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A Lei de Proteção a Testemunhas

Temos produção legislativa recente, a Lei 9.807/99, que trata de programas protecionistas a vítimas, testemunhas e acusados, em caso de ameaças.

O novo instituto procura, pelo que se pode depreender do disposto já no primeiro artigo, preservar o interesse da justiça penal adjetiva, através da preservação da instrução criminal.

Nessa empreitada, cuidou o legislador de 99 em envolver não só a União, como seria natural, em face mesmo do princípio de competência constitucional, mas, também, os Estados e o Distrito Federal.

Ao Ministério da Justiça, coube a tarefa de supervisionar e fiscalizar os convênios, quando em jogo os interesses da União Federal. Certamente, nos Estados federados, essa incumbência caberá às respectivas Secretarias de Justiça, a exemplo, também do Distrito Federal.

A proteção estatal decorrente da mencionada lei, considerará a efetiva gravidade da ação e da ameaça, bem como a dificuldade de preveni-la e a importância relacionada para a produção da prova.


Observados num primeiro momento, estes requisitos, não a vítima, testemunha e acusados somente podem ser objeto de proteção, mas também o cônjuge, o companheiro, os ascendentes, os descendentes e dependentes que convivam habitualmente com a vítima ou testemunha.

A lei exclui da proteção do Estado pessoas dotadas de personalidade incompatível com a restrições de conduta necessárias ao programa, os condenados que estejam cumprindo pena, além dos presos provisórios.

O estatuto legal prevê que a admissão no programa, como beneficiário, se sujeita a anuência do protegido, a cujas normas o mesmo ficará obrigado, sendo assegurado sigilo às medidas e providências relacionadas com os programas protecionistas.

A admissão e exclusão dos programas serão precedidas de parecer do Ministério Público, sendo os programas dirigidos por um conselho deliberativo, integrado por membros do Ministério Público, Poder Judiciário e por representantes de outros órgãos vinculados à Segurança Pública e à defesa dos Direitos humanos.

Vinte e um artigos compõem a nova lei, a qual admite, em excepcionais situações, a alteração completa de nome do beneficiado. É o que dimana do art. 9º da Lei de Proteção às Testemunhas.

Induvidoso que o novo instituto legal representa um avançado projeto de combate à impunidade, levando-se em conta as quase insuperáveis dificuldades com que lidam os agentes de segurança pública, na apuração dos crime praticados, sobretudo por organizações criminosas.

Com efeito, finalmente entendeu o legislador que a simples possibilidade de decretação da prisão preventiva, fundada na conveniência da instrução criminal, ou mesmo a prisão temporária, modalidade nova de custódia cautelar, não constituem elementos suficientes para assegurar a aplicação da lei penal.

Como decorrência desse estado de coisas, avolumavam-se nos órgãos de segurança pública os processos e inquéritos com endereço certo para o arquivo, por falta de provas, capazes de amparar o aforamento da demanda penal.


Mas, por quê, qual o motivo inspirador da Lei 9.807/99? Seria realmente, a preocupação com a impunidade? Seria a preocupação com a integridade física e psicológica dos favorecidos pelos programas?

A resposta depende da análise de uma série de fatores.

Em princípio, impõe-se a realização de minucioso estudo acerca das causas da impunidade, como sendo a desocupação do espaço funcional do Estado, equivalente à inoperância ou incompetência do aparelho repressivo, fatores que podem debitar à total ausência de formação e capacitação profissional dos agentes do Estado incumbidos da Justiça Pública e segurança.

Estudos já comprovaram que a impunidade não é, ao contrário do que muitos erroneamente entendem, um fenômeno isolado, de índole espontânea e natural. Trata-se de um processo deliberado, seletivo e discriminatório.

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Assim sendo, a autuação de testemunhas, vítimas e acusados, durante o decorrer da instrução criminal, pouco ou nada tem a ver com ela, isso porque resulta muita vez de atitudes patrocinadas e dirigidas por interesses escusos no sentido de conduzir a investigação criminal para o vazio probatório e, por conseguinte, à impunidade.

Um exame acurado da intenção do legislador, exposta na lei, demonstra, infelizmente, que se pretende a qualquer custo incentivar a cultura da delação, a defluir da possibilidade de alteração de nome no Registro Civil, e do perdão judicial de que cuida o art. 13, do Diploma Legal sob enfoque.

São condutas anti-éticas de um Estado, que assim passa atestado de incompetência e de falência de seu sistema de segurança pública, e procura transferir ao administrador responsabilidades constitucionalmente suas.

As medidas protecionistas ofertadas na lei estudada, em absoluto, resolvem o problema da insegurança que cerca as testemunhas e vítimas, tendo em vista o complexo e bem articulado mecanismo posto a serviço dos grupos criminosos organizados, tanto no campo, como nas grandes cidades.

Exemplo disso é o episódio Chico Mendes, que, a quando de seu assassinato, estava sob inteira proteção do Ministério da Justiça, acompanhado dia e noite por agentes da Polícia Federal e, no entanto, foi tranqüilamente fuzilado.


Visto isso, cumpre examinar se a lei nasceu da preocupação com a integridade dos beneficiários.

Apesar dessa subreptíca aparência, foi, contudo, essa a preocupação. Alhueres se consignou que a produção legislativa foi presidida pelo evidente reconhecimento do fracasso operacional dos órgãos de repressão criminal do Estado.

Tal enfraquecimento, por outro lado, não conta com qualquer perspectiva de solução, indispondo de qualquer panacéia a obstar-lhes os efeitos, tendo em vista que a infiltração de elementos vinculados ao crime organizado nos órgãos policiais e judiciais é fato reconhecidamente notório.

O art. 7º da lei estabelece as medidas de proteção, aplicáveis em conformidade com a gravidade e circunstâncias de cada caso. São medidas que, convenientemente regulamentadas, representam consideráveis avanços na solução do difícil problema da insegurança que normalmente ronda as vítimas e testemunhas de ilícitos de grande repercussão social.

Com efeito, dentre as medidas elencadas no citado art. 7º, sendo todos da mais alta importância para a segurança e proteção do interessado, três se destacam por sua natureza assegurarem à pessoa protegida certa tranqüilidade. São a que possibilita a transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; a que confere auxílio financeiro mensal e o sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção deferida.

Esta última, se convenientemente requerida ao órgão competente, pode viabilizar que audiências de oitivas de vítimas e testemunhas sejam realizadas sob sigilo, e em locais diversos do forum, propiciando, dessarte, que eventuais interessados em conhecer a protegida, vejam-se afinal frustrados em seus designios

Sobre o autor
Marcus Valério Saavedra Guimarães de Souza

Advogado, especializado em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá (RJ), membro-associado da Associação dos Criminalistas do Estado do Pará, membro-associado da Academia de Júri do Estado do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcus Valério Saavedra Guimarães. A Lei de Proteção a Testemunhas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1006. Acesso em: 22 dez. 2024.

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