INTRODUÇÃO
O processo de deserção gera consequências negativas no âmbito das forças armadas, principalmente na esfera administrativa. Analisando alguns casos de deserção, com foco em um crime de natureza militar e suas características mais comuns, buscando assim a melhor compreensão daqueles que atuam no direito militar, e observando a ampla jurisprudência existente sobre o assunto, procura- se definir o momento em que se comete o crime de deserção, partindo de sua definição, constante no art. 187 do CPM: "Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de 08 (oito) dias”. Alguns dos muitos entendimentos sobre um dos crimes mais freqüentes no âmbito da Justiça Militar Federal é que são causados por diversos fatores que não fazem parte da atividade militar, entre eles as péssimas condições de vida e de renda familiar daquele militar que presta o serviço obrigatório.
Objetivo Geral e Específico
O presente estudo tem por finalidade abordar os processos de deserção ligados aos oficiais e praças das Forças Armadas, estabilizados ou não, tendo como objetivo mostrar uma ampla visão sobre crime militar, observando suas características próprias, de onde se enquadra a deserção. Neste sentido, inicialmente, será possível mostrar o processo de deserção normatizado pelo CPPM e os conflitos de normas. Destacando-se ainda o ordenamento jurídico brasileiro e os elementos em vigor aplicáveis à deserção, uma vez que são afetados os princípios
básicos da hierarquia e disciplina no âmbito das Forças Armadas. Procede-se, então, a uma distinção do crime de deserção como crime propriamente militar, bem como das classes da ação penal, comuns e específicas. Enfim, são apresentadas as diversas maneiras acerca da condição de militar da ativa no crime de deserção, tanto na doutrina majoritária quanto na jurisprudência, e sua real importância em relação às Forças Armadas.
Esta pesquisa tem como objetivo específico realizar um estudo mais aprofundado sobre o processo de deserção nas Forças Armadas, dentro do ordenamento jurídico brasileiro e seus elementos em vigor aplicáveis à deserção. Pretende-se estudar as muitas controvérsias por parte de alguns operadores do direito com atuações nas justiças Militares Federais.
A motivação para a realização desta pesquisa tem como base a experiência obtida no meio militar, como um dos principais fatores que o motivou a fazer esse estudo, além da evolução que obteve com as análises sobre o tema.
É a necessidade de mudança nas legislações específicas aplicadas no âmbito interno das Forças Armadas, ou seja, Marinha do Brasil, Força Aérea Brasileira e Exército Brasileiro no que se refere ao crime de deserção, cujo foco necessita de mudanças urgentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Justificativa
O ato de deserção dentro das Forças Armadas é de intensa relevância. Toda essa preocupação dos agentes do direito visa aprimorar sua classificação, com o objetivo de proteger as características das Instituições Militares. Vale ressaltar que não se permita que o assunto seja pacificado sem uma grande discussão.
Não há nenhuma criação doutrinária ou jurisprudencial capaz de imputar ou excluir da infração penal o desertor, nem nada que beneficie o militar que se apresenta à caserna por livre espontânea vontade. O que poderia ser feito nesses casos, seria a aplicação do princípio da insignificância da conduta, ou a exclusão do fato típico, pois nada disso afetaria os princípios constitucionais da hierarquia e da disciplina.
O crime de deserção tem como base as péssimas condições que esses militares vivem, sejam elas sociais ou financeiras, enfim, ambas são motivadoras para esse crime tão comum no meio militar; a criação jurisprudencial ou doutrinária com o intuito de excluir a responsabilidade penal ao desertor, e que os militares que retornem à caserna em um curto espaço de tempo tenham penas mais brandas, pois caberia sim o princípio da insignificância da conduta.
Metodologia
Foi realizada uma pesquisa doutrinária, jurisprudencial e legal, tendo como base a doutrina penal militar, com o objetivo de obter uma visão ampla sobre crime militar, mostrando suas características próprias do crime militar, onde se enquadra a deserção. Utilizando as modalidades de pesquisas, será possível compreender o processo de deserção normatizado pelo CPM e CPPM, com o objetivo de mostrar as lacunas e os conflitos de normas.
