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Juiz de piso ou juiz de planície?

Agenda 02/07/2023 às 09:02

O termo "juiz de piso" ou “juiz de planície”, além de equivocado, revela incompreensão sobre a função e a importância desses magistrados.

Parafraseando os bordões do narrador Galvão Bueno, da TV Globo, que se tornaram tão conhecidos nos comentários dos jogos transmitidos pela emissora, onde trocava informações técnicas com o especialista Arnaldo Cezar Coelho, chega-se a um tema que recentemente causou burburinhos na comunidade jurídica: o uso pejorativo da expressão “juiz de piso ou, juiz de planície”. O assunto foi abordado calorosamente em um julgamento ocorrido na Quinta Turma do STJ, em 20/6/20231, que teve forte repercussão nas redes sociais.

Na ocasião, o ilustríssimo professor e Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, fez uma importante colocação: a necessidade de se respeitar a denominação adequada do Juiz de 1ª Instância, designado, com certa frequência e erroneamente, como “juiz de piso”.

O Ministro declarou: “sou juiz há trinta e um anos, e não me considero juiz de teto, portanto, não existe juiz de planície ou de piso. Eu, como juiz de carreira, não posso aceitar essas expressões. Há juiz de 1º Grau, que é o magistrado verdadeiramente dentro do Estado Juiz. Juiz de piso, juiz de planície não existe, na verdade há magistrado. Magistrado no Primeiro Grau, magistrado no Segundo Grau, e magistrado nas cortes superiores”.

É importante destacar que o sistema judiciário brasileiro é baseado em uma divisão constitucional e legal de competências entre as diferentes instâncias judiciais. Essa divisão não implica em uma hierarquia entre os magistrados, mas sim em uma distribuição de responsabilidades e competências específicas.

Assim, o Poder Judiciário desempenha um papel essencial na aplicação da justiça e na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo que cada instância tem sua competência delimitada na lei e na constituição, com atribuições e responsabilidades diferentes.

O juiz de direito é fundamental para a efetividade do sistema judicial. É ele quem primeiro recebe a controvérsia. É quem está face a face com o jurisdicionado e com a causa que lhe é submetida. É quem primeiro interpreta a lei, buscando a justiça no caso concreto. Sua atuação envolve a análise minuciosa das provas, a aplicação correta das leis e o equilíbrio entre os interesses em conflito.

O magistrado de 1º grau lida com uma grande carga de processos e tem a difícil tarefa de cumprir as metas dispostas pelo Conselho Nacional de Justiça, sem se descuidar do impacto que cada uma de suas decisões causam na vida das pessoas. Seu trabalho é de extrema responsabilidade e exige, além de conhecimento jurídico aprofundado, humanidade senso de justiça. Não merece ser alvo de qualquer tratamento desrespeitoso que diminua a sua importância na engrenagem do Poder Judiciário.

O termo "juiz de piso" ou “juiz de planície” para além de equivocado é uma expressão pejorativa e inadequada que revela uma falta de compreensão sobre a função e a importância desses magistrados, bem como desrespeita sua dignidade. O conceito de "piso" é frequentemente associado a algo inferior, subalterno ou de menor importância. Piso, é onde andamos. Onde pisamos. É o chão. É o solo. No entanto, quando se trata de juízes de 1ª instância, essa associação é equivocada e injusta.

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O princípio da fraternidade, cuja defesa precursora no Superior Tribunal de Justiça é atribuída ao Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,2 está previsto no preâmbulo e no art. 3º, da Constituição Federal, e perfaz uma ideia fundamental que deve nortear a relação entre as pessoas, inclusive no que diz respeito ao tratamento entre as autoridades judiciais. É um princípio que, mais do que nunca, precisa ser resgatado, reaprendido e fortemente aplicado!

Não cabe a um colega se referir ao outro com ar de superioridade. Não cabe ao advogado ou às partes se reportarem ao juiz de forma desrespeitosa. Por seu turno, também não cabe ao juiz tratar a ninguém com desprezo. A deferência é uma virtude que deve nortear o tratamento entre todas as pessoas minimamente civilizadas.

A fraternidade implica tratar a todos com respeito, empatia, solidariedade e consideração, reconhecendo a dignidade dos indivíduos como seres humanos que são, independentemente de cargos, patentes ou grau de instrução.

Ao utilizar termos pejorativos, como "juiz de piso", viola-se a dignidade da pessoa humana, um princípio constitucional aplicável a todos, inclusive àquele responsável por salvaguardá-lo e garantir sua aplicação, ou seja, o próprio juiz. Viola-se, nesse toar, a dignidade da própria justiça. É como se a decisão proferida em primeira instância não tivesse nenhuma importância. Isso, além de grotesco, é inadmissível!

Os juízes de instâncias superiores, como os tribunais, possuem competências diferentes daquelas exercidas pelos juízes de 1ª instância. Portanto, utilizar expressões pejorativas, como "juiz de teto", para se referir a esses magistrados de instâncias superiores também é inadequado e desrespeitoso.

É fundamental reconhecer e respeitar a importância do trabalho realizado pelos juízes de 1ª instância e utilizar a denominação adequada ao se referir a eles.

Portanto, é necessário conscientizar e promover o uso adequado da terminologia jurídica, evitando-se referências pejorativas aos juízes de 1ª instância e reconhecendo a importância de seu trabalho árduo e responsável na administração da justiça. O respeito mútuo entre os atores do sistema judiciário é essencial para a efetividade e legitimidade do Poder Judiciário como um todo.

Então, respondendo à pergunta: “Juiz de piso ou juiz de planície? Pode isso, Reynaldo?” A resposta é seguramente não! Não pode! Andou bem o Ministro, sempre tão necessário.

É imprescindível o respeito e deferência mútuos entre todas as pessoas, independentemente da função profissional que elas exercem. Humanidade é preciso. Fraternidade, também. Haja coração! Que haja coração!


Notas

  1. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BYSuKeML_d8>. Consulta em 27/6/2023.

  2. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 74.123/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 25/11/2016: “O princípio da fraternidade é uma categoria jurídica e não pertence apenas às religiões ou à moral. Sua redescoberta apresenta-se como um fator de fundamental importância, tendo em vista a complexidade dos problemas sociais, jurídicos e estruturais ainda hoje enfrentados pelas democracias. A fraternidade não exclui o direito e vice-versa, mesmo porque a fraternidade enquanto valor vem sendo proclamada por diversas Constituições modernas, ao lado de outros historicamente consagrados como a igualdade e a liberdade. O princípio constitucional da fraternidade é um macroprincípio dos Direitos Humanos e passa a ter uma nova leitura prática, diante do constitucionalismo fraternal prometido na CF/88 (preâmbulo e art. 3º)”.

Sobre o autor
Leonis de Oliveira Queiroz

Mestre em Regulação e Políticas Públicas (Universidade de Brasília - UNB). Pós-graduado em Direito Público. Graduado em Direito e em Segurança da Informação. Ex- Conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal COPEN/DF. Servidor do Superior Tribunal de Justiça (ex-assessor da Presidência). Advogado licenciado. Autor de livro e diversos artigos publicados em diferentes periódicos e revistas eletrônicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Leonis Oliveira. Juiz de piso ou juiz de planície?: Pode isso, Reynaldo? Haja coração!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7305, 2 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104890. Acesso em: 22 dez. 2024.

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