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Sobre a isenção de contribuições e a desnecessidade de contribuições.

Servidores públicos e aposentadoria

Agenda 25/07/2007 às 00:00

Este trabalho visa a analisar as recentes modificações no sistema contributivo previdenciário dos servidores inativos determinadas pela edição das Emendas Constitucionais nº 20/98 e 41/03, da Medida Provisória nº 167/04, convertida na Lei nº 10.887/04, e suas conseqüências.

Em 1998, foi editada a Emenda Constitucional nº 20, que prescreveu, em seu artigo 3º, §1º, a isenção de contribuição previdenciária para servidores públicos que, completados os requisitos para aposentadoria integral, continuassem na ativa até atingir idade para aposentadoria compulsória.

A Emenda Constitucional nº 41/03, por seu turno, normatizou, também em seu artigo 3º, §1º, abono de permanência para servidores que, completados os requisitos para aposentadoria voluntária, continuarem na ativa até atingir idade para aposentadoria compulsória, equivalente ao valor de sua contribuição previdenciária.

Por fim, a Lei nº 10.887/04, alterando a Lei nº 9.783/99, determinou que os servidores beneficiados com o regime de isenção passariam a recolher a contribuição previdenciária, fazendo jus, entretanto, ao abono de permanência.

Isso posto, há que se discutir a natureza das modificações trazidas pela EC nº 41/03, em outras palavras, se o abono de permanência veio substituir o instituto da isenção, de maneira a suprir lacunas contributivas e modificar o regime de contribuição, ou se os institutos coexistem no texto constitucional.

Aqueles que defendem a coexistência dos institutos se pautam na inexistência de revogação expressa, por parte da EC nº 41, do art. 3º, §1º, da EC nº 20, posto de outra forma, a isenção da contribuição previdenciária aos servidores ativos que implementem as condições para a aposentadoria com proventos integrais não houvera substituída pelo abono de permanência, devido aos servidores ativos que preencham os requisitos da aposentadoria voluntária, integral ou não – hipótese mais abrangente, portanto.

A aposentadoria proporcional é concedida a servidores que, nos termos do art. 40, § 1º, III, "a", atinjam idade mínima para aposentadoria voluntária. Os proventos serão, nesse caso, proporcionais ao seu tempo de contribuição.

A aposentadoria integral, por seu turno, é concedida apenas a servidores que, além de completarem a idade mínima para aposentadoria voluntária, completem o tempo de contribuição.

Trabalhando com a hipótese da coexistência, chega-se à seguinte situação: o servidor que, porventura, faça jus a percepção de proventos proporcionais, mas permaneça em atividade, perceberá abono no valor equivalente à sua contribuição previdenciária até que atinja idade limite da aposentadoria compulsória ou complete o tempo de contribuição para percepção do valor integral dos proventos. Completado o tempo de contribuição antes da idade compulsória, estará isento do pagamento da contribuição e perceberá, ainda, abono equivalente ao seu valor, calculado sobre a integralidade de seus proventos, até ser compulsoriamente aposentado.

Ora, toda essa construção se fundamenta na inexistência de revogação expressa dos dispositivos da EC nº 20/98 que trataram dessa matéria e na validade e eficácia de ambos os institutos. Parece claro, entretanto, que a EC nº 41/03 deu continuidade à necessária "Reforma da Previdência Social", pois, como é sabido, existe grave crise estrutural no sistema previdenciário público. Não se afigura razoável, portanto, imaginar que esta última emenda trouxe novo item a ser suportado pelo sistema previdenciário do País. Aliás, a doutrina é quase uníssona em afirmar o contrário, isto é, que a isenção, como forma de incentivo à permanência do servidor sênior em suas atividades, gerou lacunas contributivas que serão sanadas pelo regime do abono.

Ademais, a Lei nº 10.887/04, que goza de presunção de legalidade e constitucionalidade, procurou balizar a transição entre o regime de isenção para o da contribuição abonada, em seu artigo 4º, § 2º, indicando que a mens legis da EC nº 41/03 é modificar o regime de servidor que, mesmo completando os requisitos para aposentadoria voluntária, permaneça em atividade.

