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Direito e Economia:

introdução ao movimento Law and Economics

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Agenda 19/08/2007 às 00:00

Sumário:1. Introdução. 2. Antecedentes. 3. Fundamentos Conceituais. 4. Conclusões. Referências Bibliográficas


1. Introdução

A interface entre direito e economia provoca inesperada dicotomia entre justiça e eficiência, que o presente artigo pretende problematizar com o objetivo de propor relação de convergência. O pensamento marxista já vinculava esses dois campos epistêmicos, direito e economia, subordinando aquele primeiro a essa última. A economia ditaria comportamentos, formatações sociais, idiossincrasias, ideologias. Enquanto infra-estrutura a economia determinaria os nichos de superestrutura; o direito será mero reflexo da movimentação econômica. Esse minimalismo conceitual, previsto nos textos axiais de Karl Marx, o filósofo de Trier e nos comentadores setorizados, promove simplicidade conceitual que o antifundacionalismo pós-moderno abomina.

Quem propiciou outra leitura, vinculando direito e economia, foi outro pensador alemão, Max Weber, pranteado pela academia norte-americana como o legitimador do surgimento do capitalismo, ao qual aproximou o espírito calvinista. A economia visaria fins e seria informada por uma ética da convicção. O direito, no entanto, perseguiria a justiça, e uma ética da responsabilidade o matizaria. Economistas estariam preocupados com os fins, não importando os meios, sem que isso represente, bem entendido, qualquer percepção que nos remete ao diplomata florentino. Maquiavel seccionara ética e política, não há dúvida, porém matizes econômicos não freqüentam seus textos de forma central.

O pensamento jurídico, por outro lado, estaria vinculado a questões de justiça, além de outros problemas (ou falsos problemas) de pormenor, de cunho analítico, e de entorno mitigado, a exemplo de antinomias, lacunas e coerência de ordenamentos. Decisões judiciais poderiam menoscabar a eficiência econômica, conquanto os superiores cânones de justiça fossem respeitados. No entanto, dadas as inegáveis e indisfarçáveis relações entre direito e política, percebe-se que o neoliberalismo supostamente triunfante pretende impor suas diretrizes à jurisprudência e à legislação. Por isso, entre outros, concebe-se uma nova leitura do direito, e o movimento direito e economia permite essa apreensão, a ser descrita nas observações vindouras.

Historiam-se os antecedentes do movimento, que radica no pragmatismo da tradição filosófica norte-americana. Imputa-se ao movimento direito e economia uma feição contemporânea desse pragmatismo que se reporta a Charles Sanders Peirce, a John Dewey e a William James. O principal representante do movimento direito e economia, Richard Posner, professor da Universidade de Chicago e juiz federal norte-americano (indicado e nomeado pelo republicano Ronald Reagan), embora por diferentes razões, inscreve-se ao lado dos neopragmáticos, a exemplo de Richard Rorty, de Hilary Putnam, de Steven Knapp, de Walter Benn Michaels, de Cornell West e de Roberto Mangabeira Unger, brasileiro que leciona em Harvard, e que capitaneou o movimento critical legal studies, rival histórico do movimento direito e economia. Aparente paradoxo, explicado pela teoria da ferradura, que mencionarei mais adiante.

Essa teoria da ferradura pretende indicar o movimento direito e economia como herdeiro da tradição do realismo jurídico norte-americano. Oliver Wendell Holmes Jr. (reverenciado por Richard Posner), Roscoe Pound, Benjamin Natan Cardozo, Thurman Arnold, Karl N. Llewellyn, Jerome Frank, Felix Cohen, Louis Brandeis e Herman Oliphant seriam os antecessores do movimento. O antepassado mais recorrente, efetivamente, é Jeremiah Benthan, vetor do pensamento utilitarista. O direito, para a escola de Posner, deve maximizar a economia, multiplicando a riqueza e o bem-estar econômico. Pragmatismo e utilitarismo encontram-se na normatividade. Alavancar essa discussão no Brasil, cuja monoglossia crônica e a antipatia para com a produção cultural norte-americana não mediática repudiam a escola jurisprudencial de Chicago, são os elementos que oxigenam o texto que segue.


