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Trabalho em regime de tempo parcial

Agenda 26/11/2022 às 08:30

O trabalho em tempo parcial representa evolução, sob a ótica do empregador e do trabalhador ou uma precarização das condições de trabalho?

RESUMO: O artigo propõe-se a discutir o trabalho em regime de tempo parcial, analisando suas características principais, estabelecidas no artigo 58-A da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como os benefícios que o mesmo pode acarretar para os empregadores e os trabalhadores

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Reforma Trabalhista. Trabalho em regime de tempo parcial


INTRODUÇÃO

Há muito tempo se discute a necessidade de atualização das disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, sob o argumento de que referido diploma legal, promulgado no distante ano de 1943, na vigência da ditadura de Getúlio Vargas, no período conhecido como Estado Novo, estaria ultrapassado e inadequado para fazer frente aos ditames da ordem econômica moderna.

Desde então, com maior ênfase a partir dos anos oitenta do século passado, e baseado no ideário do chamado neoliberalismo econômico, diversos economistas e juristas têm discutido acerca da necessidade de mudanças nas disposições da CLT, que tivessem como um dos seus objetivos primordiais a flexibilização das relações de trabalho, livrando tais relações das amarras do contrato de trabalho tradicional.

Por outro lado, é certo que a crise atual do mercado de trabalho subordinado gerou uma imensa massa de desempregados, além de conduzir uma grande parcela da população à informalidade, desempenhando atividades profissionais sem o devido registro em carteira de trabalho e sem a proteção das normas trabalhista, relegadas ao chamado subemprego.

Diante de tal quadro, muitos estudiosos do tema passaram a defender a flexibilização do contrato de trabalho como uma das maneiras de facilitar a contratação de trabalhadores, reduzindo as taxas de desemprego e de informalidade.

Neste contexto, foi editada, pelo Executivo, a Medida Provisória nº 2164-41, de 24 de agosto de 2001, que, entre outras disposições, introduziu o artigo 58-A na CLT, criando a figura do trabalho em regime de tempo parcial.

Posteriormente, no ano de 2017, no governo de transição do Presidente Michel Temer, que assumiu a presidência após o impeachment de Dilma Roussef, foi aprovada a chamada reforma trabalhista, veiculada por intermédio da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que regulamentou devidamente o contrato de trabalho em regime de tempo parcial, dando nova redação ao caput do artigo 58-A da CLT, e introduzindo no referido dispositivo legal, além dos dois parágrafos originais, os parágrafos 3º a 7º, dando os contornos atuais da referida modalidade de contratação.

Diante de tal quadro, o presente artigo propõe-se a analisar o contrato de trabalho em tempo parcial com suas particularidades e principais características, discutindo, ao final, se o mesmo representa uma verdadeira evolução, sob a ótica do empregador e do trabalhador ou se, ao contrário, representa sobretudo uma precarização das condições de trabalho.

CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

Conforme mencionado alhures, o contrato de trabalho em regime de tempo parcial encontra-se disciplinado no artigo 58-A da Consolidação das Leis do Trabalho, nos seguintes termos:

Art. 58-A.  Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas suplementares semanais

§ 1o  O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo parcial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral.          

§ 2o  Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.                  

§ 3º  As horas suplementares à duração do trabalho semanal normal serão pagas com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal

§ 4o  Na hipótese de o contrato de trabalho em regime de tempo parcial ser estabelecido em número inferior a vinte e seis horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras para fins do  pagamento  estipulado  no § 3o, estando também limitadas a seis horas suplementares semanais

§ 5o  As horas suplementares da jornada de trabalho normal poderão ser compensadas diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execução, devendo ser feita a sua quitação na folha de pagamento do mês subsequente, caso não sejam compensadas

§ 6o  É facultado ao empregado contratado sob regime de tempo parcial converter um terço do período de férias a que tiver direito em abono pecuniário.                   

§ 7o  As férias do regime de tempo parcial são regidas pelo disposto no art. 130 desta Consolidação

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Nesta espécie de contrato, o legislador estabeleceu a possibilidade legal de contratação de empregados para uma jornada parcial de trabalho (part time), ou seja, a prestação da atividade laboral de apenas algumas horas por dia ou alguns dias por semana, mediante o pagamento de uma remuneração proporcional ao salário dos empregados que cumprem a mesma função em tempo integral.

É certo que a contratação por tempo parcial, ou seja, a contratação de trabalhador para a prestação de jornada de trabalho inferior ao limite legal já era admitida anteriormente; entretanto, somente com a edição da reforma trabalhista de 2017 foram estabelecidas as características principais de referida modalidade de contratação, sobretudo a proporcionalidade de remuneração com o pessoal que cumpre jornada integral.

Com relação à duração do trabalho, são admitidas duas formas diferentes previstas no caput do artigo 58-A da CLT, quais sejam: labor de até 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de no máximo 6 horas extras semanais, o que, na prática, totaliza 32 horas semanais laboradas; e labor superior a 26 horas e inferior a 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares. É importante destacar, ainda, que, além do limite de 6 horas extras por semana, continua valendo a limitação da prestação de horas extras diárias para até duas horas, conforme estabelecido no artigo 59 da CLT.

A lei prevê, ainda, a possibilidade da compensação das horas suplementares prestadas em uma semana na semana imediatamente posterior, sob pena de pagamento de tais horas como extras, com acréscimo de 50% na remuneração (§ 5º do artigo 58-A da CLT).

Com relação à adoção do tempo parcial, o mesmo pode ser estipulado logo no início do contrato de trabalho, ou, para os trabalhadores que laboram na jornada integral, mediante opção manifestada perante a empresa, na forma estabelecida em negociação coletiva (§ 2º do artigo 58-A da CLT).