Sendo assim, conclui-se que há incompatibilidade teleológica entre os dois institutos que leva a crer ocorrido substituição de regimes.

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Superada a questão da natureza das modificações realizadas no sistema previdenciário do servidor público, passo à análise da natureza do próprio regime.

Segundo o disposto no art. 40, caput, da Constituição Federal:

Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo (sem grifos no original).

Como se vê, é do texto constitucional que se extrai a natureza dupla do regime de previdência social, qual seja, contributiva e solidária. Há, entretanto, os que defendam a natureza exclusivamente contributiva do regime previdenciário dos servidores públicos, na medida em que só é permitido o gozo dos proventos da aposentadoria àqueles que contribuam durante período determinado. Nessa hipótese, os proventos seriam reflexo direto e sinalagmático das contribuições.

Nessa circunstância, não haveria falar em isenção do pagamento de contribuições, mas em não incidência destas. Explica-se: a contribuição só é devida àqueles que ainda não tenham direito à percepção integral de seus proventos, sendo assim, o servidor que, tendo direito a aposentadoria proporcional, optar por continuar ativo e, conseqüentemente, contribuindo, terá como resultado imediato o aumento gradual do percentual do valor de seus proventos quando optar por se aposentar. Portanto, seguindo esse raciocínio, uma vez completado o tempo de contribuição, não haveria nenhum sentido na continuidade da contribuição, pois já teria adquirido o direito à percepção integral de seus proventos.

Decorrem daí algumas hipóteses:

1.1. O servidor que atingir idade mínima para aposentadoria voluntária, não completar o tempo de contribuição e optar por sair da ativa, perceberá proventos proporcionais ao seu tempo de contribuição e estará obrigado a contribuir.

1.2. O servidor que atingir idade mínima para aposentadoria voluntária, optar por continuar na ativa, mas não completar o tempo de contribuição, aumentará gradualmente o percentual a ser percebido na medida em que continuar em atividade, até que complete seu tempo de contribuição, momento em que não estará mais obrigado a contribuir, pois dali não lhe decorrerá nenhuma vantagem.

1.3. O servidor que completar o tempo de contribuição, optar por continuar em atividade, mas não atingir a idade mínima para aposentadoria voluntária, também estará dispensado de contribuir, pois, como na hipótese anterior, tampouco perceberá dali nenhuma vantagem.

Assim, a não-incidência da contribuição em nada se assemelharia à isenção, regime anterior, ou decorreria da incidência do abono de permanência, regime atual. Aliás, a percepção do abono, que decorre apenas do aperfeiçoamento do requisito "idade", seria um plus pecuniário ao servidor que, não necessitando, opte por continuar em atividade. Daí, completado seu tempo de contribuição, esse abono não mais seria compensado pelo tributo e passaria a majorar o rendimento deste servidor, enquanto permaneça em serviço.

Ocorre não haver dúvida de a natureza do sistema previdenciário nacional não ser sinalagmática. Ora, consoante o art. 195 da Constituição, a seguridade social será financiada por toda a sociedade solidariamente para garantir condições de subsistência digna ao servidor idoso.

Essa natureza híbrida de nosso sistema previdenciário foi bem demonstrada pelo eminente Min. Cezar Peluso em seu voto vista na ADI nº 3.105, verbis:

Ninguém tem dúvida, porém, de que o sistema previdenciário, objeto do art. 40 da Constituição da República, não é nem nunca foi de natureza jurídico-contratual, regido por normas de direito privado, e, tampouco de que o valor pago pelo servidor a título de contribuição previdenciária nunca foi nem é prestação sinalagmática, mas tributo predestinado ao custeio da atuação do Estado na área da previdência social, que é terreno privilegiado de transcendentes interesses públicos ou coletivos.

18. O regime previdenciário público tem por escopo garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso, mediante o pagamento de proventos da aposentadoria durante a velhice, e, conforme o art. 195 da Constituição da República, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, o que bem poderia chamar-se princípio estrutural da solidariedade.

