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Uma proposta de regulamentação aplicada ao trabalho remoto no Brasil.

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Agenda 06/03/2023 às 15:36

4. O teletrabalho e o princípio in dubio pro operario

No intervalo recém-experimentado de aproximadamente dois anos de pandemia, havia a fundamentação regulamentar, seja por decretos do Poder Executivo ou regulamentos extraordinários neles fulcrados, o que garantia coletiva segurança jurídica para aquela oportunidade.

Passada a fase crítica, com a suspensão dos decretos e regulamentos mencionados, restou uma insegurança das entidades empregadoras, face a uma suposta ausência de norma regulamentadora ou vácuo legislativo que autorizasse a adoção de tal regime ou modalidade de trabalho.

O receio que tem prevalecido é o de que a adoção da modalidade de trabalho remoto venha a constituir violação dos critérios legais de jornada de trabalho, o que sujeitaria as entidades empregadoras às cominações de ordem trabalhista ou estatutária, seja por constituir horas extra jornada ou invasão indevida do trabalho ao ambiente particular das pessoas.

Assim, os gestores e os corpos diretivos das entidades empregadoras e instituições públicas têm manifestado receio de violar as normas e garantias trabalhistas ou estatutos de servidores com a adoção de trabalho remoto como regra ou como faculdade concedida aos empregados para cuja atividade seja plenamente aplicável.

Todavia, inexiste lacuna legislativa para a aplicação do trabalho remoto, posto que já houve a efetiva previsão legal no âmbito privado, no que concerne à alteração legislativa, por parte dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por meio das mudanças introduzidas pela Lei 13.467/2017, as quais prescrevem o seguinte:

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

§ 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.’ (CLT, Art. 75-C, alterada pela Lei 13.467/2017).

Logo, há a possibilidade de aditamento contratual dos contratos já em vigência, por mútuo acordo entre as partes, sobretudo por se tratar de norma de aderência facultativa do trabalhador. Também é plenamente admissível a possibilidade de aprovação de Acordo Coletivo de Trabalho, incluindo, alternativamente, o regime de teletrabalho como benefício.

Além disso, importante ressaltar que a jornada de teletrabalho, desde que observadas as mesmas condições previstas na CLT, quais sejam, máximo de oito horas diárias, com a possibilidade de duas horas-extras entre outras, garante a manutenção das regras gerais aos trabalhadores em trabalho remoto, sem perda de benefícios e sem extrapolação de jornada ou “invasão” domiciliar indevida.

Nesse caso, não há que se falar em violação de leis trabalhistas, posto que fica afastada a previsão do inciso III, do art. 62, do Decreto-Lei 5.452/1943, que excluía os trabalhadores em regime de teletrabalho das regras da CLT, no que diz respeito à jornada.

Tal é o entendimento do TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (2020):

A previsão legal para o teletrabalho aparece no artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que afasta as distinções entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. O parágrafo único do dispositivo, introduzido em 2011, estabelece que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”

A presente proposta encontra pleno respaldo na aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, o que é plenamente preconizado como princípio do Direito do Trabalho, cessando a insegurança jurídica suscitada, uma vez que não há dúvidas quanto ao respeito ao diploma legal trabalhista.

Inclusive, porque a dúvida que se pudesse suscitar em relação à exclusão prevista no inciso III, do art. 62, do Decreto-Lei 5.452/1943, seria imediatamente eliminada pela integração com o princípio in dubio pro operario, posto que haveria espontânea adesão à norma mais benéfica ao trabalhador.

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Assim, o instrumento infralegal regulamentador é a própria formalização em contrato de trabalho, para as novas contratações, ou, por meio de termos aditivos aos contratos já vigentes.

Inclusões de outros benefícios como reembolsos de despesas ou o fornecimento de equipamentos de tecnologia, em comodato, aos trabalhadores, por exemplo, caso pretendidas, também encontrariam amparo no referido princípio e na norma adicional, ainda que infralegal, posto que mais benéfica aos obreiros.

