1. INTRODUÇÃO
No mês de outubro de 2021, um integrante da comitiva do Ministério de Minas e Energia do governo do então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, quando desembarcou no Aeroporto de Guarulhos, após uma viagem oficial ao Oriente Médio, passou a ser fiscalizado por um servidor da Receita Federal, oportunidade em que foram encontrados na posse desse assessor, um colar, um anel, um relógio e um par de brincos de diamantes, avaliados em 3 milhões de euros, aproximadamente R$ 16,5 milhões de reais, que seriam destinados à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro, presenteados pelo mandatário da Arábia Saudita.
Em ato contínuo, o precitado material foi confiscado pelo servidor da Receita Federal, pois as joias não haviam sido declaradas como “item pessoal”, que se sujeita ao pagamento de impostos, tampouco como presente oficial para o Estado brasileiro.
2. DETURPAÇÃO DO CASO PELA IMPRENSA
Vale salientar que o aludido caso foi publicado na data de 06/03/2023, pelo jornal de esquerda O Estado de S. Paulo, oportunidade em que o ministro Flávio Dino determinou que a PF investigasse a possível tentativa do governo Bolsonaro de ingressar ilegalmente com joias no Brasil.
Diante de tudo que a imprensa de esquerda tem manifestado sobre esse caso, no sentido de deturpá-lo sempre com o esteio de imputar a prática de qualquer crime contra a pessoa do então Presidente da República, Jair Bolsonaro, vale bem melhor avaliá-lo pelas palavras do próprio Jair Bolsonaro, afirmando o seguinte:
"Eu agora estou sendo crucificado no Brasil por um presente que não recebi. Eu estava no Brasil quando esse presente foi oferecido lá nos Emirados Árabes (sic) para o ministro das Minas e Energia. O assessor dele trouxe em um avião de carreira e ficou na alfândega, eu não fiquei sabendo. Dois, três dias depois a Presidência notificou a Alfândega que era para ir para um acervo. Até aí tudo bem, nada demais, poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, seria entregue à primeira-dama".
3. MANIFESTAÇÃO DO ENTÃO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Ademais disso, o então Presidente Bolsonaro afirma que desconhecia o valor das joias e ficou surpreso ao saber das estimativas, afirmado que,
"A imprensa fala uma coisa absurda. Eu teria que pagar 50% ou teria que pagar 8 milhões. Da onde eu teria que arranjar R$ 8 milhões, meu Deus do céu? Eu sou uma pessoa que não tenho bens para bancar tudo isso aí. Ponto final".
Neste sentido, o ex-presidente fez referência ao valor que teria que pagar, a fim de liberar a mercadoria retida na alfândega.
De acordo com a reportagem, o governo do então Presidente teria contado com o empenho do gabinete, para que as joias fossem liberadas, a exemplo do documento da lavra do Tenente-Coronel, Mauro Cid, ajudante de ordem, datado de 28/12/2022, dirigido ao então chefe da Receita Federal, o auditor Júlio Gomes, solicitando a liberação das mercadorias. Em seguida, Gomes teria enviado um e-mail à Superintendência da Receita Federal em São Paulo, determinando que o pedido fosse atendido. Contudo, os servidores da Receita Federal teriam resistido e insistindo que os procedimentos técnicos fossem seguidos, para a liberação das joias, que permanecem nos cofres do órgão da Receita Federal em Guarulhos.
De efeito, já nos Estados Unidos, onde permanece desde de dezembro de 2022, o ex-presidente Bolsonaro quando entrevistado, falou sobre o caso das joias, oportunidade em que este disse que a Michelle Bolsonaro poderia vir a usar as joias, porém garantiu que elas seriam incorporadas ao acervo da Presidência da República, embora o assessor do Ministério de Minas e Energia tenha trazido os bens sem declarar, que as joias iriam para o acervo e seriam entregues à primeira-dama, de acordo com a legislação.
Segundo a ex-primeira-dama afirmou no Instagram não ser proprietária das joias, dizendo que,
"Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein? Estou rindo da falta de cabimento dessa imprensa vexatória".
No que diz respeito a origem das joias, segundo a reportagem, estas foram encontradas por servidores da Receita Federal, na mochila do militar e assessor do Ministro de Minas e Energia, Marcos André Santos Soeiro, quando do seu retorno ao Brasil, após visita a Arábia Saudita.
4. DETERMINAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO PELA PF
Vale salientar, que o aludido caso foi publicado na data de 06/03/2023, pelo jornal de esquerda O Estado de S. Paulo, oportunidade em que o ministro Flávio Dino determinou que a PF investigue, sobre a possível tentativa do governo Bolsonaro de ingressar ilegalmente com joias no Brasil.
De conformidade com o teor do ofício encaminhado à Polícia Federal pelo ministro da Justiça, há afirmação de que,
“Os fatos, da forma como se apresentam, podem configurar crimes contra a Administração Pública tipificados no Código Penal, entre outros. No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim com à vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”.
No entanto, o precitado ofício não tipifica os crimes que podem ter sido cometidos. Porém, quando entrevistado, o ministro Flavio Dino especificou, dizendo que a PF deve investigar a ocorrência de três delitos: descaminho, peculato e lavagem de dinheiro.
5. ANÁLISE DOS CRIMES APONTADOS PELO MINISTRO DA JUSTIÇA
Como é cediço, que o Descaminho é tipificado como uma tentativa de driblar “no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. No entanto, no presente caso não há incidência de imposto, uma vez que se trata de um presente oficial concedido a uma autoridade brasileira, porquanto afastada a incidência do crime de descaminho. Porém, a mercadoria teria que ser declarada à Receita Federal como pertencente ao patrimônio da União, o que deixou de ser providenciado pelo assessor do Ministério de Minas e Energia, configurando-se apenas uma irregularidade administrativa saneável.
O segundo crime apontado pelo ministro Dino, no caso o Peculato, também não é pertinente, uma vez que somente o servidor público de carreira pode praticá-lo.
Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, que diz respeito a tentativa de ocultar a origem ilícita de um bem, também não há cabimento, uma vez que o bem, ora analisado, é de origem lícita e certamente não havia intenção de ocultá-lo.
6. ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO DO TCU
Analisando-se a legislação específica e pertinente a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos Presidentes da República, tipificadas na Lei nº 8.394, de 1991 e de sua regulamentação, por meio do Decreto nº 4.344, de 2020 e, inclusive no inciso II, do artigo 15, do Decreto nº 4.073, de 2002.
De efeito, vislumbrando-se a Lei nº 8.394, de 1991, mais especificamente nos preceitos dos artigos 2º e 3º, citados abaixo:
“Art. 2º. Os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda”.
“Art. 3° Os acervos documentais privados dos presidentes da República integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público para os fins de aplicação do § 1° do art. 216 da Constituição Federal, e são sujeitos às seguintes restrições”:
“I - em caso de venda, a União terá direito de preferência”; e
“II - não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União”.
No pertinente a natureza jurídica e o alcance da expressão “acervo documental privado do Presidente da República” são tipificadas pelo artigo 2º do Decreto nº 4.344, de 2002, infra:
“Art. 2° O acervo documental privado do cidadão eleito presidente da República é considerado presidencial a partir de sua diplomação, independentemente de o documento ter sido produzido ou acumulado antes, durante ou depois do mandato presidencial”.
Por outro lado, o artigo 2º da Lei nº 8.394, de 1991, estabelece como sendo de natureza privada, de propriedade do Presidente da República, os documentos que constituem o referido acervo”:
“Art. 2° Os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda”.
Ademais disso, nos termos do inciso II, do parágrafo único do artigo 3º do Decreto nº 4.344, de 2002, não são considerados integrantes do acervo documental, privado do Presidente da República os presentes trocados ou recebidos por este, em situações caracterizadas oficialmente como cerimônia de trocas de presentes, os quais devem ser integrados ao patrimônio da Presidência da República e, não, do cidadão eleito presidente da República.
Neste sentido, as normas que cuidam exclusivamente da produção documental dos Presidentes, devem ser interpretadas de conformidade com o precitado preceito legal, ou seja, os presentes só devem ser incorporados ao patrimônio público, na hipótese de terem sido recebidos em solenidades de troca de presentes.
É cediço que, em decorrência da carência de previsão legal sobre o tema presente, o precitado artigo passou a ser utilizado como respaldo legal à interpretação de presentes recebidos pelos mandatários só poderiam ser incorporados ao patrimônio público, na hipótese de terem sido recebidos em solenidades de troca de presentes.