2. Antecedentes

O pragmatismo confunde-se com a tradição norte-americana e pode ser identificado como a única corrente genuína de pensamento que se desenvolveu nos Estados Unidos da América. Não se preocupa com o que as pessoas pensam, mas como pessoas acham que pensam (MENAND, 1997, p. xi). O pragmatismo desenvolveu-se a partir de alguns ensaios clássicos, de autoria de Charles Sanders Peirce, de William James, de John Dewey e de Oliver Wendell Holmes Jr., juiz da suprema corte norte-americana, precursor do realismo jurídico e representante do pragmatismo no ambiente forense.

Charles Sanders Peirce estudou em Harvard, trabalhou para o Serviço Costeiro dos Estados Unidos e lecionou em Johns Hopkins; caiu em desgraça por ter se casado pela segunda vez, ainda antes de obter o divórcio do primeiro matrimônio. Por isso, foi despedido e viveu amargurado seus últimos dias, até ser reabilitado por William James. William James lecionou em Harvard, desenvolveu estudos em psicologia, conviveu com crises depressivas durante muitos anos e é apontado como o mais prolífico dos pensadores do pragmatismo. John Dewey pontificou na academia norte-americana. Lecionou em Michigan, em Chicago e em Nova Iorque, aposentando-se em Columbia. Publicou mais de trinta livros e proferiu palestras em várias universidades do mundo. Oliver Wendell Holmes Jr. representa o pragmatismo no direito, e é dele o mais famoso aforismo jurídico norte-americano, que nos dá conta de que o direito não é lógica, é experiência.

O pragmatismo propõe que se dirijam o pensamento e a reflexão filosófica para problemas práticos, contingenciais, típicos da existência cotidiana. O pensamento deve servir para algum propósito, para alguma coisa. Abandona-se a metafísica. Relativiza-se a verdade, que também deve servir a alguma finalidade. De tal modo, não podemos esperar uma prova absoluta de nada. Todas nossas decisões são apostas em relação ao que o universo é hoje, e como será amanhã (MENAND, 1997. p. xiv).

A verdade se produz, se fabrica; seus resultados importam mais que seus contornos ontogênicos. Por exemplo, em âmbito teológico, menos do que a certeza da existência da verdade bíblica, mais interessam os porquês da crença e os resultados que essa fé produz na vida prática. O que se ganha com a fé, é a questão principal, mais cabotina e menos bizantina. Assim, não devemos perguntar se a existência de Deus pode ser provada; deveríamos perguntar o que a fé em Deus faria com nossas vidas (MENAND, 1997, p. xiv). Interessante imagem de Oliver Wendell Holmes Jr. lembra-nos que a filosofia e as metodologias formalistas são partes da cultura, porém atuam como roupas suntuosas e gravatas elegantíssimas, que devemos deixar de lado quando trocamos pneus furados dos automóveis. A simplicidade da passagem agride o formalismo que informa a tradição filosófica européia que herdamos, fundacionalista e prenhe de crenças em valores culturais que radicam no projeto iluminista, a exemplo de democracia, contrato social, direitos humanos e igualdade formal. O pragmatismo não se prende a problemas metafísicos, não se interessa por imanências e transcendências.

Do ponto de vista pedagógico, defende-se percepção que conhecer e fazer são aspectos indivisíveis do mesmo processo, que não passa de um negócio de adaptação (MENAND, 1997, p. xxiii). Levando-se ao limite uma leitura crítica, o pragmatismo não seria uma filosofia, porém um modo de se fazer filosofia. A metáfora da escada propicia entendimento dessa posição. Se acordarmos um dia e nos encontrarmos em um novo lugar, construiríamos uma escada para explicarmos e entendermos essa nova situação. O adepto do pragmatismo quer saber se o lugar é um local para se estar e se viver feliz. Os não pragmáticos gostariam de saber como se construiu a escada, que seria admirada, estudada, decifrada, especificada, esmiuçada.

