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A consciência jurídica e a eqüidade como novos paradigmas para a atividade jurisdicional contemporânea

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Agenda 29/07/2007 às 00:00

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A insuficiência da teoria kelseniana salta aos olhos porque, como visto, constituiu equívoco de Hans Kelsen a crença na completude dos sistemas dogmáticos e na perenidade dos Códigos.

Essa anemia causadora de vazios de legalidade e de crises de legitimidade fica evidente, sobretudo, na nascente Pós-Modernidade, considerando principalmente o fato de que, agora, a velocidade e a diversidade das relações sociais desenvolvidas no mundo globalizado é marco dantes nunca visto na história humana.

Verdadeiro desafio nasce então à atividade jurisdicional, que fica frente a frente com o seguinte dilema: em não podendo se abster de julgar, haverá de prevalecer o que está escrito nos pergaminhos legais, as regras jurídicas, ou, então, atentar-se-á o julgador para o sentimento de Justiça que, já à primeira vista, é imanente à expressão Direito?

Optará a autoridade judiciária, então, como coloca Osvaldo Ferreira de Melo, pelo Jus Aequum ou pelo Jus Strictum?

Pois bem. Diante da preponderância do valor Justiça, fundamento único da existência do próprio sistema jurídico, certo é que o Jus Strictum não pode ser relegado totalmente a bem, exclusivamente, da realização de direitos. Contudo, não se pode, igualmente, em todas as oportunidades que se apresentem, impor o Direito Positivo como se fosse um fim em si mesmo, querendo que os Códigos frios e abstratos resolvam todas as questões que lhe são postas, justamente quando visto que eles não compreendem essas relações factuais porque o normativismo não permitiu fossem atingidos pelo sopro das evoluções sociais.

Assim, ante a insuficiência normativa que até então conduzia, sozinha, a atividade jurisdicional, o que se revela na Pós-Modernidade é a necessidade de a autoridade judiciária demonstrar sensibilidade para captar os fenômenos sociais que se passam à sua volta e, assim, julgar os casos que lhe são postos com a aplicação do direito de forma humana, ética, pautado pelos valores da sociedade em tela, visando com isso atender à Consciência Jurídica.

— Se não for assim, a tarefa precípua do magistrado de tentar recompor a paz social e fazer Justiça se transformará em verdadeiro "trabalho de Sísifo" [45].

E nem se diga que com esse proceder haverá julgamento contra legem, uma vez que o Jus Aequum em nada agride o ordenamento jurídico, à medida em que apenas constitui expressão da Justiça de uma Sociedade e reza que o Direito Positivo tem de ser aplicado juntamente com os fatores nascidos no meio social e que se passam ao lado dos Códigos, devendo esse sentimento do justo enquanto produto social balizar, portanto, a aplicação dos Pergaminhos legais.

Pensar diferente é querer crer, repita-se, que a Sociedade nasceu para servir o Direito e não o contrário. Ou seja, é se manifestar pelo julgamento formal em detrimento do julgamento material. É colocar o valor Justiça em um plano secundário, lugar em que, nem de longe, pode estar.

E nessa trama da vida humana é que a eqüidade exsurge como ferramenta a somar na realização de um Direito Justo. E assim se apresenta porque traduz a idéia de proporção, de razoável, corrigindo distorções da norma legal, fria, criada na solidão do Parlamento, longe do pulsar da Sociedade.

Cabe registrar, ainda, que, como demonstrado, esses novos paradigmas não impõem tão-somente uma tarefa interpretativa calcada na hermenêutica jurídica. Como adverte Osvaldo Ferreira de Melo [46], isso é um começo, foi uma saída encontrada pelo julgador para fazer frente à constatada insuficiência do normativismo, como se pode ver inclusive na vida prática dos Tribunais. Mas agora é preciso ir mais longe. É preciso se despir de conceitos há muito estabelecidos e que não mais refletem os anseios de uma sociedade que adentra à Pós-Modernidade. É imprescindível adotar novos paradigmas para enfrentar novos tempos. Cada arma para sua época, diria o guerreiro.

É, enfim, um novo pensar acerca do Direito. É a compreensão de que o Direito deve ser justo, efetivamente, preocupado com a vida. Um Direito atento às transformações sociais que nascem, crescem e morrem no seio da sociedade. Um Direito, enfim, preocupado, igualmente, em realizar sua função social de restabelecer a paz social a bem do crescimento humano do homem enquanto pessoa humana e não, unicamente, em encerrar um julgamento com base em solução que não atenda o valor Justiça vigente na consciência jurídica reinante.