Por outra monta, no que é estabelecido de que “os documentos biográficos e museológicos recebidos em cerimônia de troca de presentes”, realmente são indiscutivelmente públicos e não privados.
Analogicamente, entende-se, também, que os presentes recebidos nessas cerimônias seriam obrigatoriamente públicos, conforme dispõe a legislação.
Em decorrência dessa falta de previsão legal no pertinente ao questionamento sobre presentes trocados ou recebidos pelos mandatários da nação, o TCU no ano de 2016, editou o Acórdão TCU nº 2255, de 2016, modificando a interpretação acima mencionada, respaldando-se nos princípios constitucional e do direito administrativo da moralidade e da razoabilidade, nos termos do artigo 37, da CF/88.
Neste sentido, o próprio julgamento do TCU considerou não haver previsão legal e clara para restabelecer regras quanto ao recebimento e posse de presentes pelos presidentes da República brasileira, trazendo em consequência dessa imprevisibilidade normativa, o entendimento dos mandatários ou seus assessores de que ao final do mandato o bem ficaria sob o domínio público e a outra parte seria incorporada ao patrimônio privado.
Vale ressaltar que, dentre outros argumentos prolatados pelo ministro-relator do TCU, a situação de que dinheiro utilizado para bancar presentes, ofertados pelas autoridades estrangeiras saem dos cofres públicos. Porquanto, em contrapartida, os presentes recebidos, também, devem ser públicos, salvante os itens de uso pessoal ou de caráter personalíssimo.
Ora, este argumento não é pertinente a perquirição do ministro-relator do TCU, uma vez que a origem do presente não foi apontada pela autoridade estrangeira, mormente por ser público e notório que a Arábia Saudita é regida por monarquia absoluta teocrática e desprovido de política, com o domínio total do rei no país. Assim sendo, consequentemente, as joias presenteadas são de origem privadas e de caráter personalíssimo.
7. LEVANTAMENTO DOS PRESENTES IDENTIFICADOS PELO TCU
Por outra monta, nesse mesmo acórdão, o TCU demonstrou haver identificado 1.073 presentes recebidos no período de 2002 a 2016, e que apenas 15 bens haviam sido incorporados ao patrimônio público. Destarte, determinou a devolução de 434 presentes recebidos pelo então presidente Lula da Silva, no período de 2003 a 2010, e 117 presentes recebidos por Dilma Rousseff no período de 2011 a 2016.
Por intermédio de um monitoramento das determinações do acórdão de agosto de 2019, o TCU demonstrou que os assessores de Lula da Silva haviam devolvido à esfera pública 360 dos 434 presentes, que se encontravam guardados no galpão do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP).
No que diz respeito a ex-presidente Dilma Rousseff, seus assessores indicaram que os bens sob a sua responsabilidade, estariam guardados no galpão da cooperativa dos trabalhadores assentados na região de Porto Alegre, em Eldorado do Sul (RS), informando que lá foram encontrados 111 dos 117 presentes requisitados.
No ano de 2020, os precitados casos foram arquivados sob o argumento de que as recomendações do Acórdão de 2016 foram cumpridas.
8. JULGAMENTO DO ENTÃO PRESIDENTE BOLSONARO PELO TCU
Na data de 01/03/2023, o TCU julgou caso análogo, com a aprovação do Acórdão nº 326, de 2023, orientando a comitiva do governo Jair Bolsonaro, que fora ao Qatar em 2019, a fazer entrega ao patrimônio público brasileiro, os relógios de grifes das marcas Hublot e Cartier, ambos avaliados em R$ 53 mil reais cada um, que foram recebidos e presenteados aos ex-ministros Gilson Machado do Turismo e Ernesto Araújo das Relações Exteriores, além do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS).
Em suma, em 2016, o TCU considerou que o recebimento dos presentes contraria os princípios constitucionais da razoabilidade e da moralidade.
Vale dizer que, a razoabilidade é uma legitimadora da moralidade da Administração Pública, uma vez que aquela auxilia a moralidade na detecção de desvio de poder.
Na data de 09/03/2023, o ministro Augusto Nardes do TCU, decidiu liminarmente e monocraticamente, em processo de representação, que o ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, se abstenha de usar, dispor ou alienar qualquer peça oriunda do acervo de joias, relativamente ao Processo TC 003.679/2023-3, até que haja apreciação definitiva da questão pelo Tribunal.