Também foi utilizado o método dedutivo para verificar os conflitos de normas utilizados nos casos hipotéticos, de acordo com a hierarquia das leis, o método sistemático com o interpretativo, o histórico e o comparativo, perante à hierarquia dos dispositivos legais. Caso haja conflito, será feita se consulta à doutrina majoritária, utilizando o método histórico ou analógico para chegar à uma medida provável.
Problemática
Assim, pode-se delinear o problema de pesquisa: “até que ponto as normas em vigor no âmbito das Forças Armadas atendem ao preconizado na legislação penal militar, no trato dos processos de deserção?”.
Como meio de buscar resposta para o referido problema, utilizaram-se das seguintes questões norteadoras:
Com base no Código de Processo Penal Militar (CPPM), quais os procedimentos de um processo de deserção de militares das Forças Armadas?
Quais normas e dispositivos legais do ordenamento jurídico brasileiro estão relacionados ao crime de deserção no âmbito das Forças Armadas?
Ocorre algum conflito de normas (antinomia) ou lacuna no ordenamento jurídico em relação aos dispositivos legais relacionados à deserção?
No entanto, o escopo comum do atual trabalho é o de avaliar as afinidades das normas jurídicas (penais e processuais penais militares) em vigor, que abordam o processo de deserção no âmbito das Forças Armadas, assim com as demais normas do ordenamento jurídico brasileiro.
O interesse do aluno pela temática abordada tem como causa aprofundar seus estudos acerca do crime de deserção, pelas razões que se seguem:
O pesquisador e ex-praça da Marinha do Brasil, atualmente é praça da ativa do Quadro de Sargentos da Aeronáutica, serve no Grupamento de Apoio de Brasília – GAP-BR.
Apesar de o Código Penal Militar, o Código de Processo Penal Militar e o Estatuto dos Militares serem legislações comuns às Forças Armadas, o escopo desse trabalho baseia-se na análise das legislações específicas aplicadas no âmbito interno da Marinha do Brasil, da Força Aérea Brasileira e do Exército Brasileiro no que se refere ao crime de deserção.
Das regras padrão de ação que tratam do referido processo, serão analisadas as que estão disponíveis nas páginas eletrônicas das unidades, das redes internas das Forças Armadas.
Está fora dessa pesquisa o levantamento e a análise das normas jurídicas e administrativas relativas à execução penal da pena cominada, bem como as normas aplicáveis à realização de escolta para a devida condução do preso de justiça aos atos e procedimentos judiciais.
O Sistema de Gestão da Qualidade tem sido incorporado na atualidade como modelo de gestão no serviço público, devido aos enormes benefícios advindos com a busca da eficiência e da eficácia. Esses instrumentos serão importantes no mapeamento do processo de deserção previsto no Código de Processo Penal Militar (CPPM).
Enfim, buscar a real importância do assunto em relação às Forças Armadas.
Direito Militar
Geralmente conhece-se como Direito Militar às leis que normatizam a conduta dos homens pertencentes às Forças Armadas, bem como as leis que sancionam as infrações qualificadas como militares. Uma definição que utilizaremos define o Direito Militar como a série orgânica de princípios e normas que regulam as obrigações, deveres e direitos de pessoas de guerra, milícia ou estado, e dos particulares quando, por especiais circunstâncias, corresponde conhecer ao foro de guerra, considerado também como Direito Penal Militar (NEVES e STREIFINGER, 2005).
Ao se falar de Direito Penal Militar está se equivalendo ao Direito Penal Geral, o que lhe dá características e consequências jurídicas diferentes, permitindo que sua estrutura e normatividade seja independente, criando uma matéria particular e autônoma e portanto uma confusão e conflito de normas.
Os Códigos Penais Militares vigentes nos países encontram-se dentro da classificação da Lei penal por especialidade, considerados como Leis especiais, aplicáveis aos membros das Forças Armadas que cometam infrações especialmente relacionadas com as atividades militares, por isso o regulamento penal militar deve estar contingente à norma penal geral.
Ao serem os Códigos Penais Militares Leis Especiais, devem ser claramente delimitados, daí a importância de que o objeto da lei penal militar seja claro e preciso, saber qual é o bem jurídico militar que se vai proteger, com o fim de que a lei penal militar se mova dentro de seu âmbito de aplicação e estabeleça corretamente os delitos militares, considerados como aqueles atentados graves contra a segurança nacional frente às ameaças que ponham em perigo a vida ou integridade da Nação frente a ameaças armadas externas, neste tipo de delitos se encontraria a espionagem, a traição, e demais elementos que vão encaminhados diretamente a minar as capacidades de defesa do Estado.
