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Trabalho análogo à escravidão na indústria da moda brasileira

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Agenda 16/03/2023 às 13:40

2 ESCRAVIDÃO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

O trabalho escravo no Brasil existe desde a época da colonização, em que os escravos eram comercializados como mercadorias, sendo um negócio lucrativo. O processo do tráfico de escravos iniciava na África, com o transporte de diversos indivíduos em uma viagem que durava semanas, para realizar no país diversos tipos de trabalho, operados em condições desumanas.

A Abolição da Escravidão no Brasil se deu no dia 13 de maio de 1888, com a publicação da Lei Áurea. Com efeito, o trabalho escravo foi proibido no país, malgrado o trabalho análogo à escravidão ser, atualmente, uma realidade observada. (CAIXETA, 2017)

O trabalho análogo à escravidão faz uma analogia à escravidão conhecida historicamente, e existente nos períodos colonial e imperial. Ainda hoje, verifica-se que brasileiros são resgatados em condições subumanas, situação esta que viola a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB).

2.1 Conceito do trabalho análogo à escravidão

O trabalho análogo à escravidão se assemelha ao trabalho escravo, mas com a evolução da sociedade e a criação de normas, tem-se um conceito mais amplo. Nesse sentido, deve-se considerar não apenas o cerceamento de liberdade e o entendimento do trabalhador como um objeto, mas sim alguns aspectos regulamentados a partir da concepção de dignidade da pessoa humana.

A entidade organizacional que define o trabalho análogo à escravidão, e que apresenta as situações nas quais há a caracterização dessa forma de trabalho forçado, é a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A entidade foi fundada em 1919, sendo ligada à Organização das Nações Unidas, contando com 189 países membros.

No artigo 2º da Convenção sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório da OIT nº 29, entende-se que trabalho forçado ou obrigatório “compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. A Convenção nº 29 foi uma das primeiras normas internacionais a tratar do trabalho escravo (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1930).

Posteriormente, foi criada a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado nº 105 que a complementa, além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e os Pactos Internacionais de 1966. Consoante a OIT, devido a Declaração da OIT sobre Princípio e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, todos os países membros são obrigados a respeitar o princípio da eliminação do trabalho forçado, mesmo que não tenha ratificado as Convenções.

A OIT (2021) apresenta os seguintes dados: 49.6 milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna; quase quatro em cada cinco vítimas de exploração sexual comercial forçada são mulheres ou meninas; 3,31 milhões de crianças são vítimas de trabalho forçado; as pessoas trabalhadoras migrantes são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado.

Além disso, a OIT dispõe também que, entre 1995 e 2015, aproximadamente 50.000 trabalhadores que estavam em condições análogas à escravidão foram libertados, sendo a maioria deles migrantes atraídos por falsas promessas, em busca de oportunidades. A pecuária bovina era o setor com mais casos no Brasil, até a intensificação da fiscalização nos centros urbanos, quando então se que constatou que o maior número de casos passou a ser nos setores de confecções e construção civil. (CAIXETA, 2017)

No que diz respeito ao direito interno, saliente-se que existe norma dispondo acerca da vedação ao trabalho em condições análogas a de escravo. Trata-se do artigo 149, do Código Penal de 1940 (CP/40). Veja-se:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:

– cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

– mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (BRASIL, 1940).

O artigo 149 do CP/40 apresenta que o trabalho escravo acontece quando há presença de quatro elementos, individual ou conjuntamente. O primeiro elemento é o trabalho forçado que se trata do cerceamento de liberdade de se desligar do patrão; quando é realizado de forma obrigatória sem a possibilidade de abandonar o local; quando o trabalhador acaba preso por isolamento geográfico; quando se dá por apreensão de documentos, por fraude, por ameaças físicas e psicológicas.

O segundo elemento é servidão por dívida, que se refere à imposição de dívidas ilegais que crescem exponencialmente, referentes a gastos com meios essenciais como transporte, aluguel e alimentação. Esses gastos são descontados no salário, mas ultrapassam o valor que o trabalhador deveria receber, de forma que ele passa a ficar devendo e é obrigado a permanecer no trabalho, se tornando um ciclo.

