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A consciência jurídica e a eqüidade como novos paradigmas para a atividade jurisdicional contemporânea

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Agenda 29/07/2007 às 00:00

III – "NOVOS" PARADIGMAS PARA A ATIVIDADE JURISDICIONAL: A CONSCIÊNCIA JURÍDICA E A EQÜIDADE

Como até agora foi possível demonstrar, a teoria de Hans Kelsen, embora merecedora de elogios, sucumbe na Pós-Modernidade, à medida em que uma série de novos relacionamentos humanos está surgindo e ficando verdadeiramente à margem das regras jurídicas postas, uma vez que as mesmas não foram capazes de lhes abarcar, fazendo cair por terra, portanto, o mito da completude do sistema legal baseado na lógica kelseniana.

Isso ocorre porque, como visto, "o grau de autonomia que ganham as sociedades contemporâneas e a avançada experiência universal com as práticas democráticas e pluralistas não mais admitem a vigência de um direito positivo que seja impermeável às mudanças culturais e às conquistas sociais, ou seja, se um direito que reflita apenas o voluntarismo do legislador e do juiz" [20].

Nada obstante, não é possível à autoridade judiciária, dentro da teoria da tripartição dos poderes, constitucionalmente adotada, como da lógica da motivação das decisões também estabelecida a nível constitucional, simplesmente se afastar da regra imposta conforme os ditames do processo legislativo. Necessita a autoridade judiciária, sob pena de afronta ao próprio sistema democrático, ao atenuar o rigor da regra, e mais ainda quando lhe afasta por completo, estar calcada em fundamentos deveras pertinentes, garantidores de um valor maior que a Segurança Jurídica [21]. E esse valor é, justamente, a Justiça, contra a qual tudo o mais deve sucumbir e se curvar.

E é aí que a Consciência Jurídica e a Eqüidade se apresentam, ambas como ferramentas úteis à autoridade judiciária na busca por soluções que a regra fria e criada na solidão do Parlamento não alcança.

— Nesse ponto, aliás, a discussão também não é nova, pois, como ressalta Osvaldo Ferreira de Melo, o embate entre Justiça e Segurança Jurídica não significa mais do que o já tão debatido dilema entre o Jus Aequum [22] e o Jus Strictum [23], termos que adiante, a propósito, quando for o caso, utilizarei para tratar desse paradoxo, porque constitui exatamente o objeto maior do presente trabalho.

Necessário, aqui, sublinho, abrir espaço para trazer à colação a definição de consciência jurídica dada pelo empirista Alf Ross:

"A consciência jurídica, como o senso moral é uma atitude desinteressada de aprovação ou reprovação frente a uma norma social. Difere do senso moral em que, distintamente deste, não aponta a relação direta entre ser humano e ser humano, mas sim o regramento social, organizado, da vida da comunidade. A consciência jurídica se dirige à ordem social. Decide com base em atitudes em questões do tipo das seguintes: se os criminosos devem ser punidos em relação a sua culpa, se o aborto deve ser permitido, se as mulheres devem ter o mesmo status jurídico dos homens, se os trabalhadores devem ter direito de se reunirem em sindicatos, se o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio e sob que condições, etc. Em certa medida, a consciência jurídica é determinada pelo próprio ordenamento jurídico existente e, por sua vez, exerce influência sobre este último" [24].

Voltando ao tema, então, no que toca à atividade da autoridade judiciária, tem-se que a consciência jurídica exerce papel fundamental na construção de um Direito justo, à medida em que somente quando se decidir conforme o sentimento de Justiça reinante na sociedade é que o magistrado estará atendendo, plenamente, sua função de agente transformador e de responsável pelo restabelecimento da paz social.

Em apertada síntese, pois, pode-se dizer que se decidir a autoridade judiciária de acordo com o sentimento de Justiça que impera naquele momento e local do corpo social para o qual se dirige, de modo que, considerando que o Direito nasceu para servir a sociedade e não o contrário, estará o magistrado garantindo, com isso, a aplicação do Direito Justo, ainda que negue vigência a alguma regra positivada.

Em resumo, nenhuma afronta ao Direito enquanto realização do sentimento de Justiça estará cometendo o magistrado, mesmo porque "para uma norma ser justa (e a sentença judicial é a norma individual, para o caso concreto), deverá ela corresponder aos legítimos anseios sociais; à verdade dos discursos decorrentes da análise da realidade; ser comprometida com os princípios da liberdade e da igualdade e ainda ser respaldada pela ética" [25].