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A realidade é concepção que informa todo o pensamento pragmático. Busca-se uma metodologia que possibilite que tornemos nossas idéias claras. De tal modo, a única serventia da lógica (tão criticada pelo pragmatismo) seria propiciar pensamento cristalino. A metafísica é tema mais curioso do que útil, cujo conhecimento presta-se tão somente a oxigenar investigação centrípeta e preciosista, que não leva a lugar nenhum.

O realismo jurídico vincula-se ao pragmatismo, proclamando concepção instrumentalista e funcionalista do direito, indicando o caráter indeterminado das normas jurídicas, admitindo a decisão forense como o resultado de intuições e idiossincrasias dos magistrados. O direito seria o que as cortes dizem que ele é. O direito poderia ser o resultado do que os juízes tomaram no café da manhã. Irreverentes e iconoclastas os realistas norte-americanos denunciaram as ambigüidades e os paradoxos do direito, aliaram-se aos burocratas do New Deal de Roosevelt e hostilizaram o formalismo que marcava o direito norte-americano. Traços do realismo jurídico ainda são perceptíveis na noção geral que nos indica o juiz americano como o lawmaker, o lawgiver, o legislador. É que a função criativa do judiciário fora potencializada pelo realismo jurídico norte-americano.

Oliver Wendell Holmes Jr. é o herói dos realistas, seus votos vencidos, especialmente no caso Lochner vs. New York, estimulam o pragmatismo jurídico. Roscoe Pound, cujo treinamento profissional originário fora como botânico, denunciava veemente a falácia da igualdade. Benjamin Natan Cardozo, juiz em Nova Iorque e depois em Washington, na Suprema Corte, afirmava que há vários modos de se decidir uma mesma questão. Karl Llewellyn acreditava que o direito tinha pouco para dizer à vida, que seria totalmente independente de qualquer formalismo normativo. Jerome Frank, influenciado pelo freudismo, percebia no direito a busca do pai perdido e autoritário.

Duas tendências do pensamento jurídico nos Estados Unidos reivindicam a herança do realismo jurídico. Refiro-me ao movimento critical legal studies e ao movimento direito e economia, antagônicos e concorrentes. E porque dois movimentos antípodas disputam herança única, descreve-se a situação como a teoria da ferradura. O movimento critical legal studies floresceu no ambiente da contra-cultura norte-americana que plasmou as décadas de 60 e de 70 naquele país. Fortemente influenciado pelo marxismo ocidental, os crits (como são chamados os adeptos do movimento), seguiu a linha de denúncia da indeterminação do direito, proclamando ser este resultado da política. O lema do grupo sintetiza-se no mote law is politics.

Dissolvido ao longo dos anos noventas, o movimento critical legal studies fraturou-se e pulverizou-se numa miríade de sub-grupos temáticos, preocupados com hermenêutica, historiografia jurídica, gênero e ações afirmativas, entre tantos outros nichos axiais. O brasileiro Roberto Mangabeira Unger (que recentemente pode ser identificado com um neopragmatismo marcado por um projeto de democracia radical) liderou o movimento, redigindo texto que ganhou posição de manifesto. Duncan Kennedy, professor em Harvard, discutia educação jurídica, comprovando que escolas de direito formam uma elite, pouquíssimo preocupadas com problemas sociais mais verticais. Morton Horwitz escreveu textos de historiografia e de história do direito, lendo a normatividade norte-americana a partir de perspectiva influenciada por Edward Palmer Thompson. Mark Tushnet, professor em Washington, propôs constitucionalismo populista, com influências de Ferdinand Lasalle e de Peter Häberle. Elizabeth Mensch, professora na Universidade de Búfalo, criticou o pensamento jurídico convencional, especialmente como explicitado em Ronald Dworkin.