RODRIGUEZ (2000, pg. 48) sustenta que existem três possibilidades para a aplicação da condição mais benéfica:

a) norma aplicável a uma situação concreta, entre várias de possível aplicação; b) situação geral, de fato ou de direito, para todos os trabalhadores ou para os de uma mesma profissão; c) situação particular de fato, voluntariamente outorgada pela empresa, ou de direito, concedida pela lei anterior. A primeira das acepções é a hipótese na qual atua a regra anterior dentre essas normas, aplicando-se ao trabalhador a mais benéfica, em razão do caráter tutelar que inspira o legislador e, portanto, seu intérprete. A segunda é uma consequência da eficácia dos usos e costumes que, como fontes do direito, vêm, em suma, a integrar-se no mesmo problema anterior. Somente resta, portanto, como específica, a terceira situação.

Enseja-se, portanto, a verificação da Hipótese 03, também sugestionada como solução ao problema apresentado, cuja validação encontra abrigo no Princípio do Direito do Trabalho, qual seja o In dubio pro operario , pois, a admissão de norma mais favorável ao trabalhador, legitima a adoção do teletrabalho, mediante regulamentos infralegais das entidades empregadoras, para adesão do trabalhador, sem necessidade de lei específica autorizadora.

Deste modo, é reconhecida a verificação da relação empregatícia, independentemente de o empregado prestar serviços em seu domicílio ou à distância, pois o legislador se preocupou em inserir um conceito de teletrabalho, como prestação de serviços fora da sede da empresa, sendo necessária a utilização de meios telemáticos em sua execução.

Ressalte-se que, ausente a supressão dos benefícios gerais previstos ao regime presencial, a adoção do trabalho remoto, de modo algum, ensejaria violação de garantias trabalhistas, até porque, as violações poderiam ocorrer tanto no regime de teletrabalho quanto no regime tradicional, sujeitando, em quaisquer casos, os violadores, às sanções cominadas na legislação vigente.

O Acordo Coletivo de Trabalho - ACT, documento normativo que funciona como pacto entre um sindicato de determinada categoria de trabalho de uma ou mais empresas, também é alternativa hábil para a regulamentação do trabalho remoto, especificando suas condições aplicáveis no âmbito das empresas acordantes, regulamentando o relacionamento entre empresa e empregados.

A lição de Barros (2011, p. 1000) elucida o alcance do ACT como cláusulas normativas cujo conteúdo integrará os contratos individuais:

[...] instituem benefício individual, como reajuste salarial, férias, jornada, indenização, estabilidade, prêmios, etc.; as que dizem respeito às formalidades que devem ser observadas na celebração da convenção, como, por exemplo, a exigência de forma escrita, a obrigatoriedade de readmissão de trabalhadores dispensados em decorrência de participação em movimento grevista; as normas solidárias, que instituem benefícios para o empregado, como membro da empresa, ou seja, normas sobre higiene e segurança do trabalho; as normas relativas à constituição interna da empresa, entre elas as que dispõe sobre comissões de arbitragem e conselhos de empresas e as normas referentes a instituições comuns, nas quais se enquadram as que dispõem a respeito da previdência.

Por meio do ACT, obtém-se a mesma segurança jurídica para a implantação do trabalho remoto que aquela realizada pela alteração dos contratos individuais de trabalho, porém, figura-se como medida mais prática, pois, por meio de um único ato normativo, toda a categoria que se enquadra à modalidade de trabalho remoto pode ser contemplada.

No anexo do presente artigo é apresentado como exemplo o ACT firmado entre BANCO BRADESCO S.A. e a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES DO RAMO FINANCEIRO – CONTRAF, o qual constitui excelente regulamentação do teletrabalho, com avanços significativos e êxito comprovado.

No que concerne ao setor público, o poder regulamentar é pleno, por meio de decretos do poder executivo, conforme já argumentado no item 2 do presente artigo, pois trata-se de prerrogativa dos chefes dos respectivos Poderes Executivos de auto-organização e de auto legislação, sendo-lhes conferido o direito de se reger por sua Constituição e pelas leis que editarem na esfera de sua competência, tal como ocorrido na experiência da Pandemia COVID-19.


