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Efeitos da emancipação no dever prestacional dos pais ou responsáveis à educação fundamental dos filhos ou pupilos

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Agenda 14/08/2007 às 00:00

O presente ensaio foi elaborado como fruto das angústias vivenciadas no decorrer das funções de Promotora da Infância e Juventude com atuação no interior do Estado do Rio Grande do Sul, numa região conhecida mundialmente como uma das maiores produtoras de fumo, especialmente na região central, nos arredores do Município de Santa Cruz do Sul. O cultivo é realizado por pequenos produtores rurais, em sua maior parte em regime de economia familiar [02].

Filhos de pequenos produtores rurais auxiliam os pais nas tarefas da lavoura, sobretudo no período de colheita, desfolhamento (desbrote) e enfardamento da folha do fumo. Em áreas rurais maiores, tais atividades são realizadas por safristas que migram da zona urbana ou de outras regiões contíguas. Nesse sistema de produção, pouca distinção é feita entre mãos de obreiros adultos ou menores.

Base da economia local, a folha do fumo tem de ser colhida e manufaturada em tempo certo, tudo contemplado em contratos firmados entre pequenos agricultores, em sua maior parte com grau de escolaridade não superior a quarta série, com grandes empresas multinacionais. A garantia de assimilação de toda a safra é um incentivo à não diversificação.

Toda e qualquer mão de obra é empregada [03], sobretudo em período de maior concentração de tarefas. A mão de obra é o principal instrumento para obter maior colheita e por via de conseqüência, maior rentabilidade, visto que toda a produção é assimilada pela indústria fumageira [04]. A economia local é genuinamente utilitarista: maior produção, melhor safra, maior rentabilidade, absorção integral no mercado de fumo. Essa lógica promove uma profunda alteração comportamental. Os princípios humanitários cedem espaço para fatores meramente utilitaristas.

Esse é o ambiente no qual pretendo examinar o instituto civil da emancipação, frente ao direito público subjetivo dos menores à educação fundamental.


A GARANTIA À EDUCAÇÃO ENQUANTO DIREITO FUNDAMENTAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A educação é um direito de natureza social ou de segunda grandeza. Tem por fundamento a afirmação da igualdade, em contraposição aos direitos de primeira geração, fundados na liberdade individual [05].

Na geração presente, a educação não é mais concebida como um produto, mas um processo que se desenvolve em vários espaços, não se limitando apenas à escola. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases,

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

É no mesmo sentido que a Constituição Federal também define a educação como um processo de vários atores, embora acometa mais diretamente ao Estado e à família o dever de assegura-la e àquele presta-la:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

E mais adiante, no parágrafo primeiro ao artigo 208, é a Constituição Federal que identifica a natureza jurídica da educação fundamental:

Parágrafo primeiro. O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

Direito público subjetivo é uma condição especial reconhecida pelo ordenamento jurídico que recai sobre um indivíduo e seus próprios atos de vontade. O jurista alemão Jellinek - cuja obra é um marco inicial e foi publicada em 1892 - definiu esta figura jurídica como sendo "o poder da vontade humana que, protegido e reconhecido pelo ordenamento jurídico, tem por objeto um bem ou interesse" [06].

Os direitos públicos subjetivos admitem ao titular uma especial prerrogativa de torna-los exigíveis e realizáveis. Em caso de omissão, os obrigados poderão ser cobrados, inclusive judicialmente. Assim, os obrigados têm o dever de fazer ou não fazer, em benefício do titular.

A exeqüibilidade inerente aos direitos públicos subjetivos asseguram o titular do direito frente à inércia do obrigado. Pode-se chegar inclusive à uma demanda judicializada tendente a realizar o objeto a que alude o direito violado.

De outra parte, e ainda para reforçar a amplitude do acometimento da realização do direito fundamental à educação, laborou a Carta Máxima Constitucional a admitir o princípio da proteção integral na defesa dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

E, ainda, retornando-se à Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (grifo nosso)

E mais: a não oferta de ensino regular gratuito e obrigatório implicará o reconhecimento de responsabilidade da autoridade negligente, assim definido no artigo 208, parágrafo 2º, da Constituição Federal.

No Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu o artigo 55, é dever dos pais matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Por óbvio que sua obrigação não termina no ato singelo da matrícula. É dever inerente ao poder familiar dos pais ou responsáveis, dirigir-lhes a educação e a criação. No Código Civil em vigor:

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Art. 1634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I. dirigir-lhes a educação e criação.

Nessas condições, positivou-se a educação na exata medida como se a tem reconhecido na doutrina:

  1. um direito fundamental, de natureza social, dependente da atuação dos atores sociais incumbidos de sua correspondente realização: o Estado e família.