Diferentemente do Chile, cujo ordenamento optou por regime essencialmente contributivo e capitalizador, em que cada cidadão financia a própria aposentadoria contribuindo para uma espécie de fundo de capitalização, administrado por empresas privadas, com fins lucrativos, nosso constituinte adotou um regime público de solidariedade, em cuja organização as contribuições são destinadas ao custeio geral do sistema, e não, a compor fundo privado com contas individuais.

Os servidores públicos em atividade financiavam os inativos e, até à EC nº 3/93, os servidores ativos não contribuíam, apesar de se aposentarem com vencimentos integrais, implementadas certas condições. A EC nº 20/98 estabeleceu regime contributivo e, com coerência, obrigou à observância do equilíbrio financeiro e atuarial, enquanto princípios mantidos pela EC nº 41/2003.

Teria, com isso, a Emenda instituído regime semelhante ou análogo ao chileno? A resposta é imediatamente negativa.

O regime previdenciário assumiu caráter contributivo para efeito de custeio eqüitativo e equilibrado dos benefícios, mas sem prejuízo do respeito aos objetivos ou princípios constantes do art. 194, § único, quais sejam: i) universalidade; ii) uniformidade; iii) seletividade e distributividade; iv) irredutibilidade; v) equidade no custeio; vi) diversidade da base de financiamento. Noutras palavras, forjou-se aqui um regime híbrido, submisso a normas de direito público e caracterizado, em substância, por garantia de pagamento de aposentadoria mediante contribuição compulsória durante certo período, o que lhe define o predicado contributivo, sem perda do caráter universal, seletivo e distributivo.

Os elementos sistêmicos figurados no "tempo de contribuição", no "equilíbrio financeiro e atuarial" e na "regra de contrapartida" não podem interpretar-se de forma isolada, senão em congruência com os princípios enunciados no art. 194, § único, da Constituição.

Da perspectiva apenas contributiva (capitalização), seria inconcebível concessão de benefício previdenciário a quem nunca haja contribuído (universalidade e distributividade) e, muito menos, preservação do valor real da prestação (irredutibilidade do valor) e sua revisão automática proporcional à modificação da remuneração dos servidores em atividade (art. 7º da EC nº 41/2003), o que, na aguda percepção do Min. OCTÁVIO GALLOTTI, importa, não mera atualização, mas elevação do valor intrínseco da verba.

Não é esse o perfil de nosso sistema previdenciário.

É impossível, portanto, relacionar-se a obrigatoriedade contributiva a percepção de vantagem individualmente concebida, pois o custeio da seguridade social é devido a todos solidariamente.

Conclui-se que nenhum servidor, em atividade ou aposentado, adquirido o direito a aposentação integral ou proporcional, está desobrigado da contribuição previdenciária em respeito à solidariedade do sistema. Ocorre que, enquanto em labor, aquele servidor sênior perceberá abono estimulatório à sua continuidade, compensando o valor contribuído. Não se trata de isenção, gratificação ou desobrigação, mas, como dito, de contribuição abonada.

Sobre o autor
Henrique Arake

Sócio administrador de Henrique Arake Advocacia Empresarial (www.henriquearake.com.br) responsável pela área de direito societário, investigação e prevenção de fraudes corporativas, recuperações judiciais e falências. Mestre e doutor em análise econômica do direito. Professor universitário e pesquisador acadêmico em direito empresarial (direito societário e direito falimentar e recuperacional). Meu currículo acadêmico pode ser publicamente acessado em: http://lattes.cnpq.br/8829187912291856 Se precisar conversar comigo, por favor, mande um e-mail para arake@henriquearake.com.br. Membro da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE). Lattes: http://lattes.cnpq.br/8829187912291856

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Henrique Arake. Sobre a isenção de contribuições e a desnecessidade de contribuições.: Servidores públicos e aposentadoria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1484, 25 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10197. Acesso em: 22 dez. 2024.

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