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Aposentadoria especial no RPPS, atividade de risco e conversão do tempo de serviço especial em comum.

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Agenda 01/02/2023 às 08:39

A aposentadoria especial no RPPS foi alterada por decisões do STF, com a revisão de atos concedidos sob a interpretação anterior.

Resumo: A aposentadoria especial no campo do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) sofreu importante mudança com a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da aprovação da Súmula Vinculante nº 33 e das decisões proferidas nos Mandados de Injunção nº 833/DF e 884/DF, de modo a determinar a revisão de aposentadorias concedidas sob a égide da interpretação anterior. Este ensaio visa discorrer sobre o tema com destaque aos servidores submetidos à atividade de risco e à conversão do tempo de serviço especial em comum.

Palavras-chave: Aposentadoria Especial. Lacuna legislativa. Tempo de Serviço. Conversão. Atividade de risco.


1. Contextualização do tema  

O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de diversas decisões proferidas em mandados de injunção, proclamou tese favorável à aplicabilidade do art. 57 da Lei nº 8.213/91 aos ervidores submetidos ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), enquadráveis nas hipóteses previstas no § 4º do Art. 40 da Constituição Federal (CF) até que sobreviesse a necessária regulamentação.

O fenômeno jurisprudencial desencadeou, em sede administrativa, orientações favoráveis à aplicabilidade das regras a todas as hipóteses acobertadas pela garantia de aposentadoria especial, inclusive aos servidores submetidos à atividade de risco, a exemplo dos oficiais de justiça avaliadores e dos agentes de segurança judiciária que, em alguns casos, obtiveram êxito na concessão de benefícios munidos de competentes mandados de injunção; assim como à aplicabilidade dos efeitos relativos à conversão do tempo especial em comum.

A evolução do entendimento junto ao Supremo Tribunal Federal, entretanto, amadurecida a partir da edição da Súmula Vinculante nº 33, modificou esse panorama, então complementado com as decisões exaradas nos Mandados de Injunção nºs 833/DF e 844/DF, principalmente em relação ao enquadramento das categorias vinculadas à atividade de risco. Este ensaio visa elucidar os efeitos dessa nova construção jurídica frente aos direitos concebidos sob a égide da interpretação anterior, o que se faz por meio do histórico judicial e administrativo da situação, detalhada para sustentar os elementos postos na análise jurídica.

A tentativa é abrir o tema ao debate, mormente diante do cenário jus-político em que se vive, onde as reformas prometidas estão a se mostrar avessas às conquistas dos servidores públicos, há muito carentes de materialização de um direito que lhes foi constitucionalmente garantido.  


2. Histórico da aposentadoria especial no RPPS em ambiente judicial: a conturbada evolução da jurisprudência.

O servidor público subordinado ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), malgrado ter exercido atividades insalubres, perigosas ou de risco, nunca foi contemplado com regras que lhe possibilitassem materializar o direito à aposentadoria especial. A ausência de regulamentação das normas constitucionais que previam, asseguravam e ainda asseguram esse direito [2] sempre foi a pedra do caminho

A imobilização legislativa levou esses servidores públicos a procurar junto ao Poder Judiciário a alternativa para o seu desemparo. E será em âmbito judicial - em especial junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) - que se vai construir todo o arcabouço jurídico sobre o tema, a assentar as bases das orientações administrativas.

(ii.a) A primeira conquista judicial: conversão do tempo especial em comum.

O primeiro reconhecimento judicial vinculado ao direito à aposentadoria especial não se deu em favor do benefício em si, mas da averbação desse tempo com os consectários legais, assim considerada a possibilidade de contagem ponderada do tempo de serviço prestado sob condições insalubres e perigosas em favor de servidores públicos.

O tempo de serviço objeto da contagem, entretanto, ficou restrito ao período em que o servidor esteve subordinado ao regime celetista. Sim, porque, no regime de emprego, a vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sempre foi a regra, a atrair a incidência, desde logo, do Art. 57, da Lei nº 8.213, de 1991. 

  Judicialmente, portanto, a primeira conquista desses servidores foi fazer valer o cômputo do tempo de serviço prestado sob condições especiais, com a aplicação do correspondente fator de conversão, em relação ao período anterior ao ingresso no regime estatutário. Exemplificando: um servidor detentor do emprego de Médico, regido pelo RGPS, posteriormente submetido ao regime de cargo -  decorrente da transformação do emprego em cargo - obteve a possibilidade de computar o tempo de serviço prestado em condições especiais – consignando o correspondente fator de conversão – para o fim de aposentadoria comum no RPPS. Entretanto, foi vedada a esse mesmo servidor a contagem do tempo de serviço posterior à sua entrada no RPPS, ainda que não tenha havido solução de continuidade na prestação dos serviços. Vale a leitura de alguns julgados para melhor entendimento da matéria:

EMENTA: 1. Servidor público federal: contagem especial de tempo de serviço prestado enquanto celetista, antes, portanto, de sua transformação em estatutário: direito adquirido, para todos os efeitos, desde que comprovado o efetivo exercício de atividade considerada insalubre, perigosa ou penosa. Com relação ao direito à contagem de tempo referente ao período posterior à L. 8.112/90, firmou esta Corte entendimento no sentido de que, para concessão de tal benefício, é necessária a complementação legislativa de que trata o artigo 40, § 4º, da CF. Precedentes. 

2. Agravo Regimental provido, em parte, para, alterando-se a parte dispositiva da decisão agravada, dar parcial provimento ao extraordinário e reconhecer ao agravado o direito à contagem especial do tempo de serviço prestado sob efetivas condições insalubres no período anterior à L. 8.112/90.

(RE-AgR nº 367314/SC, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 14.5.2004, p.44 - os grifos não constam do original)

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES INSALUBRES EM PERÍODO ANTERIOR À SUPERVENIÊNCIA DO ESTATUTO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO ESTADO. CONTAGEM RECÍPROCA. POSSIBILIDADE. 

  1. A contagem recíproca é um direito assegurado pela Constituição do Brasil. O acerto de contas que deve haver entre os diversos sistemas de previdência social não interfere na existência desse direito, sobretudo para fins de aposentadoria.

  2. Tendo exercido suas atividades em condições insalubres à época em que submetido aos regimes celetista e previdenciário, o servidor público possui direito adquirido à contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada e para fins de aposentadoria

  3. Não seria razoável negar esse direito à recorrida pelo simples fato de ela ser servidora pública estadual e não federal. E isso mesmo porque condição de trabalho, insalubridade e periculosidade, é matéria afeta à competência da União (CB, artigo 22, I [direito do trabalho]). Recurso a que se nega provimento.

    (RE nº 255827/SC, Rel. Ministro Eros Grau; DJ de 2/12/2005, p. 14 - os grifos não constam do original)

Ementa: AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. MODIFICAÇÃO DE REGIME JURÍDICO. ATIVIDADE INSALUBRE. LEI MUNICIPAL N. 2/1990. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE LEI LOCAL: SÚMULA 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

[...]

6. O Supremo Tribunal Federal assentou que “o tempo de serviço prestado por servidor celetista, que passou a ser estatutário por força do regime jurídico único, é contado para todos os fins”, exatamente como assentado no acórdão recorrido. Nesse sentido:

“1. Servidor público: direito adquirido à contagem especial de tempo de serviço prestado em condições insalubres, vinculado ao regime geral da previdência, antes de sua transformação em estatutário, para fins de aposentadoria: o cômputo do tempo de serviço e os seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente quando da sua prestação: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 359.

2. O servidor público tem direito à emissão pelo INSS de certidão de tempo de serviço prestado como celetista sob condições de insalubridade, periculosidade e penosidade, com os acréscimos previstos na legislação previdenciária. 

3. A autarquia não tem legitimidade para opor resistência à emissão da certidão com fundamento na alegada impossibilidade de sua utilização para a aposentadoria estatutária; requerida esta, apenas a entidade à qual incumba deferi-la é que poderia se opor à sua concessão. 

4. Agravo regimental: desprovimento: ausência de prequestionamento do art. 40, III, b, da Constituição Federal (Súmulas 282 e 356), que, ademais, é impertinente ao caso” (RE 463.299-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJe 17.8.2007).

(ARE 724.221/SC, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Decisão monocrática de 10/12/2012, DJe 246, de 17/12/2012 - os grifos não constam do original)

Com a evolução da jurisprudência do Excelso Pretório,marcada pela viabilidade de aplicação supletiva do Art. 57, da Lei nº 8.213/91 à lacuna legislativa atinente à regulamentação no § 4º do Art. 40 da CF [3], firmou-se entendimento pela viabilidade, igualmente, da conversão do tempo de serviço especial em comum em relação ao período estatutário. Não obstante, a questão retornou ao palco do Judiciário e o entendimento inicial favorável à sua materialização retrocede em ambiente administrativo por conta de ilação no sentido de que o STF não havia disposto acerca de sua autorização por considerar a via de mandado de injunção incabível para tal fim. Entendeu-se que os mandados de injunção impetrados para o fim de buscar a materialização do direito assegurado pelo § 4º do Art. 40 da Constituição não detinham a conotação emprestada [4].   

Essa questão foi bastante discutida pelo STF por ocasião da aprovação da Proposta de Súmula Vinculante nº 45, que deu origem à Súmula Vinculante nº 33, impondo-se a transcrição de alguns excertos do debate para melhor elucidar a orientação vigente sobre o tema:

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, uma observação, se me permite. Sou Relatora de alguns dos agravos regimentais trazidos a este Plenário, em que se afirmou exclusivamente, e com todas as letras, que o mandado de injunção não é a via hábil para a veiculação de pretensões outras, - quanto ao tema em debate -,   como a contagem diferenciada de tempo de serviço ou sua averbação quando prestado em condições especiais.

Todas as decisões que proferi – monocraticamente e depois nos agravos regimentais que desafiaram -, retratam, conforme o Ministro Teori destacou, inúmeros precedentes de todos os Ministros da Corte na mesma linha, sem que isso implique a emissão de um juízo de valor com relação ao tema específico de fundo. Até porque, com todo o respeito, mandado de injunção não se presta a tal fim.  

Feito este registro, acolho tanto a formulação do Ministro Gilmar, com a complementação proposta - a rigor, conjugação de redações -, como a que Vossa Excelência apresentou, entendendo, sim, deva ficar restrito o enunciado ao art. 40 § 4º, III, da Constituição Federal, no caso às atividades exercidas em condições que prejudiquem a saúde e a integridade física.

[...]

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - Portanto, Presidente, e o reconhecimento da Doutora Grace é relevante, o Supremo nunca disse que não podia averbar, pelo que eu entendi. O Supremo disse apenas que não cabia apreciar isso em mandado de injunção. Isso é muito importante, porque a interpretação que a Administração vinha dando era diferente dessa. E acho que, agora, pelo menos, nós esclarecemos a matéria.” 