  2. co-responsabilidade do Estado e da família

  3. reconhecimento de que educação é um processo que se desenvolve na escola, mas também em outros espaços sociais, tais como a sociedade, a família, a cultura, etc.

  4. princípio da proteção integral [07], no sentido de que o jovem com idade inferior a 18 anos deve ser colocado à salvo de qualquer forma de negligência dos atores sociais responsáveis pela correspondente realização do direito fundamental

  5. o ensino fundamental é um direito público subjetivo, de forma a se afirmar a sua universalidade e imprescindibilidade para o desenvolvimento do educando, capacitando-o ao exercício da cidadania e sua qualificação e inserção no trabalho. A par disso, a jurisdicização é característica inerente aos direitos público subjetivos, na medida em que investe o titular no direito de ação contra o devedor prestador omisso.

  6. é dever dos pais não somente matricularem seus filhos ou pupilos, mas também dirigir-lhes a criação e educação.

  7. a não oferta de ensino fundamental ou a sua irregularidade implicará a responsabilização da autoridade competente.

  8. é infração administrativa descumprir dolosa ou culposamente os deveres inerentes ao poder familiar [08]

E assim, no plano da legislação constitucional e infra-constitucional, consolida-se o ideário da dignidade da pessoa humana, a partir da educação, como uma das principais ferramentas indispensáveis a sua correspondente realização.


A EMANCIPAÇÃO VOLUNTÁRIA (DOS PAIS) E O DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO À EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL

A natureza jurídica da educação enquanto ferramenta de acessibilidade à cidadania é a condição de direito público subjetivo, cujo dever de presta-lo recai sobre o Estado e família, com a colaboração da sociedade.

O Estado, por intermédio de seus diversos entes federados, deverá instrumentalizar o direito à educação, com a alocação de espaços e corpo funcional, condições de recursos para custear a atividade, o transporte, merenda e material escolar, saúde do discente e, na seqüência, fiscalizando o correspondente serviço prestado para a manutenção de padrões mínimos de qualidade [09]. Os pais, a seu turno, devem viabilizar o encaminhamento, mediante o dever de matricular e fiscalizar a freqüência e aproveitamento escolar dos filhos menores de 18 anos. Assim:

Art. 6º. É dever dos pais ou responsáveis efetuar (sic) a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental [10].

A garantia de formação profissional e ao exercício pleno da cidadania depende não somente do acesso ao ambiente escolar, mas também a sua correspondente freqüência e aproveitamento:

Art. 5º (omissis)

Parágrafo 1º. Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração e com a assistência da União:

I. (omissis)

II. (omissis)

III. zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de

Omissis...

VII. informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e rendimento dos alunos.

A questão que se coloca é saber se esse direito público subjetivo à educação, não somente de acesso, permanência e qualidade de ensino, cujos co-responsáveis legais à sua correspondente realização é compartilhada entre Estado e família, pode ser afetada por ato individual dos pais de emanciparem seus filhos com idade entre 16 anos completos e 18 anos incompletos.

A resposta que se impõe é não. Os pais podem emancipar seus filhos com idade entre 16 completos e 18 incompletos, mas tal ato jurídico não implica nenhuma relativização ao direito público subjetivo da garantia ao ensino fundamental.

Primeiramente, a emancipação é um instituto de direito civil e acresce ao patrimônio jurídico do titular, embora por ato de seus pais ou responsáveis, uma série de outras capacidades e prerrogativas jurídicas no âmbito civil das relações. É um plus e portanto não poderia implicar o minus da perda de garantias constitucionais de acesso à cidadania.

Quanto aos pais ou responsáveis, não deixam eles de figurar como devedores de uma prestação – constitucional -. A educação como direito público subjetivo assegura uma especial condição de acesso às formas mais dignas de exercício da cidadania, sendo que o devedor de tal obrigação somente se desonera quando seus filhos ou pupilos completarem dezoito anos [11]. A exeqüibilidade do direito é-lhe inerente para assegurar o titular das omissões dos (co)obrigados.

Os pais ou responsáveis, a seu turno, ao emanciparem os filhos asseguram-lhe plena capacidade civil, mas não se desoneram da obrigação derivada do direito público subjetivo.