Breve Histórico da Justiça Militar no Brasil
Quando a família real portuguesa se estabeleceu no Brasil em 1808, trouxeram consigo um cúmulo de instituições entre as quais a Justiça Militar estava incluída. Assim, através da Autorização de 1 de março de 1808 se criou o Conselho Supremo Militar e de Justiça. Este Conselho desenvolvia funções administrativas (concessão de patentes e reformas por ex.) e judiciais. Atuava como segunda instância e estava responsável por receber apelações dos Conselhos de Guerra que eram os órgãos de primeira instância (RIBEIRO, 2008).
Com o fim do Império do Brasil em 1889, a nova Constituição de 1891 dispôs a continuidade da Justiça Militar, com jurisdição no julgamento dos crimes militares, fossem cometidos por civis ou militares. No entanto, diferente de outros países, o sistema de Justiça militar sofreria várias reformas nos anos seguintes (RIBEIRO, 2008).
Em 1893 com o decreto Nº 149 nomeou-se o Conselho como Supremo Tribunal Militar mantendo as mesmas funções, mas com uma composição cívico-militar (quatro Ministros da Armada, oito do Exército e três Advogados civis). Em 1920, através do decreto Nº 14.450, foi criado o Código de Organização Judicial Militar que suplantou os Conselhos de Guerra por auditorias Militares. Nesse mesmo ano criou-se o Ministério Público militar que tinha a finalidade de realizar as denúncias à Justiça Militar e auxiliar às autoridades judiciais militares (RIBEIRO, 2008).
Em 1926 promulgou-se um novo Código de Justiça Militar, ao qual foi adicionado em 1931 o decreto Nº 20.656 que determinava que todo militar ou civil que participasse em atentados à ordem pública ou ao Estado seria julgado pela Justiça militar. Finalmente, em 1934 através da Constituição, a Justiça Militar passou a ser parte integrante do Poder Judiciário eliminando as faculdades administrativas, situação atualmente mantida (RIBEIRO, 2008).
Atualmente o Superior Tribunal Militar é composto de quinze Ministros vitalícios, aprovados pelo Senado Federal e nomeados pelo Presidente da República. Das quinze cadeiras, três são de oficiais-generais da Marinha, quatro de oficiais-generais do Exército, três de oficiais-generais da Aeronáutica sendo todos da ativa e do posto mais elevado da carreira e dentre eles cinco são civis, maiores de trinta e cinco anos, sendo três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, e dois, por escolha paritária, dentre membros do Ministério Público Militar e juízes auditores.
As penas militares eram regidas pelos Artigos de Guerra, ditados em 1763 em Portugal. Estes se mantiveram vigentes até 1890, ano em que se publicou o Código Penal da Armada que se tornou extensivo ao Exército em 1899 e à força Aérea em 1941, quando esta foi recentemente criada. Para finalizar indicamos que em 1944 foi quando se estabeleceu um Código Penal Militar único para as 3 Forças, através do Decreto Lei Nº 6.627 (RIBEIRO, 2008).
O Código Penal militar e o Código de Processo Penal Militar, editados durante o período da ditadura, sofreram muito poucas alterações depois da volta da democracia. A democracia brasileira ainda dá às Forças Armadas o direito de intervenção em assuntos internos, mantém uma justiça corporativa e lhes dá o direito de julgar civis em casos considerados como crimes militares.
No Cápitulo 3 da Constituição Nacional, sobre o Poder Judiciário, a Justiça Militar da união é apresentada como parte de tal poder e definida nos artigos 122, 123 e 124. Neles se descreve a composição do Superior Tribunal Militar cujos juízes são indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado. A missão da Justiça Militar, expressada na Constituição, é a de processar e julgar os crimes militares definidos pela lei. Os crimes militares, definidos pelo Código Penal Brasileiro, podem ser cometidos também por civis, recaindo na Justiça militar seu julgamento.
A própria Constituição estabelece preceitos sobre a jurisdição da Justiça militar. Em seus arts. 124 e 125 indica que esta tem a atribuição de julgar os crimes militares definidos pelo Código Penal Militar, os quais podem ser cometidos por civis, cabendo o julgamento dos mesmos pelos tribunais militares.