Outra forma de se consumar o crime é por jornada exaustiva, que se trata de um expediente desgastante, uma jornada excessivamente longa que coloca em risco a integridade física e a saúde do trabalhador, visto que o intervalo entre as jornadas não é suficiente para que o trabalhador repouse e recupere suas forças. O pagamento por produção é um exemplo da jornada exaustiva no mercado de confecção de roupas, em que o trabalhador tem que trabalhar o máximo possível para receber o quanto ele precisa.

A outra hipótese é por condições degradantes, situações de trabalho subumanas, se tratando de um conjunto de elementos que acometem tanto na esfera profissional quanto nas suas necessidades básicas como alimentação, habitação e saneamento básico.

Na interpretação do referido artigo é visto que não há mais a exigência de cerceamento da liberdade para configurar trabalho análogo à escravidão, bastando submeter a condições degradantes de trabalho, trabalho forçado e longas jornadas. A pena prevista é de dois a oito anos de reclusão e o pagamento de multa, quando o crime for cometido contra criança ou adolescente ou por preconceito relacionado à cor, raça, etnia, religião ou origem a pena é aumentada.

Feitas essas considerações, saliente-se que o próximo tópico será responsável por discorrer acerca do perfil das vítimas do crime de trabalho análogo à condição de escravo.

2.2 Características do trabalho análogo à escravidão

A escravidão, nos moldes históricos, tinha como principal aspecto o cerceamento da liberdade do indivíduo, o qual era submetido a condições desumanas, além de ser tratado como objeto e mercadoria.

Em se tratando da escravidão contemporânea, tem-se situações de abusos que, por vezes, ocorrem até mesmo de forma velada, mas que apresentam aspectos análogos à escravidão já vivenciada no país. (SAKAMOTO, 2006)

Tem-se, por exemplo, situações de baixos salários, locais insalubres para o desempenho do ofício, bem como benefícios trabalhistas escassos, sendo comum que as vítimas se mantenham nesses ambientes por não terem outras oportunidades de emprego.

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Contino (2021, p. 3), analisa esse cenário de exploração da mão de obra, e diz que, “muitas vezes, imigrantes chegam às oficinas com poder de barganha nulo, não apresentam documentos, então sequer conseguem reclamar se vão ganhar 1 real ou 10 reais. É, portanto, um setor produtivo que está sujeito aos absurdos”.

No Brasil, parte desses trabalhadores é composta de estrangeiros, dentre eles alguns bolivianos, sendo que estes são reconhecidos por ter cultura da boa costura. Como tais trabalhadores vêm em busca de melhores condições de vida, por vezes a falta de emprego os torna vulneráveis a aceitar trabalhos nos quais são submetidos a condições degradantes (CAIXETA, 2017).

Esse tipo de trabalho se dá principalmente através da terceirização das “fábricas de suor”, oficinas que violam os direitos trabalhistas submetendo os trabalhadores a condições precárias de infraestrutura, excessiva jornada de trabalho e salários notadamente baixos, utilizando inclusive mão-de-obra infantil. Consoante a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a maioria dos empregados são mulheres. (BERNARDES et al., 2021)

Entende-se que algumas situações favorecem a ocorrência de exploração dos trabalhadores nos setores de produção de roupas. Cita-se, por exemplo, o fato de não se ter constante fiscalização nesses locais, como ocorre em outros setores de trabalho (CAIXETA, 2017).

Entre as formas de caracterizar o trabalho análogo à escravidão, estão aqueles em que as vítimas são submetidas a condições degradantes. No entanto, reconhece-se que muitos continuam compelidos a essas circunstâncias em razão de a remuneração recebida ser necessária à sua sobrevivência e de sua família.

Quando se tem casos de trabalho em condição análoga à escravidão, é comum que o trabalhador esteja sendo sujeitado à violência física, grave ameaça ou violência moral (ARAÚJO, 2021).

