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O plano diretor municipal e as restrições impostas pelas áreas aeroportuárias

Agenda 27/07/2007 às 00:00

1. Introdução

A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que instituiu o Estatuto da Cidade, regulamentando assim o disposto nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, determinou a elaboração, por parte dos Municípios, do Plano Diretor Municipal, até a data de 10 de outubro de 2006 (art. 50 c/c art. 41), com os objetivos definidos na redação dos incisos I a XVI do art. 22.

Dentre os vários objetivos, temos o que determina a ordenação e controle do uso do solo, em razão do crescimento do Município (art. 2º, inciso V).

Dessa forma, quando da elaboração do Plano Diretor pela Administração Pública Municipal, esta deve atentar para as limitações impostas as uso do solo em decorrência da existência de aeroportos dentro de seu limite geográfico, assunto que é regulado pela legislação específica (Código Brasileiro de Aeronáutica, normas e portarias do Ministério da Aeronáutica etc.).

No entanto, várias são as cidades que estão elaborando o seu Plano Diretor sem a devida observância as leis especiais que limitam o uso do solo nas imediações dos aeroportos, pois certo é que, dada a sua existência, as construções ao seu redor e a ocupação do solo devem sofrer restrições.


2. Plano Diretor Aeronáutico

A Instrução de Aviação Civil (IAC) nº 4196, editada pelo Ministério da Aeronáutica, tem por objetivo orientar os responsáveis pela administração dos aeroportos (art. 36 do CBAer) a elaborar o respectivo Plano Diretor Aeronáutico.

Segundo a citada norma, na elaboração do Plano Diretor Aeronáutico, os seguintes tópicos devem ser obrigatoriamente seguidos: "Dados estatísticos do aeroporto; Tráfegos que operam no aeroporto (regular e não regular); Maior aeronave em operação; Planta Geral do Aeroporto; Planta baixa do terminal de passageiros; Planta da Área de Entorno do Aeroporto; Plano Diretor Urbano; Planos de Zona de Proteção e Plano de Zoneamento de Ruído."

Dentre os citados, os que nos interessam são os que impõem restrições ao uso do solo e às construções nas proximidades do aeroportos – quais sejam: I) O Plano de Zona de Proteção; e II) Plano de Zoneamento de Ruído –, sobre os quais passo a tecer breves comentários.


3. Plano de Zona de Proteção – PZP

O objetivo do Plano de Zona de Proteção, ou também, Zona de Proteção Aeronáutica, é estabelecer o espaço aéreo que deve ser mantido livre de obstáculos, a fim de permitir que as operações de pouso e decolagem sejam feitas com segurança, que é aplicável a todo tipo de aeródromo, eis que o PZP proíbe as construções de obstáculos que possam restringir a capacidade operacional dos aeroportos.

Assim, para se estabelecer qual é o espaço aéreo do PZP, utiliza-se a regra constante no art. 8º da Portaria 1.141/GM5 do Ministério da Aeronáutica.

Nesse momento, somente as áreas de aproximação, decolagem e transição é que nos interessam, pois são essas áreas as mais invadidas pelas construções.

Segundo a citada portaria, para as áreas de aproximação e decolagem, imagina-se uma rampa, que possui seu início, em média, 60 (sessenta) metros além dos limites das cabeceiras das pistas, se prolongando até, em média, a 2.500 (dois mil e quinhentos) metros de distância, na horizontal. Já no plano vertical, está rampa vai subindo, até a uma altura de 100 (cem) metros. Ou seja, para cada 1 (um) metro de altura que o obstáculo tiver, deve ele estar afastado 25 (vinte e cinco) metros da pista.

Exemplificando: se uma linha de energia tiver que cruzar a proximidade de um aeródromo, considerando a altura média de um poste ser de 9 (nove) metros, essa linha terá que estar a, no mínimo, 225 (duzentos e vinte e cinco) metros de distância do limite de 60 (sessenta) metros do início da pista, isto é, a 285 (duzentos e oitenta e cinco) metros. Nesse exemplo, se a linha de energia estiver a uma distância menor que 285 metros, os administradores do aeródromo podem, e devem, requerer o seu afastamento, uma vez que estará ela colocando em risco as operações aéreas.

Da mesma forma, essa regra se aplica às demais construções.

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Já no caso da área de transição, que é o espaço aéreo localizado nas laterais da pista, também, deve-se imaginar uma rampa cujo início é, em média, 30 (trinta) metros após o término da lateral da pista, prolongando-se até 225 (duzentos e vinte e cinco) metros de distância no plano horizontal e a uma altura de 45 (quarenta e cinco) metros em relação à altura da pista, no plano vertical.