O aludido procedimento é uma representação com o esteio de apurar indícios de irregularidades atinentes à tentativa de entrada no país de joias no valor total de 3 milhões de euros.
Segundo o ministro-relator, os indícios “revelam-se de elevada gravidade, seja pelo valor dos objetos questionados, seja pela relevância dos cargos ocupados pelos eventuais autores das irregularidades tratadas”.
Por meio de despacho, o relator determinou a realização de oitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-ministro de Minas Energia, Bento Albuquerque, para se manifestarem sobre os presentes recebidos e os indícios de irregularidades atinentes ao caso.
Ademais disso, o relator determinou diligências à PF e a Receita Federal para, no prazo de 15 dias, enviem informações e documentos sobre o material apreendido em outubro de 2021.
9. ANÁLISE DAS OCORRÊNCIAS FÁTICAS
Destarte, analisando-se toda a desenvoltura das ocorrências fáticas precitadas, chega-se a dedução de que, em primeiro lugar, de que o ex-presidente da República e a ex-primeira-dama não podem ser responsabilizado pela prática de quaisquer crimes, mormente porque a conduta descrita não tem previsibilidade penal e mesmo que assim fosse, não houve nenhuma participação do casal, decorrente do ingresso irregular no país dos bens apreendidos pela Receita Federal, havendo, tão somente, a presença de irregularidades procedimentais administrativas atinente ao fisco, que deveriam ter sido evitadas, mediante declaração cabível, mas que podem ser saneadas.
No pertinente a imposição dos fatos como delituosos, não há o que perquirir, uma vez que presente está a atipicidade, pois, segundo o artigo 5º, inciso XXXIX, da CF/88, reza que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. E, de modo análogo, o artigo 1º do Código Penal, dispondo que, “não há crime sem lei anterior que o defina”.
No que diz respeito a atribuição do Tribunal de Contas da União (TCU), nos termos da Lei nº 8.443, de 1992, em termos gerais é um órgão responsável pela análise e julgamento das contas dos administradores de recursos públicos federais, dentre eles, o Presidente da República. Ademais, é um órgão que julga, porém não faz parte do Poder Judiciário, sendo ligado ao Poder Legislativo, embora sem subordinação.
Ademais disso, o TCU é uma entidade auxiliar do Congresso Nacional, cuja competência atributiva está prevista na CF/88 e na Lei Orgânica nº 8.443, de 1992, no Decreto nº 4.344, de 2002, inclusive em seu Regimento Interno, atuando na fiscalização do uso de recursos e bens públicos e de subvenções e renúncia de receitas, cuja atividade é chamada de controle externo, uma vez que, o tribunal fiscaliza a gestão de recursos como uma instituição que está fora da estrutura administrativa federal, nos termos do artigo 71, da CF/88 e do artigo 1º do RI.
Na observância da legislação pertinente ao TCU, não se vislumbra no âmbito de sua competência, o direito de julgar o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, no caso do ingresso irregular das joias presenteadas, por intermédio de um assessor do então Ministro de Minas e Energia. Mormente, diante da previsão do inciso II, parágrafo único, do artigo 3º do Decreto nº 4.344, de 2002, onde no seu contexto legal, estabelece que “não fazem parte do acervo documental privado do Presidente da República, os presentes trocados ou recebidos por este, em situações caracterizadas oficialmente como cerimônia de trocas de presentes, os quais devem ser integrados ao patrimônio da Presidência da República e, não, do cidadão eleito Presidente da República”. Em outra palavra, in casu, é cediço que não houve troca de presentes, tampouco os presentes foram recebidos em cerimônia, mormente porque sequer o então Presidente da República, Jair Bolsonaro e sua então Primeira-Dama, estiveram presentes quando os presentes foram entregues ao Assessor do Ministro de Minas Energia.
Destarte, diante da precitada previsão reguladora da Lei nº 8.443, de 1992, acima mencionada, os presentes são considerados privados podendo ser incorporados no patrimônio do ex-presidente da República, em face da interpretação dada pelo Decreto nº 4.344, de 2002, único regulamento legal que trata da matéria ora apreciada e, em face da omissão legislativa, impedido está o TCU de julgar do aludido episódio por carência de atribuição legal, por se tratar de um órgão incumbido de apenas analisar e julgar as contas do Presidente da República e de demais gestores públicos federais. Ademais, neste específico caso pode julgar, porém não faz parte do Poder Judiciário, atuando como auxiliar no âmbito do Poder Legislativo, mas sem nenhuma subordinação legal, nos termos do artigo 71, da CF/88 e artigo 1º, do RI.
