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Silêncio administrativo:

uma análise dos seus efeitos

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Agenda 02/10/2007 às 00:00

1 INTRODUÇÃO

Não raro o administrado, ao exercitar seu direito de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, depara-se com a situação de inércia da Administração Pública que, contrariando seu dever de resposta, mantém-se silente frente ao pleito que lhe foi dirigido.

Tal comportamento, implicando violação a preceitos constitucionalmente tutelados e indo de encontro à concepção de Estado Democrático de Direito, deve ser extirpado da realidade social. No entanto, a despeito do seu flagrante vilipêndio ao Ordenamento Jurídico, não se pode olvidar as repercussões práticas da referida inação.

Em que pese a relevância do tema, sobretudo ao se considerarem os efeitos sentidos pelos administrados, ao silêncio da Administração não se dispensa a atenção devida, quer pela doutrina, legislação ou jurisprudência pátrias, que se mantêm tímidas no que concerne à questão.

Todavia, visando amparar o administrado que se encontre vitimado pelo silêncio, há casos em que a lei prevê a atribuição de efeitos fictos, concessivos ou denegatórios, à apatia estatal, configurando as situações conhecidas como de silêncios positivo e negativo, respectivamente.

Na hipótese de não haver qualquer previsão legal, no entanto, não poderá o administrado ficar desorientado diante da incúria administrativa, pelo que emerge a necessidade de se fixarem, doutrinária e jurisprudencialmente, quais conseqüências serão atribuídas à apatia administrativa.

Em que pese a utilidade prática dos efeitos fictos do mutismo, capazes de minimizar os prejuízos sentidos pelo particular, tal ficção não será capaz de esgotar as pretensões do administrado, que tem direito não só a uma resposta, mas a uma resposta motivada, pois só assim será possível atuar na fiscalização do cumprimento dos deveres da Administração.

Assim, restará, ao particular, a possibilidade de recorrer administrativamente ou socorrer-se ao Judiciário, a fim de obter a motivação da providência ficta ou, a depender da hipótese, requerer a própria reforma do quanto deliberado por ficção.

Em tais casos, sentir-se-á a carência de instrumental especialmente desenvolvido para tanto, razão pela qual invocaremos mecanismos trabalhados no direito comparado, sugerindo a implementação daqueles aspectos que se afigurem úteis no combate ao pernicioso mutismo estatal.

Nesse passo, sustentando a inexistência de qualquer margem de liberdade do administrador quando lhe é solicitada uma providência discricionária, tentaremos demonstrar não haver distinção entre a atuação da Função Judiciária, chamada a decidir acerca da inércia da Administração Pública relativa a solicitações de natureza vinculada, e aquela atuação nas hipóteses em que inércia administrativa refira-se a matéria discricionária.

Ademais, na tarefa de combate ao silêncio, avulta de importância a efetivação dos mecanismos de responsabilização não só do Estado – que seguirá a teoria objetiva –, como do administrador negligente, o qual deve ser sancionado nas esferas cível, penal e administrativa.

Em linhas gerais, é sobre tais repercussões do silêncio da Administração que nos dedicaremos neste trabalho, tecendo considerações sobre a natureza jurídica da apatia estatal e projetando a necessidade de discussões mais profundas sobre a temática em foco. Antes, no entanto, tentaremos afastar as controvérsias terminológicas sobre a questão, apontando nossa visão acerca de alguns dos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública e propondo uma releitura da teoria da separação dos poderes.


2 TERMINOLOGIA ADOTADA

Volta-se o presente estudo à análise de situações de inércia administrativa, ou seja, hipóteses em que, a despeito de se esperar da Administração determinado comportamento, esta se mantém apática, descuidando dos deveres que lhe são legalmente impostos.

Pode o Estado, todavia, manter-se inerte nas mais variadas situações, pelo que se nos afigura necessário apontar com maior precisão quais hipóteses de inércia administrativa importarão ao presente estudo, sob pena de, ao se tentar abraçar todas as situações de apatia estatal, não se conseguir discorrer, com o mínimo de cuidado necessário, sobre as facetas que o tema sugere.