(STF, Explicações/Votos PSV 45/DF, em Plenário de 9/4/2014 – os grifos não constam do original)

As explicações oferecidas na oportunidade da aprovação da PSV nº 45 tornam visível que o direito à conversão do tempo de serviço especial em comum em relação ao período estatutário não foi negado. Apenas se entendeu que a matéria não era objeto de avaliação por meio de mandados de injunção, do que se aproveitou a Administração para restringir o campo de aplicação da norma chamada a colmatar a lacuna relativa à regulamentação do § 4º do Art. 40 da CF.

Em todo caso, não obstante a sedimentação da jurisprudência nos moldes elencados, o STF discute no MI 4204/DF a viabilidade do direito. O debate judicial ainda se encontra aberto por conta de pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes. Mas vale a pena trazer à lume o escorreito direcionamento oferecido pelo Ministro Roberto Barroso sobre a questão, divulgada no Informativo STF nº 783 (27 de abril a 1º de maio de 2015):

O Ministro Roberto Barroso apontou que, quando da aprovação do referido Enunciado, existia farta jurisprudência do Plenário no sentido da aplicação do art. 57, “caput” e § 1º, da Lei 8.213/1991, que preveem aposentadoria integral em 15, 20 ou 25 anos de atividade, a depender do grau de insalubridade. Excluíra-se, porém, a possibilidade de se averbar o tempo de serviço em condições especiais e sua conversão em tempo comum, mediante a incidência de fator multiplicador que estaria contemplado no art. 57, § 5º, da Lei 8.213/1991. Significa dizer que a jurisprudência do STF afastara a aplicação, no que diz respeito aos servidores públicos, de parte das regras previstas para os trabalhadores em geral. Asseverou que a vedação à contagem de tempo ficto (CF, art. 40, § 10: “A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício”) não proibiria o cômputo diferenciado de tempo de serviço especial, pois em realidade não se trataria de tempo ficto, porque fora efetivamente prestado em condições de insalubridade. Aduziu que o art. 40, § 10, da CF se destinaria a proscrever a contagem de tempo não trabalhado. A necessidade de “requisitos e critérios diferenciados” no que se refere ao tempo de serviço prestado em condições prejudiciais à saúde e à integridade física decorreria do art. 40, § 4º, III, da CF. Frisou que nem todo servidor que exercesse atividades em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física teria, por certo, direito à aposentadoria especial propriamente dita. Por outro lado, seria fora de dúvida que o tempo exercido nessas condições deveria ser computado de forma diferenciada (CF, art. 40, § 4º, III). Por outro lado, também não se poderia vedar a contagem diferenciada de tempo especial a pretexto da possibilidade de superveniência de lei que alterasse os requisitos antes da aquisição do direito à aposentadoria. Considerou que a contagem diferenciada do tempo de serviço especial decorreria diretamente do direito à aposentadoria disposto no art. 40, § 4º, da CF. Atualmente, o exercício desse direito estaria obstado por lacuna legislativa, entretanto, nada impediria que essa omissão fosse reconhecida em mandado de injunção. Concluiu que não se trataria de via imprópria para esse fim, mas de sede propícia para a correção de estados de omissão legislativa inconstitucional. Em seguida, pediu vista o Ministro Gilmar Mendes.

MI 4204/DF, rel. Min. Roberto Barroso, 30.4.2015. (MI-4204)”[5] (os grifos não consta do original)   

A par da diretriz apresentada pelo Ministro Roberto Barroso, evidencia-se que o STF pode ainda evoluir no entendimento acerca do exercício do direito à conversão do tempo de serviço especial em comum sob o enfoque do direito à aposentadoria especial de que cuida o § 4º do Art. 40 da Constituição, não obstante o conturbado desenrolar das interpretações conferidas às hipóteses genéricas que o garantem (incisos I, II e III do mencionado parágrafo) [6], tema do tópico seguinte.

(ii.b) Da evolução do entendimento quanto ao direito à aposentadoria especial: o problema da atividade e risco.

Desde 2007 o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que o direito à aposentadoria especial previsto no § 4º do art. 40 da Constituição da República [7], ainda pendente de regulamentação pelo Poder Legislativo, poderia ser exercido por meio da aplicação do art. 57, da Lei nº 8.213, de 1991 [8]. Vale conferir os julgados para certificação da tese eleita:

MI 2767 / DF

“MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. APLICABILIDADE DO ART. 57 DA LEI FEDERAL Nº 8.213/91 ATÉ QUE SOBREVENHAM AS LEIS COMPLEMENTARES QUE REGULAMENTEM O ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES DO STF. LIMITES OBJETIVOS DA DECISÃO EM MANDADO DE INJUNÇÃO, CINGIDOS À COLMATAÇÃO DA LACUNA LEGISLATIVA NA REGULAMENTAÇÃO DE DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO. PERMANÊNCIA DO DEVER DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA DE VERIFICAR O PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS NO CASO CONCRETO.

  1. As entidades sindicais são legitimadas para a impetração de mandado de injunção coletivo. Precedentes do STF: MI 20, Rel. Min. Celso de Mello; MI 342, Rel. Min. Moreira Alves; MI 361, Rel. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence; MI 472, Rel. Min. Celso de Mello.

  2. A aposentadoria especial de servidor público cujas atividades sejam exercidas sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física é assegurada mediante o preenchimento dos requisitos do art. 57 da Lei Federal nº 8.213/91, até que seja editada a lei complementar exigida pelo art. 40, § 4º, II, da Constituição Federal. Precedentes do STF: MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 30.11.2007; MI 795, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe. 22.05.2009).

  3. Os limites objetivos da decisão no mandado de injunção cingem-se à colmatação da lacuna legislativa necessária à fruição de direito constitucionalmente assegurado.

  4. A decisão concessiva da injunção não exime a autoridade administrativa competente de verificar, no caso concreto, o preenchimento dos requisitos legais para a concessão da aposentadoria especial (MI 1.286-ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 19.02.2010).

  5. Julgamento monocrático do mandado de injunção, conforme autorizado em Questão de Ordem no julgamento do MI 795, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe. 22.05.2009.

5. Concessão parcial da ordem.”

(MI 2767 / DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE INJUNÇÃO. Relator(a):  Min. LUIZ FUX. Julgamento: 20/11/2012 Publicação DJe-231 DIVULG 23/11/2012 PUBLIC 26/11/2012. Grifo nosso)

MI nº 3245/DF

“Cumpre ressaltar, finalmente, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes firmados sobre a matéria (MI 1.115- -ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.125-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.189-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), salientou que, efetivada a integração normativa necessária ao exercício de direito pendente de disciplinação normativa, exaure-se a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido (e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção, como se vê de decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE INJUNÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI N. 8.213/1991. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.

  1. A autoridade administrativa responsável pelo exame do pedido de aposentadoria é competente para aferir, no caso concreto, o preenchimento de todos os requisitos para a aposentação previstos no ordenamento jurídico vigente.

  2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (MI 1.286-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Pleno – grifei)

Isso significa, portanto, que não cabe deferir, nesta sede injuncional, como reiteradamente acentuado por esta Suprema Corte (MI 1.312/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.316/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.451/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.), ‘a especificação dos exatos critérios fáticos e jurídicos que deverão ser observados na análise dos pedidos concretos de aposentadoria especial, tarefa que caberá, exclusivamente, à autoridade administrativa competente ao se valer do que previsto no art. 57 da Lei 8.213/91 e nas demais normas de aposentação dos servidores públicos’ (MI 1.277/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei).

Sendo assim, em face das razões expostas, e tendo em vista, ainda, os pareceres favoráveis que a douta ProcuradoriaGeral da República tem formulado a respeito da mesma questão ora veiculada nesta decisão, concedo, em parte, a ordem injuncional, para, reconhecido o estado de mora legislativa, garantir, à parte impetrante, o direito de ter o seu pedido administrativo de aposentadoria especial concretamente analisado pela autoridade administrativa competente, observado, para tanto, o que dispõe o art. 57 da Lei nº 8.213/91. Arquivem-se os presentes autos.    Publique-se. Brasília, 21 de novembro de 2012. Ministro CELSO DE MELLO Relator

(MI 3245 / DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE INJUNÇÃO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO , Julgamento: 21/11/2012 Publicação PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 22/11/2012 PUBLIC 23/11/2012. Grifo nosso)

MI 1312/DF

“Registro, ainda, que esta Suprema Corte, em sucessivas decisões, reafirmou essa orientação (MI 758/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MI 796/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - MI 809/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MI 824/DF, Rel. Min. EROS GRAU – MI 834/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – MI 874/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 912/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MI 970/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.001/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.059/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), garantindo, em consequência, aos servidores públicos que se enquadrem nas hipóteses previstas nos incisos II e III do § 4º do art. 40 da Constituição (exercício de atividades de risco ou execução de trabalhos em ambientes insalubres), o direito à aposentadoria especial:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO . MANDADO DE INJUNÇÃO . SERVIDORA PÚBLICA . ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES DE RISCO OU INSALUBRES . APOSENTADORIA ESPECIAL . § 4º DO ART. 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR . MORA LEGISLATIVA . REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL .

1. Ante a prolongada mora legislativa , no tocante à edição da lei complementar reclamada pela parte final do § 4º do art. 40 da Magna Carta, impõe-se ao caso a aplicação das normas correlatas previstas no art. 57 da Lei nº 8.213/91, em sede de processo administrativo. 2. Precedente : MI 721 , da relatoria do ministro Marco Aurélio. 3. Mandado de injunção deferido nesses termos.’ ( MI 788/DF , Rel. Min. AYRES BRITTO)

‘MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA. 

  1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade. 

  2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial. 

  3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.’ (MI 795/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA)

Vale referir, em face da pertinência de que se reveste, fragmento da decisão que o eminente Ministro EROS GRAU proferiu no julgamento do MI 1.034/DF, de que foi Relator:

‘31. O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico, a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante ao que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado.

.......................................................

34. A este Tribunal incumbirá - permito-me repetir - se concedida a injunção, remover o obstáculo decorrente da omissão, definindo a norma adequada à regulação do caso concreto, norma enunciada como texto normativo, logo sujeito a interpretação pelo seu aplicador. 

35. No caso, o impetrante solicita seja julgada procedente a ação e, declarada a omissão do Poder Legislativo, determinada a supressão da lacuna legislativa mediante a regulamentação do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, que dispõe a propósito da aposentadoria especial de servidores públicos.

.......................................................

37. No mandado de injunção, o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.

38. Na Sessão do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientação jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, reconhecendo a mora legislativa. Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, aplicando-se à hipótese, no que couber, o disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos legais. Foram citados, no julgamento, nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes: o MI n. 670, DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o MI n. 712, DJE de 31.10.08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05.”

