o presente entendimento.

Desta forma, estando acobertado pela excludente de ilicitude - estrito cumprimento de dever legal / livre circulação, tem-se que o auto de infração é inconsistente, impondo-se seu arquivamento e a insubsistência do registro.


 3.    DA NÃO CONFIGURAÇÃO DO SERVIDOR COMO INFRATOR

Inicialmente, cumpre trazer à baila dispositivo da Constituição da República, corroborado pela regulamentação infraconstitucional, que deixa claro que o servidor somente responde pelos seus atos regressivamente, jamais diretamente, como no caso de ser apontado como infrator das regras de trânsito. Veja-se:

CRFB - Art. 37/§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)

Lei 8112/90 - Art. 122.  A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros.

(...)

§ 2o  Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva. (grifo nosso)

Ao agir no desempenho de minhas atribuições funcionais, ainda que possivelmente tenha praticado um ato ilícito, tal ato não tem natureza pessoal, porquanto realizado na condição de agente da administração, considerando-se, assim, como se tivesse sido levado a termo pela própria Administração Pública.

Tal situação fática configura o que o direito civilista-constitucional alberga como responsabilidade objetiva/direta da administração e subjetiva/regressiva do servidor.  O Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário já se posicionou a favor do entendimento defendido nos seguintes termos:

“somente as pessoas jurídicas de direito público ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos podem responder objetivamente, pela reparação de danos ocasionados por ato ou por omissão dos seus agentes, enquanto estes atuarem como agentes públicos. Assim, concluiu-se que o mencionado art. 37, §6 da CF consagra dupla garantia: uma em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que lhe preste serviço público; outra, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativamente e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer. RE 327.904/SP - 15/08/2006 (grifo nosso)

Desta forma, configura-se equívoco transferir a incumbência da defesa de autuação ao servidor; a Administração é quem deve responder diretamente perante a autoridade de trânsito, por meio de seu órgão de defesa extrajudicial,  afastando-se, assim, este servidor de usurpar sua competência. Ao servidor, somente cumpre se manifestar em âmbito interno, seja na forma da presente justificativa, seja em eventual ação regressiva.

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Com o fito de trazer maiores esclarecimentos sobre o tema, veja-se a decisão judicial exarada pela Justiça Federal do Estado da Paraiba nos autos de nº 0503575-69.2010.4.05.8200T que segue em anexo (vide sítio da fenaprf.org.br).


4.    SÍNTESE DA JUSTIFICATIVA

 1.    Estando acobertado pela excludente de ilicitude - estrito cumprimento de dever legal / livre circulação, tem-se que o auto de infração é inconsistente, impondo-se seu arquivamento e a insubsistência do registro.

 2.    À Administração incumbe responder perante a autoridade de trânsito, por meio de seu órgão de defesa extrajudicial, tendo em vista sua responsabilidade objetiva direta. 

Cidade, data.

ASSINATURA

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Sobre o autor
Alan Machado Santos

Analista Judiciário do TRF da 1ª Região. Bacharel em Direito pela Universidade de Cuiabá. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Direito Tributário.

Informações sobre o texto

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