O abuso em face dos trabalhadores revela situação em que se tem um uso excessivo de poder do empregador em face da vítima, sendo que essa posição de superioridade perante o trabalhador ocorre com o objetivo de forçá-lo a fazer o deixar de fazer algo (MASSON, 2020).

Sakamoto (2006) aduz sobre o processo de recrutamento de pessoas utilizadas pelas empresas, destacando que o aliciamento se dá através de indivíduos responsáveis pela intermediação, buscando-se evitar, com isso, que as empresas não sejam responsabilizadas.

Quando os trabalhadores são recrutados, a eles são apresentadas falsas percepções do trabalho e garantias, de forma que passam a se interessar pelo emprego. Porém, atesta-se que, desde o transporte para a empresa, já se deparam com as condições inadequadas que a que serão submetidos (CAIXETA, 2017).

Dessa forma, as pessoas iniciam o trabalho com os custos do transporte, das ferramentas que precisarão para realização do trabalho, roupas, alojamento e alimentação. Essas dívidas já obrigam o indivíduo a se manter no trabalho, além de serem frequentes os casos em que os locais dos abusos não estarem próximos dos centros comerciais, o que se dá com o escopo de impossibilitar o contato com outras pessoas (SAKAMOTO, 2006).

O capitalismo é utilizado como instrumento por determinados empreendimentos econômicos no intuito de praticar concorrência desleal, de cortar custos para concorrer de forma desleal em uma economia extremamente globalizada.

Nesse sentido, a utilização do trabalho em condições análogas à de escravo busca a redução de gastos com a mão de obra e, via de consequência, diminuição no passivo e aumento nos lucros da empresa (ARAÚJO, 2021).

Feitas essas considerações, destaque-se que o próximo tópico será responsável por discorrer acerca da legislação existente para combate ao trabalho em condições análogas à de escravo, bem como outras medidas a serem adotadas para o combate a essa prática.


3 LEGISLAÇÕES E MEDIDAS ADOTADAS PARA O COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO

Para tratar da legislação é importante salientar que os princípios são uma espécie de norma jurídica. Sabe-se que a norma se divide em regras e princípios. A norma regra atua no campo do absoluto, sendo uma prescrição de conduta que exige uma determinada ação. Já a norma princípio auxilia na interpretação, buscando a melhor resolução para um litígio. Isto dito, destaca-se que:

Muito se fala que a desigualdade estampada nas relações trabalhistas, tendente a ser parcial no tocante aos obreiros. Todavia, insta salientar que no decorrer da história, o empregado sempre foi visto como mero meio de ganho de pecúnia, não sendo levados em conta os direitos dos empregados enquanto cidadãos e até mesmo como pessoas. (CAIXETA, 2017, p. 12)

Dessa forma, o Estado impõe regras com o objetivo de tutelar os direitos trabalhistas, buscando uma relação igualitária de acordo com os princípios estabelecidos como base, visto que o trabalhador se encontra em posição de hipossuficiência na relação de emprego.

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A dignidade da pessoa humana está consagrada no art. 1º, III da CRFB/88, reconhecendo a condição humana a ser manifestada na liberdade e respeitabilidade ínsita a todos os indivíduos. Há autores que consideram a dignidade da pessoa humana um metaprincípio, por se tratar de um eixo axiológico fundamental de toda a Constituição. (ARAÚJO, 2021)

Outrossim, destaque-se que, com base na hipossuficiência do trabalhador na relação de trabalho, o princípio da proteção busca corrigir essa desigualdade. No direito do trabalho, as relações jurídicas não são equilibradas, pois o empregado é o hipossuficiente, e se encontra em uma situação de dependência do serviço, não tendo a mesma liberdade e poder do empregador.