A lei regulamentadora do direito social à educação fundamental, i.é, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 6º, identifica uma obrigação que reflete sobre os direitos dos filhos na faixa etária entre 6 a 18 anos. A expressão ali consignada assenta-se no critério quantitativo-etário. Isto é, a matrícula deve incidir sobre os filhos menores, a partir dos seis anos de idade. Menores e menoridade não tem sentido de capacidade civil, mas de critério quantitativo de idade. Menoridade é um conceito meramente etário e identifica a população com idade inferior a 18 anos. Não pode ser concebida em sua função qualitativa de capacidade civil, pois isso implica direto confronto com a natureza de direito público subjetivo da educação fundamental.

Seja a atual lei civil, seja a que lhe antecedeu, reforçam o sentido quantitativo da expressão menor. Na Lei civil anterior, o artigo 5º já se referia ao menor de dezesseis anos (critério quantitativo) em seu inciso I para identificá-lo como uma pessoa absolutamente incapaz [12]. No artigo seguinte, faz-se alusão ao antônimo de menor, qual seja, os maiores de dezesseis e os menores de vinte e um anos como relativamente incapazes [13].

A disponibilidade dos direitos pelo próprio titular somente pode operar-se a partir dos seus 18 anos. Não antes, pois implicaria reconhecer que o titular da obrigação poderia desobrigar-se em prejuízo de um menor, cuja vontade ainda não é reconhecida como válida pelo ordenamento jurídico.

A atual legislação, Lei 10.406/2002 manteve a mesma sistemática, qual seja, a de utilizar a expressão menor em seu sentido quantitativo. Em seu artigo 5º

Art. 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I – os menores de 16 (dezesseis) anos;

O seu antônimo, maior, também é utilizado no sentido quantitativo:

Art. 4º São incapazes relativamente a certos ou à maneira de os exercer

I – os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 18 (dezoito) anos.

E adiante enuncia-se de forma mais clara a diferença entre menores e incapacidade.

Art. 5º A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil

Parágrafo único. Cessará para os menores, a incapacidade:

I. Por concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis ) anos cumpridos.

Assim, fica positivada a distinção entre menor e incapacidade. O substantivo menor tem um sentido descritivo-quantitativo, ou seja, reflete um fator de idade. Já a expressão incapacidade é uma condição do sujeito de ainda não ter adquirido aptidões e prerrogativas para desempenhar atos da vida civil. E, finalmente, emancipação é o ato jurídico capaz de antecipar, ou na expressão de Pontes de Miranda, complementar a idade para a aquisição das competências que lhe admitem realizar sem qualquer assistência os atos da vida civil.

O critério a ser empregado para interpretar a expressão menor consignada no artigo 6º da Lei de Diretrizes e Bases é o quantitativo-etário, de sorte que aos pais acomete-se a obrigação de matricular e fiscalizar a freqüência dos filhos menores que estão sob sua responsabilidade, quais sejam, os de dezoito anos incompletos. Aos dezoito, marco igualmente etário, cessa qualquer responsabilidade dos pais, porque agora os filhos passam a ser maiores, conforme definido no artigo 5º do atual Código Civil em vigor. A Lei de Diretrizes e Bases assegura o direito público subjetivo a ensino fundamental apenas para os menores de dezoito anos.

Como direito púbico subjetivo, não pode ser disposto por ato próprio e tão pouco de terceiro – no caso os pais ou responsáveis-. Deve ser assegurado com prioridade aos filhos menores de 18 anos e maiores de 6. Repita-se, como critério quantitativo-etário e não qualitativo.

A emancipação é um ato jurídico stricto sensu unilateral por natureza. É constitutiva porque admite um plus na conquista de direitos o que, por via de conseqüência, não se harmoniza com a supressão de um status constitucional. Os direitos conquistados são assimilados de imediato no patrimônio legal do seu titular, mas não lhe admite supressão de direito já conquistado na época em que era menor de idade, sobretudo os considerados consectários dos fundantes da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana [14]. É também um ato unilateral stricto sensu, porque depende apenas da reunião da vontade dos pais (ou tutores), prescindindo-se qualquer ato de parte do emancipando [15].

Ad argumentandum, ao admitir-se a emancipação para eximir os pais ou responsáveis, o titular do direito público subjetivo restaria sem ação contra uma forma muito específica de negligência e assim seria incontornável a violação do princípio constitucional da proteção integral, a saber:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)

Não se pode, pois, admitir que o ato emancipatório, constitutivo por natureza [16] , pudesse relativizar direito público subjetivo à educação fundamental já assimilado no patrimônio jurídico do adolescente, desde o seu nascimento.

Ademais, seria de todo paradoxal reconhecer a extinção da responsabilidade dos pais de filhos emancipados, visto que o ato unilateral exoneratório parte justamente do sujeito considerado por lei co-devedor do direito público subjetivo à educação fundamental. A extinção derivaria de uma negligência que deve ser combatida pelo princípio constitucional da proteção integral. Um paradoxo, para não dizer uma hipocrisia...