Assim, não se cuidará, neste trabalho, das hipóteses em que a inércia do Estado se revela pela não implementação de políticas públicas ou pela negativa da prática de atos que se fazem necessários à concretização de projetos socialmente imprescindíveis – apesar de reconhecermos os problemas acarretados por esta omissão. Deter-se-á, em verdade, às situações em que, instada a se manifestar, a Administração esquiva-se de decidir o quanto lhe foi posto à apreciação pelo administrado, negando-lhe o direito de resposta. Cuidar-se- á, portanto, da inatividade formal a que se refere Horacio D. Creo Bay. [01]

Impõe-se, portanto, apontar a denominação pela qual identificaremos as hipóteses de inércia objeto deste estudo. Assim, descarta-se, de logo, a expressão "omissão administrativa", invocada por alguns doutrinadores pátrios, a exemplo de Hely Lopes Meirelles [02], uma vez que carece de especificidade, servindo para identificar não só a negativa de resposta ao pedido do administrado, como as situações em que a Administração Pública se omite por deixar de atuar positivamente em questões sociais.

Isso porque, o vocábulo "omissão", sendo antônimo perfeito da idéia de ação, conduz-nos a imaginarmos uma ausência de atuação positiva daquele que deveria se manifestar por uma ação material, servindo à identificação de situações mais amplas do que as que aqui se abordarão.

Da mesma forma, parece-nos inapropriada a denominação, costumeiramente invocada nos estudos portugueses, no sentido de tratar a inércia da Administração frente às pretensões do administrado como um "ato tácito" [03] ou, como preferem alguns, como um "ato implícito" ou " ato presumido".

Isso porque, como se pretende esclarecer oportunamente neste trabalho, cuidando-se de situações marcadas pela inércia, ou seja, pela inatividade do Estado, não entendemos haver qualquer ato jurídico da Administração, mas meros fatos relevantes para o Direito. Assim, ao se utilizar o significante "ato" acompanhado de qualquer um dos adjetivos supramencionados para denominar o objeto deste estudo, incorre-se no equívoco de posicioná-lo, quanto a sua natureza jurídica, em classificação que entendemos inapropriada.

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Aplaudimos, então, a iniciativa de Odete Medauar [04], designando a inércia da Administração frente aos pleitos do administrado como um "não ato". Tal expressão, todavia, em que pese atenta à natureza jurídica do tema que aqui se propõe estudar, revela-se por demais genérica, servindo a identificar todas as hipóteses em que a Administração Pública não pratica um ato, mas mero fato jurídico. Não é capaz, portanto, de particularizar a situação que se propõe analisar neste trabalho.

Assim, somos pela utilização da locução "silêncio da Administração", por vezes substituída por "silêncio administrativo", para descrever a situação trazida a debate, já que capaz de encerrar as nuances que a temática em foco comporta.

Ora, quem silencia nada diz. Dessa forma, por "silêncio" identifica-se a exata situação da inércia da Administração, consubstanciada não na sua omissão genérica, mas no seu mutismo frente às pretensões do administrado.

Registramos, ainda, não vislumbrarmos, a distinção apontada pela doutrina espanhola [05], segundo a qual as expressões "silêncio da Administração" e "silêncio administrativo" guardam uma relação de gênero e espécie, respectivamente, sendo aplicáveis para situações distintas. Assim, no presente estudo, tomar-se-ão como sinônimas as mencionadas expressões.


3 NATUREZA JURÍDICA DO SILÊNCIO

Consoante se depreende dos estudos propedêuticos do Direito, analisar a natureza jurídica de algo é tentar dizer qual o seu significado para o Direito, encontrando sua posição na taxonomia construída pelo saber jurídico.

Nesse passo, impõe-se conceituar o que vem a ser fato jurídico que, em sua acepção mais ampla, compreende todo "evento que produz o nascimento, modificação ou extinção de direitos e deveres". [06]

O conceito de fato jurídico enquanto gênero, todavia, abarcando todos os eventos que se apresentam relevantes ao Direito, carece da especificidade que um estudo taxonômico requer, de maneira que cumpre situá-lo de forma mais precisa, agrupando os citados fenômenos de acordo com suas características comuns.

Nessa tarefa, os autores de Direito Privado costumam identificar duas, por vezes três, categorias em torno das quais entendem dever serem agrupados os eventos relevantes para o Direito, quais sejam: fato jurídico stricto sensu, ato jurídico lato sensu e, para os que apontam uma terceira categoria [07], o ato-fato jurídico. Para o que se propõe este trabalho, todavia, limitar-nos-emos às duas primeiras classificações, apontando em linhas gerais suas peculiaridades.