No direito do trabalho é notória a desigualdade econômica entre as partes, fazendo com que o legislador se veja constrangido a pelo menos tentar minimizar essa diferenciação. Não poderia o direito tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais. (CAIXETA, 2017, p. 4)

Também visando o equilíbrio da relação trabalhista, o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas impossibilita a renúncia dos benefícios do trabalhador, evitando a fraude na aplicação de preceitos trabalhistas. Dessa forma, há uma liberdade nos contratos de trabalho, desde que obedeçam às regras de proteção destinadas ao trabalhador.

Diante disso, é importante destacar as normas destinadas ao combate à exploração do trabalhador. Conforme salientado, a Lei Áurea foi responsável por determinar a abolição da escravidão no Brasil. Porém, a exploração da mão de obra em desacordo com a legislação nacional continua ocorrendo, ainda que, por vezes, de maneira não explícita. Nesse sentido, Fernandes (2019, p. 23) assinala:

O que a Princesa Isabel não imaginava é que a escravidão se perpetuaria ainda por muitos anos, até os dias atuais, só que agora de forma velada, maquiada de trabalho livre. É o trabalho exercido em situações degradantes, sem condições mínimas de segurança e higiene, acrescido de jornadas exaustivas.

A Convenção sobre Escravatura de 1926, celebrada em Genebra, teve como um dos seus objetivos obrigar os Estados participantes a adotarem medidas necessárias à erradicação da escravatura de forma célere, visto que o trabalho em condições análogas à de escravo persiste na sociedade.

Diante dessas considerações, o próximo tópico será responsável por discorrer sobre a legislação internacional adotada para combater o trabalho análogo a escravidão.

3.1 Legislação internacional

Tem-se uma vasta legislação que trata sobre o tema, e a legislação internacional é fulcral no que se refere ao combate análogo à escravidão na indústria da moda, pois, conforme salientado, é um ramo com uma vasta cadeia produtiva que se dá em mais de um país.

É importante salientar que a ONU é dividida em órgãos, dentre eles está o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. O primeiro tem sua atuação primordialmente em questões referentes à segurança internacional, enquanto o segundo atua principalmente na busca de relações amistosas entre os países, observando o fortalecimento da paz universal, a igualdade de direitos e a autodeterminação dos povos. (LOBATO; NEVES, 2013)

O autor distingue as resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança. O alcance jurídico das decisões proferidas pelo CS tem poder vinculante, ao passo que quando se trata das resoluções da AG, o mesmo não é observado. Isto porque não é possível entender o órgão como dotado de autoridade legislativa internacional. (LOBATO; NEVES, 2013 p. 7)

O estabelecimento de decisões sem poder vinculante, trata da possibilidade de criar obrigações para os destinatários. Dessa forma, apresenta um caráter voluntário, não gerando essa obrigação, servindo como uma recomendação. Esse caráter voluntário dispõe aos países uma maior liberdade, dificultando o controle do trabalho análogo à escravidão decorrente da produção de roupas.

Para tratar do trabalho análogo à escravidão na indústria da moda, é necessário observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que tem como objetivo o reconhecimento da dignidade e direitos iguais a todos, tratando da escravidão em seus artigos 4º e 5º.

Os mencionados dispositivos repudiam a escravidão, o tratamento cruel, desumano e degradante, dispondo que "ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas". A Declaração foi adotada sob a forma de resolução pela Assembleia Geral e consubstancia uma ética universal em relação à conduta dos Estados, no que se refere à proteção internacional dos direitos humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma das agências especializadas da ONU que surgiu em 1919, dentro do conceito da Liga das Nações, e foi anexada à ONU em 1945. A existência da OIT é justificada pela imprescindibilidade de se organizar legislações trabalhistas, sendo uma necessidade que surgiu desde os primórdios da industrialização. Hoje, a organização conta com 187 países-membros, possuindo um sistema tripartite, em que cada país-membro tem um representante do governo, um representante dos trabalhadores e um representante dos empregadores, sendo três indivíduos para cada um dos países-membros.

