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Direito Administrativo do medo.

Teoria do apagão das canetas ou paralisia das decisões

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Agenda 12/10/2022 às 18:45

REFLEXÕES FINAIS

Analisando as linhas traçadas em antanho, é possível fazer algumas afirmações, sem medo de errar. Talvez a primeira e mais importante reflexão que fica é no sentido de que não há espaço para amadores na dogmática da Nova Administração Pública. As formas patrimonialistas e burocráticas ficaram num passado bem distante. Se o gestor não sabe conviver com seus subordinados, ou colaboradores, como queiram, numa relação de respeito e confiança, então tudo pode descambar-se para um abismo. A primeira lição do novo modelo de administrar é concentrar energia no investimento no principal capital social da Administração Pública, os agentes públicos que praticam corriqueiramente atos administrativos.

Numa segunda lição, é preciso internalizar boas práticas, geralmente por meio de capacitação dos servidores, aprimoramento de condutas, mostrar que o grande produto de suas entregas sociais deve respaldar-se no princípio da eficiência. Até aqui tem-se, a presença da motivação e inteligência emocional, que conduzem o trabalho do servidor Público a tão almejada e desejada eficiência.

Ensinar com leveza e esmero ao servidor público que tudo que se faz agora, se projeta para o futuro, deve possuir a bússola do tempo, ter a capacidade de pensar para o futuro, suas ações e condutas administrativas hoje são projetadas para anos à frente, e muitas das vezes alcança até a sua aposentadoria, uma vez ser comum o agente público inativo ser incomodado em sua residência para prestar informações sobre atividades tomadas cinco ou dez anos atrás.

Todas essas consequências administrativas podem gerar dores de cabeça, amolações, levando o agente público a se homiziar em seções administrativas que não lhe tragam aborrecimentos. Exercer cargos de chefia e assessoramento não é para qualquer servidor. Esse justo receio de dores de cabeça na Administração Pública leva aquilo que modernamente se chama de Direito Administrativo do Medo, provocando por via de consequência a indesejável adoção da Teoria do Apagão das Canetas ou Paralisia das Canetas.

Um monte de gente fugindo das responsabilidades com medo de apor suas assinaturas em documentos e em decisões, com justo receio de receber em suas casas a vexatória visita da Polícia às 06 horas da manhã, para cumprimento de mandados de busca e apreensão. Outros querendo assumir, mas sem condições e sem habilidades, com um único objetivo de ostentar cargos e obtenção de vantagens indevidas, mesmo porque não pode existir outra finalidade como por exemplo, ganhar dinheiro, porque é impossível um servidor público ficar rico ocupando funções públicas, a não que ganhe sozinho na megasena ou se case um alguém de grandes posses financeiras. Afora tudo isso, desconfie-se e pode logo investigar possível enriquecimento ilícito, artigo 9º, VII, da Lei 8.429, de 92, consistente em adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública, e em razão deles, bens de qualquer natureza, cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, assegurada a demonstração pelo agente da licitude da origem dessa evolução.

Decerto a Lei nº 14.230, de 2021, trouxe necessária reforma legislativa, com modificação da Lei das Licitações, com maior segurança jurídica ao Administrador para decidir, sem os embaraços para suas decisões; dessa forma, os riscos da atuação púbica devem ser avaliados a luz da conduta administrativa do agente público. Assim, em caso de escorreita comprovação de conduta dolosa, com claros prejuízos para a sociedade, o agente público deve ser responsabilizado civil, administrativa e penalmente, a teor do artigo 37, § 4º da CF/88, segundo o qual os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

É claro que não se pode conceber Administração Pública sem um efetivo e rigoroso sistema de controle, a priori e a posteriori; e assim, deve-se priorizar um duplo regramento de tutela. Um sistema sólido de proteção da Administração Pública e dos seus agentes públicos que movem a máquina Administrativa na concepção de Otto Gierke, precursor da Teoria do órgão ou Teoria da Imputação Volitiva, ou seja, todas as manifestações de vontade dos agentes, são entendidas como vontades da Administração. Destarte, os órgãos seriam uma espécie de instrumento, instrumento de atuação de que se vale o Estado para que a sua vontade seja manifestada.

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BOTELHO, abordando o tema Licitude na Administração Pública assevera que a Administração Pública é propriedade do povo, quem o representa no setor público deve assumir a missão de se esmera constantemente na adoção de comportamento austero para administração dos bens públicos, cuidar com zelo do erário público, aprimorar suas ações e decisões; de outro lado, é função do Estado proteger o agente público das arbitrariedades, das aberrações, fazer justiça sempre, proteger o bom servidor, desenvolver a construção da cultura da licitude em todos os setores da Administração Pública, devidamente conectado com as novas tecnologias em prol do aprimoramento na prestação dos serviços públicos a fim  de aumentar o seu grau de eficiência e satisfação social, fortalecimento da consciência ética no relacionamento do agente público estadual com pessoas e com o patrimônio público, desiderato almejado e  finalidade primordial do exercício da função pública, devendo a conduta do agente público integrante da Administração Pública do Poder Executivo reger-se pelos princípios da boa-fé, honestidade, fidelidade ao interesse público, impessoalidade, dignidade e decoro no exercício de suas funções, lealdade às instituições, cortesia,  transparência, eficiência, presteza e tempestividade, respeito à hierarquia administrativa, assiduidade, pontualidade, cuidado e respeito no trato com as pessoas, subordinados, superiores e colegas  e  respeito à dignidade da pessoa humana. Direcionar o servidor público rumo ao caminho do bem, consolidar a cultura da licitude no setor público, que seja lançado mão dos instrumentos repressivos de expurgação do abjeto e assepsia no ambiente público, sabidamente local onde nasce para o agente público a obrigação inarredável de zelar pelo interesse público e fiel compromisso com a eficiência do serviço público. Também precisamos proteger legalmente os agentes públicos por suas decisões em prol da coletividade. A sociedade e o contribuinte, verdadeiros e legítimos patrões, razão de ser de toda Administração Pública agradecem.[6]

