Duas horas depois da entrada na fábrica, soava a sirene informando o término do expediente para todos os seus colaboradores. Não era nenhum dia especial, a jornada de duas horas havia sido implantada em função da deliberação coletiva dos trabalhadores, ao perceberem que a sustentabilidade do planeta e de suas próprias vidas não deveria se dar em função do acúmulo de riqueza: era preciso dar mais atenção ao contato com os filhos, com os animais e, em especial, com suas verdadeiras vocações. Dizem que se este modelo de solidarismo fosse implantado antes, talvez muitos dos problemas do planeta não estivessem ocorrendo. Somente agora, ao trocar o modelo produtivo, percebem que o planeta é um empréstimo que as futuras gerações nos fazem e não um legado que se deixa. Talvez por isso 99,9% das empresas do mundo estejam adotando esse novo modelo, ao deixar de lado as concorrências acirradas globais com esgotamento dos recursos humanos e naturais, em nome de uma verdadeira promoção da dignidade de todos os seres vivos...
Infelizmente, estava dormindo. A realidade estava me chamando. O relógio disparou às 6h30min da manhã e tive de despertar para enfrentar mais um dia cansativo de trabalho, com engarrafamento, buzinas, poluição, cheiro de cigarro, enfim, lutar a fim de satisfazer os meus desejos estéreis (sem saber, inclusive se esses ‘desejos’ são realmente meus ou criados pelo mundo que me cerca). Era tudo diferente do que havia sonhado. Uma pena! A realidade me chamava para viver o pesadelo do dia-a-dia.
Dentre tantos pesadelos, o que mais me chamou a atenção foi o relativo posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho no sentido de restringir a garantia de emprego prevista no art. 8, VIII da CF/88, solidificada na súmula 369, I:
Nº 369 DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 34, 35, 86, 145 e 266 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma do § 5º do art. 543 da CLT. (ex-OJ nº 34 da SBDI-1 - inserida em 29.04.1994)
De acordo com o entendimento sumulado, é lícita a despedida do dirigente sindical (e não gera direito a reintegração no emprego) quando a entidade sindical obreira não comunica ao empregador da inscrição e eleição do empregado como membro da diretoria do sindicato:
RECURSO DE REVISTA. DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO À EMPRESA. A jurisprudência desta Corte já está pacificada, no sentido de que, para o reconhecimento de estabilidade provisória de dirigente sindical, é indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma do § 5º do art. 453 da CLT. Inteligência da Súmula 369, I, TST. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 734460/2001 / DJ - 22/06/2007)
Ora, a prevalecer tal posicionamento, o Tribunal Superior do Trabalho, além de fazer indevida restrição no comando constitucional, que não prevê qualquer formalidade quanto a aquisição da estabilidade provisória, acaba por desconsiderar a relação fática entre os sujeitos coletivos: se o empregador tem por obrigação dirigir-se ao sindicato obreiro para resilir o contrato de trabalho (desde que o trabalhador conte com mais de um ano de trabalho – art. 477 da CLT) poderia, nessa ocasião, verificar se há algum empregado seu como membro da diretoria! Mais: quando a empresa firma acordo coletivo, ela pode saber igualmente se há algum empregado na diretoria! E mais: a empresa pode ficar sabendo da relação dos dirigentes sindicais por intermédio do próprio sindicato patronal a que pertence! E mais: não sejamos ingênuos a ponto de achar que a empresa não tem interesse em saber quais são os dirigentes eleitos: muitas vezes elas sabem do resultado antes mesmo do escrutínio!
Assim, se passou um dia, um mês ou um ano da eleição de um empregado como dirigente sindical, a empresa tem outros meios para elidir a falta de comunicação prevista no art. 543, § 5° da CLT. Não pode, portanto, o Tribunal Superior do Trabalho restringir direito consagrado na Constituição, permitindo a livre dispensa do empregado detentor de mandato sindical quando ausente a comunicação celetista. Aliás, a notificação deve ser vista sob o prisma da defesa da atividade sindical, resguardando o emprego do trabalhador para o fiel cumprimento do mandato e não como uma permissão de dispensa quando da sua ausência.
Veja-se, ainda, que o próprio Tribunal Superior do Trabalho, embora a natureza da estabilidade seja diversa, inclina-se no sentido de que não há necessidade de comunicação da gestante para assegurar a estabilidade provisória, como determina o art. 10, b do ADCT/88. Por que, então, ser tão restritivo quando se trata de dirigente sindical?
A permanecerem as restrições, resta sonharmos acordados com mais um pesadelo...