No pertinente a atribuição do TCU, o órgão atua na fiscalização do uso de recursos e bens públicos, além de subversões e renúncias de receitas. Porquanto, no caso, sequer os presentes foram precisamente e legalmente incorporados ao patrimônio público, para que o TCU pudesse atuar como um órgão fiscalizador, prolatando uma decisão monocrática, com base no Processo nº TC 003.679/2023-3, mediante um Acórdão, sem precisar qual a regra infringida, apenas embasando-se em princípios do Direito Administrativo da Razoabilidade e da Moralidade.
De efeito, vale salientar que toda a proibição de recebimento de presentes na esfera do Poder Público, deve necessariamente ter previsão legislativa para que se possa coibi-la, como nos casos seguintes:
1 – A Lei de Conflitos de Interesses (LCI), prevista na Lei nº 12.813, de 2013 e regulamentada pelo Decreto nº 10.889, de 2021, cujas legislações proíbem o recebimento de presentes por Agentes Públicos, oferecidos por pessoas que tenham interesses em suas decisões ou de colegiados, dos quais participem.
Neste sentido, mesmo que o presente tenha sido oferecido por um amigo, mas que este tenha interesse em decisão do agente público, configura-se o conflito de interesse.
Destarte, nos termos do Decreto nº 10.889, de 2021, os brindes e hospitalidades não são considerados presentes, nos termos normativos.
2 – Na condição de Servidor Público, regido pelo inciso XII, do artigo 117 da Lei nº 8.112, de 1990, há proibição de receber presente, propina, comissão ou qualquer tipo de vantagem, em razão de suas atribuições.
3 – O Código de Conduta da Alta Administração (CCAAF), publicado em 29/12/2020, em seu artigo 9º, proíbe a aceitação de presente, dado por pessoa, empresa ou entidade, que tenha interesse em decisão da autoridade ou da entidade a que esta pertença. E, nos termos do artigo 2º do Código, oferece o rol das autoridades públicas seguintes: Ministros e Secretários de Estado (I); Secretários-Executivos, Secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS, nível seis (II); Presidentes e Diretores de Agências Nacionais, Autarquias, inclusive as especiais, Fundações mantidas pelo Poder Público, Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista (III).
Na perquirição de que um presente foi oferecido em razão do cargo do servidor público, deve ser levado em consideração:
quando estiver sujeito à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a autoridade;
tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que possa ser tomada pela autoridade em razão do cargo;
mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a autoridade;
represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de pessoa, empresa ou entidade compreendida nas hipóteses anteriores.
No que diz respeito a aceitação de presente admitida, há duas hipóteses, a primeira, que tenha recebido de parente ou amigo, desde que o seu custo tenha sido arcado por ele próprio e não por terceiro, que tenha interesse em decisão da autoridade ou do órgão a que ela pertence. A segundo, que tenha recebido de autoridade estrangeira, nas hipóteses protocolares, ou em razão do exercício de funções diplomáticas.
Por outra monta, há casos em que a recusa do presente pode ser substituída por sua doação. Nesse caso, muitas vezes a devolução do presente não pode ser feita imediatamente, ou mesmo porque o servidor não o recebeu pessoalmente, ou até o ato de recusa em devolver de imediato pode causar constrangimento. Assim, na hipótese de a devolução posterior implicar em despesas para o servidor, ele poderá, de forma alternativa, doá-lo.
Na hipótese de doação, esta poderá ser feita a uma entidade de caráter assistencial ou filantrópico, desde que reconhecida como entidade de utilidade pública.
Caso o presente for um bem não perecível, a exemplo de um eletrodoméstico ou um relógio, a entidade deverá se comprometer, por escrito, a aplica-lo ou o seu produto, em suas atividades. Quanto aos bens perecíveis, como alimentos, serão consumidos pela própria entidade.
No caso em que o bem for de valor histórico, cultural ou artístico, este deverá ser transferido ao IPHAN, para que o bem tenha o seu destino adequado.
Vale relevar que, na doação, o servidor deve exigir o comprovante do órgão que recebeu o presente doado.