Conforme define Rodrigo Vargas Santos por Teoria do Apagão das Canetas entende-se como a consequência do medo que os agentes públicos têm do controle externo por suas decisões, optando por nada decidirem para evitarem riscos decisórios.

E para não fugir do costumeiro perfil do autor deste ensaio elaborado sob acordes da canção A Million Dreams, fecho os olhos e posso ver, todas as noites em que me deito na cama, no Fonte Grande de luz as cores mais brilhantes preenchem minha cabeça, um milhão de sonhos estão me mantendo acordado, um milhão de sonhos, um milhão de sonhos de um dia apreciar com concretude uma Administração Pública voltada na sua essência para o eficaz atendimento do interesse público, expurgar o amadorismo estrutural, fuzilar com as mordomias do setor, um olhar único para proteção do dinheiro público, acabar com a enxurrada dos auxílios e das gratificações; banir com a farra do dinheiro público, portanto, um mar de sonho invade minhas noites em Contagem, com forte vento e leve brida, pensar num Brasil sem divisões, extirpar a ideia daqueles que querem se limpar na sujeira do outro, viver num mundo de fraternidade, de amor armazenado no coração, viver num mundo perfeito, de humanismo, sem guerras, sem fome, e sem distinções de quaisquer naturezas.

E agora por derradeiro, como bem nos ensina com rara beleza, a poeta Maria Carolina, pensar como um menino, ter a leveza de um menino, enxergar como um menino, extrair e desfrutar de tudo que há a nossa volta, amizades, família, natureza, sentindo a essência dos sentimentos genuínos, sem o filtro da soberba, da vaidade, da ganância, de sentimentos e emoções que passam a encontrar morada em nossas vidas e que nos boicotam e oprimem. Que o Senhor nos proteja e nos livre desse movimento de coisificação, nos permitindo ser meninos independentemente da idade, da engrenagem, das circunstâncias!!

Em lição acerca da temática deste ensaio, Tiago Cordeiro, comentando o tema Apagão das Canetas em Obras Públicas entende que o clima de insegurança jurídica provoca o chamado apagão das canetas, uma expressão que se refere à escolha deliberada, por parte dos gestores, de evitar autorizar qualquer iniciativa que envolva o uso de recursos públicos e possa, posteriormente, provocar investigações e punições que são aplicadas individualmente aos profissionais, mesmo depois que eles deixam seus cargos no serviço público.[7]

Para o arremate final deste trabalho, assim pode definir por Teoria do Apagão das Canetas, também conhecido por paralisia das canetas, o fenômeno pelo qual o agente público em especial aquele pertencente os quadros do Poder Executivo, geralmente detentor de uma parcela de poder decisório, deve tomar decisões, por vezes urgentes, para o cumprimento das políticas públicas do Estado, às vezes para não perder um recurso público oriundo de um convênio, e por vezes deve se utilizar de ações criativas por conta do excesso de burocracia do setor público para se alcançar o desiderato social, e diante do riscos da atividade pública, em face da vulnerabilidade do agente na tomada de decisão, fruto do Direito Administrativo do medo, acaba ficando no meio de uma verdadeira encruzilhada, uma bifurcação sem saber qual o melhor rumo a tomar, porque se agir de uma forma por mais que fique configurada a boa-fé em suas ações poderá responder por improbidade administrativa, e se houver omissão, igualmente poderá ser responsabilizado por semideus de alguns órgãos de controle, sedentos por luzes de holofotes dos meios midiáticos.

Qualquer que seja a sua decisão deve o agente público, adotar parâmetros na interpretação de normas sobre gestão pública; assim, conforme a LINDB serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

Em qualquer situação o agente público sempre vai deparar com os sintomas inerentes ao fenômeno das canetas trêmulas. Assim, deve o agente público procurar motivar suas decisões com fincas na Lei nº 13.655, de 2018; desta feita, conforme preconiza a LINDB, nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.


REFERÊNCIAS

BOTELHO, Jeferson. Cultura da Licitude. Um salto de qualidade no Sistema Correcional em Minas Gerais. Disponível em https://jus.com.br/artigos/72870/cultura-da-licitude-um-salto-de-qualidade-no-sistema-correcional-em-minas-gerais/6. Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Constituição da República do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa de 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei nº 13.655, de 2018. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13655.htm. Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.230, de 2021. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm.

Acesso em 12 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei de Licitação. Lei nº 8.666, de 93. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 12 de outubro de 2022.

HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif et de droit public, p. 20.

SANTANA. Gustavo. POLITIZE. A Separação dos três poderes. Executivo, Legislativo e Judiciário.

SANTOS. Rodrigo Vargas. Direito Administrativo do Medo e o apagão das canetas. 2021. Disponível no Site Sollicita.com.br

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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