(MI 1312/ DF - DISTRITO FEDERAL , MANDADO DE INJUNÇÃO, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 28/5/2010, DJe em 7/6/2010. Grifo nosso)

A leitura dos julgados deixa evidenciar, de forma inequívoca, que o Supremo Tribunal Federal, em razão da mora legislativa, sufragou tese no sentido da aplicabilidade do processo de integração normativo com o fim de concretizar o direito à aposentadoria especial previsto no § 4º do art. 40 da Constituição. Elegeu-se, para tanto, o art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991 como norma base a suprir a lacuna deixada, cujos requisitos seriam aferidos pelo órgão competente para a concessão da aposentadoria.

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  Vale dizer que, antes das Reformas da Previdência [9], o Supremo Tribunal Federal havia consolidado tese no sentido de descaber mandado de injunção para tal finalidade por entender que a matéria ali versada dependia de regulamentação. O entendimento era de que a Constituição não havia garantido o direito à aposentadoria especial na hipótese elencada – à época, em razão do exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas [10] – existindo, apenas, uma faculdade conferida ao legislador para assim proceder. Esse entendimento não se modificou com a alteração patrocinada pela Emenda Constitucional nº 20/98, vindo a ocorrer, tão somente, após a alteração trazida pela Emenda 47/2005, momento em que se considerou efetivamente assegurado aos servidores públicos estatutários o direito à aposentadoria especial em âmbito constitucional, reforçada pela roupagem histórica das normas vigentes à época [11]

  Não obstante a mudança de orientação, conforme dito alhures, o Supremo Tribunal Federal não fez estabelecer, inicialmente, diferenças entre as hipóteses versadas nos incisos I, II e III do § 4º do art. 40 (portadores de deficiência; exercício de atividades de risco e execução de trabalhos em ambientes insalubres, penosos ou perigosos). Ou melhor, essa diferença, ainda que percebida pelo Excelso Pretório, não alterou a uniformidade da diretriz por ele consagrada, fato que pode ser evidenciado, inclusive, na hipótese em que tratou da aposentadoria especial em favor dos portadores de deficiência (inciso I do § 4º do art. 40 da CF, cuja hipótese não encontra qualquer paralelo no RGPS), a teor das premissas apresentadas pelo Ministro Luiz Fux no MI nº 4.153/MS [12], verbis:

“O problema, in casu, é que a similitude verificada nos exemplos anteriores não ocorre, porquanto inexistente, na legislação relativa ao regime geral de previdência social, disciplina da aposentadoria especial dos trabalhadores portadores de deficiência. O paralelo traçado entre os servidores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada, presente nos exemplos anteriores, não se verifica, como, aliás, apontado pelo Parquet. Para superar a questão, a Corte vem entendendo pela aplicabilidade, também aos casos de aposentadoria especial dos servidores públicos portadores de deficiência, do art. 57 da Lei Federal nº 8.213/91. Assim se deu, exempli gratia, no julgamento do citado MI 1.967-AgR/DF (Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJe 05.12.2011), quando, desprovido o agrado regimental, foi confirmada a decisão do eminente Ministro Relator em julgamento monocrático (DJe 27.05.2011, v. Informativo STF nº 360);

Com a devida vênia, alguma impropriedade que se pudesse vislumbrar nesse emprego específico da analogia seria mínima diante da necessidade de concretização de um direito fundamental e, por essa razão, não pode reconduzir o mandado de injunção ao que o eminente Professor JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA,, em crítica à vetusta jurisprudência desta Corte, acunhou de ‘sino sem badalo’. É de se acolher o entendimento que vem ganhando corpo em sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal, que ainda observa a proporcionalidade na redução temporal dos requisitos de aposentadoria para os servidores públicos portadores de deficiência.

Saliente-se, por outro lado, que a concessão da injunção não gera, de per se, o direito dos associados da impetrante à aposentadoria especial. Remanesce o dever da autoridade competente para a concessão da aposentadoria especial de, no caso concreto, verificar o efetivo preenchimento dos requisitos legais para a percepção do benefício.”

(MI 4.153/MS, Rel Min. Luiz Fux, DJE nº 234, divulgado em 28/11/2012. Grifo nosso)

À luz desse panorama aberto, os questionamentos acerca do implemento dos requisitos a serem observados para concessão da aposentadoria especial em decorrência de atividade de risco, em sede administrativa, passaram a ser uma constante [13], mormente porque os mandados de injunção concediam a ordem para a aplicação, no que coubesse, do disposto no art. 57 da Lei nº 8.213/91, sem atentar para a hipótese específica que estava a ser tutelada [14].

  Cabe um parêntese para registrar que, por efeito do decidido na ADIN nº 3.817/DF, foram excepcionadas da interpretação as carreiras policiais, às quais se entendeu aplicável o disposto na Lei Complementar nº 51/1985 [15], não obstante o decidido no MI 795/DF, de Relatoria da Ministra Cármen Lúcia, onde se deixou de atentar, igualmente, para as diversas matizes jurídicas a envolver a aposentadoria especial. 

  Foi nesse contexto que exsurgiu, para a carreira de Oficial de Justiça Avaliador, tese nova, pautada na diferença entre a natureza jurídica das hipóteses de que versa o § 4º do art. 40 da Constituição frente à aplicação das normas a serem chamadas à integração pela unidade administrativa competente. A tese foi apresentada pela Ministra Carmem Lúcia, por ocasião da análise primeira do MI nº 833/DF [16], onde foram debatidos os seguintes pontos da questão:

“No mérito, a Min. Cármen Lúcia, relatora, reconheceu a mora legislativa e a necessidade de se dar eficácia às normas constitucionais e efetividade ao direito alegado. Concedeu em parte a ordem para integrar a norma constitucional e garantir a viabilidade do direito assegurado aos substituídos do impetrante, que estejam no desempenho efetivo da função de Oficial Avaliador, o que disposto no art. 40, § 4º, II, da CF. Assegurou-lhes a aplicação do inciso I do art. 1º da LC 51/85, no que couber, a partir da comprovação dos dados, em cada caso concreto, perante a autoridade administrativa competente. De início, ressaltou a peculiaridade da situação em apreço, de modo a afastar a possibilidade de julgamento monocrático a partir do que decidido no MI 721/DF (DJE de 30.11.2007). Considerou a necessidade do exame do cabimento, ou não, de aplicação analógica do disposto na aludida LC 51/85 à aposentação especial fundada no inciso II do § 4º do art. 40 da CF (“§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores: ... II - que exerçam atividades de risco;”). Consignou, ainda, que o STF, no julgamento da ADI 3817/DF (DJE de 3.4.2009), assentara a recepção do inciso I do art. 1º da LC 51/85 — que cuida da aposentadoria voluntária de funcionário policial —, não tendo apreciado, ante a desnecessidade, o inciso II daquele mesmo artigo — que determina a aposentadoria compulsória do policial, com proventos proporcionais ao tempo de serviço, aos 65 anos de idade, qualquer que seja a natureza dos serviços prestados. MI 833/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 2.8.2010.  

A relatora enfatizou não reputar superada a mora legislativa com a declaração de recepção da LC 51/85, porque esta se encontra dirigida ao policial, cargo este com atribuições e responsabilidades nas quais não se enquadrariam os Oficiais de Justiça. Aduziu que a mera comunicação dessa omissão não seria suficiente para os fins pretendidos pelo impetrante, devendo-se perquirir sobre o enquadramento dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais no desempenho de função de risco para se cogitar da aplicação analógica da LC 51/85. No ponto, destacou a existência de reconhecimento legal da presença do risco no exercício da atividade por eles desenvolvida, o que seria bastante para a sua adequação na hipótese do inciso II do § 4º do art. 40 da CF. Observou, de outro lado, que dificuldades poderiam surgir quando da análise, pelas autoridades administrativas competentes, dos requerimentos de aposentadorias dos servidores enquadrados no mencionado art. 40, § 4º, II, da CF, porquanto aqui não haveria que se falar em sujeição dos trabalhadores a agentes nocivos ou a associação de agentes prejudiciais a sua saúde ou a sua integridade física para a aquisição do direito à aposentadoria especial, a ensejar o afastamento do art. 57 da Lei 8.213/91. Ademais, acentuou que a mera desconsideração das exigências previstas nesse artigo poderia conduzir a uma situação de flagrante ofensa ao princípio da isonomia, dado que permitiria a aposentação de servidores públicos, que exerceram a mesma atividade, com a observância de diferentes prazos de carência. Assim, entendeu que a utilização do inciso I do art. 1º da LC 51/85 possibilitaria uma integração maior da solução adotada pelo STF em relação à omissão legislativa verificada, superando as dificuldades advindas da aplicação do art. 57 da Lei 8.213/91. MI 833/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 2.8.2010.  

Em seguida, a relatora rejeitou o pedido para que o STF procedesse à diferenciação entre o tempo necessário para a aposentadoria voluntária dos substituídos sob o critério de gênero — homens ou mulheres —, uma vez que, por se tratar de aposentadoria especial, dispensável se falar em obrigatoriedade na adoção de requisitos e critérios referentes à aposentadoria comum, sendo tal questão, portanto, afeta à discricionariedade do legislador quando vier a regulamentar a matéria nos termos do art. 40, § 4º, da CF. De igual modo, repeliu a alegação de que o § 5º do art. 40 da CF (“§ 5º - Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos, em relação ao disposto no § 1º, III, ‘a’, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.”) evidenciaria a necessidade de observância dessa distinção, já que o dispositivo se refere à aposentadoria especial de professor. Concluiu que o Oficial de Justiça Avaliador Federal poderá se aposentar voluntariamente, com proventos integrais, após 30 anos de serviço, desde que conte com, pelo menos, 20 anos de exercício neste ou em outro cargo de natureza de risco, até que suprida a lacuna legislativa referente ao art. 40, § 4º, II, da CF.

Relativamente à aposentadoria compulsória, asseverou que esta deverá ocorrer nos termos do art. 40, § 1º, II, da CF, tomando-se como referência da proporcionalidade o tempo previsto no inciso I do art. 1º da LC 51/85. Após o voto do Min. Ricardo Lewandowski que acompanhava a relatora, pediu vista dos autos o Min. Ayres Britto. MI 833/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 2.8.2010.