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Mais uma vez, nesse particular, como colocação final do presente trabalho, pertinente trazer as palavras do sociólogo francês Michel Maffesoli como um verdadeiro alento às dificuldades dos novos tempos, eis que esse estudioso é um dos mais atentos aos novos rumos que a Pós-Modernidade trará à Sociedade. Vejam-se:

"É para dar conta disso que o intelectual deve saber encontrar um modus operandi que permita passar do domínio da abstração ao da imaginação e do sentimento ou, melhor ainda, de aliar o inteligível ao sensível. Retornando uma temática já longamente desenvolvida por mim, saber unir o ‘formismo’, estabelecimento de grandes quadros de análise, e a descrição empática das situações concretas dadas. Assim fazendo, à imagem do poeta, ele se torna capaz de evocar aquelas idéias mobilizadoras, aqueles ‘mitos encarnados’ em ação na estruturação social. Haveremos, então, de encontrar aquela ‘fruição pensante’, ou, ainda, o que Goethe, no Fausto, denomina ‘fruição acompanhada de consciência (Genuss mit Bewusstsein) própria a exprimir a fruição da vida em suas diversas modulações. Essa função cognitiva ligada ao prazer estético é, certamente, superior à abstração do saber conceptual que, em última análise, é coisa recente, e cuja modernidade constituiu o fundamento de todo conhecimento. Sabendo integrar, de um ponto de vista epistemológico, a experiência sensível contemporânea que é a marca da vida cotidiana, a progressão intelectual poderá, assim, reencontrar a interação da sensibilidade e da espiritualidade, própria, por exemplo, ao barroco, e assim alcançar, através da aparência, a profundidade das maneiras de ser e dos modos de vida pós-modernos que, de múltiplas maneiras, põem em jogo estados emocionais e ‘apetites’ passionais que repousam, largamente, sobre a iluminação pelos sentidos" [47].


V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In Coleção Os Pensadores, vol. 3, São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996.

DIAS, Maria da Graça dos Santos. A Justiça e o Imaginário Social. Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito à obtenção do título de doutora em Direito. Florianópolis: 2000.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975.

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988.

MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. trad. Albert Christophe M. S. Petrópolis: Vozes, 1998,

MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994.

_________. Jus Strictum x Jus Aequum: Um Dilema a Ser Resolvido. Itajaí: Novos Estudos Jurídicos, ano V, n. 09, 1999.

_________. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998.

_________. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000.

REALE, Miguel. Fundamentos do Direito. 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

ROSS, Alf. Direito e Justiça. trad. Edson Bini. Baurú: EDIPRO, 2003.


Notas

01Apud DIAS, Maria da Graça dos Santos. A Justiça e o Imaginário Social. Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito à obtenção do título de doutora em Direito. Florianópolis: 2000, p. 46.

02 DIAS, Maria da Graça Santos. A Justiça e o Imaginário Social. p. 61.

03 Positivismo Jurídico: "1. Escola que reduz o Direito à sua função técnica, distinguindo-o rigorosamente da Metafísica, como o que se opõe frontalmente ao Jusnaturalismo. 2. Posicionamento que repele a idéia de um Direito Natural anterior e superior à positividade jurídica, vendo nesta última a fonte de todo o conhecimento do Direito" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000, p. 78).

04 DIAS, Maria da Graça Santos. A Justiça e o Imaginário Social. p. 4.

05 Justiça: "Significante notavelmente polissêmico, cujos principais significados, no uso corrente, são: 1. A ordem nas relações humanas; 2. Conformidade da conduta a um sistema de normas morais e jurídicas; 3. Valor fundamental do Direito e por isso objetivo permanente de toda ação político-jurídica; 4. Virtude da norma jurídica ao estabelecer equilíbrio no conflito de interesses (...)" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 56).

06 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 72.

07Fundamentos da Política Jurídica. p. 72.

08Fundamentos da Política Jurídica. p. 29-30.

09Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 73.

10Fundamentos da Política Jurídica. p. 31.

11Fundamentos da Política Jurídica. p. 31.

12 Consciência Jurídica: "1. Aspecto da Consciência Coletiva que se apresenta como produto cultural de um amplo processo de experiências sociais e de influências de discursos éticos, religiosos, etc., assimilados e compartilhados. Manifesta-se através de Representação Jurídicas e de Juízos de Valor. 2. Capacidade individual ou coletiva de arbitramento dos valores jurídicos. 3. Conjunto de sentimentos éticos e de ideais aplicados à vida jurídica" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 22-23).

