Negativa de Propriedade

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17/08/2018 às 14:46
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Negativa de Propriedade de veiculo não transferido

EXCELENTÍSSIMO JUIZO DE DIREITO DA   ____VARA CÍVEL DA COMARCA DE JUAZEIRO DO NORTE DO ESTADO DO CEARÁ.

Ação Declaratória de Negativa de Propriedade

XXXXXXXXX, brasileiro, casado, servente de pedreiro, portador do RG nº xxxxxxxxxxx SSP- xx e CPF de nº xxx.xxx.xxx-xx, residente e domiciliado às Rua xxxxxxxx, nº xxx, Bairro xxxxxxxxx, CEP xxxxxxxxxxx, Juazeiro de Norte - Ceará, sem endereço eletrônico, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Ceará, com fulcro no art 4º E 75 do Código de Processo Civil, propor AÇÃO DECLARATÓRIA DE NEGATIVA DE PROPRIEDADE C/C ANULATÓRIA DE DÉBITOS COM PEDIDO LIMNAR, em desfavor do DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO DO CEARÁ – DETRAN/CE, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ xxxxxxxxxxx, com endereço na Av. xxxxxxxx, nº xxx, Bairro xxxxxx, CEP xxxxxxxx, Juazeiro do Norte – CE, endereço eletrônico do responsável: [email protected],br e do ESTADO DO CEARÁ, pessoa jurídica de direito público interno, representado pelo seu Procurador Geral, o qual pode ser encontrado na Procuradoria Geral do Estado, com endereço na Av xxxxxxxxx, nº xxx, Bairro xxxxxxx, CEP xxxxxxxx Fortaleza – CE, endereço eletrônico [email protected],  com base nos fatos e fundamentos a seguir elencados.


DO ENDEREÇO ELETRÔNICO

Trata-se o autor pessoa economicamente hipossuficiente e juridicamente vulnerável, não possui endereço eletrônico, bem como não sabe informar o endereço eletrônico, CPF, RG e profissão do requerido, nos termos do artigo 319, II do CPC.

Não obstante, de acordo com o disposto no § 2 e 3º do Código de Processo Civil/2015, CPC, tais informações não podem ensejar a emenda, tampouco o indeferimento da inicial, sob pena de se restar configurado intransponível óbice ao acesso à justiça.


DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA E DAS PRERROGATIVAS DA DEFENSORIA PÚBLICA

A DEFENSORIA PÚBLICA encontra-se regulamentada em atendimento ao preceito constitucional, a nível federal através da Lei Complementar Federal nº. 80/94 e a nível estadual por meio da Lei Complementar Estadual nº. 06/97. A Lei Complementar n. 06/97, assim determina:

Art. 2º. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial, aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, compreendido entre estes, o juízo das pequenas causas, na forma do inciso LXXIV, do art. 5, da Constituição Federal

(...)                                                    

§ 2º. À DEFENSORIA PUBLICA é conferido o direito de apurar o estado de carência de seus assistidos. (GRIFO NOSSO)

É conveniente esclarecer que, por se tratar o autor de parte representada judicialmente pela Defensoria Pública Geral do Estado, possuem as prerrogativas do prazo em dobro e da intimação pessoal do Defensor Público afeto à presente Vara, consoante inteligência do art. 5º, caput, da Lei Complementar Estadual nº 06, de 28 de abril de 1997, que assim dispõe:

Art. 5º. Fica assegurado à Defensoria Pública o prazo em dobro e intimação pessoal, no exercício das funções institucionais, nos termos do Art. 128, item I, da Lei Complementar nº 80 de 12 de janeiro de 1994. (GRIFO NOSSO)

O requerente não possui recursos para arcar com os encargos processuais, sob pena de acarretar prejuízos para si ou para sua família, conforme declaração de hipossuficiência em anexo. Desta forma, requer os benefícios da justiça gratuita, preceituados no artigo 5.º, LXXIV da Carta Magna e no Art. 98 da Lei 13.105/2015.


PRELIMINAR - DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

Atendendo ao disposto no artigo 319, inciso VII do CPC, a Requerente informa que não possui interesse na realização de audiência de conciliação ou mediação.


DOS FATOS

O autor foi proprietário do veículo xxxxxxxxx xxxxxxx, xxxx, placa xxxxx/UF, Renavam xxxxxxxxx, cor xxxxxxxxxx, e, no ano de xxxx, vendeu a moto para outra pessoa da qual só o conhece pelo nome de “xxxxxxx”, sem recibo ou qualquer contrato escrito. Tal venda teria acontecido porque a moto havia sido apreendida com multas e licenciamento atrasados e acionou o comprador, que conheceu como sendo um despachante, para ver quais seriam todas as dívidas da moto para liberá-la.