Assim, nas lições do civilista Sílvio de Salvo Venosa [08], fato jurídico em sentido estrito compreende "os eventos que independentes de vontade do homem, podem acarretar efeitos jurídicos", ao passo que são "atos jurídicos (que podem também ser denominados atos humanos ou atos jurígenos) aqueles eventos emanados de uma vontade, quer tenham intenção precípua de ocasionar efeitos jurídicos, quer não."

Como se afirmou, todavia, tal classificação é oriunda do Direito Privado, em que a autonomia da vontade se afigura a excelência das relações. Assim, a tentativa de importação de tal lógica – nascida, repita-se, das relações privatísticas, sem que se promova o desbaste das suas múltiplas arestas – para situações regidas pelo Direito Público, em que só se é dado fazer o que a lei expressamente autoriza, afigura-se medida fadada ao insucesso.

É verdade que para a conformação de um comportamento administrativo, faz-se necessária a participação de um agente humano. Nesse sentido, até mesmo quando se tratar da atuação de uma máquina, há que se reconhecer a existência de um prévio comando humano a orientar a operação mecanicamente realizada.

Todavia, no exercício de sua função, o administrador será apenas um intérprete da vontade da lei, não lhe sendo dado manifestar qualquer volição particular, nem lhe sendo permitida qualquer margem de arbítrio.

Isso porque, ao contrário do que sucede no Direito Privado, em que é permitido fazer tudo o quanto a lei não vedar, em sede de Direito Público, regido pelo preceito da estrita legalidade, só será dado ao administrador atuar em conformidade ao quanto determinado em lei.

Quem ad ministra, ministra para alguém, de maneira que apenas lhe será possível atuar tendo em vista o interesse público a ser atendido. Assim, o elemento da vontade do agente público não pode ser tomado em consideração na finalização das medidas administrativas, sob pena de se incorrer na patológica situação do desvio de finalidade [09], negando-se a própria essência do conceito "ad ministração".

Saliente-se, oportunamente, que mesmo nas situações em que haja atribuição identificada como discricionária, não será dado ao agente público atuar de acordo com seus interesses particulares, sobrelevando sua vontade à da coletividade, devendo sempre perquirir os juízos de conveniência e oportunidade relativos aos administrados.

Sem ousarmos adentrar na questão da discricionariedade, matéria bastante à elaboração de um outro estudo monográfico, registramos estarmos afinados ao quanto entende Dr. Celso Luiz Braga de Castro, para quem o que ocorre na atribuição discricionária, longe de ser a conferência de liberdade para o administrador atuar de acordo com suas conveniências, é o deslocamento do instante de identificação da solução que melhor satisfaz o interesse público, avaliando-a de acordo com o instrumental disponível para cada situação em concreto, cotejada ao juízo de conveniência e oportunidade do administrado e não, do administrador. [10]

Assim, seja na conduta vinculada ou na discricionária, não há que se falar em qualquer manifestação de vontade individual do agente a interferir na formação do comportamento da Administração. Dessa maneira, a definição do que vem a ser ato jurídico administrativo há que considerar tal particularidade, restando inútil, portanto, o modelo importado dos estudos privatísticos, que adota, como núcleo da distinção entre fato jurídico stricto sensu e ato jurídico, a concorrência da vontade do agente.

Em outras palavras, sabendo-se que a atuação do administrador há que ser sempre coincidente com o quanto previsto na legislação, sua vontade jamais deverá interferir no comportamento adotado em nome da Administração Pública, quer quando harmoniosa aos preceitos legais – hipótese em que não terá qualquer notoriedade, por se confundir com os comandos normativos – quer quando não coincidente àqueles – desenhando-se as hipóteses patológicas dos desvios de conduta, que devem ser extirpadas do universo jurídico.

Dessa forma, restando aclarado que o elemento volitivo do agente não há que ser considerado na manifestação da Administração, insta redefinirmos, para fins de análise do tema em comento, inserto no âmbito do Direito Público, o que viria a ser ato jurídico administrativo. Nesse sentido, afirma o ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello [11]:

Atos jurídicos são declarações vale dizer, são enunciados; são falas prescritivas. O ato jurídico é uma pronúncia sobre dada coisa ou situação, dizendo como ela deverá ser. Fatos jurídicos não são declarações; portanto, não são prescrições. Não são falas, não pronunciam coisa alguma. O fato não diz nada. Apenas ocorre. A lei é que fala sobre ele. Donde a distinção entre ato jurídico e fato jurídico é simplíssima.