Ou seja, estando a regra positivada em desacordo com a consciência jurídica que impera em determinado meio social, e sendo o Direito expressão necessária da Justiça, não há dúvida alguma de que a autoridade judiciária, em se deparando com essa desconexão, deverá optar pela realização do justo em detrimento do Jus Strictum.

— E nem se invoque o Jus Strictum, sozinho, para proteger os institutos constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, eis que, como alerta Osvaldo Ferreira de Melo, esse argumento é deveras simplista, uma vez que o Jus Strictum "é moeda de duas faces" [26], merecendo ser analisado com apurada parcimônia, já que, além de visar assegurar aos cidadãos que os direitos que são reconhecidos pela ordem jurídica serão efetivamente realizados, objetiva, ainda, através análises mais políticas que jurídicas, manter a paz social como forma de se assegurar a própria manutenção do governo.

Mais: lembremos que não se pode querer impor o Direito Positivo por si mesmo, como um fim único. Ele nasceu unicamente para servir à Sociedade. Não se pode, então, querer levantar a bandeira do Jus Strictum sem atenção ao mundo dos vivos, eis que, como bem destaca Osvaldo Ferreira de Melo:

"o objetivo de atender à segurança jurídica não poderá ser perseguido como algo bastante em si mesmo. Por mais importante que seja assegurar a ordem social e o Estado de Direito, não é possível aprisionar o Direito na forma e na abstração da norma, esta concedida erga omnes (relativamente a pessoas e casos) e muitas vezes para amparar tão-somente interesses dos governantes e não os dos cidadãos" [27].

Desse modo, contemporaneamente, insista-se, é ponto pacífico que a segurança jurídica, em hipóteses em que demonstrado que a Justiça não é atendida, deve ceder em favor desta, a fim de que a consciência jurídica não seja agredida, porque, em última análise, se esta restar ferida, de nada adiantará o esforço do magistrado para recompor a paz social.

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Nessa seara, oportuna novamente a colocação de Alf Ross:

"A consciência jurídica predominante na comunidade só pode ser levada em consideração como um fator espiritual de que depende a viabilidade prática de uma reforma jurídica.

"São essencialmente aplicáveis a essa questão os comentários feitos no capítulo sobre as possibilidades da política jurídica. O legislador não pode moldar a evolução arbitrariamente; suas possibilidades estão limitadas (entre outras coisas) pela consciência jurídica predominante na comunidade. Essa restrição aos esforços dos legisladores na direção da conduta dos seres humanos deve ser levada em conta por este em seu cálculo jurídico-sociológico do efeito factual de um projeto de lei. Tal é o cerne da doutrina da escola histórica.

"A consciência jurídica, segundo essa idéia, é considerada como uma circunstância factual e não como um motivo, isto é, figura entre as crenças operativas que descrevem fatos e correlações sociológico-jurídicos e não entre as premissas de atitude motivadora. Em consonância com isto, não se leva em conta a consciência jurídica em si mesma, mas sim seus efeitos, quer dizer, a conduta que ela presumivelmente condiciona.

"Ainda quando uma consciência jurídica popular existente não tenha, talvez, força suficiente para frustrar uma medida legislativa proposta, pode fundar um argumento contra o projeto, pois não se deve esquecer que uma lei adotada que seja contrária à consciência jurídica popular provavelmente causará má vontade, insatisfação e atrito e isto pode ter um efeito indesejável sobre o acatamento geral à lei" [28].

Note-se que, todo o tempo, Consciência Jurídica e Justiça como expressão do Direito são conceitos que andam juntos, em uma caminhada inseparável mesmo, porque é impossível querer realizar esta sem atender àquela, sobretudo porque, ante a ausência de critérios objetivos, não há um conceito rígido de Justiça, razão pela qual o que guia e delimita esse sentimento é a Consciência Jurídica.

E o que acontece, como visto acima, é que a Consciência Jurídica é formada pela Sociedade, nem sempre estando ligada ao Direito Positivo. Ou seja, não há como querer se alcançar Justiça com base apenas neste. Na verdade, o Direito Positivo sequer é fundamental para tanto.

Veja-se, nesse norte, a lição de Maria da Graça dos Santos Dias:

"A Justiça é compreendida por CALERA como uma produção cultural da sociedade. Por isso, a Justiça, como valor que referenda o Direito, que o legitima socialmente, apresenta significados que se transformam no tempo e espaço. A compreensão e o sentido da Justiça, desse modo, revelam-se como relativos, pois, nas distintas sociedades e em diferentes momentos históricos expressam-se necessidades, interesses, sentimentos e valores também diferenciados. É de fundamental importância que o ato de criação e de avaliação do Direito instituído considere essas necessidades, valores e interesses da sociedade" [29].