O Código Penal Militar do Brasil estabelece que os militares em atividade, em situação de reserva ou em retiro, bem como os civis estão submetidos à Justiça Militar quando atuassem contra as instituições militares; em locais sob administração militar; ou contra servidor público do Ministério Militar ou da Justiça Militar em exercício de suas funções.
Crime Militar
Conforme Assis (2002, p. 38), crime militar “é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares.” E complementa que difere da transgressão disciplinar, por esta ser violação mais simples e estar paralelamente relacionada à contravenção penal.
Lobão (1999, p. 39) avalia o Direito Penal Militar como especial, “não só porque se aplica a uma classe ou categoria de indivíduos, [...] como também, pela natureza do bem jurídico tutelado.” Por ser especial, aplica-se predominantemente ao militar e, excepcionalmente, ao civil, “nos casos em que os objetos da tutela penal são bens e interesses das instituições militares relacionados com sua destinação constitucional e legal”. Reportando-se ao direito romano, o autor (p. 39- 40) demonstra a “noção romana do crime militar, no duplo aspecto de lesão objetivamente militar (L. 2) e de lesão exclusivamente militar (L. 6)”:
[...] o crime militar não era desconhecido do Direito Romano, onde a violação do dever militar alcançou noção jurídica perfeita e científica [...]. No Digesto, Livro XLIX, Título XVI. L. 2, vem expresso o conceito de delito militar próprio (delito propriamente militar), que era cometido pelo militar nessa qualidade (Proprium militare est delictum, quod quis uti miles admittet). Ainda na mesma L. 2, segundo Esmeraldino Bandeira, consta que os delitos do militar ou são próprios ou comuns: e daí o processo ou é próprio ou comum (Militum delicta sive admissa, aut propria sunt, aut cum cœteris communia: unde et persecutio auto propria, aut communis est). Finalmente, a L. 6 define como militar todo delito cometido contrariamente ao que exige a disciplina, tal como o crime de negligência, de contumácia ou de desídia (Omne delictum est militis, quod aliter, quam disciplina communis exigit, committitur, veluti segnitiae crimen, vel contumaciae, vel desidiae).
[...] a L. 6, diversamente da L.2, não se refere ao delito comum cometido pelo militar e sim a outras hipóteses de deveres militares próprios dos militares, distintos das normas gerais da disciplina comum, deveres esses impostos exclusivamente aos militares, que só eles têm e, portanto, somente eles podem violar.
O crime de deserção, esta previsto no art. 187 do Código Penal Militar, é o ato praticado somente por militar que se ausenta, por um período maior que 8 dias, sem justificativa da organização militar que serve, a consumação do ato gera controvérsia, pois há entendimentos do
Supremo Tribunal Federal, sobre se o delito seria de caráter permanente ou mesmo instantâneo com efeitos permanentes, pois a última decisão feita pela Suprema Corte entendeu que o delito tem caráter permanente, seguindo decisões anteriores.
O Direito brasileiro coloca regras de comportamentos com o fim maior de resguardar os bens jurídicos. Quaisquer desses bens são essenciais apenas a uma determinada camada da Sociedade, que prescinde de seus valores próprios. Já o fato dos militares, a hierarquia e a disciplina são os valores maiores a serem protegidos (constitucionalmente falando). No entanto, as regras penais militares, além de resguardarem os bens jurídicos comuns à Sociedade de modo geral, também possuem o modo complementar de dar assistência aos bens jurídicos basilares castrenses. Essa é a causa, portanto, de haverem crimes militares definidos em lei que não têm correspondentes na justiça comum, como o furto de uso e a deserção, por exemplo.
Por militar em situação de atividade entende-se militar que está ainda no serviço ativo, esteja ou não “em” ou “a” serviço, fardado ou não, e que pratique o crime contra outro militar (seja na mesma corporação militar ou não) na mesma situação. [...]. Esta hipótese é também conhecida por inter milites.(LOUREIRO NETO, 1999, p. 36).
O art. 9º do Código Penal Militar mostra os crimes ditos militares em tempo de paz:
Art.9º - Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
Os crimes de que trata este código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
Os crimes previstos neste código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado ou civil;
por militar em serviço, ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar;
revogado.
