Conhecidos pela cultura de pressão, controle de um grande volume de documentos, tarefas que não podem deixar falhas, prazos apertados e frente a um mundo de negócios pautado pela economia 4.0, escritórios de advocacia têm procurado novas formas de trabalho. Uma solução que vem sendo adotada com sucesso por organizações do setor jurídico é o uso das metodologias ágeis. Seu objetivo é entregar maior produtividade, usar menos tempo no atendimento de demandas internas e externas, alcançar metas nas entregas e assegurar mais qualidade de vida aos advogados.
Originalmente utilizadas pelos setores corporativo e de tecnologia, a filosofia das metodologias ágeis já mostrou resultados na área jurídica, onde também é conhecida como Gestão Jurídica Ágil. Diante da necessidade de implementação desse novo modelo de pensamento, a Corporate Legal Operations Consortium (CLOC), entidade criada por um consórcio de Departamentos Jurídicos nos Estados Unidos, recomenda a adoção de três características cruciais: entregas ágeis, centradas em valor e capacitadas para tecnologia.
Na prática, os setores de controladorias jurídicas das empresas ou Legal Operations utilizam os frameworks (modelos de trabalho) das metodologias ágeis da seguinte forma: a gestão escolhe um dos métodos, que pode ser o Scrum, Kanban, OKR, Lean, etc. São definidas listas de tarefas e fluxos de trabalho (que são do conhecimento de todos da equipe, em geral dispostos visualmente em um software acessados por todos) e se trabalha de acordo com pequenos ciclos de entrega (sprints).
Dentro de cada período de tempo estabelecido pelo método utilizado, acontecem reuniões periódicas que visam a analisar o andamento do projeto (ou processo) e readaptar o que for necessário para aprimorar as entregas seguintes. Essas reuniões geram segurança a todos e garante que os colegas da equipe jurídica estejam devidamente alinhados.
Dados positivos da cultura ágil
Pesquisa que saiu no Journal of Business and Project, publicada em 2021, demonstrou que 41% das organizações brasileiras que utilizam algum método ágil reduziram o tempo de suas entregas. O aumento da produtividade foi notado por 42%. Além disso, 52% relataram conseguir maior habilidade para gerenciar mudanças de prioridades. Os entrevistados também perceberam melhor visibilidade dos projetos (31%), previsibilidade das entregas (27%) e redução dos riscos nos projetos (26%).
A metodologia ágil é adequada para setores que demandam pensamento estratégico, produtividade e colaboração. Segundo pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, ambientes de trabalho mais complexos e incertos tendem a se adaptar melhor com as metodologias ágeis, ou seja, são facilmente aplicáveis a qualquer setor, como o jurídico.
Com a sua implementação, temos o esvaziamento da cultura de comando e controle e a ascensão da cultura de colaboração: feedbacks são incentivados em reuniões diárias, há redução da subordinação e da hierarquia e empoderamento da equipe para tomada de decisão.
No dia-a-dia de um escritório, por exemplo, ao se iniciar o trabalho para um cliente, o advogado irá seguir processos de acordo com o atendimento daquele caso. Ele precisará obter informações e organizar documentos relacionados ao caso, estudar sobre o entendimento legal e jurisprudências, redigir um documento a partir dessas informações (como uma petição, um contrato, etc), repassar esse documento com outro advogado da equipe, ou, revisar com o próprio cliente para, então, dar a demanda como concluída.
No entanto, na vida real, na qual essa situação acontece repetidas vezes com diversos processos ao mesmo tempo sobre o mesmo advogado, é muito fácil que as etapas se percam e a produtividade caia. É nesse contexto que a metodologia ágil funciona para facilitar e alinhar as atividades da equipe jurídica.
Principais metodologias ágeis
No manifesto ágil, publicado em 2001, um de seus principais argumentos é de que pessoas são mais importantes que ferramentas ou soluções tecnológicas - isso diz respeito ao time e ao cliente. Seu objetivo era oferecer uma alternativa de gestão ao tradicional modelo em cascata, na qual um processo é tocado em etapas sequenciais, no qual o cliente só vê o resultado no final do projeto. O manifesto ágil considera os seguintes princípios:
Satisfação do cliente através de entregas contínuas de valor
Adaptação à mudanças de requisitos mesmo durante o processo
Entregas com frequência, feitas em períodos curtos
Trabalho em conjunto durante o curso do projeto
Possibilitar um ambiente de trabalho para indivíduos motivados
Comunicação direta em todos os níveis
Funcionalidade é a medida do progresso
Desenvolvimento sustentável, em ritmo constante que pode se manter indefinidamente
Revisão para promover excelência aumenta a agilidade
Simplicidade para fazer o que é necessário
Times auto-organizáveis rendem melhores resultados
Autoavaliação e ajustes em intervalos regulares.
