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Princípios fundamentais em matéria ambiental nas Constituições brasileira e portuguesa

Agenda 02/09/2007 às 00:00

Os célebres princípios em matéria ambiental – nomeadamente, os princípios da prevenção, do desenvolvimento sustentável, do aproveitamento racional dos recursos naturais, do poluidor-pagador, da globalidade e da solidariedade inter-geracional – são formalizados em diversas constituições e tratados, adquirindo notória importância na ordem jurídica e nas agendas políticas governamentais.

O princípio da prevenção, pressupondo uma sociedade de risco, incumbe ao Estado, na figura do decisor público, munido da necessária cautela, a realização de um prognóstico das possíveis e prováveis conseqüências ambientais decorrentes de suas decisões, adotando, assim, as imperiosas medidas que as previnam ou minimizem. A avaliação de impacto ambiental, por exemplo, necessária à licença de atividades públicas e privadas potencialmente lesivas ao meio ambiente, é um procedimento administrativo de cunho preventivo. Através dela, os agentes públicos vetam ou condicionam a aprovação de obras ou projetos econômicos, visando à proteção dos recursos naturais. Tal princípio, no entanto, não somente vincula os Poderes de Estado, como também propicia parâmetros de atuação e comportamento das pessoas físicas e jurídicas. Segundo Luis Ortega Álvarez, "el principio de prevención es fundamental en la actuación ambiental, debido al alto potencial de irreparabilidad de los daños ambientales [...]" (1), considerando, inclusive, a fragilidade e a escassez de inúmeros componentes ecológicos. A despeito da pretensa existência de um princípio da precaução (2), de cunho prospectivo, doutrina Vasco Pereira da Silva:

o conteúdo do princípio da prevenção [...] tanto se destina, em sentido restrito a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não ainda inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros. [...] Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autônomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente. (grifo nosso). (3)

Tal diretiva da atividade pública é expressamente consagrada nas Constituições brasileira e portuguesa, a saber:

«art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [...]» «§1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;. » (grifo nosso) (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

« art. 66, n°2: Para assegurar o direito ao ambiente, [...] incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; » (grifo nosso) (Constituição da República Portuguesa, 1976).

O princípio do desenvolvimento sustentável, por sua vez, reclama a necessária avaliação e ponderação dos projetos de cunho econômico, tendo em vista os impactos e custos ambientais resultantes. Nesses aspectos, "la importancia de este principio es que pretende modular e integrar dos valores necesarios para la humanidad: el crecimiento económico del que se derive una mejor calidad de vida material y la protección del médio ambiente" (4), consubstanciados em uma relação custo-benefício. Em tal seara, os poderes públicos, no âmbito das atividades administrativa e legislativa, devem, segundo a denominada "fundamentação ecológica", justificar e demonstrar a sustentabilidade ambiental de suas medidas e decisões de desenvolvimento econômico, sob pena de afastamento, por inconstitucionalidade, de atos insuportavelmente gravosos para o meio ambiente (5).

« art. 66, n°2: Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos [...]: b) ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-econômico e a valorização da paisagem; » (grifo nosso) (Constituição da República Portuguesa)       

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Considerando a esgotabilidade e a fragilidade de inúmeros recursos naturais, o aproveitamento racional e adequado dos mesmos, pelas esferas pública e privada, é imperioso para o equilíbrio biótico, tornando-se um relevante princípio em matéria ambiental. As crises petrolíferas da década de 70, por exemplo, demonstraram e revelaram a necessária exploração racional de hidrocarbonetos, base das principais matrizes energéticas globais. As constituições brasileira e portuguesa abarcam o princípio nas seguintes disposições:

« art. 186: A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.» «art. 225, §4°: A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. » (grifo nosso) (Constituição da República Federativa do Brasil).

« art. 66, n° 2: Para assegurar o direito ao ambiente [...], incumbe ao Estado [...]: d) promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações. » « art. 93, n° 1: São objectivos da política agrícola: d) assegurar o uso e a gestão racionais do solo e dos restantes recursos naturais, bem como a manutenção da sua capacidade de regeneração; » (grifo nosso) (Constituição da República Portuguesa)

O princípio do poluidor-pagador, a cargo de produtores e consumidores, visa à compensação financeira dos danos ecológicos proporcionados pelas atividades de cunho econômico e os subseqüentes custos tendentes à regeneração ambiental. Em diversos países, a carga tributária existente sobre produtos e serviços abarca as denominadas green taxes, isto é, taxas associadas e direcionadas a fundos de preservação e reabilitação dos componentes ambientais naturais (6). Em Portugal, por exemplo, as reformas no sistema fiscal têm desempenhado um importante papel no cumprimento dos compromissos assumidos pelo país no âmbito do Protocolo de Kyoto. Nesses aspectos, cita-se, exemplificadamente, a redução dos impostos automotivos (7) agregados ao valor de veículos movidos a gás natural ou equipados com motores híbridos, da mesma forma que o Imposto de Valor Acrescentado (IVA), no âmbito do consumo de bens e serviços, é sensivelmente menor para o sistema de transporte público, propiciando um importante incentivo à sua utilização.