Os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inc. I, como os do inc. II, nos seguintes casos:
contra o patrimônio sob a administração militarou contra a ordem administrativa militar;
em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de ministério militar ou da justiça militar, no exercício de função inerente ao seu cargo.
contra militar em formatura, ou durante o serviço de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
Ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou, em obediência à determinação legal superior.
Parágrafo único - Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum.
No crime de deserção, o bem jurídico a ser resguardado é o dever militar, conexo à disciplina. No Direito Trabalhista, por exemplo, um trabalhador que deixa de apresentar-se ao seu local de trabalho, sem motivos de força maior ou de fato fortuito, tem a certeza de que não irá se abranger no campo da justiça penal. No entanto, o militar que não comparece ao quartel, por um período maior que 8 dias, sem justificativa da organização militar que serve, poderá estar incorrendo em crime militar.
São crimes militares em tempo de guerra (art. 10 do CPM), verifica-se que os critérios utilizados para a caracterização dos mesmos são o ratione temporis (I e II) e o ratione loci (III, “a” e “b”, IV), conforme se segue (ASSIS, 2002a, p. 49):
Art. 10 - Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:
Os especialmente previstos neste código para o tempo de guerra;
Os crimes militares previstos para o tempo de paz;
Os crimes previstos neste código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:
em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;
em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência, ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentem contra a segurança externa do país ou podem expô-la a perigo;
os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.
São diversas causas que levam o militar a cometer esse crime, entre elas o pouco conhecimento do Código Penal Militar e as péssimas condições sócio-econômicas dos mesmos, devido ao baixo salário recebido, principalmente os que prestam o serviço militar obrigatório. Entre os fatores mais preponderantes estão questões sociais, pois esses militares fazem parte das classes menos favorecidas da sociedade, e são as questões mais importantes nos tramites dos processos da Justiça Militar da União.
Os problemas sociais são checados e colocados nos autos dos processos que tramitam nas diversas auditorias militares, onde a maior parte dos militares desertores é formada por pessoas que prestam serviço militar obrigatório e isso induza que sejam obrigadas a deixar os quartéis sem a ordem de seus superiores, para ajudar no orçamento familiar ou mesmo sustentar seus familiares e dependentes.
É fato que a lei do serviço militar (Lei 4.375/1964) isenta da prestação obrigatória àqueles que possuem dependentes diretos e encontram-se na situação especial de arrimos de família, mas não ampara alguns casos, como o dos militares que são desertores e acabam retornando às suas respectivas unidades, para tentar resolver sua situação irregular e adquirir o certificado de quitação do serviço militar, que pode abrir portas para futuros empregos com carteira de trabalho assinada, isso se não forem capturados; muitos desses ex-militares não conhecem que o serviço militar se prorroga no tempo, mesmo depois de muitos anos.
Assis (2002a, p. 41-42) ao comentar sobre determinado fato no qual um policial militar, à paisana, e de folga, e com armamento particular, comete um fato delituoso por ter-se colocado em serviço, intervindo numa situação de flagrância, traz para a doutrina determinada espécie de crime militar que, embora não elencado expressamente nas diversas alíneas do art. 9º do CPM, vem sendo fortalecido com a construção pretoriana, devendo ser enquadrado na letra “e” (em serviço) do inc. II do referido artigo. Trata-se do que se convencionou chamar de crime militar em razão do dever jurídico de agir:
O embasamento legal desta tese são os arts. 301 do CPP e 243 do CPPM, os quais asseveram que “Qualquer pessoa poderá, e os militares e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, ou seja, insubmisso ou desertor”. (Combinação do teor dos dois Códigos Processuais).
A omissão que passa a ser relevante como causa é a prevista no art. 13, §2º do CP (tendo como similar o art. 29, §20 do CPM), ou seja, quando o agente devia (dever jurídico) e podia (tinha condições de fazê-lo) agir.
Como Dever Jurídico, além dos arts. 301 do CPP e, 243 do CPPM, temos a regra maior inscrita no art. 144, §5º, da CF, que estabelece que a Polícia Militar é a responsável pela Preservação da Ordem Pública, conforme já demonstramos em artigo Crime Militar, ainda que na folga, Jornal Correio de Notícias, Curitiba, 10 de fevereiro de 1990.