(os grifos não constam do original)  [17]

O voto da Ministra Carmen Lúcia no MI 833/DF, apresentado em sessão plenária de 2 de agosto de 2010, deixou evidenciar que a melhor solução integrativa para hipótese do inciso II do § 4º do art. 40 da Constituição, com redação dada pela Emenda nº 41/2003, seria aplicar, em vez do art. 57 da Lei nº 8.213/91, o disposto no Art. 1º da Lei Complementar nº 51/85, recepcionada pela Constituição, então destinada à carreira dos policiais. É que consoante a concepção apresentada pela Relatora, a LC nº 51/85 estaria mais bem afinada com a atividade de risco, imanente à categoria de Oficial de Justiça, diversamente do art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja aplicabilidade melhor se amoldaria ao inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição, destinado à execução de trabalhos em ambientes insalubres ou perigosos [18]. Não obstante os votos da Relatora e do Ministro Ricardo Lewandowski, que concediam em parte a ordem, o julgamento não foi concluído em face de pedido de vista do Ministro Ayres Britto.

  O debate interrompido em 2010 (no MI 833/DF) retornou à sessão plenária somente em 22 de outubro de 2014, quando o Supremo Tribunal Federal já havia avaliado a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 45 e, por consequência, aprovado o texto a consubstanciar a Súmula Vinculante nº 33, por meio da qual se fez englobar, apenas, a hipótese de aposentadoria especial prevista no inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição [19], (“Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral de previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III, da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica”) [20]. Ou seja, o cenário era acolhedor para assimilar definitivamente as diferenças das hipóteses de aposentadoria especial, tanto que nessa retomada do julgamento do MI 833/DF, o voto de vista do Ministro Roberto Barroso, que substituiu o Ministro Ayres Brito [21], foi pela denegação da ordem, implicando em novo pedido de vista, desta vez realizado pelo Ministro Luiz Fux, adiandose, novamente, o julgamento [22]

Em 11 de junho de 2015 o Supremo Tribunal Federal finalmente decide a questão, modificando efetivamente o seu direcionamento inicial. Neste julgamento final foram apreciados os Mandados de Injunção nºs 833/DF e 844/DF, cujas conclusões foram sintetizadas no Informativo STF nº 789, a saber:

“O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de injunção coletivo impetrado contra alegada omissão quanto à regulamentação do art. 40, § 4º, da CF, para fins de aposentadoria especial de ocupantes do cargo de oficial de justiça avaliador federal. O sindicato impetrante requeria, ainda, a aplicação analógica da disciplina prevista na LC 51/1985, no que regulamenta a aposentadoria especial para servidor público policial — v. Informativos 594 e 764. A Corte afirmou que a eventual exposição a situações de risco — a que poderiam estar sujeitos os servidores ora substituídos — não garantiria direito subjetivo constitucional à aposentadoria especial. A percepção de gratificações ou adicionais de periculosidade, assim como o fato de poderem obter autorização para porte de arma de fogo de uso permitido (Lei 10.826/2003, art. 10, § 1º, I, c/c o art. 18, § 2º, I, da IN 23/2005-DG-DPF, e art. 68 da Lei 8.112/1990) não seriam suficientes para reconhecer o direito à aposentadoria especial, em razão da autonomia entre o vínculo funcional e o previdenciário. Os incisos do § 4º do art. 40 da CF utilizariam expressões abertas: “portadores de deficiência”, “atividades de risco” e “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Dessa forma, a Constituição teria reservado a concretização desses conceitos a leis complementares, com relativa liberdade de conformação, por parte do legislador, para traçar os contornos dessas definições. A lei poderia prever critérios para identificação da periculosidade em maior ou menor grau, nos limites da discricionariedade legislativa, mas o estado de omissão inconstitucional restringir-se-ia à indefinição das atividades inerentemente perigosas. Quanto às atribuições dos oficiais de justiça, previstas no art. 143 do CPC, eles poderiam estar sujeitos a situações de risco, notadamente quando no exercício de suas funções em áreas dominadas pela criminalidade, ou em locais marcados por conflitos fundiários. No entanto, esse risco seria contingente, e não inerente ao serviço, ou seja, o perigo na atividade seria eventual.

MI 833/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, 11.6.2015. (MI-833) [23]

Por fim, em 3 de março de 2016, o Supremo Tribunal Federal desproveu os Embargos de Declaração opostos nos citados Mandados de Injunção nºs 833/DF e 844/DF, oportunidade em que restou consolidada a tese eleita no sentido de que:

“1. Diante do caráter aberto da expressão atividades de risco (art. 40, § 4º, II, da Constituição) e da relativa liberdade de conformação do legislador, somente há omissão inconstitucional quando a periculosidade seja inequivocamente inerente ao ofício. 

2. A eventual exposição a situações de risco – a que podem estar sujeitos os Oficiais de Justiça e, de resto, diversas categorias de servidores públicos – não garante direito subjetivo constitucional à aposentadoria especial. ”

(Embargos de Declaração nos Mandados de Injunção nº 833/DF e nº 844/DF, DJe 16/3/2016 - os grifos não constam do original)

Sob tal direção, pode-se dizer que somente em 2016 restou efetivamente consolidado o entendimento do STF acerca do manejo relativo ao enquadramento dessas categorias no tocante à concessão de aposentadoria especial. E tanto assim o é que o STF revisou inúmeros julgados [24], a exemplo do efeito modificativo dado aos embargos de declaração abaixo:

EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. OFICIAIS DE JUSTIÇA. OMISSÃO LEGISLATIVA. INEXISTÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS.

 1. O risco a que podem estar sujeitos eventualmente os Oficiais de Justiça e, de resto, diversas categorias de servidores públicos não garante direito subjetivo constitucional à aposentadoria especial. 

2. É que esta Corte, concluindo o julgamento dos MIs 833 e 844, nos quais se veiculou suposta omissão na regulamentação da aposentadoria especial dos servidores que exercem atividade de risco, firmou o entendimento no sentido de que somente há falar em mora legislativa nos casos em que a periculosidade é inequivocamente inerente ao cargo. 

3. Os embargos de declaração podem ostentar o efeito modificativo em situações excepcionais, como ocorre no caso sub examine. 

4. Embargos de declaração PROVIDOS.

(EMB .DECL. NO SEGUNDO A G .REG. NO MANDADO DE INJUNÇÃO 4.899 DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 29/6/2016)

Todavia, é preciso dizer que a jurisprudência inicialmente firmada pelo STF sedimentou verdadeira porta aberta à análise dos requisitos a serem implementados pelos servidores enquadráveis nas hipóteses enumeradas no § 4º do Art. 40 da CF, haja vista a abrangência por ele oferecida em inúmeros julgados, pautada na constância de fazer valer a aplicação supletiva do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, às situações sem paralelo no RGPS, não acobertadas pelo próprio dispositivo legal indicado [25]. Em outras palavras, as reiteradas ordens judiciais não poderiam, em tese, ser materializadas, eis que as regras de enquadramento existentes no RGPS somente davam guarida aos servidores que desempenhavam atividade insalubres, penosas ou perigosas, nos moldes especificados no inciso III do § 4º do Art. 40 da CF. Entretanto, levado esse impedimento à Corte Constitucional pátria esta determinou, ainda assim, a aplicação do Art. 57, da Lei 8.213/91. Vale conferir:                       

“Vistos etc.

Em face da decisão por meio da qual minha antecessora, eminente Ministra Ellen Gracie, concedeu parcialmente a ordem injuncional, opõe, tempestivamente, embargos de declaração o ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL. 

Alega que a decisão embargada padece de omissão no tocante:

i) à alegada impossibilidade de aplicação do art. 57 da Lei 8.213/91 a casos como o do impetrante, que exerce atividade de risco; e ii) à ausência de mora por parte do Estado do Mato Grosso do Sul, tendo em vista que a lacuna regulamentadora do direito de aposentadoria especial dos servidores públicos civis há de ser colmatada por lei complementar de caráter nacional. Requer o acolhimento dos embargos de declaração, com impressão de efeitos modificativos, para que, sanados os vícios apontados, seja denegada a ordem injuncional. 

É o relatório. Decido

[...] 

Com efeito, precisamente porque condicionada a eficácia do direito inscrito no art. 40, § 4º, da Lei Maior à sua regulamentação mediante lei complementar de iniciativa privativa do Presidente da República, cabe ao Supremo Tribunal Federal, nos moldes do art. 102, I, “q”, da Carta Política, o julgamento do mandado de injunção impetrado, ainda que por servidor público estadual, com o objetivo de viabilizar o seu exercício, mormente diante da vedação contida no art. 5º, parágrafo único, da Lei 9.717/1998 (incluído pela Medida Provisória nº 2.187-13/2001), que dispõe sobre as regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Assim tem decidido este Supremo Tribunal Federal, consoante se verifica nas decisões proferidas no MI 1.169-AgR/DF (Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 19.8.2011), no MI1.525-AgR/DF (Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 11.4.2011), no MI 1.417-ED/DF (Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 17.4.2012), no MI 2.091/DF (Relator Ministro Dias Toffoli, DJe 02.4.2012) e no MI 4.196/PR (Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 27.3.2012). Em todos esses casos, a Corte examinou o mérito da ordem injuncional impetrada com vistas a assegurar a aplicação supletiva do art. 57 da Lei 8.213/1991 na análise do preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria especial de servidores públicos estaduais, com base na previsão do art. 40, § 4º, da Constituição da República. 

De outra parte, o fato de a parte impetrante exercer atividade de risco não impede que a lacuna normativa, obstativa do exercício do direito assegurado no art. 40, § 4º, II, da Constituição da República seja colmatada por meio de ordem injuncional que determine a aplicação, ao caso concreto, do art. 57 da Lei 8.213/91. A propósito do tema, transcrevo precedente recente do Plenário desta Suprema Corte: 

‘Ementa: MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR PÚBLICO. ART. 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, APLICAÇÃO DAS NORMAS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundo a jurisprudência do STF, a omissão legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição, deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei 8.213/91 e no Decreto 3.048/99. Não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da aposentadoria especial mediante a prova do exercício de atividades exercidas em condições nocivas. Ainda, pedido de reconhecimento de atividade de risco com fundamento na incidência da Lei 8.213/91 (e não na Lei Complementar 51/85) deve ser analisada conforme o decidido pelo Plenário nos Mandados de Injunção 721 e 758. Fundamentos observados pela decisão agravada. 2. Agravo regimental desprovido.’ ( MI 4643 AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG 28-05-2013 PUBLIC 29-05-2013)

Por fim, enfatizo que não cabe a esta Suprema Corte a exaustiva definição de critérios a serem observados, pela autoridade administrativa competente, na análise do pedido de jubilação especial de servidor público civil. A propósito, transcrevo trechos do voto condutor da eminente Ministra Cármen Lúcia, ao julgamento do MI 1.467-AgR/DF, aos quais me alinho:

[...]

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para prestar os esclarecimentos supra, sem concessão de efeito modificativo. Publique-se. Arquivem-se. Brasília, 19 de março de 2014. 

