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Preços de transferência. MP nº 1.152/2022 altera a Legislação do IRPJ e da CSLL

Agenda 14/01/2023 às 19:57

A nova legislação sobre preços de transferência é complexa e não traz benefício nem aos contribuintes nem à Fazenda. 

Palavras-chave: Medida provisória. Preços de transferência. Operações com controladas. IRPJ. CSLL. Coligadas. 


Para simplesmente alterar a base de cálculo dos preços de transferência para efeito de IRPJ e da CSLL, o prolixo legislador inseriu nada menos que 48 preceitos normativos, aumentando a confusa e caótica legislação tributária, responsável maior pela elevada carga burocrática que muito encarece a atuação do empresariado nacional.

Espantosamente, as novas regras somente entram em vigor em 2024, fato que, por si só, retira o requisito constitucional da urgência para o emprego de medida provisória. Para tentar legitimar o uso dessa medida provisória, o astuto legislador palaciano facultou o uso das novas regras em 2023. Pergunta-se, quem se dispõe a trocar o regime atual, simples e transparente, pelas novas regras confusas, complexas e inspiradas no modelo da OCDE?

Com certeza, essa malsinada medida provisória caotiza a legislação tributária, com estabelecimento de normas dotadas de inusitado sadismo burocrático. São 2.600 horas desperdiçadas pelos empresários brasileiros para cumprir todas as obrigações tributárias vigentes, fato que afasta as nossas empresas do mercado de concorrência  internacional cada vez mais competitivo.

Analisemos em rápidas pinceladas como se forma a base de cálculo para fixação do preço de transferência.

As novas regras aplicam-se na determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil que realizem transações controladas com partes relacionadas no exterior, conforme disposto no parágrafo único do art. 1º.

As bases de cálculo dos tributos em questão são estabelecidas de acordo com as regras que seriam estabelecidas entre as partes não relacionadas em transações comparáveis, conforme dispõe o art. 2º. Vale dizer, nas transações com parte relacionada não pode haver tratamento tributário diferenciado das transações com parte não relacionada em operações comparáveis.

De acordo com o disposto no art. 3º a transação controlada compreende qualquer relação comercial ou financeira entre duas ou mais partes relacionadas, estabelecida ou realizada de forma direta ou indireta, incluídos contratos ou arranjos sob qualquer forma e série de transações.

Pelo disposto no art. 4º considera-se que as partes são relacionadas quando no mínimo uma delas estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis.

Sem prejuízo de outras hipóteses que se enquadrem no conceito estabelecido no caput, o § 1º considera como partes relacionadas:

I - o controlador e as suas controladas;

II - a entidade e a sua unidade de negócios, quando esta for tratada como contribuinte separado para fins de apuração de tributação sobre a renda, incluídas a matriz e as suas filiais;

III - as coligadas;

IV - as entidades incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas, ou que seriam incluídas caso o controlador final do grupo multinacional de que façam parte preparasse tais demonstrações se o seu capital fosse negociado nos mercados de valores mobiliários de sua jurisdição de residência;

V - as entidades, quando uma delas possuir o direito de receber, direta ou indiretamente, no mínimo vinte e cinco por cento dos lucros da outra ou de seus ativos em caso de liquidação;

VI - as entidades que estiverem, direta ou indiretamente, sob controle comum ou em que o mesmo sócio, acionista ou titular detiver vinte por cento ou mais do capital social de cada uma;

VII - as entidades em que os mesmos sócios ou acionistas, ou os seus cônjuges, companheiros, parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, detiverem no mínimo vinte por cento do capital social de cada uma; e

VIII - a entidade e a pessoa natural que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, de conselheiro, diretor ou controlador daquela entidade.

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Conforme § 2º o termo entidade compreende qualquer pessoa, natural ou jurídica, e quaisquer arranjos contratuais ou legais desprovidos de personalidade jurídica.

