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O caso Bombardier versus Embraer:

análise crítica do emprego da retaliação no seio do sistema de solução de controvérsias da OMC

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Agenda 24/08/2007 às 00:00

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Eu penei, mas aqui cheguei

            ("Pau-de-Arara" - Luiz Gonzaga)

            O sistema internacional passa por um momento de profundas mudanças que se refletem, principalmente, nas relações dos atores envolvidos nos processos negociais e na estruturação de sua base de poder. A hegemonia, entretanto, não pode ser exercida somente através de meios materiais, financeiros e tecnológicos. É imprescindível que ela atue igualmente no campo dos valores, ou seja, da ideologia – uma concepção do intelecto que elabora uma teoria acerca da situação segundo seus interesses, valores e atitudes.

            O desenvolvimento dos meios de comunicação e o fim dos antigos sistemas políticos, associados ao aumento e diversificação dos fluxos econômicos, sociais e culturais, implicaram em uma nova configuração do cenário mundial. Essa integração organizada, entre uma multiplicidade de economias nacionais, requer um mecanismo de interface de mediação, inclusive porque o comércio entre os países tem como uma de suas bases as diferenças de vantagens comparativas entre as economias. A OMC é esse mecanismo.

            Tal mecanismo é fundamental porque o mercado nunca é perfeito e não opera no vazio. Requer uma moldura jurídica que exprime realidades políticas e econômicas. Além disso, se o mercado e a competição podem ser vistos como uma luta de todos por todos – é a tese do doux commerce – é também, simultaneamente, a luta de todos contra todos. Imprescindível é que o comércio internacional transforme-se numa alavanca do desenvolvimento e da redução das desigualdades sociais e, portanto, que a liberalização não se faça a qualquer preço.

            A idéia diretiva da OMC é a de que a gestão dessa relação, de conflito e cooperação, deve ser um jogo que tem normas, compartilhadas por todos que dele participam e vistas por todos como as de um fair play. Nesse sentido, o patrimônio da OMC não são recursos, mas sim a credibilidade, a aceitabilidade e a observância de suas normas.

            Nesse sentido, o campo das soluções pacíficas de controvérsias internacionais sempre ocupou um lugar de destaque no Direito Internacional Público, pois representam um duplo papel nas relações internacionais: solucionar questões controvertidas entre Estados, e, ao mesmo tempo, servir de prevenção a que estes recorram a medidas extremas, que importam na própria negação do Direito Internacional, como o uso de represálias econômicas ilegítimas, de ameaça ou uso de represálias militares, até uma situação de guerra declarada.

            Cabe, pois, uma avaliação – tendo em vista a evolução histórica – da perspectiva acerca da possibilidade da promoção de alterações no ESC, de forma a se reformular o rol de sanções disponíveis no sistema de solução de controvérsias da OMC.

            No ponto de partida do GATT, os governos das partes contratantes tinham como cara a liberdade para desobedecer as suas regras, o que gerou, em meio a alguns sucessos, uma grande lista de fracassos do sistema que antecedeu ao hoje vigente na OMC. Acreditava-se que o sistema de solução de controvérsias funcionaria melhor se o membro demandado participasse de forma estritamente voluntária, sendo contraproducente tentar forças os governos a adotar decisões que eles não estariam aptos a cumprir voluntariamente.

            A mudança de atitude, que levou à aprovação do texto do ESC atualmente em vigor, operou-se em virtude da crescente utilização, pelos Estados Unidos, de mecanismos internos para adjudicar questões de descumprimento, por outras partes do GATT, de suas obrigações previstas naquele acordo, o que levava à imposição unilateral de sanções contra as partes tidas como em violação das normas do GATT. O atual texto do ESC nasceu nesse contexto, passando a servir, a partir de sua entrada em vigor em 1995, a uma clientela bastante relutante, que ainda tinha sérias reservas à obediência de decisões de órgãos adjudicatórios internacionais.

            Dessa forma, a conclusão é a de que o sistema de tomada decisões hoje vigente na OMC impede a realização de uma reforma do ESC que seja significativa a ponto de incluir inovações quanto às sanções previstas. Isto ocorre porque: (a) o Acordo Constitutivo da OMC prevê um quorum unânime para a alteração do texto de seu Anexo 2, o ESC; (b) os países desenvolvidos possuem constante aversão a submeter-se a qualquer tipo de votação em que estejam envolvidos países em desenvolvimento; (c) não há acordo entre os próprios países desenvolvidos quanto a diversas questões fundamentais referentes ao comércio mundial; (d) alguns congressistas norte-americanos possuem o pensamento de que a opção de descumprimento, hoje disponível aos países ricos, é indispensável à proteção mínima da soberania dos membros da OMC.

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            Configura-se assim a forte resistência a qualquer tentativa de se conferir mais eficácia ao sistema de solução de controvérsias da OMC, através da indução de demandados ao cumprimento de decisões, não havendo qualquer avanço concreto no sentido de se alterar o atual regime das contramedidas.