(ED NO MI 1.412/DF, Rel. Min. Rosa Weber, DJe nº 57, de 24/3/2014 – os grifos não constam do original)

Em que pese o STF ter determinado, em alguns casos e momentos diferentes, o sobrestamento de processos vinculados à aposentadoria especial sob o escopo da atividade de risco até que fossem decididos os Mandados de Injunção nºs 833/DF e 844/DF [26], tem-se que o Excelso Pretório, em muitos outros julgados, ao tempo em que julgou não caber o exame dos critérios que poderiam conferir concretude ao Art. 57, da Lei nº 8.213/91, manteve a determinação para sua aplicação aos servidores submetidos à atividade de risco, assim como o fez com os portadores de deficiência [27]. Desse modo, restou ao órgão público avaliar a comprovação do exercício de atividades especiais por essas categorias de servidores sob o enredo de normas que a eles não davam guarida, fato que acabou por determinar um universo aberto de opções interpretativas, mormente por força de outros tantos julgados que consolidaram igual posicionamento [28], conforme registrado alhures. Isso é fato.

O cenário desenhado pelo STF provocou inúmeras demandas administrativas pelo cumprimento da ordem injuncional, algumas com desfecho positivo, que acabaram beneficiando servidores com a aposentadoria especial fundada no art. 57, da Lei nº 8.213/91 ou com a respectiva conversão do tempo de serviço especial em comum, cujos atos ainda pendem de julgamento pelo Órgão de Contas, pelo menos na esfera federal [29]; e outras com desfecho negativo, que ocasionaram novas demandas judiciais, algumas com conclusões apontando para necessidade de comprovação, por parte desses mesmos servidores, de atividades nocivas à saúde e à integridade física [30], portanto, em situação totalmente alheia à própria hipótese genérica insculpida no inciso II do § 4º do Art. 40 da CF, patente na especialidade no exercício da respectiva atividade [31].

Em suma, vislumbra-se que o STF evoluiu gradativamente o seu entendimento (2007/2016) a medida em que começou a observar a diversidade de hipóteses que estava a albergar o § 4º do Art. 40 da CF. Porém, esse caminhar não foi uníssono nem uniforme no tempo, eis que materializado por ordens dissonantes sob o contexto da norma supletiva levada à colmatação da omissão legislativa, ocasionando sérios problemas em ambiente administrativo e, mesmo, desigualdade no campo previdenciário.

(iii) Histórico da concessão de aposentadorias especiais em ambiente administrativo: uniformização desencontrada.

O aceno positivo proclamado pelo Supremo Tribunal Federal em mandados de injunção coletivo e individuais não poderia ter outro desiderato no órgão de destino do servidor público senão o de buscar a aplicação do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, no que coubesse, às situações acobertadas pela ordem injuncional.

Coube ao órgão público, portanto, a incumbência de processar e avaliar o implemento, pelo servidor, das condições dispostas nos incisos I, II e III do § 4º do Art. 40 da CF à luz das regras constantes do Art. 57 da Lei nº 8.213/91 e, ato contínuo, conceder ou não a almejada aposentadoria especial.

   Em um primeiro momento, a integração normativa foi atrelada ao contexto fático, onde os requisitos levavam em conta a diretriz emanada da própria ordem injuncional, assente na aplicação do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, em sentido largo, albergando não somente ilação favorável à conversão do tempo de serviço especial em comum, como a avaliação dos critérios sob o escopo da aplicação subsidiária das normas estatutárias e trabalhistas que davam guarida à concessão dos adicionais de insalubridade, periculosidade e penosidade, assim como das que autorizavam a concessão de gratificações pautadas nas atividade de risco e respectivas restrições ao ofício [32]. Depois, os órgãos iniciaram o processo de uniformização dos procedimentos, levando em conta o roteiro jurisprudencial que se iniciava.

Em âmbito federal, a uniformização dos procedimentos realizada pelo então Ministério de Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) não somente expediu critérios a serem observados para a concessão das aposentadorias especiais, como para a conversão do tempo de serviço especial em comum, esta última medida encurtando as condições de implementação dos requisitos por servidores que tiveram garantida a aplicabilidade da regra previdenciária. É o que se depreende da Orientação Normativa MPOG nº 6, de 21 de junho de 2010, in verbis:

Art. 1º Esta Orientação Normativa uniformiza, no âmbito do Sistema de Pessoal Civil da União - SIPEC, os procedimentos relacionados à concessão de aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, de que trata o Regime Geral de Previdência Social - RGPS, ao servidor público federal amparado por decisão em Mandado de Injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 1º Farão jus à aposentadoria especial de que trata o caput deste artigo os servidores públicos federais contemplados por decisões em Mandados de Injunção, individualmente, e aqueles substituídos em ações coletivas, enquanto houver omissão legislativa

§2º As decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos de Mandados de Injunção tratam da concessão de aposentadoria especial e da conversão de tempo de serviço aos servidores públicos federais com base na legislação previdenciária.

Art. 2º A aposentadoria especial será concedida ao servidor que exerceu atividades no serviço público federal, em condições especiais, submetido a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período de 25 anos de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente.

Parágrafo único. Para efeito das disposições do caput deste artigo, considera-se trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, a exposição constante, durante toda a jornada de trabalho, e definida como principal atividade do servidor.

[...]

Art. 9º O tempo de serviço exercido em condições especiais será convertido em tempo comum, utilizando-se os fatores de conversão de 1,2 para a mulher e de 1,4 para o homem.

Parágrafo único. O tempo convertido na forma do caput poderá ser utilizado nas regras de aposentadorias previstas no art. 40 da Constituição Federal, na Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e na Emenda Constitucional nº 47, de 5 de junho de 2005, exceto nos casos da aposentadoria especial de professor de que trata o § 5º do art. 40 da Constituição Federal.

Art. 10. O tempo de serviço especial convertido em tempo comum poderá ser utilizado para revisão de abono de permanência e de aposentadoria, quando for o caso.

[...}

Art. 13. Para a concessão do benefício da aposentadoria especial e para a conversão de tempo especial em tempo comum é necessária a apresentação dos seguintes documentos: 

  1. - cópia da decisão do Mandado de Injunção, na qual conste o nome do substituído ou da categoria profissional, quando for o caso; 

  2. - declaração ou contracheque comprovando vínculo com o substituto na ação, quando for o caso; 

  3. - certidão emitida pelos órgãos atestando que o servidor exerceu atividades no serviço público federal, em condições especiais; e 

  4. - outros documentos que contenham elementos necessários à inequívoca comprovação de que o servidor tenha exercido atividades sob condições especiais, submetido a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.”

(os grifos não constam do original)

Com a superveniência da Instrução Normativa nº 1, de 22 de julho de 2010, da Secretária de Políticas da Previdência Social (SPS) [33], a Orientação Normativa MPOG nº 6/2010 foi revogada, passando o assunto a ser tratado pela Orientação Normativa MPOG n 10, de 5 de novembro de 2010, que assim dispôs quanto aos procedimentos para o reconhecimento do direito ao benefício:

Art. 12. Para a concessão do benefício da aposentadoria especial e para a conversão de tempo especial em tempo comum, no caso em que o servidor esteja amparado por decisão em Mandado de Injunção julgado pelo Supremo Tribunal Federal, é obrigatória a instrução do procedimento administrativo de reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos moldes disciplinados pela Instrução Normativa nº 1, de 22 de julho de 2010, publicada no D.O.U de 27 de julho de 2010, da Secretaria de Políticas de Previdência Social -SPS, inclusive com a juntada dos seguintes documentos: 

I - cópia da decisão do Mandado de Injunção, na qual conste o nome do substituído ou da categoria profissional, quando for o caso; e 

II - declaração ou contracheque comprovando vínculo com o substituto na ação, quando for o caso.

As Orientações Normativas expedidas pelo MPOG não dispuseram acerca da diferença entre as hipóteses versadas no § 4º do Art. 40 da CF. Não obstante, é visível que as normas fixaram direção, apenas, para aos enquadráveis no inciso III do § 4º do Art. 40 da CF (“em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, exposto a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período de 25 anos de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente”). Contudo, não houve vedação explícita quanto à sua aplicação às demais situações objeto dos respectivos mandados e, realmente, diante da ordem injuncional, nem se poderia assim proceder, fato que ocasionou leitura aberta do texto normativo.

De qualquer forma, a Instrução Normativa MPS/SPPS nº 1, de 22 de julho de 2010, baixada pela Secretaria de Políticas da Previdência Social, melhor explicitou os critérios a serem observados pelos órgãos incumbidos da concessão da aposentadoria especial ao expor os parâmetros, os marcos legais e os procedimentos para o reconhecimento de tempo da atividade especial, todos alinhados às diretrizes acolhidas para os segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Vale conferir as regras expedidas pelo extinto MPS:

“Art. 2º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época do exercício das atribuições do servidor público.

 § 1º O reconhecimento de tempo de serviço público exercido sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física pelos regimes próprios dependerá de comprovação do exercício de atribuições do cargo público de modo permanente, não ocasional nem intermitente, nessas condições. 

§ 2º Não será admitida a comprovação de tempo de serviço público sob condições especiais por meio de prova exclusivamente testemunhal ou com base no mero recebimento de adicional de insalubridade ou equivalente. 

Art. 3º Até 28 de abril de 1995, data anterior à vigência da Lei nº 9.032, o enquadramento de atividade especial admitirá os seguintes critérios:

I - por cargo público cujas atribuições sejam análogas às atividades profissionais das categorias presumidamente sujeitas a condições especiais, consoante as ocupações/grupos profissionais agrupados sob o código 2.0.0 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e sob o código 2.0.0 do Anexo II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979; ou 

II - por exposição a agentes nocivos no exercício de atribuições do cargo público, em condições análogas às que permitem enquadrar as atividades profissionais como perigosas, insalubres ou penosas, conforme a classificação em função da exposição aos referidos agentes, agrupados sob o código 1.0.0 do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 1964 e sob o código 1.0.0 do Anexo I do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 1979. 

Art. 4º De 29 de abril de 1995 até 5 de março de 1997, o enquadramento de atividade especial somente admitirá o critério inscrito no inciso II do art. 3º desta Instrução Normativa. 

Art. 5º De 6 de março de 1997 até 6 de maio de 1999, o enquadramento de atividade especial observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física que consta do Anexo IV do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 2.172, de 5 de março de 1997. 

Art. 6º A partir de 7 de maio de 1999, o enquadramento de atividade especial observará a relação dos agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física que consta do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. 

Art. 7º O procedimento de reconhecimento de tempo de atividade especial pelo órgão competente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas as suas autarquias e fundações, deverá ser instruído com os seguintes documentos: 

I - formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais;

II - Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT, observado o disposto no art. 9º, ou os documentos aceitos em substituição àquele, consoante o art.10; 

III - parecer da perícia médica, em relação ao enquadramento por exposição a agentes nocivos, na forma do art.11.