O movimento critical legal studies identificava-se com posições alternativas e de esquerda, hostilizando o convencionalismo da common law. A oposição entre o critical legal studies e o movimento direito e economia é absoluta. A rivalidade entre os dois grupos estimulou um interessante debate que sacudiu a academia norte-americana. No entanto, a crise do socialismo real, e a queda do muro de Berlim, anunciando uma suposta vitória do pensamento neoliberal, minaram o movimento critical legal studies. O movimento direito e economia, em contrapartida, vincula-se ao neoliberalismo, do qual é porta-voz forense, e cujos ideais de eficiência defende, como demonstro no próximo passo.


3. Fundamentos Conceituais

Para o movimento direito e economia a base para a decisão de um juiz deve ser a relação custo-benefício. O direito só é perspectivo quando promove a maximização das relações econômicas. A maximização da riqueza (wealth maximization) deve orientar a atuação do magistrado. O texto axial para a compreensão dos fundamentos conceituais do movimento direito e economia encontra-se em excerto de Richard Posner, com o título de A Pragmatic Manifesto.

O movimento direito e economia surgiu em meio ao descontentamento do direito para com um fundamentalismo jurídico que vinha triunfando desde a consagração do iluminismo. Entre as ciências sociais, a economia se mostrava como a mais promissora candidata para oferecer respostas corretas para problemas jurídicos, imaginando-se o direito como traído pela filosofia, e traidor da sociologia, embora servo muito bem comportado da política. Ronald Coase e Guido Calabresi foram os precurssores do movimento direito e economia, que ganhou muita atenção com Richard Posner, que em 1973 publicou a primeira versão de seu livro The Economic Analysis of Law..

Posner preocupa-se com a autonomia da argumentação jurídica, como premissa metodológica para a fundamentação das decisões judiciais. Nesse sentido, suposta distância para aspectos mais realistas poderia levar-nos a conceber aparente convergência conceitual para com o positivismo. Essa reflexão é despropositada, pois a autonomia propalada é apenas instrumental que possibilita que se negue objetividade latente. Ideologias distintas podem conduzir a resultados idênticos, em planisfério de negócios jurídicos. Concorda-se que o judiciário é prioritariamente impopular, dado que sempre desagrada uma das partes. E isso é recorrente na natureza humana.

Um judiciário independente, para Posner, exige que se substitua o profissionalismo do magistrado (e a chamada neutralidade de eunuco, nos dizeres de Michel Löwy) por legitimidade política, sem que isso constitua ativismo judiciário, percepção plasmada por aparente impossibilidade de realização. O direito decorreria de práticas sociais e não de idéias, e nesse sentido faz-se oposição aos formalistas, crentes no direito natural e na sua realização completa nos cânones da legislação vigente. E se por um lado haveria estruturação lógica nas regras de direito, por outro elas são efetivamente muito vagas, carregam amplo espaço de reserva de sentido, são altamente contestáveis, bem como voláteis, porque constantemente alteradas. Esse espaço de indeterminação pode ser colmatado por decisionismo que permita decisões judiciais tendentes a maximizar a ordem econômica. O direito perseguiria muito mais uma lógica de justificação do que uma lógica da descoberta, segundo Richard Posner.

Para Posner, que é juiz, os magistrados seguem precedentes, porém o fazem mais pela certeza e pela previsibilidade do direito do que para atingirem um direito justo e correto. Sardonicamente faço intervenção pessoal e cogito com blasfêmia, se decisões e promoções seriam ordens que se aproximam no mundo fático. Os juízes fazem, não descobrem o direito. A premissa, proclamada por Posner, identifica o ancestral do movimento, que radica no realismo do primeiro pós-guerra. Juízes valer-se-iam de preferências pessoais para decidirem as causas que lhes são dirigidas. Tais preferências refletem resíduos atávicos do direito natural. Além do que, e por outro lado, para Posner, o direito natural é carente de significação discursiva quando cogitado em uma sociedade moralmente heterogênea, como a contemporânea.