            Não obstante, a questão continua na pauta de negociações, o que mantém aberta a possibilidade de, uma vez obtido o grau de consenso necessário, ser alterado o corrente sistema de retaliação no mecanismo de solução de controvérsias da entidade.

            No tocante ao sistema de solução de controvérsias adotado no âmbito da OMC – o Dispute Settlement Body – pode até restar a imagem de que tal sistema é ineficaz, uma vez que as decisões dele emanadas, por si só, não são capazes de conferir plena satisfação aos que recorrem ao mesmo, haja vista a duvidosa utilidade do poder de retaliar concedido ao vencedor.

            Essa imagem, todavia, não corresponde à realidade. Aos se analisar a forma como o DSB se encontra estruturado, verifica-se que o mesmo não foi efetivamente concebido para autorizar a aplicação de sanções – não se destinando a funcionar como uma espécie de "poder de polícia". Ao revés, em todos os seus termos, o Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre Solução de Controvérsias prioriza a solução negociada e as consultas bilaterais entre as partes envolvidas, na tentativa de promover o entendimento e evitar que os conflitos comerciais evoluam para o quadro crítico de sanções e retaliações comerciais. Ressalte-se que, na medida do possível, o OSC vem obtendo êxito nesse campo.

            O fato de o sistema de solução de controvérsias da OMC conter imperfeições, e, sobretudo, de ainda não oferecer mecanismos que permitam conferir satisfação integral às partes prejudicadas por condutas contrárias aos acordos comerciais firmados, não retira a sua importância no cenário do comércio internacional, nem tampouco o coloca em uma situação sob suspeita. Sua atuação vem sendo pautada na estrita observância das normas contidas nos acordos firmados. Se tais acordos, contudo, não atendem às necessidades dos países em desenvolvimento, notadamente, quanto à questão dos subsídios, o foco deve ser a modificação desses acordos, e não a discussão em torno da importância e da lisura de um sistema de solução de controvérsias.

            O sistema não se encontra totalmente livre de pressões ou influências, principalmente na fase de implementação das decisões proferidas, mas essa situação é inerente à própria história da humanidade e, até mesmo, da própria natureza, em que o mais apto exerce o domínio sobre os menos preparados. O que se busca é o controle dessa situação, amenizando-a e enquadrando-a numa ótica de igualdade e interdependência, em que a condição de prevalência esteja indissociavelmente atada às regras previamente estabelecidas e, dessa forma, conseqüentemente neutralizada. Se um sistema de solução de controvérsias consegue, ao menos, reduzir e neutralizar, na medida do possível, esse desequilíbrio de forças, já está cumprindo boa parte de seus objetivos, contribuindo para uma certa organização e forma às relações comerciais internacionais, o que trará, inegavelmente, benefícios para a ordem política mundial.

            Em virtude dessa busca da equalização de medidas comerciais e forças políticas, se, de um lado, a globalização favorece a maioria, constitui, em oposição, perdedores que tendem a se organizar em blocos turbulentos. Existe ainda uma acirrada disputa por recursos naturais, que pode acarretar medidas protecionistas e até mesmo conflitos armados – foi o que desencadeou a Primeira Guerra Mundial e interrompeu um período de globalização capaz de rivalizar com o atual. Nesse viés, a história ensina um perigoso paradoxo: a abertura comercial ajuda as nações a prosperar, mas a prosperidade das nações não é garantia de que a abertura se amplie, nem sequer de que se mantenha. [46]


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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            BONDS. In: oxford Advanced Learner’s Dictionary. Oxford: Oxford, 2000.

            BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006. (Coleção Biblioteca de Direito Internacional)

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            CARVALHO, Maria Auxiliadora de; SILVA, César Roberto Leite da. Economia internacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

            DUAILIBI, Julia. O Paradoxo da Prosperidade. Veja, São Paulo, n. 2014, p. 74-76, 27 jun. 2007.

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            LAFER, Celso. O Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio. In: CASELLA, Paulo Borba (coord.); MERCADANTE, Araminta de Azevedo (coord.). Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio? A OMC e o Brasil. São Paulo: LTR, 1998.

            PROGRAMA ICI. Sistema de Solución de Diferencias. Disponível em: http://programaici.com.uy/pag_documento.php?documentoID=45> Acesso em: 25 maio 2007.

            THORSTENSEN, Vera. OMC: Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2005.

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OBRAS CONSULTADAS

            Obras

            CASELLA, Paulo Borba (coord.). MERCADANTE, Araminta de Azevedo (coord.). Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio? A OMC e o Brasil. São Paulo: LTR, 1998.

            Diccionario espasa escolar de la lengua española. Madrid: Espasa, 1997.

            FERNANDES, Francisco. LUFT, Celso Pedro. Dicionário de sinônimos e antônimos da língua português: de acordo com a ortografia oficial brasileira. 30.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989.

            FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas Técnicas para o Trabalho Científico: elaboração e formatação. Explicitação das normas da ABNT. 14.ed. Porto Alegre: [S.ed.], 2006.

            MESQUITA, Roberto Melo. Gramática da língua portuguesa. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

            RYAN, Maria Aparecida Florence Cerquera. Conjugação dos verbos em português – prático e eficiente. 5. ed. São Paulo: Ática, 1989.

            RUBIO, Paloma. Verbos españoles conjugados. 12.ed. Madrid: SGEL, 2002.

            SEINTENFUS, Ricardo. Legislação Internacional. Barueri: Manole, 2004.

            ______. Manual das organizações internacionais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

            UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa. Estrutura e apresentação de monografias, dissertações e teses: MDT. 6.ed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2006.

            VENTURA, Deisy. Monografia jurídica: uma visão prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

            ______. Las asimetrías entre el Mercosur y la Unión Europea: los desafíos de una asociación interregional. Montevidéu: Konrad Adenauer, 2005.

            Dissertações

            ZANOTO, Josianne. A funcionalidade do tribunal permanente de revisão do Mercosul: entre o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio e o tribunal de justiça das Comunidades Européias. Santa Maria: UFSM, 2006. Dissertação (Mestrado em Integração Latino-americana), Universidade Federal de Santa Maria, 2006.

            Capítulos de livros

            DINIZ, Arthur José de Almeida. Direito internacional: nova ordem ou velho caos? In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (coord.). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

            LASMAR, Jorge Mascarenhas. TAVARES, Rogério de Vasconcelos Faria. Desafios contemporâneos dos sistemas de solução de controvérsias. In: BRANT, Leonardo Nemer Caldeira (coord.). O Brasil e os novos desafios do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

            SOARES, Guido Fernando Silva. Os sujeitos em direito internacional público. In: ______. Curso de direito internacional público. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. v.1.

            ______. Responsabilidade internacional dos Estados: sanções. In: ______. ______. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. v.1.

            ______. Soluções pacíficas de controvérsias internacionais. In: ______. ______. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. v.1.

            Artigos e matérias de acesso em meio eletrônico

            BASSO, Maristela. BEAS, Edson. O acordo TRIPS como instrumento de retaliação cruzada e as regras da OMC – alternativa para o Brasil em caso de descumprimento dos EUA da decisão do órgão de apelação na controvérsia do algodão. Disponível em: www.ewg.org/issues/agriculture/20050609/pdf/trips.pdf> . Acesso em: 27 jan. 2007.

            CORRÊA, Luciane Amaral. A cláusula do tratamento nacional em matéria tributária do Gatt/94 e o Brasil: validade e responsabilidade internacional em face do artigo 151, III da Constituição Federal de 1988. Revista de Informação Legislativa, n.154, abr./jun. 2002. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_154/R154-11.pdf> . Acesso em: 04 fev. 2007.

            DECISÃO da comissão de 6 de janeiro de 2004 que encerra o processo de exame no que respeita ao programa brasileiro de financiamento das exportações , tal como aplicado ao sector da aeronáutica regional. Jornal Oficial da União Européia. Bruxelas, 8 jan. 2004. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2004/l_004/l_00420040108pt00250026.pdf> . Acesso em: 30 jan. 2007.

            KECH, Alexander. MALASHEVICH, Bruce. GRAY, Ian. A ‘probabilistic’ approach to the use of econometric models in sunset reviews. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=901606> . Acesso em: 04 fev. 2007.

            LIMÃO, Nuno. SAGGI, Kamal. Tariff retaliation versus financial compensation in the enforcement of international trade agreements. Disponível em: http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/ IW3P/IB/2006/03/24/000160016_20060324163518/Rendered/PDF/wps3873.pdf> . Acesso em: 04 fev. 2007.

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            Documentos em meio eletrônico

            Organização Mundial do Comério (http://www.wto.org)

            Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio

            Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias

            Ministério das Relações Exteriores (http://mre.gov.br)

            Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre Solução de Controvérsias

            Sites

            

www.bb.com.br

            www.brazil.ox.ac.uk

            

www.commercialdiplomacy.org

            

www.eiop.or.at

            

www.eur-lex.europa.eu

            

www.europa.eu.int

            

www.ewg.org

            

www.iconebrasil.com.br

            

www.jiel.oxfordjournals.org

            

www.mre.gov.br

            

www.oecd.org

            

www.programaici.com.uy

            

www.senado.gov.br

            

www.unctad.org

            www-wds.worldbank.org

            

www.wto.org
Sobre a autora
Flávia Regina Costa Ramos Albuquerque

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), técnica judiciária da Justiça Eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Flávia Regina Costa Ramos. O caso Bombardier versus Embraer:: análise crítica do emprego da retaliação no seio do sistema de solução de controvérsias da OMC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1514, 24 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10318. Acesso em: 8 nov. 2024.

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