 Art. 8º O formulário de informações sobre atividades exercidas em condições especiais de que trata o inciso I do art. 7º é o modelo de documento instituído para o regime geral de previdência social, segundo seu período de vigência, sob as siglas SB- 40, DISESBE 5235, DSS-8030 ou DIRBEN 8030, que serão aceitos, quando emitidos até 31 de dezembro de 2003, e o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, que é o formulário exigido a partir de 1º de janeiro de 2004.”

Importa observar que as normas inicialmente aprovadas pelo extinto Ministério da Previdência Social (MPS) também não trouxeram vedação à aplicação do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, às demais hipóteses previstas no § 4º do Art. 40 da CF, muito embora tenha ficado claro o seu direcionamento às situações enquadráveis, tão somente, no inciso III do § 4º do Art. 40 da CF, inclusive quanto ao roteiro relativo à comprovação do tempo especial, integralmente atrelado aos ditames acolhidos pelos órgãos gestores do RGPS. 

No âmbito do Poder Judiciário, o Conselho da Justiça Federal (CJF) baixou a Resolução nºCJF-RES-2013/00239, de 5 de abril de 2013, baseada na IN SPP/MPS nº 1/2010, mas que não divergiu da ON MPOG nº 10/2010 quanto à possibilidade de conversão do tempo de serviço especial em comum. A Resolução do CJF também ficou restrita à hipótese do inciso III do § 4º do Art. 40 da CF.

Em 24 de dezembro de 2013, por efeito de o STF reafirmar, em inúmeros julgados [34], que os mandados de injunção não garantiam a conversão do tempo de serviço especial em comum, mas tão somente o reconhecimento do direito à aposentadoria especial, o Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG) fez publicar a Orientação Normativa nº 16, de 23 de dezembro de 2013, que excluiu esse benefício, determinando a revisão dos atos que a concediam, conforme a seguir:

Art. 24. É terminantemente vedada a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, salvo expressa disposição em contrário da decisão judicial no caso concreto e respectivo parecer de força executória.

[...]

Art. 27. Os órgãos e entidades integrantes do SIPEC deverão rever todos os atos praticados com base na Orientação Normativa SRH nº 6, de 21 de junho de 2010, publicada em 22 de junho de 2010, que contrariem as disposições desta Orientação Normativa, respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa, observando o rito estabelecido na Orientação Normativa SEGEP nº 4, de 21 de fevereiro de 2013, que dispõe sobre os procedimentos para regularização cadastral no SIAPE.

Parágrafo único. Não serão objeto de revisão, os atos de aposentadoria ou pensão que se encontram registrados pelo Tribunal de Contas da União. 

Art. 28. Os órgãos e entidades integrantes do SIPEC deverão rever todos os atos praticados com base na Orientação Normativa SRH nº 10, de 05 de novembro de 2010, publicada em 08 de novembro de 2010, que deferiram a conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum para obtenção de aposentadoria e abono de permanência, respeitado o direito ao contraditório e à ampla defesa, observando o rito estabelecido na Orientação Normativa SEGEP nº 4, de 21 de fevereiro de 2013, que dispõe sobre os procedimentos para regularização cadastral no SIAPE. 

§1º O disposto no caput não se aplica aos casos em que houver expressa determinação judicial de conversão do tempo de serviço exercido em condições especiais em tempo comum, desde que atestada a força executória desta determinação. 

§2º Não serão objeto de revisão os atos de aposentadoria ou pensão que se encontrem registrados pelo Tribunal de Contas da União.”

Pois bem, com a aprovação da Súmula Vinculante nº 33 pelo STF, a Instrução Normativa MPS/SPPS nº 1/2010 foi alterada pela IN MPS/SPPS nº 3, de 23 de maio de 2014 [35], com o fim de se adequar à novel orientação, momento em que se vislumbra não somente a total exclusividade das normas à hipótese dos servidores enquadráveis do inciso III do § 4º do Art. 40 da CF, como a expressa vedação da conversão do tempo de serviço especial em comum e/ou a revisão dos benefícios, salvo expressa determinação judicial. Eis o teor das alterações:

"Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre os parâmetros a serem observados pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na análise do direito à concessão da aposentadoria especial de que trata o art. 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, em cumprimento à Súmula Vinculante nº 33 ou nos casos em que o servidor público esteja amparado por ordem concedida, em Mandado de Injunção, pelo Supremo Tribunal Federal.

[...]

Art. 16-A. Salvo decisão judicial expressa em contrário, esta Instrução Normativa não será aplicada para:

I - conversão do tempo exercido pelo servidor sob condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física em tempo de contribuição comum, inclusive para fins de contagem recíproca de tempo de contribuição;

II - revisão de benefício de aposentadoria em fruição." 

A Orientação Normativa MPOG nº 16, de 2013, também sofreu alteração por conta da Súmula Vinculante nº 33, desta feita por meio da Orientação Normativa MPOG nº 5, de 22 de junho de 2014, que dispôs acerca da adequação às novas orientações advindas do debate travado junto ao STF. Em comparação com a ON MPOG nº 6, de 2010, resta evidente o avanço das limitações. Cabe conferir:

"Art. 8º O requerimento de aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991, aplicável por força da Súmula Vinculante nº 33 ou por ordem concedida em mandado de injunção. deverá ser instruído, necessariamente, com os documentos abaixo relacionados, observado o seguinte:

 I - Para os requerimentos com amparo na Súmula Vinculante nº 33: 

  1. requerimento do servidor; e 

  2. Declaração de Tempo de Atividade Especial, conforme Anexo I a esta Orientação Normativa. 

II - Para os requerimentos com amparo em decisão proferida em mandado de injunção:

  1. cópia da decisão em mandado de injunção, na qual conste o nome do substituído ou da categoria profissional, quando for o caso; 

  2. declaração ou contracheque que comprove o vínculo com o substituto na ação, quando for o caso; 

  3. pronunciamento fundamentado e conclusivo da área de assessoramento jurídico do órgão ou entidade quanto à força executória da decisão, quanto à eficácia temporal e aos efeitos da aplicação da decisão judicial no âmbito administrativo, nos termos da Portaria MP nº 17, de 6 de fevereiro de 2001; e 

  4. Declaração de Tempo de Atividade Especial, conforme Anexo I a esta Orientação Normativa. 

Parágrafo único. A análise dos requerimentos fundamentados em mandado de injunção não será prejudicada pela deficiência de instrução relacionada aos documentos indicados nas alíneas "a", "b" e "c" do inciso II deste artigo. " (NR)

(os grifos não constam do original)

Evidencia-se, portanto, que as hipóteses constantes dos incisos I e II do § 4º do Art. 40 da CF (atividade de risco e portadores de deficiência), ainda que tenham sido, por muito tempo, objeto de diversos mandados de injunção, não foram incluídas nas orientações e instruções normativas baixadas para nortear a aplicação supletiva do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, fato que acabou dando margem a diversas contendas administrativas e judiciais, algumas com efeitos positivos e outras não, tudo conforme os registros indicados.

Em relação aos servidores portadores de deficiência, a situação vai se modificar por ocasião da edição da Lei Complementação nº 142, de 8 de maio de 2013, que regulamentou as aposentadorias especiais previstas no § 1º do Art. 201 da CF (destinada aos segurados do RGPS portadores de deficiência), desta feita por intermédio da Instrução Normativa SPS/MPS nº 2, de 13 de fevereiro de 2014, cuja ementa assim dispõe:

“Estabelece instruções para o reconhecimento, pelos Regimes Próprios de Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, do direito dos servidores públicos com deficiência, amparados por ordem concedida em Mandado de Injunção, à aposentadoria com requisitos e critérios diferenciados de que trata o § 4º, inciso I, do art. 40 da Constituição Federal.

(o grifo não consta do original)

  Quanto aos servidores passíveis de enquadramento no inciso II do § 4º do Art. 40 da CF (atividades de risco), a expedição de normatização administrativa jamais ocorreu, tendo ficado ao encargo de cada órgão a análise e avaliação dos critérios a serem adotados a partir do roteiro consignado nos mandados de injunção que lhes davam guarida, sendo que a partir das decisões proferidas nos Mandados de Injunção nº 833/DF e 844/DF, a possível colmatação da omissão legislativa ficou restrita às atividades consideradas perigosas pela sua natureza, como as atividades policias, aplicando-se, em todo caso, a Lei Complementar nº 51/1985.

Os descompassos no cumprimento dos inúmeros mandados de injunção pelos órgãos administrativos incumbidos de instruir, processar e conceder as aposentadorias aos servidores públicos submetidos ao RPPS podem ser evidenciados pela gradativa mudança na uniformização dos critérios adotados, assim como pelos diversos atos concessórios que os concretizaram, de uma forma ou de outra [36].  

Essa visibilidade torna explícita a existência de interpretações  que se materializaram favoráveis aos servidores públicos, dentre os quais se encontram não somente os submetidos à atividade de risco, como todos os que foram beneficiados com a conversão do tempo de serviço especial e comum que, agora, devem ter seus benefícios revisados por efeito da sedimentação jurisprudencial da matéria. 

Essa revisão poderá ser realizada pelo próprio órgão concedente do benefício ou, mesmo, pelos Tribunais de Contas incumbidos do registro da aposentadoria, se a aposentadoria a eles já foi encaminhada. Mas uma questão emerge para os beneficiados: _qual a repercussão desse entendimento que se sedimentou frente às situações já constituídas ou, ainda, em vias de constituição, seja em âmbito administrativo ou judicial?

(iv) Efeitos jurídicos das decisões proferidas pelo STF em relação aos servidores aposentados sob à égide de interpretação anterior.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que no campo da aposentadoria do servidor público vinculado ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) vigora tese, já sedimentada pelo STF [37], no sentido de que o ato que a concede é um ato complexo. O que isso significa? 

Ato complexo, em que pesem algumas pequenas divergências doutrinárias [38], é aquele cuja formação impõe a atuação ou manifestação de dois ou mais órgãos para sua consecução, ainda que singulares ou colegiados. Vale a explicação da doutrina, que sufragou essa classificação sob o critério da formação ou intervenção da vontade, para se entender o seu significado e consequente efeito no campo de possível revisão e invalidação do ato de aposentadoria do servidor. Ei-la:

Atos complexos são os que resultam da manifestação de dois ou mais órgãos, sejam eles singulares ou colegiados, cuja vontade se funde para formar um ato único. As vontades são homogêneas; resultam de vários órgãos de uma mesma entidade ou de entidades públicas distintas, que se unem em uma só vontade para formar o ato; há identidade de conteúdo e de fins. Exemplo: o decreto que é assinado pelo Chefe do Executivo e referendado pelo Ministro de Estado; o importante é que há duas ou mais vontades para formação de um ato único.”