Concluindo, a Justiça como valor, ou então o sentimento de Justiça, pode ser definido justamente como aquele que atende à consciência jurídica, dando a cada um dos indivíduos o que é seu. Como definiu o saudoso Miguel Reale, a Justiça deve ser entendida "como realização do bem comum segundo a proporção exigida pelos valores da pessoa e pela conservação e o desenvolvimento da cultura (...)" [30].

E assim também está disposta a Justiça para Osvaldo Ferreira de Melo, pois afirma o professor que esta deve ser entendida como "valor que a consciência jurídica da sociedade atribui à norma posta ou à norma proposta pois, afinal, todo valor designa o grau de aptidão de um objeto para satisfazer necessidades" [31].

Tanto é assim que, quando Osvaldo Ferreira de Melo formula quatro concepções que melhor destrincham o conceito de Justiça, deixa claro o professor que "a Justiça como resultado da relação entre as legítimas aspirações da sociedade e a resposta a isso que lhes dá a norma jurídica: se faltar adequação nessa relação, o sentimento resultante da sociedade será de que a norma é injusta" e que "a norma cujo sentido não corresponda à verdade cientificamente demonstrada e aceita e recepcionada pela sociedade, será tida como norma injusta" [32].

E é na seqüência dessa incessante luta pela realização do Direito como expressão da Justiça é que ganha importância o instituto da eqüidade, uma vez que, já conceitualmente, funciona justamente como ferramenta para ajustar a lei fria ao mundo dos fatos vivos, o mundo no qual se desenvolve a sociedade.

Cabe, portanto, à autoridade judiciária, a fim de garantir um Direito Justo, captar os valores que se desenvolvem no seio da sociedade e que são expressão da Consciência Jurídica e os cotejar com o Direito positivo, chegando a um produto que atenda o valor Justiça, fazendo uso, se necessário, justamente da correção fornecida pela proporcionalidade da epiquéia, pois que, como já destacado por Carlos Maximiliano, "fora da equidade há somente o rigor do Direito, o Direito duro, excessivo maldoso, a fórmula estreitíssima, a mais alta cruz. A equidade é o Direito benigno, moderado, a justiça natural, a razão humana (isto é, inclinada à benevolência) [33].

Essa faceta da epiquéia, diga-se, exsurge do seu próprio conceito, colocado que está à disposição para fornecer Justiça. Veja-se o significado de Aurélio Buarque de Holanda para eqüidade (o Jus Aequum):

"eqüidade. [Do lat. aequitate] S. f. 1. Disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um. 2. Conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo. 3. Sentimento de justiça avesso a um critério de julgamento ou tratamento rigoroso e estritamente legal. 4. Igualdade, retidão, equanimidade" [34].

Também no dizer de Carlos Maximiliano, "Desempenha a Eqüidade o duplo papel de suprir as lacunas dos repositórios de normas, e auxiliar a obter o sentido e alcance das disposições legais. Serve, portanto, à Hermenêutica e à Aplicação do Direito" [35].

E no mesmo sentido está a lição de Aristóteles em "Ética a Nicômaco", quando o filósofo afirma que "o eqüitativo, embora seja melhor que uma simples espécie de justiça, é em si mesmo justo, e não é por ser especificamente diferente da justiça que ele é melhor do que o justo. A justiça e a eqüidade são portanto a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal. A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário estabelecer regras gerais, mas não é possível fazê-lo completamente, a lei leva em consideração a maioria dos casos, embora não ignore a possibilidade de falha decorrente desta circunstância. E nem por isto a lei é menos correta, pois a falha não é da lei nem do legislador, e sim da natureza do caso particular, pois a natureza da conduta é essencialmente irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Por isso o eqüitativo é justo, e melhor que uma simples espécie de justiça, embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames). Então o eqüitativo é, por sua natureza, uma correção da lei onde esta é omissa devido à sua generalidade. De fato, a lei não prevê todas as situações porque é impossível estabelecer uma lei a propósito de algumas delas, de tal forma que às vezes se torna necessário recorrer a um decreto. Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica" [36].