Qualquer esforço para a consecução da autonomia e da objetividade do direito seria vão, para Posner, que também critica todas as demais formas de ceticismo radical, que o movimento direito e economia paradoxalmente também abraça. Para Posner só há um modelo de argumentação jurídica (legal reasoning), e cada juiz o implementa, porém da forma como pode, e como quer. A justificação de uma decisão, no sentido de que ela seria objetivamente correta, seria geralmente impossível. Os casos mais difíceis (hard cases) não podem ser objetivamente decididos. Processos não racionais influenciam as decisões jurídicas, formatando um direito que se mostra menos um conjunto conceitual e mais uma atividade pragmática. Não existiria um sentido comum de interpretação do direito; o processo de interpretação não é um procedimento lógico. Não haveria, para Posner, conceito final de justiça. A justiça corretiva plasma a vingança. A decisão judicial dever perseguir a maximização da riqueza, expressando utilitarismo muito afeito ao espírito pragmático norte-americano.

Para Posner a lei é funcional, não é simbólica; tem uma finalidade, não representa um ideal fundacionalista e metafísico. Posner pode ser associado ao pós-modernismo antifundacionalista de Foucault, de Derrida, de Rorty, na medida em que denuncia a morte do direito, como Fukuyama denunciara o fim da história e do último homem, na trilha de Hegel e de Nietzsche. O ataque institucional do antifundacionalismo deve muito à tradição pragmática. Posner assemelha-se ao pragmatismo e ao antifundacionalismo pós-moderno ao rejeitar os dualismos propostos pelo iluminismo, a exemplo das antinomias entre forma e substância, espírito e matéria, percepção e realidade, mente e corpo. É a partir de Posner que se confirma que o pragmatismo busca a verdade como crença justificada pela necessidade social.

Com base em Thomas Kuhn, Posner comunga de visão de ciência como percepção pragmática dos negócios sociais. Posner dá continuidade à rivalidade do pragmatismo para com o positivismo, fulminando as falsas aporias do positivismo lógico. Posner lança olhar pragmático para os problemas, defendendo experimentalismo nada ilusório, ciente das limitações humanas, conhecedor da dificuldade de tradução entre as culturas, que veda que se chegue até a verdade, e nesse sentido lembra-nos Boaventura de Sousa Santos, que previa uma hermenêutica diatópica.

O pragmatismo de Posner, a partir de Kuhn, suscitaria uma ética da pesquisa científica, orientada para resultados. Direito, religião e ciência se aproximariam, dado que vinculados pela incessante busca de fins práticos. Eficiência, salvação e progresso seriam os êmulos dessa tríade cultural. Fins práticos caracterizam o direito. De tal modo, para Posner, o direito precisaria respeitar os fatos, aceitar as mudanças e reconhecer quando é falível e não factível. O direito, para Posner, não é texto sagrado, é texto de prática social. Verborrágico e preocupado com discussões efêmeras o direito parece rondado por uma falsidade. Para Posner, a importância da toga, se não utilizada para realizar os objetivos econômicos da sociedade, reveste-se de um nada absoluto, e isso é muito mais do que mero oxímoro.

Os primeiros adeptos do movimento direito e economia renunciaram o compromisso modernista para com uma lei fundamental, embora não tenham renunciado totalmente a possibilidade de verdade jurídica universal, que imputavam à busca da eficiência econômica. Cogitou-se de um sujeito de direitos, identificado como um ator racional, de feição econômica, alguém que quer maximizar sua expectativa de utilidade, mas que poderia, no entanto, revelar preocupação com o bem estar alheio. Para Posner, o homem é um maximizador racional em relação a seus fins em vida.