(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 17ª ed.,Ed. Atlas, São Paulo, 2004, p. 215)

Atos complexos são aqueles cuja vontade final da Administração exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia, ou conteúdo próprio, em cada uma das manifestações. Exemplo: a investidura do Ministro do STF se inicia pela escolha do Presidente da República; passa, após, pela aferição do Senado Federal; e culmina com a nomeação (art. 101, parágrafo único, CF)

(Carvalho Filho, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 16ª ed. Ed. Lumen Juris, Rio de janeiro, 2006, p. 115)

Atos complexos – os que resultam da conjugação de vontade de órgãos diferentes. Exemplo: a nomeação, procedida por autoridade de um dado órgão, que deve recair sobre a pessoa cujo nome consta de lista tríplice elaborada por outro órgão.

(Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo 23ª ed. São Paulo, Malheiros, 2007, p.411)

Pois bem. A aposentadoria do servidor vinculado ao RPPS é concedida pelo seu órgão de origem ou, quando houver, pela instituição previdenciária correspondente [39], que avalia o direito à luz da legislação e o concede por meio de competente ato administrativo. Este ato concessório, por sua vez, é submetido à apreciação de legalidade pelo Tribunal de Contas que, achando conforme, o faz registrar. Daí o entendimento do STF no sentido de que o ato de aposentadoria é um ato complexo, eis que depende da conjugação de vontade de dois órgãos diferentes para sua formação [40].

Sob o contexto dessa orientação, não obstante o servidor ter sido efetivamente aposentado por meio de ato próprio, devidamente publicado no órgão de imprensa oficial e estar recebendo os correspondentes proventos, a sua aposentadoria ainda não é considerada um ato formado e acabado quando pendente de registro pelo Tribunal de Contas da União. E, vale dizer: esse registro demora. E antes da Súmula Vinculante nº 3 do STF [41], a demora era muito maior do que agora. 

 Para melhor entender essa questão, importa dizer que o processo de aposentadoria, em regra, possui o seguinte roteiro básico:

São muitos os atos encadeados para concessão do ato de registro pelo Órgão de Contas que, inclusive, somente se pronuncia após a apreciação da matéria pelo Ministério Público a ele vinculado, cabendo ressaltar que o servidor passa à condição de aposentado logo após a publicação do respectivo ato na imprensa oficial, portanto, muito antes do seu encaminhamento para registro pelo Tribunal de Contas.

  Nesse patamar de funcionalidade, percebe-se que o servidor pode passar muito tempo na condição de aposentado antes de sobrevir uma decisão de ilegalidade de sua aposentadoria. E, nessa hipótese, a invocação da boa-fé e do tempo de percepção do benefício assume conotação que não se mostra suficiente ao servidor para mantença de sua condição, eis que o ato de aposentadoria, como visto, somente completa a sua formação, ao olhar do Excelso Pretório, após o seu registro pelo Tribunal de Contas, haja vista ser considerado um ato complexo.

  Na esteira deste contexto jurídico, os acontecimentos decorrentes da concessão de aposentadoria especial a muitos servidores cobertos por mandados de injunção merecem a devida pormenorização.

A saber:

Foi registrado, linhas atrás, todo o confuso arcabouço normativo que trouxe nuances interpretativas as mais diversas para se fazer concretizar o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos enquadrados nas hipóteses dos incisos I, II e III do § 4º do Art. 40 da CF. Com base nos normativos internos, muitos servidores foram aposentados e outros tantos tiveram convertido o tempo de serviço especial em comum para fazer face à aposentadoria prevista nas regras de transição (Art. 2º e 6º da EC nº 41/2003 e Art. 3º da EC nº 47/2005) ou mesmo nas regras permanentes (Art. 40, da CF).

  Com a sedimentação da jurisprudência do STF em sentido mais restrito, consolidada pela Súmula Vinculante nº 33, e pelas decisões proferidas nos MI nº 833/DF e MI nº 844/DF, restou evidenciado que as aposentadorias concedidas com base em critérios alheios aos proclamados devem ser revisitadas, pois no plano da validade elas passaram a ser consideradas viciadas, de modo que deverá o Tribunal de Contas negar registro aos respectivos atos sob a pecha de ilegalidade, como assim já está a fazer. 

  A par dessa situação, pode se indagar:

Esses questionamentos estão a merecer o devido esclarecimento que servirá não somente para essas hipóteses, mas para tantas outras semelhantes, de modo que se subdivide o presente tópico em dois pontos para melhor entendimento do tema:

(1) efeitos dos mandados de injunção no campo das aposentadorias especiais; e

(2) direito adquirido dos aposentados com base em critério interpretativo não mais acolhido em domínio jurisprudencial. 

(iv.1) Efeitos dos mandados de injunção no campo das aposentadorias especiais. 

O mandado de injunção está previsto no inciso LXXI do Art. 5º da Constituição Federal (“LXXI- conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”) e é utilizado na ausência de regulamentação de norma constitucional onde se evidencie “que o desempenho da função de legislar” consubstancia “uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao poder público[46], a exemplo do que entendeu o STF quanto ao disposto no § 4º do Art. 40 da CF, com a redação que lhe deu a EC nº 47/2005.

  Nesse sentido, o mandado de injunção tem por pressuposto a existência de norma constitucional que pende de regulamentação necessária ao exercício do direito por parte de seus destinatários e, como tal, bastante para a sua apreciação, a demonstração da inviabilidade do exercício do direito constitucional assegurado.

No campo da aposentadoria especial de que versa o § 4º do Art. 40 da CF, entretanto, a evolução da jurisprudência do STF passou a requisitar, para demonstração da inviabilidade do exercício do direito, a comprovação efetiva de que o órgão público deixou de aplicar a norma por conta da omissão legislativa. Vale a leitura de alguns julgados para melhor entendimento:

“Portanto, no presente mandado de injunção, não restou demonstrado, pela impetrante, que a Administração Pública lhe negara pedido de aposentadoria especial prevista no art. 40, § 4º, inc. I, da Constituição da República, com fundamento na inexistência de norma regulamentadora desse dispositivo. Afinal, para se concluir que o direito à aposentadoria especial estaria obstado por ausência de norma regulamentadora, faz-se indispensável a comprovação da inviabilização do exercício desse direito em razão da lacuna legislativa apontada.

Saliente-se que a simples alegação de inviabilidade do exercício de direito constitucional não é elemento suficiente a ensejar a atuação jurisdicional, nos termos da jurisprudência desta Corte.  

(MI 2.757, rel. min. Gilmar Mendes, dec. monocrática, j. 5-3-2012, DJE de 9-32012-  o grifo não consta do original).

“Para ser cabível o mandado de injunção, não basta que haja eventual obstáculo ao exercício de direito ou liberdade constitucional em razão de omissão legislativa, mas concreta inviabilidade de sua plena fruição pelo seu titular. Daí por que há de ser comprovada, de plano, a titularidade do direito (...) e a sua inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora do direito constitucional”

(MI 2.195 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 23/2/2011, P, DJE de 18/3/2011 - o grifo não consta do original) [47]

Foi também decidido pelo STF que a concessão de mandado de injunção aos impetrantes não lhe reconhecia, desde logo, o direito à obtenção ao benefício, mas o direito de ter o seu pedido analisado à luz da norma chamada a preencher a lacuna legislativa. Ou seja, os mandados de injunção consubstanciaram ordens para que o órgão incumbido de processar a aposentadoria analisasse o pedido à luz da regra por ele indicada para colmatar a omissão legislativa, a saber:

“E é, precisamente, o que esta Suprema Corte tem realizado em inúmeros processos injuncionais, nos quais vem garantindo, aos destinatários da regra inscrita no § 4º do art. 40 da Constituição, o acesso e a plena fruição do benefício da aposentadoria especial.

Cumpre ressaltar, finalmente, na linha do que se vem expondo, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes firmados sobre essa mesma questão (MI 1.115-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.125-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.189-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), tem salientado que se exaure, nesse ato , a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido ( e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção, como se vê de decisão consubstanciada em acórdão assim ementado: 

‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE INJUNÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL . APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO . ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI N. 8.213/1991 . COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA . 1. A autoridade administrativa responsável pelo exame do pedido de aposentadoria é competente para aferir, no caso concreto, o preenchimento de todos os requisitos para a aposentação previstos no ordenamento jurídico vigente. 2. Agravo regimental ao qual se nega provimento. ” (MI 1.286-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Pleno – grifei ) 

Isso significa, portanto, que não cabe indicar, nesta sede injuncional, como reiteradamente acentuado por esta Suprema Corte (MI 1.312/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.316/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.451/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 3.718/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.), ”a especificação dos exatos critérios fáticos e jurídicos que deverão ser observados na análise dos pedidos concretos de aposentadoria especial, tarefa que caberá, exclusivamente, à autoridade administrativa competente ao se valer do que previsto no art. 57 da Lei 8.213/91 e nas demais normas de aposentação dos servidores públicos ” (MI 1.277/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei). 

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora agravada."

(MI 1.683-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Dje 1/10/2012, nº 192/2012)

Nesse sentido, o órgão público não estava obrigado a conceder aposentadoria por conta dos mandados de injunção. Para tanto teria que avaliar a situação do servidor diante dos critérios previstos na legislação indicada como paradigma e, assim, proceder ou não a concessão da aposentadoria.

  Por lógico que as reiteradas decisões em sentido largo, reafirmadas em outros tantos julgados oriundos da Excelsa Corte, provocaram diversidade de interpretações, até porque era simplesmente impossível se estabelecer uma ponte entre a norma indicada como paradigma – no caso, o Art. 57, da Lei nº 8.213/91 - e as hipóteses genéricas previstas no texto constitucional, sem adentrar, no que coubesse, em outras tantas normas que sistematizavam os contornos jurídicos elementares para o processamento e avaliação dos critérios a serem observados [48]. E não se diga que, no início, não se autorizou buscar alicerces na legislação previdenciária, trabalhista e estatutária. Por certo que assim o foi, com aval do próprio STF, ao acenar, como constatado nos tópicos anteriores, que as suas decisões não estavam a acalentar um sino sem badalo

  Desta feita, é fato que os órgãos adotaram a sistemática de conversão do tempo especial em comum em relação ao período vinculado ao regime estatutário, bem como conferiram, em alguns casos, concessão de aposentadoria especial a servidores submetidos à atividade de risco. Agora, essas aposentadorias estão sujeitas à revisão, pois, como dito, o efeito conferido aos mandados de injunção pelo Supremo Tribunal Federal não reconheceu aos servidores, salvo raras exceções [49], a obtenção direta do benefício, mas apenas o direito de ter seu pedido de aposentadoria analisado à luz da legislação apontada como norma supletiva a ser aplicada diante da ausência de regulamentação do § 4º do Art. 40 da Constituição da República.