Para a OIT, o trabalho decente é condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho tem como missão propiciar o acesso a um trabalho decente através de quatro objetivos estratégicos, sendo eles a garantia de normas, princípios e direitos fundamentais no âmbito do trabalho, promover mais oportunidades de trabalho, proteger os trabalhadores socialmente e fortalecer o diálogo dentro do sistema tripartite.

Consoante a OIT, as principais normas internacionais que tratam sobre o trabalho forçado são a Convenção sobre Trabalho Forçado, a Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, o Protocolo à Convenção sobre o Trabalho Forçado e a Recomendação sobre Trabalho Forçado.

As normas da OIT sobre trabalho forçado e as observações dos de seus órgãos de supervisão, em combinação com sua experiência de assistência e cooperação técnica, constituem uma base importante para os Estados Membros desenvolverem respostas efetivas ao trabalho forçado. (OIT, s/d, s/n)

A Convenção sobre Trabalho Forçado de 1930 apresenta o termo "trabalho forçado ou obrigatório" como expressão adequada, sendo definido como trabalho que não é realizado de forma espontânea e sim sob ameaça de sanção. Além disso, a referida Convenção estabeleceu o prazo de cinco anos, a partir da data de entrada em vigor, como período de transição, analisando a possibilidade de extinção do trabalho forçado.

Tem-se, também, a Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado de 1957, que se trata da Convenção nº 105, reiterando as outras Convenções e proibindo o uso do trabalho forçado como forma de coerção ou educação política, como meio de desenvolvimento econômico, punição por greves ou discriminação.

Outro documento que trata sobre a escravidão é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que também é conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, sendo celebrada em 1969. Essa Convenção, em seu artigo 6º, proíbe a escravidão e servidão, dispondo que ninguém deve ser submetido a trabalho forçado, salvo em casos de cumprimento de sentença, serviço militar, serviço designado em caso de ameaça a existência ou bem-estar da comunidade ou serviço que integra as obrigações cívicas.

Feitas essas considerações acerca da legislação internacional que aborda acerca do trabalho análogo à condição de escravo, no próximo tópico será apresentada a legislação nacional sobre o assunto.

3.2 Legislação nacional

No âmbito nacional, a CRFB traz em seu artigo 1º os fundamentos da República, e dentre eles se encontram a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Além disso, a CRFB proíbe a tortura e o tratamento desumano, objetivando a todos uma existência digna.

Repise-se que a conduta tipificada no artigo 149 do CP/40 trata-se de um crime doloso, o qual exige a consciência e a vontade do autor para a prática do ato. O bem jurídico tutelado é a liberdade pessoal e se trata de um crime comum, sendo possível que qualquer pessoa esteja no polo passivo ou ativo do delito (BRASIL, 1940).

Na esteira do que discorre Araújo (2021), há de se destacar que o crime de submissão à condição análoga à de escravo terá a pena aumentada de metade quando cometido contra criança ou adolescente ou quando é praticado devido ao preconceito, raça, etnia, cor, origem ou religião.

Ademais, Fernandes (2019, p. 15) sustenta que:

O conceito de trabalho em condição análoga à de escravo não está restrito aos limites trazidos pelo art. 149 do Código Penal. Costuma-se dizer que é um topoi, um lugar comum, isto é, as pessoas sabem o que é, mas não se pode limitá-lo a um conceito estanque, sob pena de restringir indevidamente a sua aplicação no caso concreto.

No dia 16 de outubro de 2017, o Ministério do Trabalho publicou a Portaria nº 1.129, a qual foi responsável por apresentar conceitos relacionados ao trabalho escravo, objetivando a análise de concessão de seguro-desemprego para trabalhadores vítimas dessa exploração que fossem resgatados. O art. 1º da Portaria limita a condição análoga à de escravo ao cerceamento da liberdade de locomoção, apresentando que esse critério deveria ser observado para que a empresa seja inserida no Cadastro de Empregadores.

O Cadastro de Empregadores, também conhecido como "lista suja", apresenta o rol de empregadores flagrados pelas fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho, submetendo trabalhadores à condição análoga à de escravo. A inserção de uma pessoa física ou jurídica na lista se dá depois da prolação de decisão administrativa irrecorrível, visto que é assegurado o exercício do contraditório e da ampla defesa (BRASIL, 2017).

