JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: CANCELAMENTO DE CLÁUSULAS RESTRITIVAS GRAVAM IMÓVEL DOADO: IMPENHORABILIDADE, INALIENABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE.

06/07/2022 às 14:52

Resumo:


  • Os requerentes solicitaram o cancelamento de cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade de um imóvel doado há 44 anos, devido à necessidade de manutenção e quitação de dívidas fiscais.

  • Argumentaram que as cláusulas restritivas estavam impedindo a utilização adequada do bem, desvirtuando o propósito original da doação, que era garantir a sobrevivência e bem-estar dos donatários.

  • O juiz acolheu o pedido dos requerentes, determinando o cancelamento das cláusulas restritivas do imóvel, considerando a falta de recursos para manutenção e o transcurso de mais de 44 anos desde a imposição das restrições.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DO FORO REGIONAL DE SANTANA DA COMARCA DE SÃO PAULO/SP.

 

 

 

 

 

 

 

 

REQUERENTES E CÔNJUGES:

A) - XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX na Cidade de São Paulo/SP;

B) - XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, na Cidade de São Paulo/SP;

C) - XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, na Cidade de São Paulo/SP;

D) - XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, na Cidade de São Paulo/SP;

E) - XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, na cidade de São Paulo/SP.

 

Por seu advogado in fine assinado, com escritório à Avenida Paulista, nº 726, cj. 1707, Bairro Bela Vista, na Cidade de São Paulo/SP E-MAIL: [email protected], vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com espeque nos artigos 719, e 723, § único, 725, inciso VII, todos do Código de Processo Civil, propor:

 

AÇÃO INOMINADA REQUERIMENTO DE ALVARÁ JUDICIAL EXTINÇÃO DE CLÁUSULAS RESTRITIVAS: INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE

 

Pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

 

EMENTA

 

Ação Inominada: Pedido de Alvará. Ano de 1974, Doação em vida com clausula restritivas vitalícias gravadas até o falecimento dos donatários. Extinção: Baixa dos Gravames. Direitos supralegais que sobrepõe a vontade dos de cujus. Deterioração dos bens deixados pelo finado, risco de desabamento da edificação vícios redibitórios (fiação elétrica, encanamentos: água e esgoto), risco de não alcançar os herdeiros dos quais refere-se contrato de doação cláusulas de INALIENABILIDADE, IMPENHORABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE: perda dos objetos. Constitucional: Direito a vida, moradia, dignidade da pessoa humana, função social da propriedade. Expedição de alvará com fim de venda de um dos bens para manutenção dos demais deixados pelos de cujus. Adimplemento de imposto que recai execuções ficais acerca do bem pelo qual requer autorização para a venda. Valor remanescente, partilha dos quinhões manutenção da própria subsistência de todos os herdeiros (donatários e seus descendentes).   

 

I - DA COMPETÊNCIA

De início, cumpre destacar que elegemos esta respeitável Vara de Família e Sucessores do Foro Regional de Santana da Comarca de São Paulo como competente para a propositura da presente demanda, porquanto o imóvel pelo qual requer-se o cancelamento de cláusulas restritivas gravadas em escritura de doação está situado à Rua Marambaia, 443, Bairro Casa Verde, CEP 02513-000, na cidade de São Paulo/SP.       

Nada obstante, são inúmeras as competências pelas quais poderíamos demandar, contudo, pelo princípio da conveniência, nada melhor do que concentrar a presente ação nesta Vara Especializada, local - situação da coisa, apreciando-a, para ao final, julgar PROCEDENTE o pleito. 

II DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA

Os requerentes declaram-se pobres na acepção jurídica do termo, e não tem condições de arcarem com as custas processuais sem prejuízos próprios e/ou de suas famílias.

     Nada obstante, trazendo à baila o princípio do acesso a Justiça, sustenta Kildare Gonçalves Carvalho diz que a garantia constitucional do acesso à justiça é a inafastabilidade ao acesso ao Judiciário, traduzida no monopólio da jurisdição, ou seja, havendo ameaça ou lesão de direito, não pode a lei impedir o acesso ao Poder Judiciário.  

     Em arremate, não destoando, o Ministro Luiz Fux, diz que:

O direito de agir, isto é, o de provocar a prestação da tutela jurisdicional é conferido a toda pessoa física ou jurídica diante da lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo e tem sua sede originária (...) na própria Magna Carta. (...) ao que se afirmar titular de direito, se sobrevier lesão ou ameaça a esse direito, não poderá ser negado o acesso ao Poder Judiciário. 

III DO MÉRITO

Os requerentes donatários são filhos legítimos de SEBASTIÃO LUIZ DE PAULO, e APARECIDA PODDA DE PAULA, doadores já falecidos baixa de usufruto já realizada; os sucessores dos donatários, também requerentes, são herdeiros legítimos dos bens deixados pelos de cujus; todos os requerentes e esposas maiores de idade.