Nessa esteira de raciocínio, o ato jurídico administrativo seria identificado nas manifestações do Estado através das quais efetivamente seja enunciado seu posicionamento sobre algo.

Para quem, todavia, resistindo ao quanto dito, identifique a voluntariedade como sendo a marca do ato jurídico administrativo stricto sensu, importando os conceitos nascidos do Direito Privado, irrefutável admitir que tal vontade há que ser identificada como uma volição da Administração Pública - e não, do seu agente. Assim, considerando que a Administração, enquanto entidade desmaterializada, há que obedecer estreitamente os comandos normativos, sua "vontade" há que ser identificada com o atendimento aos preceitos legais.

Restaria, então, mais uma vez, obviada a irrelevância de se perquirir a volição do agente, impondo-se, sob essa ótica, a definição de ato jurídico administrativo como sendo aquele orientado pelo comando legal.

Ilustrando o quanto dito, oportuna a invocação da figura do servidor público louco [12] que tenha praticado um ato previsto em lei. Nesse caso, em que pese o Direito não perquirir a vontade dos inimputáveis, na hipótese do comportamento adotado pelo servidor estar de acordo com o quanto previsto em lei, poder-se-á entender perfeccionado um ato – e não mero fato - da Administração, restando ratificado nosso posicionamento acerca da irrelevância da vontade do agente público na configuração dos atos administrativos.

Feitas tais considerações, cumpre identificarmos qual a natureza jurídica do silêncio da Administração Pública.

Quem silencia, nada diz, nada enuncia, nada declara. Assim, nítido não se poder identificar, na linha da conceituação de Celso Antônio Bandeira de Mello, à qual nos afinamos, qualquer fala prescritiva, ou seja, qualquer declaração no silêncio da Administração Pública. O que se verifica é a inércia do Estado que, provocado a se manifestar, mantém-se apático. Acompanhamos, dessa forma, Horacio D. Creo Bay que, cuidando do silêncio, sustenta, in verbis:

No existe acto. Es, sencillamente, una técnica instrumentada para favorecer a los administrados. Más que una función, es una técnica consistente en una presunción legal. La presunción es un elemento que completa la realidad, mientras que la ficción es "una situación imaginaria que, em muchos casos, se encuentra em condicción com la realidad". [13]

Sabe-se que o direito de petição, previsto no artigo art. 5º, inciso XXXIV, da Carta Magna, traz como seu corolário o direito de resposta – o que será abordado neste estudo em momento oportuno. Assim, o mutismo do Estado, quando não responde aos pleitos que lhe são formulados, não se nos afigura um ato jurídico, já que não há qualquer declaração da Administração. Todavia, por se tratar de evento relevante ao Direito, conforma um fato jurídico administrativo.

Nesse passo, registramos nossa discordância com o entendimento de Renato Alessi, professor da Universidade de Parma que, segundo Marcelo Sciorilli, malgrado negue o silêncio da Administração genericamente como um ato jurídico, admite tal natureza sempre que a lei lhe atribua determinados efeitos. Transcreve-se:

Ainda assim, porém, o silêncio administrativo não pode ser considerado, via de regra, um verdadeiro e próprio ato administrativo (provvedimento), posto que falta nele o elemento referente à determinação volitiva. Sustenta o insigne jurista, no entanto, que a lei pode atribuir um determinado efeito ao silêncio, quando se teria, então, uma manifestação presumida da Administração. Em tais hipóteses, o silêncio corresponderia a uma manifestação administrativa e poderia, portanto, ser tido como um ato administrativo (provvedimento) tácito ou presumido. [14]

Há que se registrar que a previsão legal de efeitos para as hipóteses em que a Administração mantém-se inerte não é capaz de transmudar suas naturezas jurídicas, tornando-as atos. Isso porque, quando a legislação aponta dada conseqüência para a apatia estatal, longe de legitimar a não atuação administrativa, visa promover a minimização dos prejuízos que poderiam advir ao particular.

Ademais, sabendo-se que é dever do administrador se pronunciar sobre os pleitos que lhe são dirigidos, não admitimos a interpretação do silêncio como uma inércia proposital, pois, em tal hipótese, estar-se-ia valorizando o elemento psicológico do agente público, como se este importasse ao fenômeno jurídico em comento. Em outros termos, mesmo que não seja esta a vontade do agente, a Administração, por determinação constitucional, há que responder aos pleitos que lhe são dirigidos, de maneira que, se não é a "intenção" da Lei Maior a negativa de resposta ao administrado, não se pode permitir haver esse tipo de propósito do administrador.