Destarte, como já bastante debatido, o que ocorre é que o Direito, criado pelo poder legiferante, não pode atender todas as situações criadas no seio da sociedade e, igualmente, não consegue acompanhar a evolução também dos valores reinantes nela. Então, para fazer frente a essa desconexão entre ordenamento jurídico e realidade social, entra em campo também a eqüidade, visando justamente moldar as regras positivadas segundo a consciência jurídica vigente. É que, como destaca Aristóteles, atua a eqüidade em "mitigação da lei escrita por circunstâncias que ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou aos tempos" [37], ou, ainda, como diz o jurista holandês Hugo Grócio, como "uma virtude corretiva do silêncio da lei por causa da generalidade das suas palavras" [38].

E isso se dá, da mesma forma, pelo agora já conhecido descompasso entre o Direito Positivo e a Justiça, conceitos que ao leitor menos atento até então pareciam sinônimos perfeitos. Válidas novamente, aliás, nesse particular, as palavras de Maria da Graça dos Santos Dias:

"O Direito para ser efetivamente justo, democrático, ético, supõe uma atitude de presença, de atenção, de cuidado com a vida (da natureza, do homem e da sociedade). Necessita compreender os desafios próprios da vida cotidiana, perscrutando o imaginário social para aí identificar as carências, sonhos, utopias, desejos, esperanças e desesperanças que portam as pessoas, as comunidades e a sociedade como um todo" [39].

De todo modo, o que se pode perceber quando expostos os novos paradigmas da Pós-Modernidade na construção um Direito Justo, quais sejam, a Consciência Jurídica e a eqüidade, é que ambas são imprescindíveis à realização da Justiça. Verdadeiramente, o que isso implica, "Em termos práticos, (...) (é) que deve haver contínua preocupação com o fundamento da norma, pois esta deve ser justificada, sempre. Significa também que é muito importante para caracterizar a validade material da norma, o conhecimento das fontes não convencionais do Direito, tais como os movimentos sociais e suas conseqüentes representações jurídicas que devem ser captadas pela sensibilidade do legislador e do juiz" [40].

Enfim, é possível extrair diante disso tudo que, realmente, não há mais lugar na sociedade contemporânea para o outrora festejado Normativismo Jurídico absoluto porque, ao contrário do que queria Kelsen, restou demonstrado ser equivocada a concepção positivista baseada na perenidade dos Códigos e na fantasia da completude do sistema dogmático, uma vez que a Sociedade é organismo vivo e a Justiça representação da sua Consciência Jurídica, variável, pois, no espaço e no tempo.

E, em sendo assim, à autoridade judiciária comprometida não somente com a regularidade dos textos legais, com a imposição de regras, mas disposta realmente a realizar o Direito Justo, cabe atentar às diretrizes que a Pós-Modernidade vem expondo para, com isso, decidir conforme os anseios da Sociedade, conforme os fenômenos que se passam ali, no cotidiano, no nosso lado mesmo, que sustentam a razão de ser um sistema jurídico enquanto ferramenta para desenvolvimento humano, e que em razão do conhecimento científico fechado e suficiente em si próprio da teoria Kelseniana não nos permitíamos absolver.

Pertinente, aqui, a observação de Michel Maffesoli:

"Convém, portanto, restituir às diversas expressões desse senso comum seus foros de nobreza, e assumi-las intelectualmente. É isso o interesse de uma razão sensível que, sem negar fidelidade às exigências de rigor próprias ao espírito, não esquece que deve ficar enraizada naquilo que lhe serve de substrato, e que lhe dá, afinal de contas, toda a sua legitimidade. Sem pretender fazer paradoxo a qualquer preço, tal sensibilidade é bem expressa naquilo que pode ser denominado um empirismo especulativo que se mantenha o mais próximo possível da concretude dos fenômenos sociais, tomando-os pelo que são em si próprios, sem pretender fazer com que entrem num molde preestabelecido, ou providenciar para que correspondam a um sistema teórico construído" [41]

É certo que mudanças sempre são causas de inquietações e geradoras de sentimentos de receio para com o até então desconhecido. Mas cabe à autoridade judiciária, chefe-de-obras da construção de uma Sociedade melhor, romper essas barreiras e encaminhar o Direito à fase que segue o racionalismo gelado da Modernidade. Esse verdadeiro corte epistemológico que os novos tempos impõem é bem retratado novamente, a propósito, pelo já citado sociólogo francês:

"É cômodo, e cada vez mais freqüente, entrincheirar-se por trás de uma técnica ou método que são tanto mais rigorosos quanto sejam, stricto sensu, totalmente desencarnados. Tenhamos em mente aquele apólogo sobre o filósofo que tem as mãos muito puras, principalmente porque não possui mãos. Da mesma forma, é cômodo aplicar, mecanicamente, teorias, uma vez que se tenha decretado o que deve ser a sociedade, ou aquilo que é bom para os indivíduos. Tanto mais que, no quadro abstrato desses processos abstratos, a realidade é, em geral, reduzida a esse ou aquele de seus elementos, seja o econômico, o cultural, o religioso ou o político. Tal recorte, que foi, certamente, dos mais proveitosos por ocasião da modernidade, e que produziu os efeitos que conhecemos, não tem mais muito sentido a partir do momento em que se atenta para a complexidade do mundo natural e social" [42].

Em arremate de pensamento, é necessário deixar registrado que a Pós-Modernidade já é fenômeno corrente. E, tal como em outras épocas, ela impõe uma verdadeira quebra de conceitos até então tidos como "verdades", mas que, agora, já estão mais do que relativizados. Assim, embora aqui tenha optado por tratar da Consciência Jurídica e da Eqüidade como "novos paradigmas para a atividade jurisdicional contemporânea", é certo que ambas não constituem mais do que uma pequena face desse novo momento da história que está por vir. Um novo momento no qual os ditos direitos de solidariedade, sobretudo, deverão sair das Cartas Constitucionais como meras regras programáticas e passar, efetivamente, a regular o meio social em função do qual a própria Ciência Jurídica existe. É um novo tempo no qual os homens haverão de refletir e chegar à conclusão de que o amor e o respeito do homem pelo homem, notadamente, reflete toda a existência humana. E à autoridade judiciária, portanto, cabe atenção a esses novos conceitos e paradigmas que se formam após o racionalismo gelado da Modernidade, sob pena de "deixar a caravana passar" e ficar assistindo tudo do lado de fora, posição que destoa, em absoluto, da figura do juiz como agente principal que é da construção de uma Sociedade melhor.

A propósito, já nos idos de 1950 essa a lição de Carlos Maximiliano, quando o doutrinador tratava das "Amplas Atribuições do Juiz Moderno". Veja-se:

"A praxe, o ensino e a ciência não se limitam a procurar o sentido de uma regra e a aplicá-la ao fato provado; mas também, e principalmente, se esmeram em ampliar o pensamento contido em a norma legal à medida das necessidades da vida prática. Além do significado de uma frase jurídica, inquirem também do alcance da mesma.

"(...).

"Não pode um povo imobilizar-se dentro de uma fórmula hierática por ele próprio promulgada; ela indicará de modo geral o caminho, a senda, a diretriz; valerá como um guia, jamais como um laço que prenda, um grilhão que encadeie. Dilata-se a regra severa, com imprimir elasticidade relativa por meio de interpretação.

"Os juízes oriundos do povo, devem ficar ao lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. A atividade dos pretórios não é meramente intelectual e abstrata; deve ter um cunho prático e humano; revelar a existência de bons sentimentos, tato, conhecimento exato das realidades duras da vida" [43].

E com a autoridade de sempre, esse é, igualmente, o ensinamento de Osvaldo Ferreira de Melo, que apenas em um parágrafo resume a atuação da autoridade judiciária diante dos novos paradigmas da Pós-Modernidade, e com cuja transcrição encerro este trabalho, esperando ter contribuído, ainda de que forma diminuta, certamente, ou ao menos despertado a semente da desconfiança, ao menos, para os atributos que hão de ser absorvidos pelos condutores da atividade jurisdicional nesse novo tempo:

"O Juiz exercerá um papel político-jurídico quando, sem pôr em risco o Estado de Direito, corrigir os excessos de abstração da norma, adaptando seu preceito à realidade dos fatos, para criar a norma concreta. E um instrumento que estará à disposição daquele que é julgador do conflito e aplicador do Direito será a Epiquéia (Equidade), na formulação oriunda do excelso pensamento helênico tão bem representado por Aristóteles, quando a definiu como fundamento de equilíbrio, de proporção, de correção e de moderação" [44].

Sobre o autor
Maximiliano Losso Bunn

juiz de Direito substituto, formado pela Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina, especialista em Direito Processual Civil pela UFSC / Fundação Boiteux, mestrando em Direito pela UNIVALI/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUNN, Maximiliano Losso. A consciência jurídica e a eqüidade como novos paradigmas para a atividade jurisdicional contemporânea. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1488, 29 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10193. Acesso em: 23 dez. 2024.

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