CRIME MILITAR EM RAZÃO DO DEVER JURIDICO DE AGIR
Consta dos autos de nº 103/85, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Campo Mourão-PR, que em data de 28.06.82, por volta das 20 h, um homem matou outro, com 4 tiros de pistola. Naquele exato momento, passavam pelo local, três PMs que estavam de folga e em trajes civis. Diante do ocorrido, dois milicianos tentaram socorrer a vítima e o PM M..., que estava armado, saiu ao encalço do homicida, interceptando-o mais à frente, dando-lhe “voz de prisão” e, tendo havido reação do criminoso, o PM M... acabou por desferir-lhe um tiro, matando-o no local.
Acolhendo o conflito de competência argüido pela defesa, o MM Juiz de Direito da Comarca de Campo Mourão, entendeu assistir razão ao defensor, remetendo os autos à Vara da Auditoria da Justiça Militar do Estado do Paraná, asseverando em sua respeitável decisão: “...é inegável que M..., embora estivesse em traje civil e portando uma arma particular pelo fato de ser policial militar, viu-se na obrigação, no dever de deter o autor do homicídio.
Essa obrigação que impeliu, que empurrou M... a acossar o criminoso, lhe foi imposta, não só pela sua formação militar, adquirida na caserna, como também, e principalmente pelo dever que lhe impõe o art. 301 do Código de Processo Penal, que estabelece que os agentes policiais devem prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Se o Policial Militar que interfere em ocorrência policial cumprindo normas e deveres profissionais, se envolver em circunstância delituosa, esta é considerada de natureza militar, ainda que o miliciano esteja de folga, em trajes civis e faça uso de arma própria. (STF — HC 6.558-3-MG — RT 578/418) (grifos do autor).
Crimes Propriamente Militares
Porém os códigos relacionados (normas jurídicas) não são únicos: eles dependem de regulamentos complementares, que formarão a estrutura necessária para o fundamento e a obtenção dos procedimentos previstos no processo de deserção. Nessa direção, as ligações entre as normas jurídicas com as administrativas precisam formar um todo harmonioso no meio de si, tendo-se em vista que o ordenamento jurídico, conforme Betioli (2000, p. 218-219), “é formado pela totalidade das normas vigentes, e estas devem estar ajustadas entre si e conjugadas à Constituição Federal”, enfim, “as normas jurídicas não se encontram soltas ou justapostas, mas mutuamente entrelaçadas em uma conexão harmônica”, o que distingue o princípio do entrelaçamento, que “estabelece a interligação de todos os elementos que integram o ordenamento jurídico, formando um todo uniforme e sistemático.”
Assis (2002a, p. 45), citando Clovis Beviláqua, distribui os delitos militares em três grupos: “Crimes essencialmente militares” (os próprios), “Crimes militares por compreensão normal da função militar” (os impróprios), e “Crimes acidentalmente militares” (praticados por civis).
De forma simples, Lobão (1999, p. 84) relaciona quem é considerado ou não militar para efeito da aplicação da lei penal castrense, pela Justiça Militar Federal e pela Justiça Militar Estadual:
militar federal, integrante das Forças Armadas: militar, para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar federal. Para esse fim, somente ele, exclusivamente ele é considerado militar;
militar federal na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar federal, ressalvados os crimes cometidos antes de passar para a inatividade;
militar estadual, integrante da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares: equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar federal;
policial militar ou bombeiro militar na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar federal;
militar estadual, integrante da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares: militar para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar estadual, cuja competência restringe-se, somente, a conhecer dos crimes militares cometidos pelo militar estadual em atividade;
militar estadual na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar estadual, ressalvados os crimes cometidos antes de passar para a inatividade;
As penas disciplinares para o Exército são em ordem de gravidade:
Advertência.
Impedimento disciplinar.
Repreensão.
Detenção disciplinar.
Prisão disciplinar
Licenciamento e exclusão para o bem da disciplina.
As punições disciplinar de detenção e prisão disciplinar não podem ultrapassar os 30 dias e as de impedimento disciplinar os 10 dias, conforme regulamento disciplinar do Exército. Art. 24.
No Brasil, de maneira informal se denominam como Tribunais de Honra aos Conselhos de Justificativa, criados em 1923. A função destes Conselhos é a de julgar, através de um processo especial, a capacidade dos oficiais das Forças Armadas de permanecer em atividade, dando- lhes a possibilidade de justificar-se frente a acusações que lhes pesem.