Pois bem, no dia 02 de abril de 1974, ou seja, há 44 anos atrás, os citados de cujus doaram em vida, através de escritura de doação com reserva de usufruto, perante o 25º Tabelião de Notas de São Paulo, aos donatários, ainda menores de 21 anos, vejamos:

São os bens doados:

A Uma casa e terreno situados XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX;

 

B Uma casa e terreno situados XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX;

 

C Um prédio e seu respectivo terreno situados XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX;   

     Nada obstante, os doadores, quando do registro de doação no respectivo cartório, gravaram os bens com cláusulas vitalícias restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade, enquanto vivos forem os outorgados donatários, com fim de que fossem transmitidos os citados bens aos descendentes dos donatários.

     Importante frisarmos que à época da doação pelos de cujus aos donatários, vigorava o Código Civil de 1916, cujo dispositivo não determinava justa causa para imposição dos gravames pelos quais suportam os requerentes.

    Ocorre que, a época que os de cujus doaram os citados bens, até a presente data, transcorreram 44 anos, e os imóveis estão se deteriorando no tempo, havendo urgente necessidade de manutenção, uma vez que há risco de desabamentos, diante das rachaduras nos seus pilares estruturais - infiltração, e não só, há outrossim, vícios redibitórios, ou seja, as fiações elétricas, e encanamentos de água e esgoto estão comprometidos e merecem reparos urgentes, consoante documentos anexos.   

Outrossim, o imóvel pelo qual os requerentes desejam vender, encontra-se com dívidas fiscais, que montam aproximadamente R$ 15.000,00 (quinze mil reais), consoante documentos anexos.

Portanto, caso não sejam canceladas as cláusulas restritivas que recaem acerca do imóvel pelo qual deve ser vendido para a manutenção dos demais bens, ocorrerá a perda do objeto consubstanciado na escritura de doação, e, desta forma, sucumbirão as vontades dos de cujus, já que não haverá sucessão dos bens deixados aos descendentes dos donatários.   

Os requerentes elegeram o imóvel situado no Bairro da Casa Verde para venda, porquanto está situado no extremo oposto dos demais bens deixados pelos de cujus, o que dificulta a administração, zelo, manutenção do citado imóvel.

Não podemos nos olvidar que, de um lado estão as vontades dos de cujus ancorados apenas no artigo 1676, do CC/16, e de outra banda (colisão entre norma e princípios constitucionais), está o direito a vida, a moradia, a propriedade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da função social da propriedade, o que impede a circulação de bens e obstruindo a própria economia da sociedade doações com bens gravados desta extensão.

Consoante reiterada jurisprudência do STJ, essa indisponibilidade de bens não pode ser tida como uma proibição absoluta, cabendo a análise de cada caso, quando presente a necessidade e a conveniência, especialmente quando demonstrada a lesão de interesses, senão vejamos as seguintes decisões, verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MODIFICADA. A indisponibilidade dos bens decorrente de disposição de última vontade não pode ser vista hoje como uma proibição absoluta, pois existe o interesse social e até público na circulação dos bens, tendo em mira, inclusive, os preceitos constitucionais que asseguram o direito de propriedade e, mais do que isso, de que a propriedade deve ter uma finalidade social. Se inexiste motivo ponderável para manter as cláusulas restritivas, deve ser possibilitado à autora dispor do patrimônio de forma mais ampla e rentável, podendo utilizá-lo como melhor lhe convier. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70061491924, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em 13/11/2014)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. CLÁUSULA DE INCOMUNICABILIDADE. PEDIDO DE CANCELAMENTO. 1 - Pedido de cancelamento de cláusula de inalienabilidade incidente sobre imóvel recebido pelo recorrente na condição de herdeiro. 2 - Necessidade de interpretação da regra do art. 1576 do CC/16 com ressalvas, devendo ser admitido o cancelamento da cláusula de inalienabilidade nas hipóteses em que a restrição, no lugar de cumprir sua função de garantia de patrimônio aos descendentes, representar lesão aos seus legítimos interesses. 3 - Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 4 - Recurso especial provido por maioria, vencida a relatora. (REsp 1422946 / MG, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 05/02/2015)

Além disso, havendo situação excepcional, como no caso dos autos, onde há demonstração da necessidade financeira, cujo bem, inclusive, já restou alienado por contrato particular a terceiro de boa-fé, justifica-se a liberação dos gravames.

Nesse particular a seguinte jurisprudência do STJ, verbis:

DIREITO DAS SUCESSÕES. REVOGAÇÃO DE CLÁUSULAS DE INALIENABILIDADE, INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE IMPOSTAS POR TESTAMENTO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL DE NECESSIDADE FINANCEIRA. FLEXIBILIZAÇÃO DA VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 1.676 DO CC/16. POSSIBILIDADE. 1. Se a alienação do imóvel gravado permite uma melhor adequação do patrimônio à sua função social e possibilita ao herdeiro sua sobrevivência e bem-estar, a comercialização do bem vai ao encontro do propósito do testador, que era, em princípio, o de amparar adequadamente o beneficiário das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. 2. A vedação contida no art. 1.676 do CC/16 poderá ser amenizada sempre que for verificada a presença de situação excepcional de necessidade financeira, apta a recomendar a liberação das restrições instituídas pelo testador. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1158679 / MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 15/04/2011)

 Cumpre ainda destacar que a maioria dos requerentes passam por sérias dificuldades financeiras, contam com idade avançada, cujas necessidades são inúmeras.