Ferramentas conceituais são apropriadas da economia, que se prestaria também a orientar as reflexões jurídicas. A lei de oferta e da procura (the law of demand) poderia ter muitas aplicações no direito. Exemplifica-se com a questão da criminalidade e da penalidade resultante. A pena seria o preço que a sociedade cobra pelo cometimento de uma ofensa criminal. Quanto maior a pena, mais o criminoso seria encorajado a dirigir-se para outras formas de comportamento. A percepção é tinosa, pois poderia se prestar a justificar a pena de morte (MINDA, 1995).

Os custos de oportunidade também promovem leitura econômica do direito. Exemplificando, ao se quantificar uma indenização pela perda de uma criança, não se deve computar o quanto ela ganha ou ganharia de salários, pois era economicamente inativa e os ganhos futuros são imprevisíveis. Pode-se, no entanto, quantificar os valores que os pais teriam investido no menor. Busca-se critério de eficiência no julgamento, que os juízes deveriam perseguir. Apela-se para Ronald Coase, que minou o intervencionismo estatal típico dos anos sessentas, embora ele eventualmente tivesse admitido que pequena intervenção governamental poderia fazer o mercado funcionar. Se não conseguisse, deveria imitá-lo.

O direito poderia compor modelo de regulamentação com o objetivo de corrigir as externalidades negativas. Essa percepção pode ser visível, por exemplo, em direito ambiental, que pode se orientar no sentido de propiciar a internalização das externalidades negativas, o que ambientalistas poderiam chamar como o princípio do poluidor pagador. Além disso, se os custos de transação fossem baixos, a intervenção do direito na vida negocial não teria grandes conseqüências na alocação de recursos. Negócios privados atingiriam excelentes resultados, não obstante as intervenções judiciais (MINDA, 1995).

Exemplifico. A previsão contratual de intervenção do judiciário, para resolver controvérsias de um negócio, promove (se implementada) um tortuoso caminho pelo judiciário, marcado pelos elevados custos com advogados, taxas judiciais, perícias, além, obviamente, da natural ansiedade que as demandas causam. Embora chamado para corrigir uma externalidade negocial, o direito não as internalizaria, prorrogando retórica de indecisão, acrescentando custos e mitigando ganhos. Esse conceito pode também ser evidenciado em temas de infortunística e de direito obrigacional. Afinal, ao invés de perguntarmos quem causou determinado prejuízo devemos questionar como o modelo jurídico poderia minimizar os custos com o acidente. O direito deve ser eficiente, e mede-se essa realidade pela maximização da riqueza.

Em âmbito de direito norte-americano identificam-se quatro eixos temáticos indicativos do movimento direito e economia. Segundo o behavioral claim a economia pode oferecer uma teoria útil para previsão dos comportamentos a serem qualificados pelas regras jurídicas. De acordo com a normative claim, o direito deve ser eficiente, conceito evidenciado amiúde vezes ao longo do trabalho. Para o factual ou positive claim, a common law é o mais eficiente dos direitos. Por fim, nos termos da genetic claim, a common law seleciona regras eficientes. A obtenção de bons resultados deve orientar o direito. A análise econômica do direito é instrumental, adaptativa e funcional. O movimento direito e economia tornou-se a mais eloqüente porta-voz de um pragmatismo jurídico (MINDA, 1995).

O movimento direito e economia mostra-se como interdisciplinar, sem os perigos de ser antidisciplinar, a exemplo do que ocorre com outros focos do antifundacionalismo pós-moderno. Cobre quase todos os campos do direito, preocupando-se com criminalidade, uso de drogas, roubo de obras de arte, exploração do sexo, barrigas de aluguel, direito internacional público, democracia, religião. Enfrenta-se o anarquismo decorrente das teorias críticas, permitindo que o direito seja estudado como um sistema, que seja revelado como coerente e que seja melhorado. Para Posner a economia é ferramenta importante para analisar questões que operadores do direito não conseguem conectar com problemas concretos (POSNER, 2003).

