O ponto de partida do presente artigo é o Acórdão TCU nº 1.768/2021-Plenário, segundo o qual a base de cálculo das pensões instituídas pelos servidores públicos federais, antes ou depois da EC nº 103/19, se for o caso, é previamente ajustada ao teto remuneratório constitucional.
Pois bem. O TCU sempre se notabilizou pelo zelo no trato da coisa pública, mas a decisão supra nem de longe é isenta de críticas.
Lê-se no inciso XI do art. 37 da CF: a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Já o caput do art. 23 da EC nº 103/19 reza: A pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por cento).
Diante desse quadro, indaga-se: no caso de pensão, como se aplica o teto remuneratório constitucional?
Para facilitar a compreensão, tomemos o exemplo de um aposentado com proventos de R$ 45.000,00 que vem a falecer. Nessa hipótese, qual será a base de cálculo da pensão? R$ 45.000,00 ou R$ 39.293,32 (teto remuneratório constitucional)?
Estamos convencidos de que serão R$ 45.000,00. O teto incide sobre a pensão e não sobre a base de cálculo da pensão. Não se pode perder de vista que o abate-teto configura limitação meramente circunstancial, que não tem o condão de encolher o valor dos proventos (reais ou fictícios) utilizados no cálculo da pensão. Trata-se de barreira temporária, a ser removida se e quando o teto o permitir.
A toda evidência, o valor final da pensão, calculada sobre R$ 45.000,00, sofrerá, concreta e circunstancialmente, a incidência do teto caso supere R$ 39.293,32.
Nas palavras de Inácio Magalhães Filho, o limitador remuneratório deve ser verificado no momento da concessão da pensão e não como uma metodologia de cálculo[1].
Acrescente-se que a indigitada decisão pode, em última instância, constituir violação à isonomia, por igualar pessoas que se encontram em situações distintas (v.g., um aposentado com proventos de R$ 45.000,00 e outro com proventos de R$ 39.293,32).
No regime anterior à EC nº 103/19, o STF enfrentou a questão, chegando a idêntica conclusão. Confira-se:
Assim, extrai-se do Tema 639 que a base de cálculo para aplicação do teto remuneratório é o valor bruto percebido pelo servidor ou pensionista. É equivocada, portanto, a noção adotada pelo TJRJ de que a base de cálculo da pensão se confunde com o teto remuneratório.
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Consoante demonstrado no parecer do MPF, a interpretação correta do Tema 639, no que diz respeito ao momento de incidência do teto remuneratório sobre a pensão do servidor, foi corroborada pelas decisões no ARE 1.197.580/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, e no RE 1.020.642/RN, de relatoria do Roberto Barroso.
No mesmo sentido, acrescento as seguintes decisões monocráticas proferidas por Ministros desta Corte: ARE 871.505/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 1.208.795/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso; RE 1.026.769/RN, Rel. Min. Edson Fachin; ARE 1.127.286/SC, Rel. Min. Gilmar Mendes; e RE 1.191.318/AM, Rel. Min. Luiz Fux.[2]
Como reconhece o próprio TCU (no Acórdão nº 1.768/2021-Plenário), a lógica não se alterou.
[1] MAGALHÃES FILHO, Inácio. Lições de direito previdenciário e administrativo no serviço público. 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2020.
[2] Rcl 38.028/RJ.