Hoje existem diversas aplicações patenteadas que se baseiam nessa metodologia, mas as mais famosas são Kanban, Scrum, OKR, Lean e Smart. Para seu funcionamento, os softwares utilizados mais conhecidos são o Jira, Asana, ClickUp, Trello e Microsoft Planner.
No Kanban, toda atividade é registrada em um cartão que fica em um quadro, dentro de colunas organizadas de acordo com a especialidade do time. Em geral, essas atividades são classificadas dentro de três categorias: to do (a fazer), doing (em produção) e done (feito). Elas precisam ser feitas dentro de um prazo e cada um de seus cartões segue um fluxo no quadro de acordo com sua execução.
No Scrum, são feitas em um primeiro momento 1) a definição do backlog (lista de tarefas) do produto, considerando riscos, custos, responsáveis e ferramentas e 2) a definição do backlog da sprint (período curto determinado), com a atribuição de responsabilidades para os membros do time.
A partir disso, são feitas reuniões semanais com os stakeholders (partes interessadas) e encontros diários com os membros da equipe. Todo trabalho é orientado para a entrega (ou melhoria) de parte do produto. Ao final de cada sprint, um novo backlog é criado e o ciclo se repete até que o produto seja entregue por completo.
Empresas orientadas pela metodologia ágil costumam associar ao Kanban ou ao Scrum as objectives and key results (OKRs) ou em português, os objetivos e resultados-chave. As OKRs são uma estratégia utilizada para definir metas seguindo a fórmula: objetivos (o que se deseja alcançar), iniciativas (o percurso para chegar ao objetivo) e o conjunto de resultados-chave (as medidas para saber que se chegou aos objetivos). O principal propósito das OKRs é que todos os colaboradores do escritório ou da controladoria jurídica estejam andando na mesma direção.
Outra forma de avaliar os resultados do setor jurídico que vieram do mundo corporativo são as key performance indicators, as KPIs. Essas são as metas que vão guiar a performance do escritório de advogados associados, por exemplo. Alguns dos KPIs mais utilizados no meio são o número processos ativos, prazos processuais, precificação de honorários, desempenho da banca e de seus colaboradores.
Benefícios para advogados e gestores
Em um modelo de negócio no qual os colaboradores possuem bastante autonomia, muitos em home office, trabalhar com métodos ágeis e suas ferramentas promove vínculo e engajamento para a equipe. Por serem adaptáveis e colaborativas, sua adoção promove redução do stress e sobrecarga de trabalho.
Em resumo, para os advogados, o uso de frameworks ágeis facilita na autonomia, na clareza sobre as prioridades, na colaboração e no ganho de produtividade. Para os gestores possibilita acompanhar a equipe toda de uma só vez e identificar o que cada colaborador faz em tempo real, identificar gargalos, medir a produtividade e otimizar a distribuição de tarefas. Para todo o time, permite tomar decisões rápidas baseadas em dados.
As metodologias ágeis agregam valor ao cliente, humanizam a advocacia, desburocratizam o trabalho e o torna mais satisfatório. Ou seja, quando ouvir falar em advogado ágil, saiba que a expressão em nada tem a ver com agir apressadamente ou sem método.
Um advogado com a mentalidade ágil se utiliza do digital para eliminar processos que não geram valor ao cliente. Com isso, o profissional consegue focar no domínio da argumentação jurídica, na interpretação de regras e princípios, na aplicação das leis, no conhecimento dos precedentes judiciais e nas doutrinas jurídicas. O profissional do direito ágil é direto e objetivo. Privilegia a informação das peças e consultas jurídicas e está aberto à troca de conhecimento com seus pares.
Para a implementação de metodologias ágeis em uma empresa ou escritório, é indicada a assistência de uma lawtech ou legaltech. No Brasil, existe uma associação de empresas desse tipo, a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L).