E de acordo com o § 3º fica caracterizada a relação de controle quando uma entidade:

I - detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou o poder de eleger ou destituir a maioria dos administradores de outra entidade;

II - participe, direta ou indiretamente, de mais de cinquenta por cento do capital social de outra entidade; ou

III - detiver ou exercer o poder de administrar ou gerenciar, de forma direta ou indireta, as atividades de outra entidade.

Por fim, o § 4º dispõe que  para fins do disposto no inciso III do § 1º, considera-se coligada a entidade que detenha influência significativa sobre outra entidade, conforme previsto nos § 1º, § 4º e § 5º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Lei das Sociedades Anônimas).

O art. 5º equipara a transação entre partes não relacionadas à transação controlada quando:

I - não houver diferenças que possam afetar materialmente os indicadores financeiros examinados pelo método mais apropriado de que trata o art. 11; ou

II - puderem ser efetuados ajustes para eliminar os efeitos materiais das diferenças, caso existentes.

O § 1º Para fins do disposto no caput, será considerada a existência de diferenças entre as características economicamente relevantes das transações, inclusive em seus termos e suas condições e em suas circunstâncias economicamente relevantes, conforme prescrição do § 1º.

O § 2º dispõe que os indicadores financeiros examinados sob o método mais apropriado de que trata o art. 11[1] incluem preços, margens de lucro, índices, divisão de lucros entre as partes ou outros dados considerados relevantes.

O art. 6º para fins de verificação  se os termos e as condições estabelecidos na transação controlada estão de acordo com o princípio previsto no art. 2º antes comentado, deve-se efetuar:

I - o delineamento da transação controlada; e

II - a análise de comparabilidade da transação controlada.

O art. 7º define o conteúdo do delineamento da transação controlada referida no inciso I, do art. 6º. O § 3º do art. 7º define os riscos economicamente significativos referido no seu inciso II como sendo riscos que influenciam significativamente os resultados econômicos da transação. O § 4º, por sua vez, prescreve que os riscos economicamente significativos serão considerados assumidos pela parte da transação controlada que exerça as funções relativas ao seu controle e que possua a capacidade financeira para assumi-los.

Por fim, dispõe o art. 8º que para efeito do disposto nesta Medida Provisória, quando se concluir que partes não relacionadas, agindo em circunstâncias comparáveis e comportando-se de maneira comercialmente racional, considerando as opções realisticamente disponíveis para cada uma das partes, não teriam realizado a transação controlada conforme havia sido delineada, tendo em vista a operação em sua totalidade, a transação ou a série de transações controladas poderá ser desconsiderada ou substituída por uma transação alternativa com o objetivo de determinar os termos e as condições que seriam estabelecidos por partes não relacionadas em circunstâncias comparáveis e agindo de maneira comercialmente racional.

Entretanto, o seu parágrafo único veda a desconsideração ou substituição exclusivamente pelo fato de não serem identificadas transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas. O que essa prolixa Medida Provisória visa é a preservação do princípio fundamental em termos de preço de transferência que está expresso no seu art. 2º, isto é, a operação com parte relacionada não pode ser efetuada em condições tributárias mais favoráveis do que em relação à operação com parte não relacionada em transações comparáveis. É a aplicação do que ficou conhecido como Princípio Arm's Length.

Esse princípio, incorporado na legislação internacional, surgiu em função de empresas do mesmo grupo econômico (por identidade de capital ou de sócios)  localizadas nos paraísos fiscais (países onde o nível de tributação é inferior a 20%) com o fito de sonegar o IRPJ e a CSLL.

Como se vê, a nova legislação sobre preços de transferência é bastante complexa e não traz qualquer benefício quer aos contribuintes, quer à Fazenda. 


Notas

[1] O art. 11 cuida da seleção do método mais apropriado para determinação confiável dos termos e condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável, como Preço Independente Comparável (PIC), Preço de Revenda menos Lucro (PRL), Custo mais Lucro (MCL), Margem Líquida da Transação (MLT) etc.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Preços de transferência. MP nº 1.152/2022 altera a Legislação do IRPJ e da CSLL. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7136, 14 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102005. Acesso em: 23 nov. 2024.

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