TRABALHO OU OBRIGAÇÃO: UMA REPRESENTAÇÃO DISTORCIDA SOBRE O MESMO FATO

Com as novas teorias sobre a plasticidade neuronal, a neurobiologia e as demais neurociências deram um salto em qualidade na compreensão dos efeitos do ambiente nas conexões cerebrais. Estudos recentes demonstram influência imediata das sensações que emergem das vivências e do meio sobre o comportamento humano e sobretudo nas emissões e recepções dos estímulos elétricos no cérebro humano. As emoções são capazes de promover formas individuais distintas neste complicado sistema de trocas, como também conduzir o estímulo por novos caminhos e áreas cerebrais. Cada ser é um ser único, porque distintas as formas tomadas por suas emoções e conexões cerebrais.

A transmissão do estímulo elétrico é condicionado pela emoção vivenciada pelo homem no exato momento em que está desenvolvendo um determinado comportamento. Em sendo assim, a emoção originária fica gravada no próprio comportamento, de sorte que a sua reprodução faz emergir na memória do homem as sensações vivenciadas anteriormente.

A própria representação da realidade sofre profundas transformações. A percepção está condicionada pelo sistema anteriormente montado na estrutura de trocas. É um código de valores, emoções e conceitos muito específicos que se inserem no comportamento e revividos a cada renovação do mesmo comportamento. É um processo que se (re)constrói não somente por memória sensorial (audição, visão, gustação, etc), mas sobretudo de emoções, valores e conceitos. Daí porque a percepção individual sofre direta ingerência do meio.

Tais teorias permitem justificar as reproduções de comportamentos aprendidos e constantemente observados. Na psicanálise, poderíamos justificar tal fenômeno pela identificação, assimilação e reprodução inconscientes.

Portanto, a convivência imprime um código de valores que são constantemente reproduzidos inconscientemente. Vivenciar experiências diárias (com a família ou responsáveis e os demais integrantes da sociedade) aonde o trabalho é insculpido como (única) forma de construção de um caráter honesto irá desencadear sucessivas conseqüências no futuro : a sujeição ideológica do trabalho e isso vem acontecendo cada vez mais precoce.

É sabido que trabalho precoce e escolarização são fenômenos comportamentais que acionam instâncias sensoriais diversas. O trabalho precoce, como uma contingência do passado e do presente, envolve o sujeito num processo primário de imediatidade. A escolarização, entretanto, conduz o sujeito a um processo movido pelo princípio da racionalidade, aonde o prazer é adiado e circunscreve o comportamento no campo do simbólico. Os desejos não são vazados imediatamente, mas transportados para um ambiente simbólico, aonde a linguagem, a racionalidade, a fantasia, os projetos são assimilados e acionados como motores de contenção do impulso. Assim, a motivação nesse segundo caso é presente, mas adia os benefícios para o futuro.

A educação é um processo de aprimoramento de aptidões que atuam no campo do simbólico: o raciocínio, memória, linguagem, sensopercepção, crítica e autocrítica, autocontrole e concentração. O trabalho precoce implica uma decisão a curto ou médio prazo: optar entre o simbólico da educação e a concreção e imediatidade do trabalho.

Essa reprodução de comportamento assimilado ao longo de anos cria um real prejuízo para as instituições convencerem a criança ou adolescente trabalhador de revisarem sua percepção da situação e adiarem seus desejos. E, ainda, de convencerem os pais ou responsáveis dos nefastos prejuízos derivados da sujeição, consciente ou inconsciente, do filhos ao trabalho precoce.

Para finalizar, a emancipação, pelos pais ou responsáveis, é vista como um instrumento de afirmação de todas as suas convicções e valores. Pais e filhos acreditam na coerência de suas opções. Cabe aos operadores jurídicos compreenderem multidisciplinarmente as causas (i)mediatas da decisão dos pais e identificarem quais os efeitos possíveis a serem extraídos do ato emancipatório.

A nosso juízo, o problema maior reside não na cultura assimilada individualmente , mas nas causas econômicas e sociais que motivam tal transformação. E essas questões mereceriam uma análise bem mais científica do que as contempladas no presente ensaio.

Sobre a autora
Simone Spadari

promotora da Infância e Juventude no Rio Grande do Sul, mestre em Direito, professora universitária de Ciências Criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPADARI, Simone. Efeitos da emancipação no dever prestacional dos pais ou responsáveis à educação fundamental dos filhos ou pupilos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1504, 14 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10280. Acesso em: 23 nov. 2024.

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