A Comissão de Ética (CE-CVM), recomenda, sempre que necessário, que o servidor comunique a pessoa que ofertou o presente o destino dado a mesmo, com o esteio de ser evitadas novos casos de recebimento de presentes.
Com relação a aceitação do presente como um brinde, este se caracteriza como uma lembrança distribuída a título de cortesia, propaganda, divulgação habitual ou em ocasiões de eventos ou datas comemorativas de caráter histórico ou cultural.
No pertinente ao valor do brinde, este não pode ser superior a R$ 100,00. Ademais, a sua distribuição deve ser ampla e irrestrita, ou seja, não se destinar exclusivamente a determinado servidor público. E, em suma, o brinde não pode ser aceito, quando distribuído por uma mesma pessoa, empresa ou entidade a período inferiores a 12 meses.
Em suma, conclusivamente, chega-se ao entendimento cristalino de que todas as regras constitucionais, infraconstitucionais e administrativas devam ser rigorosamente obedecidas pelos entes do Poder Público, mormente quando se trata de uma decisum já formulada anteriormente, que infelizmente é tratada pela expressão popular e oficial de “dois pesos e duas medidas”, registrada inicialmente na Bíblia Sagrada, mais precisamente no Livro de Deuteronômio (25:13-16), que deu origem ao uso da precitada expressão, mas popularmente e imparcialmente é utilizada para indicar “um ato injusto e desonesto”, relacionando-a com situações similares que são tratadas de formas completamente diferentes e diferenciados, a mercê do interesse e da vontade das pessoas que as executam.
Neste caso, como já acima exposicionado, nos períodos de 2003 a 2010 e 2011 a 2016, o TCU conseguiu identificar 1.073 presentes recebidos nesses períodos, enquanto que apenas 15 presentes haviam sido incorporados ao patrimônio público. Destarte, o TCU determinou a devolução de 432 presentes recebidos pelo então presidente Lula da Silva e 117 presentes recebidos pela então presidente Dilma Rousseff.
Em seguida, os assessores de Lula da Silva devolveram 360 dos 432 presentes ao patrimônio público, ou seja, omitiram-se de devolver 70 presentes, enquanto que os assessores de Dilma Rousseff devolveram 111 dos 117 presentes, ou seja, omitiram-se de devolver 7 presentes.
Diante desse levantamento procedido pelo TCU, observa-se o flagrante descumprimento total dos atos determinados. No entanto, nenhuma medida, na época, foi sugerida no Acórdão do TCU, prolatado pelo ministro-relator, como as oitivas dos ex-mandatários pela Polícia Federal; e apurações por parte da Polícia Federal e da Receita Federal.
Por outro lado, no Acórdão nº 2255/2016-TCU-Plenário, objeto do Processo nº TC 011.591/2016-1, há tão somente a manifestação sobre a presença de omissões pela não designação de sindicância ou de termo circunstanciado administrativo, visando a apuração dos fatos e das responsabilidades pelos diversos extravios de bens nas unidades da Presidência da República. Ademais, por não haver sido identificado os responsáveis pelos danos causados, diante da existência da comunicação sobre a existência de bens extraviados, além da intempestividade na apuração dos fatos que deram causa aos extravios.
Ademais disso, não foi explicado pelo precitado Acórdão, como todos esses presentes ingressaram no território nacional, sem que fossem fiscalizados pela Receita Federal do Brasil.
Assim sendo, ao invés de obedecer aos mesmo critérios decisórios, dirigidos ao então Presidente da República, Jair Bolsonaro, o plenário do TCU apenas determinou o encaminhamento de cópia do acórdão, do relatório e do voto, ao ministro das Relações Exteriores, ao ministro da Casa Civil, ao secretário-geral de Administração; ao chefe de Gabinete e ao chefe do Cerimonial da Presidência da República.
Conclusivamente, no ano de 2020, os mencionados casos julgados pelo TCU foram arquivados, sob o argumento de que as recomendações do Acórdão nº 2255, de 2016 foram cumpridas, constituindo-se, a não mais poder, a aplicação prática da expressão “dois pesos e duas medidas”.
10. FONTES DE CONSULTA
Constituição Federal de 1988
Leis Infraconstitucionais
Acórdão nº 2255/2016-TCU (TC 011.591/2016)
Acórdão nº 326/2023 (TC 003.679/2023)