Imperioso mencionar que com o advento do Código Civil de 2002, o art. 1848, estabeleceu-se que para a inserção de cláusulas restritivas nos bens deixados pelo testador, deve existir justa causa, e assim impor gravame. 

 Assim sendo, ante as motivações narradas nesta peça vestibular, vem os requerentes donatários e esposas, bem como seus descendentes e esposas, todos maiores de idade, requererem o CANCELAMENTO das cláusulas restritivas que recaem acerca do imóvel Rua Marambaia, nº 443, Bairro Casa Verde, na Cidade de São Paulo/SP, corolário aliená-lo, com fim de preservarem os patrimônios pelos quais foram deixados pelos de cujus na escritura de doação, bem como para própria subsistências de todos os requerentes.       

IV - DA PERÍCIA

 Caso Vossa Excelência entenda que há necessidade de realização de perícia nos citados imóveis com fim de constatar os riscos iminentes de desabamento, inundação ou curto circuito/incêndio, requer seja nomeado perito para o fim de que se destina.       

 V DO PEDIDO

 Ante o exposto, e mais pelas razões que Vossa Excelência saberá lançar com muita propriedade acerca do tema, requerem:

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A a concessão da tramitação prioritária por se tratarem de pessoas idosas, conforme artigo 1º, da Lei 10.741/03;

B a Gratuidade da Justiça, por serem pobres os requerentes na acepção jurídica do termo, e não terem como arcar com as custas processuais;

C - seja Julgada PROCEDENTE a presente demanda, considerando os fatos trazidos a colação, após periciados os imóveis indicados nesta peça vestibular, CANCELADAS as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade que recaem acerca do imóvel situado à Rua Marambaia, nº 443, Bairro Casa Verde, na Cidade de São Paulo/SP, expedindo-se o competente ALVARÁ, tudo como forma da mais sábia e legítima Justiça!

Protestam provar o alegado por todos os meios de provas admitidos em direito, especialmente realização de perícias nos imóveis pelos quais indicamos nesta inicial.

 Dá-se a causa o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para fins de alçada.  

 

Termos em que,

Pede e espera deferimento.

São Paulo, 06 de AGOSTO de 2018.

 

 

FERNANDO MOTTA PEREIRA

OAB/SP Nº 272.554

 

SENTENÇA:

Jurisdição Voluntária

Requerente: Simone de Paula Felipe e outros

WALTER BENEDITO DE PAULA, VALDIR APARECIDO DE PAULA, VERA LÚCIA DE PAULA, VALQUÍRIA

APARECIDA DE PAULA e MARIA DA GRAÇA DE PAULA ajuizaram ação requerendo o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade que gravam o imóvel localizado na Rua Marambaia, 443, bairro Casa Verde, nesta Capital, matriculado sob nº 149.510 do Oitavo Oficial de Imóveis desta Capital, sob a alegação de que, em síntese, o imóvel foi doado aos Autores por seus genitores, já falecidos, e gravado com as restrições há quarenta e quatro anos, quando eles ainda eram menores. Contudo, atualmente, as cláusulas que, em tese, serviriam para proteger o patrimônio estão, em verdade, o desvirtuando, vez que os Autores receberam outros dois imóveis que utilizam como moradia e que o bem em questão traz gastos excessivos para sua manutenção, não possuem renda suficiente e que, para quitação de débitos fiscais e manutenção, faz-se necessária a venda do bem. Atribuíram à causa o valor de R$ 80.000,00 e juntaram documentos.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Por primeiro, DEFIRO a tramitação com prioridade decorrente da idade avançada dos Autores e do Estatuto do Idoso. Anote-se.

As cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade instituídas em favor dos donatários não podem constituir obstáculo à fruição dos bens, o que iria de encontro ao próprio objetivo do doador, de garantir a sobrevivência e o bem estar dos Donatários.

A falta de recursos para sua manutenção do imóvel impossibilita os Autores de utilizarem o bem na forma pretendida pelos seus genitores e, considerando que transcorrido mais de quarenta e quatro anos do estabelecimento das cláusulas restritivas, a revogação da restrição é medida salutar.

Ante o exposto, ACOLHO, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, o pedido formulado por WALTER BENEDITO DE PAULA, VALDIR APARECIDO DE PAULA, VERA LÚCIA DE PAULA, VALQUÍRIA APARECIDA DE PAULA, MARIA DA GRAÇA DE PAULA, para determinar o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade que gravam o imóvel localizado na Rua Marambaia, 443, bairro Casa Verde, nesta Capital, matriculado sob o nº 149.510 no Oitavo Oficial de Imóveis desta Capital.

Com o trânsito em julgado, expeça-se o necessário.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em 12 de dezembro de 2018

Irineu Francisco da Silva

Juiz de Direito

(assinatura eletrônica)

Sobre o autor
Fernando Motta Pereira

Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC/MG; Mestrando em Criminologia na UCES Buenos Aires/AR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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