  Em síntese, não se pode dizer que as aposentadorias concedidas com fundamento nos mandados de injunção em análise estavam ou estão cobertas por decisão judicial que lhes garante ou garantiu o direito e, como tal, somente por decisão judicial podem ser desconstituídas. Longe disso, a decisão judicial apenas afastou o óbice de apreciação pela Administração Pública e indicou o caminho para tal fim, de modo que a concessão está passível de revisão no âmbito administrativo ou em sede de controle externo.

(iv.2) Direito adquirido dos aposentados com base em critério interpretativo não mais acolhido em domínio judicial.

Consoante se deixou evidenciar em todos os tópicos, a materialização das decisões exaradas nos diversos mandados de injunção por meio de atos concessórios de aposentadoria, ainda que pautados em critérios legais acolhidos em âmbito administrativo e consentâneos com os autorizados à época, podem estar sujeitos à revisão, seja pelo órgão de pessoal, seja pelos tribunais de contas incumbidos dos registros das aposentadorias.

  Para a análise da revisão, entretanto, deve-se levar em consideração, em face da aceitação [50] da natureza complexa do ato de aposentadoria, dois momentos relativos à obtenção do direito pelo servidor, a saber: a) momento do registro do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas e; b) momento anterior ao registro pelo Órgão de Contas.

  No primeiro momento, tem-se concluída a formação do ato de aposentadoria e, como tal, a produção de um ato perfeito e acabado, assim considerado aquele em que os planos da existência, validade e eficácia encontram-se efetivamente integrados. A desconstituição desse ato somente poderá ser processada pelo próprio Tribunal de Contas (ou por decisão judicial), decaindo em cinco anos o prazo revisional, contado da publicação do respectivo registro [51]. Cabe confirmar:

“Revisão de Ofício

21. O § 2º do artigo 260 do Regimento Interno do TCU dispõe o seguinte:

‘§ 2º O acórdão que considerar legal o ato e determinar o seu registro não faz coisa julgada administrativa e poderá ser revisto de ofício pelo Tribunal, com a oitiva do Ministério Público e do beneficiário do ato, dentro do prazo de cinco anos da apreciação , se verificado que o ato viola a ordem jurídica , ou a qualquer tempo, no caso de comprovada má-fé.’ (grifo nosso)

22. Assim, percebe-se que houve violação da ordem jurídica e o julgamento ocorreu há menos de 5 (cinco) anos, razão pela qual se amolda na situação prevista no art. 260, § 2º, do RITCU, em face do pagamento irregular da gratificação, podendo este Tribunal proceder à revisão de ofício dos atos de aposentadoria de ____ e ____.

Análise dos argumentos apresentados pelos interessados

Ato jurídico perfeito - Decadência

23. Com relação à decadência, prevista no art. 54 da Lei 9.784/1999, o Supremo Tribunal Federal reconhece não ocorrer decadência contra decisão do TCU, visto tratar-se de ato complexo. Nesse sentido, não é demais ressaltar que o entendimento jurisprudencial, tanto no âmbito deste Tribunal quanto no do Poder Judiciário, é de que o referido dispositivo legal, ao ser aplicado aos atos de aposentadoria e pensão, conta seu prazo decadencial somente a partir do respectivo registro pelo Tribunal de Contas da União, visto que, em se tratando de ato complexo, só é aperfeiçoado quando de seu registro pelo TCU. Portanto, o prazo decadencial não pode ser contado a partir da concessão administrativa, mas sim a partir do exame pelo TCU. Esse é o teor da Súmula TCU 278/2012, a seguir transcrita:

SÚMULA 278/2012: ‘Os atos de aposentadoria, reforma e pensão têm natureza jurídica de atos complexos, razão pela qual os prazos decadenciais a que se referem o § 2º do art. 260 do Regimento Interno e o art. 54 da Lei nº 9.784/99 começam a fluir a partir do momento em que se aperfeiçoam com a decisão do TCU que os considera legais ou ilegais, respectivamente .’

24. Desta forma, o prazo decadencial começou a ser contado da data da publicação do Acórdão 3.597/2011-TCU-2ª Câmara, 31/05/2011 (peça 9). Observa-se que ainda não transcorreram cinco anos.”

(Acórdão 2057/2015-TCU Plenário - os grifos não constam do original)

Percebe-se que o Tribunal de Contas, ainda que tenha registrado o ato de aposentadoria, poderá revê-lo de ofício desde que constatada a irregularidade no decurso do prazo decadencial de cinco anos, contado este a partir do registro. Após esse prazo, somente poderá assim proceder na constância inequívoca de má fé, exigindo-se, em todas as hipóteses, o contraditório e a mais ampla defesa.

  Para os servidores cujos atos de aposentadoria ainda estão pendentes de julgamento pelo Tribunal de Contas, o entendimento é de que o ato ainda não completou o seu ciclo de formação e, como tal, não se aperfeiçoou. Desse modo, em que pese o servidor ter se aposentado há mais de cinco anos, pode o Tribunal de Contas negar o registro de sua aposentadoria, por cuidar-se de uma aposentadoria provisória, salvo raras exceções, onde o princípio da segurança jurídica se impõe. Eis a orientação que prevalece no próprio TCU:

“O entendimento predominante no TCU é de que o princípio da segurança jurídica prevalece sobre o princípio da legalidade apenas em situações excepcionais, quando o julgamento pela ilegalidade após longo decurso de tempo implicar ‘prejuízo insuportável e irreversível ao interessado’.

28.  Na jurisprudência do TCU, encontram-se menções a algumas dessas situações excepcionais: inviabilidade prática do retorno à atividade após grande decurso de tempo; acometimento de doença incapacitante para o trabalho; idade que impossibilite o retorno à atividade; comprometimento da subsistência do aposentado; e morte (Acórdãos 2.350/2012-TCU-2ª Câmara, 5.951/2012-TCU-1ª Câmara, 453/2013-TCU-2ª Câmara e 6.102/2013-TCU-2ª Câmara.

(Acórdão 2057/2015-TCU-Plenário – os grifos não constam do original)

Em todo caso, importante ressaltar a existência de diferença de tratamento no tocante ao tempo de aposentadoria – se superior ou inferior a cinco anos por ocasião da apreciação do ato para o fim de registro. Nesses casos, ainda que pendente de registro, cabe ao Tribunal de Contas assegurar aos inativos cuja aposentadoria foi concedida há mais de cinco anos o exercício do contraditório e ampla defesa, o que já não se exige se o ato de aposentadoria for apreciado antes de cinco anos da data da publicação da respectiva concessão. Sobre o tema já se posicionou o TCU em face da jurisprudência consolidada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos Mandados de Segurança nºs 25.116 e 25.403. Eis a orientação vigente:   

“9. Acó rdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela Conjur, com base no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, tendente a justificar a necessidade de a Corte de Contas assegurar a oportunidade do uso do direito ao contraditório e à ampla defesa por parte dos interessados, dado o transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, quando da apreciação, para fins de registro, da legalidade de atos de pessoal, em face da recente alteração da jurisprudência do STF acerca da matéria, a partir das decisões nesse sentido adotadas pelo Colegiado Pleno da Excelsa Corte, nos autos do MS-25.116 e do MS25.403, relatados pelo Ministro Ayres Britto, bem assim dos julgamentos monocráticos de mérito na mesma linha, conforme faculdade atribuída aos relatores pelo Regimento Interno da Corte Máxima de Justiça do País (art. 205), a exemplo dos proferidos nos autos do MS-25.343 e do MS-27.296, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, quando Sua Excelência, não obstante discordar dos Ministros que votaram a favor do juízo hoje prevalecente, adotou decisão monocrática com idêntico desfecho, em respeito ao princípio da colegialidade.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator, em:

9.1. conhecer da presente representação, uma vez atendidos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 237, inciso VI, do Regimento Interno, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. reconhecer que o TCU, diante de constatação que possa levar à negativa de registro de ato de admissão de pessoal e de concessão de aposentadoria, reforma e pensão, deve assegurar ao(s) interessado(s)/beneficiário(s) a oportunidade do uso das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, sempre que transcorrido lapso temporal superior a cinco anos quando da apreciação, sem prejuízo do encaminhamento previsto no item 9.6 deste acórdão;

9.3. deixar assente que o prazo de cinco anos, ao término do qual deve ser instaurado o contraditório, é contado a partir da entrada do ato no TCU, observada a orientação contida no item 9.6 da presente deliberação;

9.4. esclarecer que o procedimento previsto no item 9.2 acima incide inclusive sobre os processos em curso;”

(Acórdão nº 587/2011, TCU-Plenário - os grifos não consta, do original)

Sob tal alicerce fácil é perceber que o direito adquirido do servidor aposentado está diretamente vinculado ao plano de validade do ato a ser auferido pelos Tribunais de Contas, em grau de controle. 

Melhor detalhando: sabe-se que a aposentadoria é um direito que se adquire sob o alicerce da lei vigente ao tempo do implemento do conjunto de requisitos necessários à obtenção do benefício. Entretanto, se para essa obtenção deu-se interpretação que não está adequada aos ditames legais que orientam a concessão sob a ótica dos órgãos incumbidos do controle de legalidade, por lógico essa aposentadoria vai ser tida como ilegal, acolhendo-se a presunção de legitimidade do ato como indício de boa-fé capaz de inibir o ressarcimento dos valores pagos ao beneficiado, tidos como indevidos. 

  Nesse sentido, as aposentadorias concedidas sob as ordens de mandados de injunção - sejam as decorrentes do favorecimento da conversão do tempo de serviço especial em comum, sejam as que foram concedidas sob os auspícios do Art. 57, da Lei nº 8.213/91, às carreiras vinculadas à atividade de risco - estão passíveis de terem seus atos julgados ilegais por força da evolução jurisprudencial edificada em sentido contrário, sedimentada por ocasião do registro do ato de aposentadoria pelo Tribunal de Contas, de modo que não há que se falar em direito adquirido. 

Por certo que não. Os órgãos de pessoal podem e devem realizar a revisão se a aposentadoria ainda não recebeu a chancela do Tribunal de Contas, até mesmo para que o beneficiado não venha a ser prejudicado com o retorno tardio à atividade, fato que possivelmente ocorrerá se o servidor não houver satisfeito as condições previstas em outras regras que ora lhe assegurem a concessão de nova aposentadoria.

Sobre a autora
Maria Lucia Miranda Alvares

Advogada do Escritório ACG - Advogados, Pós-Graduada em Direito Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social (Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 15 anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa da Presidência do TRT 8ª Região, onde também ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARES, Maria Lucia Miranda. Aposentadoria especial no RPPS, atividade de risco e conversão do tempo de serviço especial em comum.: Temas polêmicos do Regime Próprio de Previdência Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102261. Acesso em: 22 nov. 2024.

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