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A incidência de ICMS nas operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos filiais de um mesmo contribuinte

Agenda 23/12/2022 às 22:25

Se não há transferência de titularidade, não há circulação jurídica de mercadorias.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno da incidência de ICMS nas operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos filiais de um mesmo contribuinte, sendo realizadas pesquisas em doutrina, texto de lei e jurisprudência para o esclarecimento dessa questão.

Palavras-chave: Direito; ICMS; Circulação de Mercadorias.


O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços comporta várias análises no que se refere a sua incidência. Nesse contexto, merece destaque um estudo no que diz respeito a questão sobre a incidência de ICMS nas operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos filiais de um mesmo contribuinte.


 DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS

 O ICMS foi criado pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965, sendo-lhe conferido um tratamento constitucional detalhado nos incisos I a XII do artigo 155, § 2°, da Constituição Federal (SABBAG, 2020).

De acordo com o artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, o ICMS é um imposto com previsão no rol de competências tributárias dos Estados e Distrito Federal (MAZZA, 2019; SABBAG, 2020). Dessa forma, compete a esses entes instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (BRASIL, LEI COMPLEMENTAR 87, 1996)

Mesmo sendo um imposto estadual, a Constituição Federal em seu artigo 155, § 2°, inciso XII, estabeleceu uma sequência de temas para serem disciplinados pela União, por intermédio de lei complementar. Dessa forma, são duas as leis gerais mais relevantes sobre o regulamento do ICMS, sendo elas as Leis Complementares Federais n° 24/75 e n° 87/96 (MAZZA, 2019).

O ICMS é uma das principais fontes da receita dos Estados e do Distrito Federal, razão pela qual o referido imposto em análise possui função essencialmente arrecadatória, fiscal (MAZZA, 2019).

Todavia, pela redação dada ao artigo 155, § 2°, inciso III da Constituição Federal, é possível identificar uma certa dose de extrafiscalidade no ICMS, devido a determinação constitucional de alíquotas seletivas no referido imposto em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (MAZZA, 2019; SABBAG, 2020).

No que se refere à modalidade de lançamento, o ICMS representa um tributo no qual o lançamento será feito por homologação, uma vez que o contribuinte realiza a antecipação do pagamento, remetendo a documentação fiscal para a autoridade competente, a qual caberá aprovar as contas (MAZZA, 2019).

Vale observar que o ICMS "é imposto plurifásico, por incidir sobre o valor agregado (obedecendo-se ao princípio constitucional da não cumulatividade); um imposto real, por ter como base de cálculo o bem, não relevando as condições da pessoa; e imposto proporcional, por não comportar alíquotas progressivas." (SABBAG, 2020, P.477)

Além do mais, importante destacar que, de acordo com a Lei Complementar n° 87/96, são considerados como sujeitos passivos do ICMS: as pessoas que realizam operações referentes à circulação de mercadorias; os prestadores de serviços de transporte intermunicipal e interestadual; os prestadores de serviço de comunicação; e os importadores de bens de qualquer natureza que sejam (SABBAG, 2020).


DOS FATOS GERADORES DO ICMS

Segundo esclarece Sabbag (2020), o fato gerador consiste na materialização da hipótese de incidência, ou seja, refere-se ao momento em que aquilo que estava previsto no texto da lei tributária, acaba realmente ocorrendo no mundo real, propiciando um enquadramento perfeito entre o fato ocorrido com o modelo legal, denominado esse fenômeno de subsunção tributária.

Sobre o ICMS, o artigo 2° da Lei Complementar n° 87/96 elenca certas operações e serviços que estão sujeitos à incidência do ICMS, tais como, por exemplo: o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto; o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; e o fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (MAZZA, 2019).

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No entanto, convém ressaltar que conforme estabelecido pelo artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, a base nuclear do fato gerador do ICMS consiste na circulação de mercadorias, na prestação de serviço de transporte intermunicipal ou interestadual, e na prestação de serviço de comunicação (SABBAG, 2020).