Assim, utilizando-se o exemplo da linha de energia, com 9 (nove) metros de altura, se a mesma for passar na lateral da pista, deverá estar no mínimo, 45 (quarenta e cinco) metros de distância do limite dos 30 (trinta) metros da lateral da pista, isto é, a 75 (setenta e cinco) metros da lateral da pista.

Dessa forma, qualquer tipo de construção ou aproveitamento do uso do solo que estiver dentro dos limites dessas áreas deverá ser submetida à autorização prévia do Comando Militar do Ar (COMAR) da respectiva região, sob pena de embargo das obras (art. 45 do CBAer), em processo administrativo ou judicial.

Outrossim, dentro do Plano de Zona de Proteção, temos também a Área de Segurança Aeroportuária (ASA), a qual tem por principal objetivo eliminar ou reduzir o risco de colisões entre aeronaves e aves, através da fiscalização de atividades que proporcionem grande atração de aves, conforme determina o art. 1º, da Resolução do COMANA nº 4, de 09 de outubro de 1995.

Com isso, dentro dessa área, que possui um raio de 13 (treze) a 20 (vinte) quilômetros, não é permitida a implantação de atividades de natureza perigosa, segundo determina o art. 46, e seu §1º, da Portaria nº 1141/GM5, emitida pelo Ministério da Aeronáutica, in verbis:

"Art.46 – Nas Áreas de Aproximação e Áreas de Transição dos aeródromos e helipontos, não são permitidas implantações de natureza perigosa, embora não ultrapassem os gabaritos fixados.

§ 1º – Denomina-se Implantação de Natureza Perigosa toda aquela que produza ou armazene material explosivo ou inflamável, ou cause perigosos reflexos, irradiações, fumo ou emanações, a exemplo de usinas siderúrgicas e similares, refinarias de combustíveis, indústrias químicas, depósitos ou fábricas de gases, combustíveis ou explosivos, áreas cobertas de material refletivo, matadouros, vazadouros de lixo, culturas agrícolas que atraem pássaros, assim como outras que possam proporcionar riscos semelhantes à navegação aérea."

Portanto, as normas acima citadas, quando da elaboração do Plano Diretor Municipal, deverão ser observadas pela Administração Pública.


4. Plano De Zoneamento Do Ruído

É de conhecimento geral que as atividades de pouso e decolagem das aeronaves geram certo ruído, que, na quase totalidade das vezes, em se tratando de aeronaves de grande porte, produz um nível de incômodo na população estabelecida nas proximidades dos aeroportos.

Para minimizar este problema, foi criado o Plano de Zoneamento de Ruído (PZR), cujo objetivo é ordenar a implantação do uso e desenvolvimento de atividades já localizadas ou que venham a se localizar nas proximidades dos aeroportos, na forma dos artigos 64 e 68 da Portaria 1.141/GM5.

Diante disso, foram definidas duas áreas de proteção de ruído, cuja classificação se dá em função da intensidade do ruído aeronáutico. Na área I, que é a localizada mais próxima à pista e onde o ruído é mais intenso, a maioria das atividades urbanas é proibida. Já na área II, onde os níveis de ruídos são menores e, por conseguinte, o incômodo também, já é possível o estabelecimento de algumas atividades urbanas.

As restrições às atividades urbanas na área I estão definidas no art. 69 da Portaria 1.141/GM5. Já as restrições da Área II estão definidas no art. 70 da Portaria 1.141/GM5.

As restrições às atividades urbanas na área I, estão definidas no art. 69 da Portaria 1.141/GM5:

"Art.69- Na Área I são permitidos a implantação, o uso e o desenvolvimento das seguintes atividades: I- Produção e extração de recursos naturais: 1- agricultura; 2- piscicultura; 3- silvicultura; 4- mineração; e 5- atividades equivalentes. II- Serviços Públicos ou de Utilidade Pública: 1- estação de tratamento de água e esgoto; 2- reservatório de água; 3- cemitério; e 4- equipamentos urbanos equivalentes. III- Comercial: 1- depósito e armazenagem; 2- estacionamento e garagem para veículos; 3- feiras livres; e 4- equipamentos urbanos equivalentes. IV- Recreação e lazer ao ar livre: 1- praças, parques, áreas verdes; 2- campos de esporte; e 3- equipamentos urbanos e equivalentes. V- Transporte: 1- rodovias; 2- ferrovias; 3- terminais de carga e passageiros; 4- auxílio à navegação aérea; e 5- equipamentos urbanos equivalentes. VI – Industrial."