Nem se diga haver no silêncio um pronunciamento tácito, ou um ato omissivo da Administração Pública, como preferem alguns, forçando-se sua alocação enquanto um ato jurídico. Isso porque, consoante se estudará adiante – abordando-se a aplicação dos princípios constitucionais ao tema em comento – a forma, em Direito Administrativo, longe de ser um elemento extrínseco à relação jurídica, é uma garantia para o administrado. Assim, valendo-nos da máxima utilizada por Dr. Celso Castro, "a forma do ato administrativo é conteúdo da liberdade do administrado". [15]

Ora. É verdade que na esfera privada a autonomia de vontade das partes confere àquelas relações possibilidade de modificação por acordo entre as partes. Entretanto, quando se cuida de Direito Público, marcado pela heteronomia, ou seja, pela determinação unilateral das regras pela Administração – sempre com vistas ao atendimento do interesse público –, a forma com que previamente se defina a adoção de determinado comportamento será uma garantia ao administrado de que, sem a utilização daqueles meios indicados, não poderá haver atuação administrativa.

Além disso, em harmonia ao que entende o professor Celso Castro, se a essência do existir da Administração é prover os interesses da coletividade, ou, como se disse, "ministrar para alguém", é no cumprimento de tal dever que a função administrativa se nos revela. Assim, impõe-se que o administrado tenha mecanismos incontroversos de identificar o cumprimento dos deveres da Administração, donde a forma previamente firmada para os atos por ela praticados representará mecanismo através do qual o cidadão poderá acompanhar a atuação administrativa, preservando sua liberdade.

Nessa linha de raciocínio, não seria possível concebermos a existência de manifestação da Administração através de atos omissivos, pois na omissão não seria possível ao administrado vigiar o efetivo cumprimento dos deveres do Estado. Ademais, como será melhor esclarecido no momento oportuno, na omissão não se consigna a motivação da atuação administrativa, o que cerceia os direitos de defesa do administrado.

Ainda no que pertine à natureza jurídica do silêncio administrativo, adiantamos não estarmos alinhados ao quanto sustenta Ernesto Garcia ~Trevijano Garnica, renomado doutrinador espanhol, para quem o silêncio administrativo manifestaria naturezas jurídicas diversas a depender das conseqüências – positivas ou negativas – que ele possa acarretar.

Para o citado autor, o silêncio a que se atribuem efeitos negativos consubstanciaria mero fato jurídico, ao passo que, havendo efeitos positivos, deferindo-se o quanto pleiteado, identificar-se-ia verdadeiro ato jurídico administrativo. Observemos sua sustentação:

Se ha puesto de manifesto la dificultad de dar una definición unitaria del silencio administrativo en sentido estricto, debido fundamentalmente a las diferencias intrínsecas (especialmente de naturaleza) que existen entre el negativo y el positivo. [...]

La operatividad del silencio administrativo positivo da lugar al surgimento de un acto presunto, y, como tal, a um verdadeiro acto administartivo. [16]

E continua o citado autor:

El administrado se encuentra ante um acto (presunto) investido de idênticas garantias y efectos que e lacto expreso. [...]

Por el contrario, del silencio negativo no surge estrictamente acto alguno (ni sus efectos tienen el valor de un acto en toda su amplitud), pues ni concurre la vontad (por presunción) de la Adminstración, ni la ley la sustituye directamente, a diferencia de los que ha expuesto en relación con el silencio positivo. [17]

Coadunar com tais colocações, todavia, implica tentar-se apontar a ontologia do instituto do silêncio, adotando-se suas conseqüências como ponto de partida, percorrendo-se, portanto, o caminho inverso do que entendemos razoável: saber o que o silêncio representa para, então, ponderar seus inegáveis efeitos.

Pelo expendido, entendemos irrefutável a natureza jurídica do silêncio enquanto um fato administrativo, não obstante se possa identificar, como conseqüência prevista legalmente para o fato da inércia administrativa, a conformação de um ato jurídico. Não se pode, entretanto, confundir a ontologia do instituto em comento, com os efeitos que inegavelmente ele venha a acarretar.

Sobre a autora
Ana Carolina Araújo de Souza

bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia, assessora jurídica da Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ana Carolina Araújo. Silêncio administrativo:: uma análise dos seus efeitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1553, 2 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10482. Acesso em: 24 nov. 2024.

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