No tocante à circulação de mercadorias, tal fato se refere a negócios ou atos que implicam na trajetória da mercadoria desde sua produção, até o seu consumo (SABBAG, 2020). O ICMS só irá incidir nessa situação quando estiverem presentes, ao mesmo tempo, os seguintes requisitos: circulação jurídica, isto é, a alteração da propriedade/titularidade; que a operação envolva as mercadorias, sendo os bens móveis destinados ao comércio; e que a pessoa, que realiza a venda, promova essas operações com habitualidade, com a intenção de mercancia, enquadradas em sua atividade de natureza mercantil (MAZZA, 2019). Sobre esses requisitos:

a) A circulação jurídica pode ser definida como sendo a mudança da propriedade/titularidade da mercadoria/bem (MAZZA, 2019; SABBAG, 2020). Assim, é necessário a circulação em sentido jurídico da mercadoria, pela tradição, obrigação de dar, com a alteração de sua titularidade, para que ocorra a incidência do ICMS. Posto que a simples circulação em sentido físico do bem, o mero transporte sem mudança de sua titularidade, não enseja a incidência do referido imposto (MAZZA, 2019).

b) A mercadoria, do latim merx, pode ser entendida como o produto, o bem móvel destinado ao comércio, que será alienado onerosamente por uma pessoa física ou jurídica, integrando, pois, essa operação no rol de suas atividades finalísticas (MAZZA, 2019; SABBAG, 2020).

c) A natureza mercantil pode ser conceituada como o intuito comercial da operação, isto é, a intenção de mercancia, em obter lucro. Pela redação do artigo 4° da Lei Complementar n° 87/96, essa finalidade é identificada quando a pessoa física ou jurídica realiza com habitualidade ou em volume operações de circulação de mercadoria que caracterizam o intuito comercial naquele ramo específico de atuação (MAZZA, 2019).


DOS PRECEDENTES SOBRE O ICMS E A TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE

Vale destacar certos julgados que analisaram a incidência do ICMS sobre a questão da ocorrência da transferência de titularidade na circulação de mercadorias:

No julgamento do Recurso Especial n° 32.203/RJ, Primeira Turma, Relator Ministro Milton Nunes Pereira, data de julgamento: 06/03/1995, data de publicação: DJ 27/03/1995, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça foi que a transferência de mercadorias, do mesmo contribuinte, do estabelecimento central para as lojas de venda de varejo, que estavam localizadas na mesma cidade, não implicaria na ocorrência do fato gerador do ICMS, uma vez que nessa situação não há transferência de propriedade, inexistindo operação de natureza mercantil. Observa-se que, a incidência do referido imposto seria possível nesse caso se o primeiro estabelecimento atuasse de forma autônoma, comercializando os produtos de sua fabricação (LOPES, s. d.).

Além disso, de acordo ainda com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a ausência de circulação jurídica da mercadoria resulta na inexistência de transferência de propriedade, não havendo troca de titularidade e, dessa forma, não enseja o fato gerador do ICMS. Conforme o seguinte precedente que destaca:

DIREITO TRIBUTÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS SOBRE A OPERAÇÃO DE VENDA, REALIZADA POR AGÊNCIA DE AUTOMÓVEIS, DE VEÍCULO USADO OBJETO DE CONSIGNAÇÃO PELO PROPRIETÁRIO. Não incide ICMS sobre a operação de venda, promovida por agência de automóveis, de veículo usado objeto de consignação pelo proprietário. A circulação de mercadorias prevista no art. 155 da CF é a jurídica, que exige efetivo ato de mercancia, para o qual concorrem a finalidade de obtenção de lucro e a transferência de titularidade, a qual, por sua vez, pressupõe a transferência de uma pessoa para outra da posse ou da propriedade da mercadoria. A mera consignação do veículo, cuja venda deverá ser promovida por agência de automóveis, não representa circulação jurídica da mercadoria, porquanto não induz à transferência da propriedade ou da posse da coisa, inexistindo, dessa forma, troca de titularidade a ensejar o fato gerador do ICMS. Nesse negócio jurídico, não há transferência de propriedade à agência de automóveis, pois ela não adquire o veículo de seu proprietário, apenas intermedeia a venda da coisa a ser adquirida diretamente pelo comprador. De igual maneira, não há transferência de posse, haja vista que a agência de automóveis não exerce sobre a coisa nenhum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.228 do CC). Com efeito, a consignação do veículo não pressupõe autorização do proprietário para a agência usar ou gozar da coisa, tampouco a agência pode dispor sobre o destino da mercadoria, pode, apenas, promover a sua venda em conformidade com as condições estabelecidas pelo proprietário. Em verdade, a consignação do veículo significa mera detenção precária da mercadoria para exibição, facilitando, dessa forma, a realização do serviço de intermediação contratado. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.321.681/DF. Primeira Turma. Relator Ministro Benedito Gonçalves. Data de julgamento: 26/02/2013)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Diante do exposto, é notável que o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e alguns serviços (SCAFF, 2017). Nesse contexto, a mercadoria é entendida como um bem móvel vendido em caráter habitual e com o objetivo de lucro, materializando uma obrigação de dar, ocorrendo a transferência de titularidade do bem.

Com relação ao referido imposto, a questão sobre a incidência de ICMS nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos filiais de um mesmo contribuinte acabou sendo solucionada, tornando-se entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula n° 166 a qual determina não constituir fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte.

De fato, para haver a incidência do imposto em análise o seu pressuposto consiste em uma circulação jurídica que acarrete a transferência da propriedade de uma mercadoria, e não meramente em um deslocamento físico de produtos (SCAFF, 2017). Quando se desloca mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, inexiste esse pressuposto, já que não há transferência de titularidade, havendo apenas o simples deslocamento físico.

Assim, se não houver a transferência de titularidade, não houve circulação jurídica de mercadorias, portanto, não incide o ICMS por ausência de seu requisito. É por isso que não ocorre o fato gerador do ICMS sobre as operações de transporte de mercadorias entre filiais de uma mesma empresa, que no caso seria o mesmo contribuinte.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 23 jun. 2020.

_______. Lei Complementar n° 87 de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. (LEI KANDIR). Brasília, DF, 13 set. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm> Acesso em: 23 jun. 2020.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 166. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2010_12_capSumula166.pdf> Acesso em: 23 jun. 2020.

_______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.321.681/DF. Primeira Turma. Relator Ministro Benedito Gonçalves. Data de julgamento: 26/02/2013. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23069183/recurso-especial-resp-1321681-df-2012-0090603-4-stj/relatorio-e-voto-23069185?ref=juris-tabs> Acesso em: 23 jun. 2020.

LOPES, Fabiana Baptista de Bastos. Transferências interestaduais de bovinos entre estabelecimentos de um mesmo produtor rural e o enunciado n. 166 da súmula do STJ. s. d. Disponível em: <http://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2017-07/24---transferEncias-interestaduais-de-bovinos-entre-estabelecimentos-de-um-mesmo-produtor-rural-e-o-enunciado-n_-166-da-sUmula-do-stj.pdf> Acesso em: 23 jun. 2020.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário / Alexandre Mazza. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial / Eduardo Sabbag. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

SCAFF, Fernando Facury. ICMS interestadual entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-set-18/justica-tributaria-icms-interestadual-entre-estabelecimentos-mesmo-contribuinte> Acesso em: 23 jun. 2020.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOLDARINI, Victor Nanzeri. A incidência de ICMS nas operações de transferências de mercadorias entre estabelecimentos filiais de um mesmo contribuinte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7114, 23 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101753. Acesso em: 26 dez. 2024.

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