Conclusão

As três hipóteses formuladas foram validadas conforme a metodologia de processamento adotada, sendo que a resposta ao problema formulado encontrou supedâneo nos seguintes aspectos.

Ocorreu respaldo fático de experiência legislativa infralegal verificada no contexto da PANDEMIA COVID-19, cuja produção permitiu a operação dos serviços em teletrabalho, quando já aplicáveis à natureza das atividades contempladas, bem como figurou como ato jurídico perfeito, gozando, pois, de legalidade e legitimidade.

Aliado a esses fatos vivenciados, a produção normativa perpetrada pelo BANCO BRADESCO S.A., em negociação coletiva, corrobora a eficácia da regulamentação proposta, cuja técnica e resultados ilustram a solução que gozou de excelência para esse mister.

A Constituição Federal Brasileira, por mais analítica que seja, não preverá de forma exauriente e pormenorizada todos os caminhos para a realização de suas metas programáticas, contudo, seus princípios norteadores, ressalte-se o da Função Social que é aplicável à propriedade, ao trabalho e às empresas, endossam a imediata adoção do trabalho remoto como medida eficaz e garantidora da promoção do bem-estar das pessoas, da eficiência e da economia social

Por sua vez, o princípio in dubio pro operario vem elidir toda e qualquer insegurança jurídica à aplicação da modalidade de trabalho em questão, desde que observada a manutenção dos benefícios aplicados ao regime tradicional, bem como as formalidades prescritas na Consolidação das Leis de Trabalho – CLT e nos Regimes Estatutários respectivos, dispensando, salvo para maiores avanços, lei específica autorizadora para tal implementação.


Referências

AGÊNCIA BRASIL. Conheça as regras previstas na MP que regulamenta o trabalho remoto. Fonte: Agência Brasil. Março de 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-03/conheca-regras-previstas-na-mp-que-regulamenta-o-trabalho-remoto.

AGÊNCIA SENADO. Teletrabalho ganha impulso na pandemia, mas regulamentação é objeto de controvérsia. Fonte: Agência Senado. Julho de 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2020/07/teletrabalho-ganha-impulso-na-pandemia-mas-regulacao-e-objeto-de-controversia. Acesso em 23 de fevereiro de 2023.

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011.

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FERREIRA, Carolina Iwancow; MORAIS, Jean Carlos de. Função social da empresa na teoria geral do direito. Fonte: Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 31, n. 1: 55-76, jan./jun. 2015.

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TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Especial Teletrabalho: o trabalho onde você estiver. Fonte: Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: https://www.tst.jus.br/teletrabalho. Dezembro, 2020. Acesso em 23 de fevereiro de 2023.


Abstract: This article aims to address remote work and the legal feasibility of its adoption, both in the public service and in the private sphere. Organizations and work itself are subject to global transformations that occur with remarkable speed, given the advances in science and technology, as well as requiring analysis of the need to implement the modality in question whenever possible and compatible with the nature of the activities carried out. . The adoption of remote work shows benefits for workers, as well as for employing organizations, in view of saving time and resources. The COVID-19 Pandemic provided an opportunity for the emergency implementation of work activity outside the premises of the employer, even without a specific law, with satisfactory functionality and productivity having been verified. The analysis of the problem presented here, in the light of constitutional principles and Labor Law, allows the discussion on the imperative of taking advantage of the social resources obtained with the implementation of the remote work modality. It discusses the legal certainty of the implementation of remote work with a proposal for a normative-regulatory solution in a systematic analysis of the national legal system. It presents a case study on the normative solution adopted for teleworking promoted by BANCO BRADESCO S/A.

Key words: Telework; Remote Work; Home Office; social role; in doubt for the worker.

Sobre o autor
Marcelo Andrade Cruz

Advogado OAB/DF 23.575; Pós-Graduações: Ordem Jurídica e Ministério Público – Fundação Escola Superior do Ministério Público – FESMPDFT; Direito da Energia Elétrica – Universidade Cândido Mendes – RJ; Direito Público – Faculdades Projeção. Certificação de Especialista em Investimentos (CEA) pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Informações sobre o texto

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