Quando um empregador é inserido no cadastro, ocorre a suspensão de financiamento público e privado, repasses de fundos constitucionais e benefícios fiscais. Além disso, as ações das empresas sofrem queda significativa na bolsa de valores, tendo impacto negativo na mídia e na sociedade, sendo pressionadas pelos investidores a adotarem as políticas de combate ao trabalho análogo à escravidão (FERNANDES, 2019).

O empregador permanece na lista por dois anos e, posteriormente, é feita uma nova inspeção para verificar as regularidades das condições de trabalho. Em caso de reincidência, o empregador permanece na lista por mais dois anos. Cabe destacar que a última atualização da lista foi no dia 30/05/2022, contendo 89 empregadores, sendo 31 de Minas Gerais.

Entretanto, o regramento que a Portaria nº 1.129 traz em relação à limitação da condição análoga a de escravo, no que diz respeito ao cerceamento da liberdade, diverge das outras legislações acerca do tema:

Em resposta a estas reações, o STF, através da Ministra Rosa Weber, suspendeu liminarmente a Portaria, por afrontar diretamente norma constitucional, fundamentando sua decisão no fato de, ao restringir indevidamente o conceito de 'redução à condição análoga a escravo', tal norma vulnerabilizar princípios basilares da Constituição. (CAIXETA, 2017, p. 14)

Sob essa perspectiva, entende-se que a portaria seria um retrocesso em relação a todos os avanços no combate ao trabalho análogo à escravidão, visto que não se trata apenas da proteção à liberdade, mas também da dignidade da pessoa humana, fundamento da República, devendo o Estado agir de forma positiva visando ao alcance desse fundamento.

Vê-se, portanto, que, inobstante a existência de legislação que buscam assegurar proteção ao trabalhador submetido a condições análogas à de escravo, ainda é necessário o aprimoramento de algumas regras, visto que estas podem dar ensejo à continuidade de algumas situações de ocorrência do ilícito em debate.

3.3 Fiscalização e medidas adotadas no Brasil

As políticas públicas adotadas no Brasil foram significativas para a busca de eficiência da fiscalização, como a atualização da “Lista Suja” que é feita a cada 6 meses, mas, diferentemente do que se espera, apresenta números indesejados da exploração de trabalho análogo ao escravo.

A terceirização acaba sendo um fator que dificulta o combate dessa exploração no Brasil, devido à extensa cadeia produtiva das roupas. Por isso, essa forma de transferência da execução do trabalho é adotada para facilitar a produção, mas também tem o objetivo de eximir as marcas de tradição e potencial econômico da responsabilidade pelas condições de trabalho.

Apesar da terceirização, as tomadoras dos serviços, na grande maioria das vezes, marcas de renome e grandes redes varejistas, têm sido responsabilizadas, pois são quem, na realidade, possui o poder para definir prazos e condições de trabalho. (CAIXETA, 2017, p. 26)

Ressalte-se que existem órgãos que têm a função de fiscalizar a prática de trabalho em condições análogas à de escravo. Nesse sentido, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF) foram criados em 1995, após o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso reconhecer a existência de trabalho forçado no Brasil, nascendo assim o sistema brasileiro de combate à escravidão contemporânea.

Consoante Sakamoto (2006), o GEFM é a principal medida adotada pelo Brasil em relação ao combate ao trabalho análogo à escravidão, visto que tem como finalidade a proteção de direitos humanos dos trabalhadores submetidos a essa condição ilícita.

Em 2001, foi empregado mais um avanço em relação ao combate ao trabalho forçado no Brasil. Trata-se da Medida Provisória nº 2.164-41 de 2001, a qual incluiu na Lei nº 7.998/90, Lei do seguro-desemprego, o artigo 2º-C, que garante aos trabalhadores resgatados do trabalho análogo à escravidão o recebimento do benefício de seguro-desemprego:

Art. 2º-C O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2o deste artigo. (BRASIL, 1990).