Já as restrições da Área II estão definidas no art. 70 da Portaria 1.141/GM5:

"Art.70- Não são permitidos a implantação, o uso e o desenvolvimento na Área II das seguintes atividades: I- Residencial; II- Saúde: 1- hospital e ambulatório; 2- consultório médico; 3- asilo; e 4- equipamentos urbanos equivalentes. III- Educacional: 1- escola; 2- creche; e 3- equipamentos urbanos equivalentes. IV- Serviços Públicos ou de Utilização Pública: 1- hotel e motel; 2- edificações para atividades religiosas; 3- centros comunitários e profissionalizantes; e 4- equipamentos urbanos equivalentes. V- Cultural: 1- biblioteca; 2- auditório, cinema, teatro; e 3- equipamentos urbanos equivalentes."

Da mesma forma, a Portaria 1.141/GM5 determina expressamente o tamanho da área I e II da PZR. Assim a Área I, para as pistas de aviação de pequeno e meio porte e de baixa densidade, possui uma área lateral de 100 (cem) metros a partir do eixo da pista e 300 (trezentos) metros junto às cabeceiras. Já a Área II, para o mesmo tipo de pista, possui uma área lateral de 200 (duzentos) metros a partir do eixo da pista e 500 (quinhentos) metros a partir das cabeceiras.

Por conseguinte, se existir alguma reclamação por parte das pessoas de que o movimento do aeroporto está causando muito ruído, primeiramente é preciso verificar se as construções não estão nas restrições impostas pelos arts. 69 e 70 da Portaria 1.141/GM5. Caso estejam, a reclamação será em vão, pois a atividade não poderia estar sendo desenvolvida naquele local, sendo que tais limitações deverão ser inseridas no Plano Diretor Municipal.


5. Das Limitações Dos Direitos De Construir

No Brasil, toda propriedade deve cumprir a sua função social, conforme previsto do art. 5º, incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal. Assim, esse princípio constitucional tem eficácia plena e aplicação imediata, ressalvadas as restrições de seu uso pelo Poder Publico.

A respeito, veja-se a lição do jurista José Afonso da Silva:

"a norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são todos os princípios constitucionais. A própria jurisprudência já o reconhece. Realmente, afirma-se a tese de que aquela norma tem plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito de propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando-a numa instituição de Direito Público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência tenham percebido o seu alcance, nem lhe dado aplicação adequada, como se nada tivesse mudado." (in Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. Malheiros, 15ª ed., pág.284).

E no mesmo sentido são os ensinamentos do doutrinador José da Silva Pacheco:

"Assim, a atividade de gozo e de disposição do proprietário, não pode ser exercida em contraste com a utilidade social ou de modo a provocar dano á segurança, à liberdade e à dignidade humana, assim como à segurança da navegação aérea e da infra-estrutura necessária, de conformidade com a autorização, homologação ou registro, legítimos e regulares, durante o prazo da autorização." (in Das Limitações de Ordem Pública e Social, nas Zonas de Proteção de Aeródromos e Helipontos, em Prol da Segurança da Navegação Aérea – Revista Brasileira de Direito Aeroespacial).

Com isso, visando à segurança da navegação aérea, das operações nos aeroportos e das aeronaves, o Código Brasileiro da Aeronáutica impõe restrições às propriedades vizinhas aos aeródromos, na forma de seu art. 43, que deve ser considerado na elaboração do Plano Direito Municipal, por força do art. 23, inciso I, da Constituição Federal, ao determinar que é de competência da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição e das Leis.

Dessa forma, o município deve observar e cumprir as leis, eis que ninguém se escusa em cumprir as leis sob a alegação de que não as conhece (art. 3º da LICC). Se, por um lado, o Ministério da Aeronáutica impõe aquelas restrições (arts. 43 a 46 do CBAer, e Portaria 1.141/GM5), a fiscalização e o cumprimento daquelas limitações compete exclusivamente a Administração Pública local.

Logo, os Municípios devem observar e cumprir as leis que restringem o direito de propriedade das áreas vizinhas aos aeroportos, dada a sua obrigatoriedade, devendo a Administração Pública Municipal promover a inclusão das citadas restrições em seu Plano Diretor.


6. Conclusão

Diante do apresentado acima, quando da elaboração do Plano Direito Municipal, a Administração Pública deverá seguir as diretrizes do Ministério da Aeronáutica contidas no Código Brasileiro de Aeronáutica e nas demais normas aplicáveis ao caso, quando da ordenação e controle do uso do solo em torno das áreas aeroportuárias, por força do art. 4º, § 1º, do Estatuto da Cidade.

Sobre o autor
Cesar Augustus Mazzoni

advogado militante em Tatuí (SP), nas áreas de direito civil, responsabilidade civil, direito aeronáutico e direito do consumidor, piloto e instrutor de vôo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAZZONI, Cesar Augustus. O plano diretor municipal e as restrições impostas pelas áreas aeroportuárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1486, 27 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10204. Acesso em: 22 nov. 2024.

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