13Fundamentos da Política Jurídica. p. 76-77.

14Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

15 Para Osvaldo Ferreira de Melo (Fundamentos da Política Jurídica. p. 74), crise de legitimidade corresponde "aos processos de ruptura do instituído, pela presença, no campo jurídico, de novos paradigmas, portanto de uma nova perspectiva a partir de um pluralismo normativo colocado como forma transgressora ao monismo estatal".

16 Nesse sentido, por exemplo, dentre outros, conferir os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça nos Recursos Especiais n. 226436/PR, em que foi relator o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, e n. 427117/MS, em que foi relator o Min. Castro Filho. Em sentido contrário, dando prevalência sobre a segurança jurídica, o acórdão no Resp. n.107248/GO, relator o Min. Carlos Alberto Menezes Direito.

17 Veja-se, por exemplo, a posição de Luiz Guilherme Marinoni (in Manual do Processo de Conhecimento. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 664).

18Apud MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 76.

19Fundamentos da Política Jurídica. p. 18-19.

20 Eqüidade: "Adequação da norma geral e abstrata à realidade fática, constituindo-se em fundamento de equilíbrio, proporção, correção e moderação na construção da norma concreta. O Positivo Jurídico, comprometido com o Jus Strictum, ao reduzir o papel do julgador ao de simples intérprete ou aplicador da norma vigente, deixa pouca margem para a aplicação da Eqüidade nas decisões dos feitos. O mesmo que Jus Aequum e Epiquéia" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 37).

21 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 17.

22 Segurança Jurídica: "1. Estado de garantia legal assegurado ao titular de um direito cujo exercício fica protegido. 2. Fundamento do Estado de Direito. 3. Objetivo imediato da Dogmática Jurídica" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 87).

23 "É o Direito comprometido com Critérios Objetivos de Justiça e a Eqüidade. Opõe-se a Jus Strictum" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 56).

24 "É o Direito direcionado exclusivamente para obtenção da Segurança Jurídica, mesmo em detrimento da realização da Justiça. Opõe-se ao Jus Aequum" (MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. p. 56-57).

25Direito e Justiça. trad. Edson Bini. Baurú: EDIPRO, 2003, p. 421.

26 MELO, Osvaldo Ferreira de. Jus Strictum x Jus Aequum: Um Dilema a Ser Resolvido. Itajaí: Novos Estudos Jurídicos, ano V, n. 09, 1999, p. 09.

27Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 38.

28 FERREIRA, Osvaldo Ferreira de. Jus Strictum x Jus Aequum: Um Dilema a Ser Resolvido. p. 09-10.

29Direito e Justiça. p. 424.

30 DIAS, Maria da Graça Santos. A Justiça e o Imaginário Social. p. 5.

31Fundamentos do Direito. 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 311.

32 Fundamentos da Política Jurídica. p. 108.

33Fundamentos da Política Jurídica. p. 108-109.

34Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 172.

35 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1975, pág. 544.

36 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 10ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 172.

37 Ética a Nicômaco. in Coleção Os Pensadores, vol. 3, São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 212-213.

38Apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 172.

39Apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 172.

40 DIAS, Maria da Graça Santos. A Justiça e o Imaginário Social. p. 234.

41 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 49.

42Elogio da Razão Sensível. trad. Albert Christophe M. S. Petrópolis: Vozes, 1998, p. 162.

43 MAFFESOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. p. 167.

44Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 60.

45 Jus Strictum x Jus Aequum: Um Dilema a Ser Resolvido. p.10.

46 Na Mitologia Grega, Sísifo era de rei de Corinto, na antiga Grécia, tendo governado com extremo despotismo e ganância. Quando desceu para o Reino das Sombras (o Inferno na cultura Cristã), foi condenado por Zeus, deus supremo, a empurrar uma enorme pedra até o cume de uma montanha. Lá chegando, a rocha sempre despencava até a base da montanha e Sísifo deveria levá-la novamente para o alto, num esforço que nunca teria fim.

47Fundamentos da Política Jurídica. p. 105.

48Elogio da Razão Sensível. p. 196-197.

Sobre o autor
Maximiliano Losso Bunn

juiz de Direito substituto, formado pela Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina, especialista em Direito Processual Civil pela UFSC / Fundação Boiteux, mestrando em Direito pela UNIVALI/SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUNN, Maximiliano Losso. A consciência jurídica e a eqüidade como novos paradigmas para a atividade jurisdicional contemporânea. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1488, 29 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10193. Acesso em: 30 abr. 2024.

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