São submetidos a estes Conselhos os oficiais acusados de conduta irregular, práticas atentatórias da honra pessoal, o pudor militar e o decoro da força. Os processos originados nestes Conselhos devem ser encaminhados ao Supremo Tribunal Militar, o que funciona como instância única de julgamento para o oficial acusado.
Da Deserção em Geral
O crime de deserção acontece em varias unidades militares, porém envolvem muitas razões para que o militar vire desertor, entre elas a principal é a administração militar nas organizações, pois os militares que praticam esse crime assim que consumam o ato viram desertores, e se encontrados são capturados com o intuito de reincluí-los para que possam responder por seus atos diante da Justiça Militar com o objetivo de preservar os princípios da hierarquia e da disciplina. Assim, depois de sua prisão ou a sua apresentação espontânea a sua organização militar procura fornecer todas as provas ao Ministério Público Militar, para iniciar o processo penal contra o militar que atentou contra o serviço militar. Assim é possível estudar o crime de deserção, o que faz dele um crime tão comum, mesmo com uma jurisprudência vasta. O crime de deserção está presente em nossas leis militares desde o Império.
Quando se fala em deserção no âmbito jurídico, muitos veem de uma forma diferenciada o abandono do trabalho, devido o pouco preparo do recurso dentro do prazo legal. Porém, a outra forma jurídica vivente com o mesmo nome é um crime constante do Código Penal Militar, que tem procedimentos próprios para o seu ajuizamento.
O crime deserção atenta contra o dever militar, bem jurídico e resguardado por lei penal militar. O Código Penal Militar (CPM) específica os diferentes tipos de deserção e suas respectivas penas. O Código de Processo Penal Militar (CPPM) determina os procedimentos inerentes às etapas e procedimentos do respectivo processo. Os dois diplomas legais, recepcionados pela Constituição de 1988, determinam o que deve ser feito para a devida proteção do bem.
O Código Penal Militar Brasileiro gerou muitas controvérsias sobre o crime deserção. O ato se consuma no 9º dia de ausência (ou seja, mais de 8 dias). Inicia-se contagem dos dias que o militar faltou a contar da zero hora do dia seguinte em que se verifica a falta não justificada, segundo o § 1º do art. 451 do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
Essa contagem do prazo, embora haja divergências, deve ser feito da seguinte forma:
contam-se oito dias, tendo-se por termo a quo o dia seguinte ao da ausência. A partir do primeiro instante do nono dia estará configurado o crime. [...] não importa o horário de ausência, se no início ou no final do dia 2; o primeiro dia de contagem do prazo de graça é aquele imediatamente após a ausência, ou seja, dia 3; até a data de 10, seria o chamado prazo de graça; por fim, o dia 11, sendo o nono, configurado está o delito de deserção. Vejam bem que este só se consuma após oito dias. De uma forma mais simples, basta somar nove ao dia da ausência, que se chegará à data da consumação do delito. No exemplo, 2 (dia da ausência) mais nove, chega-se ao dia 11. (MIGUEL; COLDIBELLI, 2000, p. 172-173).
É importante diferenciar qual é a situação do militar que praticar o crime de deserção, pois seu significado está no art. 187 do CPM. Depois do oitavo dia de ausência não autorizada, o militar faz consumar ato previsto no art. 187 do CPM, se for praça sem estabilidade, será excluído do serviço ativo por meio de processo administrativo da autoridade competente, e se for estabilizado deixa a situação de agregado, e se torna um agente criminoso passando a ser considerado um desertor até que seja preso ou se apresente espontaneamente na unidade militar. Em seguida ocorre reinserção no serviço ativo e depois o desertor é submetido a um processo criminal militar e se torna um militar desertor.
O fato se consuma espontaneamente, por se tratar de um crime propriamente militar, e não depende de sua força, na verdade o mesmo deixou de ser militar no momento que concretizou o ato. Da falta de entendimento desse ato, surge ainda outro fato interessante. O art. 5º, XI da Constituição da República reza que: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;". Então entende-se que esse crime é permanente, pois mesmo sem autorização da justiça, o art. 244, § único do Código de Processo Penal Militar (CPPM): "nas infrações permanentes, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não acabar a permanência." Devendo ser preso a qualquer tempo, entende-se que mesmo sendo o crime instantâneo, mas de efeitos permanentes, cria-se um sentimento de repulsa na sociedade, fazendo o fato repercutir negativamente.