Ao saber o valor da dívida, que alcançaria um montante aproximado de R$xxxxxxx (valor por extenso),  o autor, não tendo condições de quitá-las, fez a proposta de venda ao despachante, que quitaria as dívidas e lhe reembolsaria o restante, como de fato foi feito.

O despachante/comprador ficou encarregado de transferir o veículo para o seu nome quando esta estivesse com as multas e licenciamentos quitados, no entanto, não o fez.  Porém, o autor está surpreendido, frequentemente,  pela cobrança de tributos em atraso e pontos na carteira advindas deste veículo, e não tem nenhum contato com a pessoa do comprador.

Considerando que o autor não é o proprietário do bem, e apontando seu comprador (que restou a responsabilidade da transferência do bem móvel), não deve ser imposto ao primeiro o pagamento dos encargos tributários referentes ao citado veículo (doc. anexo). Isso tudo porque não foi feita a devida transferência.

Ressalte-se que já se passaram mais de xx anos desde que o autor vendeu o veículo, não sabendo do atual paradeiro do mesmo.

Assim, busca o requerente, mediante a presente ação, ver o banco de dados da autarquia corrigido e, também, transferir os débitos para o comprador, e ver-se livre de futuros encargos tributários ilegalmente cobrados, bem como que seja realizada a regularização da documentação, em nome do atual proprietário e requerido.

Dessa forma, e para tanto bastaria, o autor declarar não mais ser o proprietário do veículo xxxxxx, placa xxxxxxx/UF, Renavam  xxxxxxxxxxxx, cor xxxxa, seja em razão de sua tradição, seja mesmo em decorrência de uma mera renúncia de sua propriedade – ato potestativo puro. 


DO DIREITO

a. Da Transferência pela Traditio

Como cediço, dispõe o ordenamento civil pátrio que a transferência da propriedade do bem móvel se dá com a tradição, ou seja, com a simples entrega da coisa ao comprador.

Sobre o assunto preleciona Washington de Barros Monteiro:

Tradição é a entrega da coisa ao adquirente, o ato pelo qual se transfere a outrem o domínio de uma coisa, em virtude de título translativo da propriedade. [...] Com essa em trega, torna-se pública a transferência. O direito pessoal, resultante do acordo de vontades, transforma-se em direito real. Antes da tradição, o domínio não se considera transferido do alienante para o adquirente. Ela é para os bens móveis o que a transcrição representa para os imóveis. Costuma-se dizer até, a propósito, que transcrição constitui tradição solene (Curso de Direito Civil, 24ª ed., Saraiva, v. 3, p.)

A par disso, conclui-se que o requerente, não mais possui o domínio sobre o referido veículo e, portanto, não mais lhe é cabida à cobrança do IPVA e MULTA sobre tal bem.

A transferência do registro de veículo não é essencial ao aperfeiçoamento da avença de compra e venda nem constitui prova de domínio, porquanto sua finalidade é principalmente centralizar o controle dos veículos automotores, objetivando a identificação dos proprietários para efeito de responsabilização pelos tributos e pelas infrações de trânsito.

Este entendimento há muito já era pacificado no Superior Tribunal de justiça:

Por força do art. 620 e seguintes do CC, a transferência da propriedade de veículo automotor se dá com a tradição, não sendo necessária a transferência do DETRAN (REsp nº 162.410/MS, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 21/05/98).

Neste mesmo sentido é o posicionamento atual da jurisprudência:

IPVA. Propriedade do veículo transferida. Tradição. Fato Gerador. A responsabilidade pelo pagamento do IPVA incumbe àquele que exerce a propriedade do veículo, esta perfectibilizada pela sua tradição (TJSC. AP. 2007.021366-0. Rel. Sônia Maria Schmitz Terceira Câmara de Direito Público 29/08/2008).

DIREITO TRIBUTÁRIO. IPVA. TRANSFERÊNCIA DO VEÍCULO: OPERA-SE PELA SUA TRADIÇÃO AO ADQUIRENTE. Contribuinte do IPVA é o proprietário do veículo licenciável. A transferência da titularidade deste opera-se pela sua tradição ao adquirente, e não pelo seu registro no DETRAN. Eventual falta de comunicação da transferência a esse órgão constitui mera irregularidade administrativa, insuscetível de alterar o sujeito da obrigação relativa àquele imposto. Agravo provido, por unanimidade.” (TJRS, AI 70010933422, Segunda Câmara Cível, rel. Des. Roque Joaquim Volkweiss, j. em 21/09/05)

RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL - DESVINCULAÇÃO DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA - EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA - ALIENAÇÃO DE VEÍCULOS - REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA JUNTO AO DETRAN - IRRELEVÂNCIA - DÉBITOS DE IPVA - FATOS GERADORES OCORRIDOS APÓS A VENDA - EXONERAÇÃO DO ALIENANTE - INTELIGÊNCIA DO ART. 1267 DO CÓDIGO CIVIL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO. O IPVA tem como fato gerador a propriedade do veículo, e não seu registro no órgão de trânsito. Assim, apenas a tradição, na medida em que transfere o domínio, é bastante para desonerar o anterior proprietário do pagamento do imposto, importando a ausência de comunicação ao DETRAN, obrigação que, ademais, recai sobre o novo proprietário (art. 123, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro). Não havendo sentença condenatória, não se encontra o magistrado adstrito a percentuais ou valores pré-estabelecidos, sendo imperativa a majoração da verba honorária quando em desarmonia ao princípio da proporcionalidade. (TJMT. AP. 22647/2007. Re. Des. Donato Fortunato Ojeda).

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Embora a normatização existente sobre a titularidade de veículos automotores vise em sua essência a regularização administrativa pelo Poder Público, a propriedade dos veículos continua sendo do sujeito ativo do domínio, eis que os bens móveis não necessitam de forma específica para sua transmissão.

Assim, a ausência de comunicação ao DETRAN sobre a transferência de propriedade dos veículos em nada modifica a responsabilidade de arcar com os encargos tributários do novo proprietário, eis que constitui mera formalidade administrativa, tendo em vista que fora realizada a tradição.

In casu, basta que se prove a ocorrência da tradição do veículo para que o requerente se exima da obrigação ilegal a este imputada.

A respeito, vale salientar o seguinte entendimento:

O fato de não ter sido realizada a transferência de propriedade do automóvel autuado junto ao DETRAN não obsta que a prova da alienação se faça por outros meios (STJ - REsp 599620/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 17.05.2004).

Assim, o autor não é o sujeito passivo do tributo que, aliás, é cobrado sem que se tenha sequer a certeza de existência do veículo. Nesse sentido:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE RENÚNCIA DE PROPRIEDADE MÓVEL. DEMANDA QUE, EM VERDADE, VEICULA PEDIDO DE DECLARAÇÃO JUDICIAL DE QUE O AUTOR JÁ NÃO É MAIS PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. PROCEDÊNCIA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. "Apesar da nomenclatura utilizada para a ação, o apelante não visa com ela exclusivamente a obtenção da renúncia da propriedade do veículo, mas sim, por vias transversas, a declaração judicial de que não é mais proprietário do mesmo e, conseguinte, isentar-se de qualquer responsabilidade sobre o bem, tendo interesse de agir quanto a esta pretensão" (Ap. Cív. n. , rel. Des. Nicanor da Silveira). Hipótese em que o autor comprovadamente vendeu o seu veículo a terceiro, sem, contudo, comunicar o fato ao órgão competente, o que levou à sua responsabilização pelo pagamento dos tributos concernentes ao bem. Decisão proferida no primeiro grau de jurisdição que se limita a anular e a reconhecer a sua irresponsabilidade por tais tributos que, diante das particularidades da espécie, comporta reforma parcial para declarar expressamente a ausência de relação jurídica de propriedade entre o autor e o veículo, a contar do momento em que este foi alienado. "Entre vivos, adquire-se a propriedade móvel pela tradição. Comprovada a venda e a tradição de veículo automotor, ainda que o adquirente não tenha feito a transferência registral na repartição oficial de trânsito, considera-se perfeita e acabada a transmissão de propriedade do referido bem. Cabe ao antigo proprietário a ação declaratória negativa de propriedade para ver excluído seu nome do registro de trânsito, até para que o tributo devido (IPVA) venha a ser exigido do novo proprietário, já que aquele não é mais o respectivo contribuinte, no sentido jurídico, nem responsável" (Apelação Cível n. 2002. 022066-9, rel. Des. Jaime Ramos). (TJ-SC - AC: 288409 SC 2010.028840-9, Relator: Vanderlei Romer, Data de Julgamento: 22/10/2010, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de Blumenau) 

b. Da renuncia à propriedade 

O CC, em seu art. 1275, trata expressamente das hipóteses de perda da propriedade, dentre as quais encontra-se a renúncia:

Art. 1275. Além das causas consideradas nesse Código, perde-se   a propriedade: (...) II – pela renúncia;

De considerar, inclusive, que com a renúncia qualquer responsabilidade incidente sobre o bem deixa de ser do antigo proprietário. E mais, a renúncia é ato potestativo puro, não dependendo de qualquer prestação de terceiro.

Isso posto, todo o asseverado supra, a respeito da tradição, também se aplica à renúncia, como bem visto pelas jurisprudências lá colacionadas, não havendo como se considerar o bem de propriedade do autor.

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