A economia é a ciência das escolhas racionais, orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos desejos humanos. Nesse sentido, o homem é um maximizador de utilização racional. As satisfações são aumentadas na medida em que comportamentos são alterados. Custos informam as opções, os custos sociais diminuem a riqueza da sociedade, os custos privados promovem uma realocação desses recursos. Quem encontra um tesouro não aumenta a riqueza da sociedade (POSNER, 2003). Valor, utilidade e eficiência norteiam escolhas. Quando percebemos decisões jurídicas ou métodos normativos como escolhas, do juiz ou do legislador, conclui-se que essas decisões poderiam se orientar pelos cânones de valor, utilidade e eficiência, que se distanciam de concepções de justiça, teóricas e contemplativas. Admite-se também, bem entendido, que o alcance da economia é limitado, dado que se centra em valor, utilidade e eficiência. Essa conclusão comprova que o pragmatismo é ponto comum na relação entre direito e economia.

A racionalidade (instrumental e convencional) instruiria as relações entre direito e economia. A chamada habilidade para uso do raciocínio como instrumento para resolução dos problemas da vida formataria os eixos epistemológicos de uma convergência conceitual e discursiva entre direito e economia. Porém Posner reconhece que nem sempre as escolhas racionais informam a economia. A randomização ronda as opções humanas. Decorre dessa aceitação olímpica o interesse de Richard Posner pela teoria dos jogos.

Posner ilustra com a game theory algumas orientações normativas que não promovem a eficiência. Por exemplo. No direito norte-americano, a lei relativiza a necessidade de autorização do estudante para que suas notas sejam reveladas por um empregador interessado em contratá-lo. Supõe-se que os alunos que não autorizam que as faculdades revelem seus boletins tenham notas abaixo da média. Por conta dessa presunção, não são contratados. Ou ainda, ao imaginarmos alguém com um revólver carregado com seis tiros, a enfrentar 10 assaltantes, tem-se certeza que o primeiro que avançar corre o risco de ser atingido. Qualquer norma incidente sobre o fato seria desnecessária e pouco eficiente (POSNER, 2003).

O exemplo que segue, a propósito da teoria dos jogos, é ilustrativo da fina prosa de Posner, que não se deixa abalar pelo preciosismo dos referenciais dos autores metafísicos. Posner é um prático. Seus exemplos, de candura impressionante. Posner imagina que há 25 leões (racionais) e 1 carneiro, que coabitam uma ilha imaginária. Todos os leões sabem o número de leões, bem como sabem também o número de carneiros. O leão que matar e comer o carneiro dormirá por uma hora, quando seria devorado pelos demais leões. Posner pergunta se o primeiro leão que agarrar o carneiro irá comê-lo (POSNER, 2003).

Posner observa que a proteção legal da propriedade incentivaria modelos mais eficientes de produção. Em sociedades primitivas o reconhecimento de direitos de propriedade custariam muito mais do que os benefícios. São aspectos econômicos que intuitivamente marcam as práticas jurídicas. O direito ao uso de águas nos Estados Unidos bem ilustra essa premissa. Na costa leste, que reconhece regime generoso de águas, o modelo é ripuário, isto é, o dono da margem aproveita-se do leito d’água. Na costa oeste, onde o clima é mais seco, direitos são absolutos e não se vislumbra divisão entre condôminos.

Todos os campos do direito podem ser avaliados pela economia, e seus cânones de valor, utilidade e suficiência. O movimento direito e economia, especialmente em Richard Posner, delineia essa possibilidade, demonstrando que a tão propalada crise do direito enceta um maior número de soluções que se imagina.

Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Direito e Economia:: introdução ao movimento Law and Economics. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1509, 19 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10255. Acesso em: 23 dez. 2024.

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