O Código Penal Militar brasileiro em seus elementos tradicionais se conjugam com os incorporados, as vezes sem muito acerto, como se observa nas legislações francesa e italiana, oferece uma regulamentação da deserção de signo abertamente objetivista.
Segundo Teixeira (1946), sem compartilhar o critério legislativo, que estamos ante tipos rigidamente formais que se consumam com a ausência pelo prazo fixado ou pela apresentação no tempo legal estabelecido, sem necessidade de indagar se o autor teve ou não intenção de abandonar o serviço militar.
Quanto a essência da deserção no Direito brasileiro, os tipos configuradores da mesma com alguma exceção vêm formulados omissivamente. Discutível é, por último, que possa considerar-se um crime permanente, ainda que claro, dá origem a tal entendimento o art. 132, segundo é qual a deserção prescreve até que o desertor (praça) cumpra a idade de quarenta e cinco anos ou sessenta, se se trata de Oficial.
Do Processo de Deserção
No processo de deserção, o rito é sumaríssimo, caracterizado pela celeridade, sendo os atos processuais simplificados, devido à pouca complexidade dos mesmos. Na quase totalidade dos casos não se discute a questão da existência do delito, porque o réu geralmente admite que não possuía autorização para se ausentar. Assim, a controvérsia se restringe à justificativa da ausência prolongada. (MIGUEL; COLDIBELLI, 2000, p. 171-172).
Segundo o CPPM:
Art 451. Consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo, imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura.
§ 1º A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar.
§ 2º No caso de deserção especial, prevista não art. 190 do Código Penal Militar, a lavratura do termo será, também, imediata.
“De acordo com a Lei nº 8.236/91, que alterou o rito previsto para o processo de deserção, não se exige mais a realização de diligências, visando a captura do militar, antes do transcurso do prazo de graça.” (MIGUEL; COLDIBELLI, 2000, p. 173- 174).
“Art. 452. O termo de deserção tem o caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal, sujeitando, desde logo, o desertor à prisão”.
Dos Recursos
No Título II “dos recursos” do Código de Processo Penal Militar é onde se estabelecem os tipos e formas de meios de impugnação com que se dispõe. Assim, se estabelece que ante as decisões do Conselho de Justiça e das Auditorias poderão ser interpostos os seguintes recursos:
Recurso em sentido estrito. Pode ser interposto pelo Ministério Público, o réu ou seu procurador ou defensor. Sua função é pedir: inexistência do crime; denegar um pedido de arquivamento de causa; pedido de absolvição; incompetência do Tribunal, do auditor ou do conselho de justiça; improcedencia; anulação do processo, pedir a prescrição; pedir ou negar a liberdade condicional; pedir unificação de penas;
Apelação. Utiliza-se sobre a sentença definitiva de condenação ou absolvição; a sentença definitiva ou com força definitória. (Se se utiliza a apelação não será valido depois usar o recurso em sentido estrito. Só podem apelar o Ministério Público e o réu ou seu defensor. Se o réu estivesse em liberdade o julgamento do recurso de apelação será secreto.)
Revisão. Cabe o recurso de revisão para aqueles processos nos quais tenha erros quanto aos fatos, sua apreciação, avaliação e enquadramento. Pode ser pedida pelo condenado ou seu procurador, em caso de morte têm direito à revisão o conjuge, ascendentes ou seu irmão.
Recursos de Competência do Supremo Tribunal Federal. São competência do Supremo Tribunal os recursos sobre aquelas sentenças proferidas pelo Superior Tribunal Militar em crimes contra a segurança nacional ou contra as instituições militares, praticados por civis ou o governador do Estado ou seus secretários; decisões denegatorias do Habeas Corpus; recursos extraordinários.
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Habeas Corpus. Corresponde o Habeas Corpus quando alguém foi ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de movimento, por ilegalidade ou abuso de poder. É de competência do Superior Tribunal Militar. Pode ser pedido por qualquer pessoa em seu favor ou de outro, bem como pelo Ministério Público.