Essa foi uma medida fundamental, visto que o resgate não é suficiente para a erradicação do problema, pois é comum que pessoas se submetam ao trabalho análogo à escravidão em busca da sobrevivência. Com efeito, tem-se que, sem políticas de reinserção da vítima ao mercado de trabalho digno, elas não teriam outra opção além de se submeter novamente a condições degradantes (SAKAMOTO, 2006).

Em 2003, foi publicado, pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, o qual apresentou 76 metas para combater essa prática. (BRASIL, 2003)

O referido plano teve como foco a melhoria na estrutura administrativa do GEFM, melhoria na estrutura administrativa da Ação Policial, melhoria na estrutura administrativa do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho, ações específicas de promoção da cidadania e combate à impunidade, ações específicas de conscientização, capacitação e sensibilização da sociedade civil e alterações administrativas (BRASIL, 2003)

Conforme se infere da OIT, o plano apresentou resultados positivos, cumprindo, total ou parcialmente, 68,4% das metas estipuladas. Com isso, em 2008 foi publicado o 2º Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, representando uma atualização do primeiro plano, mantendo o foco, mas ampliando as metas (CAIXETA, 2017).

De acordo com Seabra (2022), houve uma diminuição da estrutura de fiscalização e das verbas designadas para combater o trabalho análogo à escravidão, sendo que a atuação positiva do Estado é fundamental para combater as ilegalidades que ocorrem na indústria da moda. Tem-se que, quanto maior a fiscalização, maior será a inibição dos empregadores que insistem na prática.

Em um primeiro momento, a fiscalização realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MTP) buscava a responsabilização social das marcas de roupa, tendo a título exemplificativo a C&A, a Riachuelo e a Marisa, que assinaram termos de ajustamento de conduta (TAC), se comprometendo a obrigações como advertir fornecedores que contratarem trabalhadores estrangeiros que estejam em situação irregular no país. Posteriormente, especialmente após constatarem trabalho análogo à escravidão na produção da marca Zara, o MPT começou a buscar também a responsabilidade jurídica das empresas. (FERNANDES, 2019)

Entretanto, mesmo diante de toda legislação acerca do tema, a punição que é destinada aos infratores ainda não é suficiente para reprimir a prática do ato. A pena para trabalho análogo a escravidão prevista no CP/40 é 2 a 8 anos de prisão, mas em alguns casos a pena é revertida, como no exemplo dado por Sakamoto:

Apesar de 17.983 trabalhadores terem sido libertados em 1.463 fazendas fiscalizadas, houve muitos poucos casos de condenação pelo artigo 149 do Código Penal, que prevê de dois a oito anos de prisão. Além disso, nenhum dos condenados, cumpriu pena na prisão. Esse é o caso publicamente conhecido de Antônio Barbosa de Melo, proprietário das fazendas Araguari e Alvorada, em Água Azul do Norte, Sul do Pará, cuja condenação foi revertida em doação de cestas básicas. Vale salientar que este fazendeiro foi reincidente no crime de trabalho escravo. (SAKAMOTO, 2006, p. 29)

A pena tem funções retributiva e preventiva, ou seja, de punição pela infração praticada, evitar a reincidência do ato e intimidar a prática aos demais cidadãos. Dessa forma, a impunidade gera incredibilidade à jurisdição do Estado, não reprimindo a prática do ato previsto no CP/40. Desse modo, é necessário que haja a modernização dos atos normativos acerca do trabalho análogo à condição de escravo, o fortalecimento da fiscalização, bem como a efetividade na punição dos infratores.

Sobre a autora
Maria Eduarda Costa Barros

Graduanda do curso de Direito da Faculdade Santo Agostinho de Montes Claros – MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Maria Eduarda Costa. Trabalho análogo à escravidão na indústria da moda brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7197, 16 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102945. Acesso em: 21 dez. 2024.

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