A doutrina brasileira, entretanto, apoiando-se na normativa constitucional pátria, alarga o campo de abrangência do princípio em questão, abarcando a responsabilidade civil em matéria ambiental.

« art. 225, §2°: Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. » (grifo nosso) (Constituição da República Federativa do Brasil).

« art. 66, n° 2: Para assegurar o direito ao ambiente [...], incumbe ao Estado [...]: assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida. » (Constituição da República Portuguesa)

As conseqüências trans-fronteiriças de inúmeros impactos ambientais propiciaram a formulação doutrinária do princípio da globalidade, cabendo a chefes de Estado, de governo e a autoridades legislativas pátrias o desenvolvimento de políticas ecológicas conexas ou comuns, tendentes à efetiva proteção dos componentes naturais a nível internacional. Deste princípio, emerge a perspectiva solidária, prolatada na Declaração do Rio (1992), pela qual os países desenvolvidos devem cooperar e auxiliar as nações de inferior condição econômica, no que tange à transferência de tecnologias que propiciem o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente nas suas diversas vertentes.

« Princípio 7: Os Estados cooperarão espírito de parceria global para conservar, proteger e recuperar a saúde e integridade do ecossistema da Terra. [...]; »

« Princípio 9: Os Estados deverão cooperar para reforçar as capacidades próprias endógenas necessárias a um desenvolvimento sustentável, melhorando os conhecimentos científicos através do intercâmbio de informações científicas e técnicas, e aumentando o desenvolvimento, a adaptação, a difusão e a transferência de tecnologias incluindo tecnologias novas e inovadoras; »

« Princípio 18: Os Estados deverão notificar imediatamente os outros Estados de quaisquer desastres naturais ou outras emergências que possam produzir efeitos súbitos nocivos no ambiente desses Estados. Deverão ser envidados todos os esforços pela comunidade internacional para ajudar os Estados afetados por tais efeitos; »

O princípio da solidariedade inter-geracional, pressupondo a esgotabilidade dos recursos naturais, acentua o dever de observância dos interesses vindouros, isto é, dos direitos ambientais das futuras gerações. Para tanto, cabe a promoção dos princípios da precaução, do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos recursos naturais, aliados a uma política fiscal reparadora. Conforme ensinamentos de Gomes Canotilho, "[...] os comportamentos ecológica e ambientalmente relevantes da geração actual condicionam e comprometem as condições de vida das gerações futuras" (8). Nesses aspectos, in verbis:

« art. 225, caput: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações" » (grifo nosso) (Constituição da República Federativa do Brasil).

« art. 66, n° 2: Para assegurar o direito ao ambiente [...], incumbe ao Estado [...]: d) promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; » (grifo nosso) (Constituição da República Portuguesa)


Referências bibliográficas

(1) ÁLVAREZ, Luis Ortega. Lecciones de Derecho del Medio Ambiente. 2.ed. Valladolid: Editorial Lex Nova, 2000. p.52.

(2) O Tratado constitutivo da União Européia, por exemplo, prescreve que "a política da comunidade [...] basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva". Os países de língua inglesa utilizam, mormente, a distinção entre supracitados princípios, caminhando, no mesmo sentido, boa parte da jurisprudência internacional.

(3) SILVA, Vasco Pereira da. Verde: Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002. p.67.

Atentar-se para a distinção existente entre risco, de natureza futura, sobre o qual assenta-se o pretenso princípio da precaução; e perigo, de cunho imediatista, associado à lógica da prevenção, que acreditamos ser artificial e improcedente, assim como entendimento do professor Vasco Pereira da Silva.

(4) ÁLVAREZ, Luis Ortega. Lecciones de Derecho del Medio Ambiente. 2.ed. Valladolid: Editorial Lex Nova, 2000. p.50.

(5) SILVA, Vasco Pereira da. Verde: Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002. p.73.

(6) Parte das receitas lusitanas resultantes dos impostos cobrados em matéria ambiental é direcionada ao Fundo Florestal Permanente, que apóia a prevenção de fogos florestais e a gestão sustentável das reservas naturais.

(7) A tributação automotiva reflete os custos sociais decorrentes das emissões de poluentes, do desgaste das infra-estruturas públicas e da utilização de recursos não-renováveis – nomeadamente, hidrocarbonetos combustíveis –, proporcionados pela utilização de veículos automotores.

(8) CANOTILHO, J.J. Gomes. O direito ao ambiente como direito subjectivo. In: A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - Stvdia Ivridica 81, Colloquia 13. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p.47.

Sobre o autor
André Pinto de Souza Oliveira

bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), aluno visitante na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, André Pinto Souza. Princípios fundamentais em matéria ambiental nas Constituições brasileira e portuguesa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1523, 2 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10338. Acesso em: 26 dez. 2024.

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