Com relação à remuneração, o parágrafo 1º estabelece a necessária proporcionalidade da remuneração do trabalhador em tempo parcial com o trabalhador que labora no regime padrão de quarenta e quatro horas semanais, respeitando sempre como limite inferior o valor do salário-mínimo/hora

Com relação às férias, vale a regra que também é estabelecida aos empregados de forma geral, ou seja, após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a 30 dias de férias, conforme prevê o artigo 130 da CLT.

Na hipótese da existência de faltas injustificadas ao trabalho, as férias também deverão seguir a proporcionalidade prevista no já citado artigo, na seguinte proporção:

a) 30 dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 vezes;

b) 24 dias corridos, quando houver tido de 6 a 14 faltas;

c) 18 dias corridos, quando houver tido de 15 a 23 faltas;

d) 12 dias corridos, quando houver tido de 24 a 32 faltas

A lei estabelece, ainda, a possibilidade do trabalhador parcial requerer a conversão de 1/3 do período de férias em abono pecuniário, independentemente da concordância do empregador (§ 6º do art. 58-A da CLT).

Os trabalhadores contratados sob regime de tempo parcial fazem jus aos demais direitos trabalhistas e previdenciários estendidos aos empregados em geral, tais como: descanso semanal remunerado (DSR), recebimento de adicionais (noturno, periculosidade e insalubridade), auxílio-doença, salário-maternidade, 13º salário, entre outros, assim como, no caso de dispensa imotivada, ao aviso prévio trabalhado ou indenizado, férias vencidas ou proporcionais acrescidas de 1/3, multa de 40% do FGTS e guias de levantamento do fundo e do Seguro Desemprego, se houver preenchido os requisitos legais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme destacado na introdução, no decorrer dos quase 80 anos de vigência da Consolidaçã das Leis do Trabalho no Brasil, houve a necessidade de adequação da norma trabalhista para que a mesma contemplasse novas modalidades de contratação e novas jornadas de trabalho, adequadas à evolução do mercado de trabalho e ao mundo globalizado, visando, sobretudo, o combate ao desemprego estrutural e à informalidade.

Esta, inclusive, foi a principal justificativa para a promulgação, no ano de 2017, da chamada reforma trabalhista, veiculada Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017.

Entretanto, após a promulgação da referida Lei, muitos estudiosos do direito passaram a se manifestar de forma contrária às novas disposições da reforma trabalhista, sob o argumento de que as mesmas precarizariam as relações de trabalho subordinado.

É certo que referida crítica não se aplica à jornada de trabalho por tempo parcial, na medida em que, conforme demonstrado no item supra, o trabalhador mantém intactos todos os seus direitos trabalhistas, da mesma maneira que um trabalhador em tempo integral, observando-se, ainda, a necessária proporcionalidade da remuneração entre o trabalhador com jornada integral e o trabalhador com jornada parcial.

Por outro lado, é inegável que o contrato de trabalho por tempo parcial trouxe benefícios para o empregador e para o trabalhador.

Para o empregador, trouxe uma maior flexibilidade na contratação, atendendo às peculiaridades de cada comércio, possibilitando a concentração de mais trabalhadores nos períodos de maior demanda negocial da empresa, adequando-se, assim, a rentabilidade a folha de pagamento.

Para o trabalhador, também, são visíveis os benefícios, possibilitando que o mesmo exerça a sua jornada de trabalho da forma mais adaptada à sua rotina diária, resultando em mais tempo disponível para o lazer e a convivência familiar.

Tal regime mostra-se benéfico sobretudo para os trabalhadores que precisam conciliar sua jornada de trabalho com outras atividades pessoais, como no caso de estudantes e de trabalhadores com filhos pequenos, principalmente no caso das mulheres, que, pela própria estrutura patriarcal da nossa sociedade, possuem a atribuição social de cuidar dos filhos, sofrendo os efeitos da chamada dupla jornada de trabalho.

De fato, diante das convenções sociais, as trabalhadoras acabam enfrentando o dilema de conciliar a realização profissional com a maternidade, razão pela qual o regime de tempo parcial mostra-se benéfico à mulher trabalhadora, que pode administrar melhor o tempo dividido entre a atividade profissional e a vida pessoal.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Medida Provisória nº 2164-41, de 24 de agosto de 2001. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, para dispor sobre o trabalho a tempo parcial, a suspensão do contrato de trabalho e o programa de qualificação profissional, modifica as Leis nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965, 5.889, de 8 de junho de 1973, 6.321, de 14 de abril de 1976, 6.494, de 7 de dezembro de 1977, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 9.601, de 21 de janeiro de 1998, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22/11/2022

______, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 22/11/2022

CORDEIRO, Wolney de Macedo. A regulamentação legal do trabalho a tempo parcial - Comentários propedêuticos da Medida Provisória n. 1.709, de 6 de agosto de 1998. Jornal Trabalhista, dez./98, ano XV, n. 739.

MARTINS, S.P., Flexibilização das Condições de Trabalho. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2012

ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. O contrato de trabalho a tempo parcial. Suplemento Trabalhista 141/01, São Paulo: Ed. LTr, 2001.

Sobre o autor
Marcello Espinosa

Procurador do Município de Diadema-SP. Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Gestão Pública pela EAESP da Fundação Getúlio Vargas. Advogado militante na área do contencioso cível no Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESPINOSA, Marcello. Trabalho em regime de tempo parcial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7087, 26 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101292. Acesso em: 22 dez. 2024.

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